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IMUNOLOGIA AULA 6 Profª Stephanie Von Stein Cubas CONVERSA INICIAL Imunoprofilaxia, imunoterapia e alterações imunológicas O sistema imunológico é constituído por uma intrincada rede de órgãos, células, tecidos e moléculas, com o objetivo de manter a homeostase do organismo, combatendo as agressões em geral. A imunidade inata atua em conjunto com a imunidade adaptativa. Ela é caracterizada pela rápida resposta à agressão, independentemente de estímulo prévio, sendo a primeira linha de defesa do organismo. Os mecanismos incluem barreiras físicas, químicas e biológicas, componentes celulares e moléculas solúveis. A primeira defesa do organismo a um dano tecidual envolve diversas etapas intimamente integradas e constituídas pelos diferentes componentes do sistema. Alterações no funcionamento do sistema imune acarretam diferentes impactos no organismo. Existem também diversas formas de proporcionar mecanismos de defesa, melhor tratamento e até cura de várias doenças. TEMA 1 – IMUNOPROFILAXIA A imunoprofilaxia é um conjunto de processos de profilaxia, ou seja, prevenção, que utilizam ativações do sistema imunológico. Esse processo é conhecido por imunização. A imunização pode ser classificada como passiva ou ativa. O modo passivo compreende transferir células e compostos da resposta imune, como anticorpos, realizando a passagem de um indivíduo produtor para um receptor. Exemplos da imunização passiva: anticorpos passados da mãe para o bebê e mecanismo com soros. Diferentemente do modo passivo, o modo ativo necessita ser provocado para o desenvolvimento da resposta imune. O principal exemplo de imunização ativa são as vacinas. Os dois mecanismos, tanto o passivo como o ativo, se baseiam no princípio de vacinação de Edward Jenner, segundo o qual o sistema imunológico necessita ser exposto a um antígeno para que a resposta imune se desenvolva. Na imunoprofilaxia passiva, os soros são utilizados quando existe a necessidade de resposta imunológica rápida contra um antígeno. A utilização de soros antiofídicos é muito comum. Esse tipo de soro contém anticorpos protetores contra veneno de cobras. Normalmente, esses soros são produzidos por outros animais de grande porte, principalmente cavalos, pelo fato de esses animais produzirem grande quantidade de anticorpos, o que possibilita formar um estoque do soro. Além dos antiofídicos, existem outros tipos de soros que combatem outros tipos de venenos e peçonhas, como escorpião e aranhas, soros antiproteínas bacterianas e soros antitimocitário, utilizados em pacientes que passam por transplante de órgãos sólidos, com o intuito de evitar a rejeição. Em suma, os soros são utilizados quando precisamos de uma resposta rápida e eficaz a uma exposição recente a um antígeno, pelo fato de que a resposta imune, sem a utilização do soro, seria lenta, considerando a urgência da situação. É importante ressaltar que o soro provoca a reposta imunológica; entretanto, não gera células de memória para o antígeno combatido. Na imunoprofilaxia ativa, como nas vacinas, na maioria dos casos os antígenos são utilizados de forma fragmentada, em que apenas uma parte do material genético do microrganismo é utilizada para desencadear a resposta imune. Após o contato com o antígeno, o organismo inicia a produção de várias células, que reconhecem diferentes partes do antígeno, possibilitando melhor resposta imune a um agressor e, como consequência, maior defesa. É onde tem início a produção dos anticorpos que se ligam aos antígenos para neutralizá-los. As vacinas atuam como instruturas do sistema imune, ensinando, de maneira autônoma, a formar uma resposta contra o antígeno. No momento em que o sistema imune é capaz de reconhecer este antígeno, automaticamente têm início processos que os produzem e os enviam às células responsáveis, para combater e neutralizar os antígenos. Devido à complexidade da imunoprofilaxia ativa, além da resposta imune, ocorre também o desenvolvimento de células de memória, capacitando o reconhecimento e o combate mais rapidamente. O uso das vacinas é um processo seguro, que atua de forma preventiva com uma infinidade de doenças. Já os soros compõem um método passivo e de tratamento, e, portanto, não atuam como processo preventivo. TEMA 2 – IMUNOTERAPIA A imunoterapia é baseada na administração de doses mínimas e progressivas de extrato alergênico específico, promovendo tolerância periférica por baixas doses repetitivas de antígeno, por meio de vários mecanismos de ação, como ilustra o Quadro 1. Na prática, a imunoterapia trata do uso de “componentes” do sistema imune (como células, anticorpos monoclonais, citocinas recombinantes), com o objetivo de potencializar o sistema imunológico, para que seja capaz de combater infecções e outras doenças, como o câncer. Quadro 1 – Mecanismos da imunoterapia Aumenta a população de T reguladores Diminui em longo prazo IgE sérica específica Mecanismos de Ação Mudança do perfil Th2 para Th1 Diminui número de receptores para IgE Aumento da IgG4 bloqueadora Impedimento do acúmulo de eosinófilos Fonte: elaborado com base em Forte, 2015. Nas últimas décadas, a imunoterapia tornou-se uma parte importante do tratamento de alguns tipos de câncer. Novos tipos de tratamentos imunoterápicos têm sido pesquisados, com grande potencial para o tratamento de câncer. A imunoterapia inclui tratamentos que agem de maneiras distintas. Alguns estimulam o sistema imunológico do corpo de uma forma muito geral, enquanto outros ajudam o sistema imunológico a atacar as células cancerígenas de modo específico. Existem basicamente dois tipos de imunoterapia: a ativadora (tratamento de doenças pela indução da resposta imune) e a supressora (tratamento de doenças pela supressão da resposta imune). De acordo com as substâncias utilizadas e os seus respectivos mecanismos de ação, pode ser classificada em imunoterapia ativa ou passiva. A Imunoterapia ativa trabalha com substâncias estimulantes da função imunológica (imunoterapia inespecífica). As vacinas “celulares” (imunoterapia específica) são administradas com a finalidade de estimular/intensificar a resposta imune (Quadro 2). Quadro 2 – Imunoterapia ativa inespecífica e específica e suas representações práticas Imunoterapia inespecífica BCG e derivados Levamisole. Corynebacterium parvum Citocinas recombinantes (como IL-2) Imunoterapia específica Vacinas “celulares” com antígenos tumorais ou virais Vacinas celulares gênicas Vacinação convencional para doenças infecciosas A imunoterapia passiva, também chamada de adotiva, trata da administração de imunobiológicos/imunoterapêuticos (anticorpos monoclonais, receptores solúveis, antagonistas de receptores, Imunoglobulinas totais purificadas) ou células exógenas (Quadro 3), com o objetivo de estimular/intensificar a capacidade imunológica de combate imediato à doença. Quadro 3 – Imunoterapia passiva humoral e celular e representações práticas Imunoterapia humoral Imunobiológicos/imunoterapêuticos (substâncias solúveis tais como proteínas recombinantes, anticorpos monoclonais, Igs totais purificadas, soros) Imunoterapia celular As células são transferidas para o paciente (transferência adotiva); células modificadas geneticamente A imunoterapia é indicada nos seguintes casos: • A doença provoca sintoma graves que interferem na qualidade de vida cotidiana do paciente; • A doença põe em risco a vida do paciente; • Outros tratamentos disponíveis não são eficazes contra a doença. • Casos em que outros tratamentos disponíveis provocam efeitos colaterais intensos ou graves, que podem colocar em risco a vida do paciente. A imunoterapia apresenta menos efeitos colaterais ao paciente em comparação a outras terapias,sendo um processo mais controlável e menos intenso. Não há queda de cabelo ou fraqueza provocada pela droga. Porém, podem ocorrer reações imunes relacionadas a pele, pulmão, tireoide e fígado. TEMA 3 – REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE A hipersensibilidade se refere a reações excessivas e indesejáveis (danosas, desconfortáveis e às vezes fatais) produzidas pelo sistema imune normal. Reações de hipersensibilidade requerem um estado pré-sensibilizado (imune) do hospedeiro. Em outras palavras, quando um indivíduo sofre uma estimulação imunológica anterior, o contato adicional com o antígeno leva a um reforço secundário da resposta imunitária. Entretanto, a reação pode ser excessiva e acarretar danos profundos nos tecidos (hipersensibilidades), podendo ocorrer se o antígeno estiver presente em quantidades relativamente altas ou se o estado imunológico humoral ou celular apresentar um nível intensificado. As reações de hipersensibilidade podem ser divididas em quatro tipos: tipo I, tipo II, tipo III e tipo IV, com base nos mecanismos envolvidos e no tempo de reação. Frequentemente, uma condição clínica particular (doença) pode envolver mais de um tipo de reação. 3.1 Hipersensibilidade tipo I Reações de hipersensibilidade humoral tipo I, ou atopias, são estados inflamatórios da pele e/ou mucosas. O mecanismo da reação envolve produção preferencial de IgE, em resposta a certos antígenos (alergenos). IgE apresenta afinidade pelo seu receptor em mastócitos e basófilos. Uma exposição subsequente ao mesmo alergeno faz reação cruzada com o IgE ligado a células, liberando várias substâncias farmacologicamente ativas. A ligação cruzada do receptor Fc de IgE é importante para a estimulação de mastócitos. A degranulação de mastócitos é precedida pelo aumento do influxo de íons de cálcio, que é um processo crucia. A reação pode envolver pele (urticária e eczema), olhos (conjuntivite), nasofaringe (rinorreia, rinite), tecidos broncopulmonares (asma) e trato gastrointestinal (gastroenterite). As reações inicialmente localizadas podem se tornar repetitivas ou generalizadas, o que aumenta a chance de morbidade e mortalidade desses pacientes. 3.2 Hipersensibilidade tipo II Conhecida como hipersensibilidade citotóxica, pode afetar uma variedade de órgãos e tecidos, por levar à lise da célula-alvo, o que gera distúrbios nos tecidos e órgãos correspondentes. Os antígenos normalmente são endógenos, embora agentes químicos exógenos (haptenos), que podem se ligar a membranas celulares, também acarretem esse tipo de hipersensibilidade. Anemia hemolítica induzida por drogas, granulocitopenia e trombocitopenia são exemplos dessa reação tipo II. O tempo de reação é de minutos a horas, sendo primariamente mediada por anticorpos das classes IgM ou IgG e complemento. Também há a participação de fagócitos e células K. Entre os quadros clínicos mais comuns, podemos incluir: ceratoconjuntivite tóxica, enteropatia perdedora de proteínas, reações por drogas, incompatibilidade ABO (sangue) e eritroblastose fetal. 3.3 Hipersensibilidade tipo III Conhecida como hipersensibilidade imune complexa. Os complexos formados por antígeno-anticorpo-complemento são responsáveis pela lesão tecidual. Foram descritas inicialmente como doença do soro, como uma reação generalizada. Entretanto pode envolver ainda outros órgãos, como pele (lupus eritematoso sistêmico, reação de Arthus), rins (nefrite do lupus), pulmões (aspergilose), vasos sanguíneos (poliarterite) e articulações (artrite reumatóide). Essa reação pode ser um mecanismo patogênico de doenças causadas por diferentes microrganismos. Os isotipos de imunoglobulinas mais envolvidos nesse tipo de hipersensibilidade são IgG, IgM e, com menor frequência, IgA. Também pode acontecer de os três tipos de Igs estarem presentes em imunocomplexos de um mesmo paciente. Durante a reação, nota-se uma ativação de granulócitos, macrófagos e da cascata do complemento, no local da inflamação. A magnitude dessa reação dependente da quantidade de imunocomplexos e da sua distribuição corporal. 3.4 Hipersensibilidade tipo IV As reações de hipersensibilidade tipo IV ou hipersensibilidade celular, ou ainda reação tardia, são mediadas por linfócitos timo-dependentes. A reação é realizada pelos mecanismos habituais da resposta imunológica específica celular. Ocorre estimulação dos linfócitos T com diferenciação final para T citotóxicos, auxiliares, T com função supressora, células T memória e T produtoras de citocinas. São estimulados pelo contato com o Ag, ligado ao macrófago, liberando linfocinas. As reações inflamatórias ocorrem em um período de 24 a 72 horas. Alguns exemplos de hipersensibilidade tipo IV: teste de Mantoux para a sensibilidade à tuberculina; infecções por bactérias intracelulares; infecções fúngicas e virais; rejeição crônica a transplantes; e fotodermatites. É importante ressaltar que a hipersensibilidade tipo IV está envolvida também na patogênese de inúmeras doenças autoimunes e infecciosas (tuberculose, lepra, blastomicose, histoplasmose, toxoplasmose, leishmaniose etc.) e granulomas, por conta de infecções e Ag estranhos. Uma outra forma de hipersensibilidade tardia é a dermatite de contato (hera venenosa), agentes químicos e metais pesados, em que as lesões são mais papulares. No Quadro 4, é possível observar os tipos de hipersensibilidade, bem como os principais distúrbios relacionados. Quadro 4 – Tipos de hipersensibilidade e seus distúrbios Hipersensibilidade Tipo Distúrbios Hipersensibilidade I Anafilático Anafilaxia, rinite alérgica, eczema atópico, estomatite de contato, reações a toxinas de insetos, alergias a drogas e alimentos Hipersensibilidade II Citotóxico Anemia hemolítica autoimune, reações pós-transfusão, miastenia grave, púrpura trombocitopenia, eritroblastose fetal Hipersensibilidade III Imunocomplexos Lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doenças séricas Hipersensibilidade IV Mediada por células Lepra, tuberculose, Sarcoidose, granulomatose linfocitoide, processos de rejeição de transplantes de órgãos TEMA 4 – IMUNOLOGIA DOS TRANSPLANTES O transplante consiste em um procedimento cirúrgico caracterizado pela transferência de células, tecidos e órgãos vivos, com o objetivo de restabelecer a função perdida de algum órgão que não tem mais a capacidade de exercer as suas atividades. Mesmo que seja amplamente realizado, em grande parte das vezes com sucesso, os processos relacionados aos mecanismos de aceitação ou rejeição dos transplantes ainda não estão completamente esclarecidos. As bases imunobiológicas desses processos começaram a ser descritas no século passado. Os primeiros relatos tratavam de tumores. A classificação dos transplantes está representada no quadro a seguir. Quadro 5 – Classificação dos transplantes Autólogo Doador = recepto Heterólogo Doador ≠ receptor Singênico Indivíduos da mesma espécie, geneticamente idênticos Alogênico Indivíduos da mesma espécie, geneticamente semelhantes Xenogênicos Indivíduos de espécie diferentes Ortotópico Mesma localização anatômica Heterotópico Localização anatômica diferente da normal Além da classificação, existem quatro tipos de enxertos, descritos no Quadro 6. Quadro 6 – Tipos de enxerto Auto – Enxerto Transplante de órgãos ou tecidos procedentes do próprio indivíduo. Não se desenvolve reações Autólogo Isoenxerto Transplante de órgãos ou tecidos entre indivíduos geneticamente idênticos (gêmeos) Singênico Não há desenvolvimento de resposta Aloenxerto Transplantes entre indivíduos da mesma espécie Heterólogo Enxerto é rejeitado Grande maioria dos enxertos Xenoenxerto Transplantes entre indivíduos de espécies diferentes Enxerto fortementerejeitado Suprimento de órgãos é muito menor que a demanda Interesse em transplantar órgãos de outros mamíferos em seres humanos A imunologia dos transplantes tem sido cada vez mais estudada, de modo que é cada mais bem compreendida. Constatou-se, nesses estudos, que o sistema imune é o protagonista da prática de transplantes. As moléculas do sistema HLA (Human Leukocyte Antigen), moléculas polimórficas presentes nas superfícies celulares, são reconhecidas pelo sistema imunológico do receptor do enxerto, gerando o início do processo da resposta imunológica da rejeição dos transplantes. O processo de rejeição de um enxerto depende do reconhecimento do tecido enxertado como estranho pelo hospedeiro. Os antígenos responsáveis pela rejeição em seres humanos provêm do sistema de antígenos do complexo histocompatibilidade principal (CPH). Existem dois tipos mecanismos responsáveis pela rejeição de um enxerto: o mediado por linfócitos T e o através de anticorpos. 4.1 Mediada por linfócitos T Se os linfócitos T do receptor entrarem em contato com as células dendríticas do doador no próprio tecido, ou com linfonodos de drenagem, ocorre rejeição, ou pelo linfócito T citotóxico (CD8+) ou pelo linfócito T auxiliar (CD4+). As reações mediadas pelo linfócito T apresentam duas vias distintas: a direta e a indireta. Na via direta, as células T do hospedeiro reconhecem moléculas do CPH de classe I e classe II alogênicas, na superfície das células dendríticas, dentro do órgão enxertado, ou ainda as células migram para os linfonodos que drenam a região. As células T CD4+ (LTH) são induzidas a proliferarem por reconhecimento das especificidades da classe II alogênicas, enquanto as células T CD8+ (LTC) reconhecem a especificidade de classe I, sendo capazes de se diferenciar em células maduras. Embora a diferenciação do LTC não seja ainda totalmente compreendida, sabemos que ocorre dependência de liberação de interleucinas pelo LTH. Quando amadurecidos, os LTC destroem células do enxerto que ostentam antígenos. A lesão das células- alvo pode ocorrer por destruição dependente de perfiirina-granzima, que são mediadores solúveis contidos em grânulos semelhantes aos lisossomas dos LTC. Esses mediadores perfuram a membrana plasmática das células-alvo, que estão sob ataque por LTC, e introduzem proteínas, o que resulta na indução de apoptose celular. Na via indireta, os linfócitos T do receptor reconhecem antígenos do doador do enxerto, após eles serem mostrados pelas células apresentadoras de antígenos do próprio receptor. Esse processo envolve captação e processamento das moléculas do MHC, desprendidas do órgão enxertado, por células apresentadoras de antígenos do hospedeiro. Os peptídeos derivados do tecido do doador são apresentados no sulco de ligação a antígenos das moléculas do CPH do hospedeiro. 4.2 Reações mediadas através dos anticorpos Nestas reações, pode haver rejeição do enxerto por uma pré- sensibilização do paciente que produz anticorpos anti-HLA do doador, resultado de algum contato prévio. Esse contato pode ocorrer em transfusões de sangue (leucócitos e plaquetas expressam muitas moléculas HLA na superfície). A produção de anticorpos pode acontecer devido ao contato de linfócitos CD4+ do receptor com os antígenos HLA-II presentes no enxerto. Nessa situação, a rejeição acontece assim que ocorre o transplante, pois os anticorpos circulantes reagem com os antígenos e se depositam sobre o endotélio vascular do órgão enxertado, com fixação do complemento. Nos casos de receptores não previamente sensibilizados a antígenos do transplante, a exposição a antígenos HLA das classes I e II do doador pode gerar anticorpos. Esses anticorpos podem causar lesão por diversos mecanismos, incluindo citotoxicidade dependente do complemento e depósito de complexos antígeno-anticorpo. Independentemente do processo, os anticorpos agem inicialmente na vasculatura do enxerto, provocando trombose. TEMA 5 – DOENÇAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO As doenças do sistema imunológico são um grupo de doenças diferentes, tendo como origem o fato de o sistema imunológico passar a produzir anticorpos contra componentes do nosso próprio organismo. Por motivos diversos, e muitas vezes não completamente compreendidos, o corpo começa a confundir as suas próprias proteínas com agentes invasores, passando a atacá-las. Dessa forma, qualquer doença que seja resultado deste tipo de resposta é chamada de doença autoimune. Nas doenças autoimunes órgão-específicas (localizada) e sistêmicas (generalizada), observa-se perda da capacidade de autotolerância, em que o sistema imunológico diferencia o que é próprio (self) e o que não é próprio (non-self). Essa capacidade é mantida nas células imunocompetentes B e T, tanto por mecanismos centrais quanto por periféricos. A perda da autotolerância pode ser provocada por causas intrínsecas ou extrínsecas. Causas intrínsecas, isso é, relacionadas a características do próprio indivíduo, geralmente estão associadas a polimorfismos de moléculas de histocompatibilidade; componentes da imunidade inata, como o sistema complemento e receptores toll-like; componentes da imunidade adquirida, como linfócitos com atividade regulatória e citocinas, além de fatores hormonais, que estão sob controle genético. As causas extrínsecas estão vinculadas principalmente a fatores ambientais, como infecções bacterianas e virais e exposição a agentes físicos e químicos, como raios UV, pesticidas e drogas. De modo geral, as doenças autoimunes acontecem quando esses anticorpos passam a atacar as células do próprio organismo, órgãos e tecidos. Entretanto, não se sabe ao certo o motivo que desencadeia uma reação ou doença autoimune em uma pessoa e não em outra. Algumas pessoas têm genes que as tornam um pouco mais suscetíveis a desenvolver uma doença autoimune. Essa suscetibilidade ligeiramente aumentada é herdada, e não propriamente a doença. Nas pessoas propensas a apresentar uma doença autoimune, um fator desencadeante, como infecção viral ou lesão tecidual, pode dar origem a doenças. Há evidências científicas que afirmam que as doenças autoimunes são mais prevalentes em mulheres. As principais causas descritas que podem levar a desencadear reações e doenças autoimunes estão resumidas na figura a seguir. Figura 1 – Causas de reações e doenças autoimunes Há mais de 50 doenças autoimunes descritas, muitas das quais estão listadas a seguir, e as principais estão listadas no Quadro 7. • Doença de Graves-HIPERTIREOIDISMO • Púrpura trombocitopênica idiopática-(PTI)) • Hepatite autoimune • Síndrome de Guillain-Barré • Granulomatose de Wegener • Vasculites • Miastenia gravis • Esclerodermia • Doença de Behçet • Anemia hemolítica autoimune • Cirrose biliar primária • Espondilite anquilosante • Doença de Addison • Síndrome antifosfolipídica autoimune • Dermatite herpetiforme • Febre familiar do Mediterrâneo BACTÉRIAS HORMÔNIOS VÍRUS MEDICAMENTOS TOXINAS ESTRESSE • Glomerulonefrite por IGA • Glomerulonefrite membranosa • Síndrome de Goodpasture • Síndrome miastênica de Lambert-Eaton • Oftalmia simpática • Penfigóide bolhoso poliendocrinopatias • Púrpura autoimune • Doença de Reiter tireoidite autoimune • Síndrome antifosfolipídica • Espondilite anquilosante • Retocolite ulcerativa • Síndrome de Churg-Strauss • Sarcoidose • Síndrome de Vog-Koyanagi-Harada • Alopecia Areata Quadro 7 – Principais doenças autoimunes Doença Autoimune Descrição Lúpus Doença inflamatória causada quando o sistema imunológico ataca seus próprios tecidos Artrite Reumatoide Uma doença inflamatória crônica que afeta muitas articulações, principalmente das mãos e dos pés Doença de Crohn Trata-se basicamente de uma infecçãoviral ou bacteriana, que leva o sistema imunológico a atacar o trato digestivo, provocando mau funcionamento e desencadeando uma inflamação crônica dos intestinos Vitiligo Leva à produção inapropriada de anticorpos e linfócitos T (um tipo de glóbulo branco) contra os melanócitos, as células responsáveis pela produção de pigmento de nossa pele Doença Celíaca Reação imunológica à ingestão de glúten, uma proteína encontrada no trigo, na cevada e no centeio Diabetes tipo I Doença crônica em que o pâncreas produz pouca ou nenhuma insulina Psoríase Doença crônica e, ainda sem cura, que surge devido a acelerada reprodução das células da pele; a proliferação das células epidérmicas causa espessamento, inflamação e descamação na pele Tireoidite de Hashimoto A doença ataca a glândula tireoide, responsável pelo metabolismo Esclerose Múltipla Doença em que o sistema imunológico destrói a cobertura protetora de nervos Síndrome de Sjögren Distúrbio do sistema imunológico caracterizado pela diminuição de secreção de fluídos, gerando principalmente olhos secos e boca seca NA PRÁTICA Os corticoides fazem parte de um grupo de drogas medicamentosa amplamente utilizadas para casos de alergias e doenças autoimunes. Entretanto, deve ser usado com cuidado, devido aos efeitos do medicamento. Essa classe de medicamento influencia a resposta imune, pelo fato de ter atividade anti-inflamatória, o que impacta os efeitos das reações. O uso indiscriminado e sem acompanhamento pode desencadear uma série de sintomas, caracterizando a chamada síndrome de Cushing. Nesse caso, não só a alergia se torna resistente, como pode haver desencadeamento de efeitos mais graves, como a diabetes. Entre as importantes ações dos corticoides nos tecidos do organismo, muitas estão relacionadas ao sistema imune, o que os torna uma arma terapêutica importante nas doenças autoimunes. A lista de doenças combatidas pelo corticoide é extensa — hepatite autoimune, lúpus eritematoso sistêmico e dermatite atópica são alguns exemplos. Em todas elas, o corticoide é usado para diminuir a resposta imunológica e, consequentemente, a inflamação. Mas é importante ressaltar que o uso desse remédio só é uma opção quando os anti- inflamatórios não hormonais não surtirem efeito, pois seu uso indiscriminado pode fazer com que o paciente fique mais suscetível a infecções. Corticoides regulam uma grande variedade de funções de células imunes, com a expressão de moléculas imunes através de seus mecanismos moleculares. Desse modo, modulam a expressão de citocinas e de moléculas de adesão; o tráfico, a maturação e a diferenciação de células imunológicas; a expressão de substâncias de adesão molecular e a migração das células; assim como a produção de mediadores inflamatórios e outras moléculas inflamatórias. Atuam, preferencialmente, sobre certos subgrupos de linfócitos T, suprimindo a função do linfócito T helper tipo I e estimulando a apoptose de eosinófilos. Ao diminuírem o fator de transcrição apolipoproteína-1, promovem o bloqueio da produção da proteína, que dissolve a enzima colagenase, que por sua vez é a enzima número um para a desestruturação do tecido conectivo na artrite reumatoide. Ao inibir o NF-kappaB, são provocadas alterações na produção de citocinas importantes no processo inflamatório. As ações antiproliferativas e apoptóticas do medicamento atuam como moderadoras dos efeitos terapêuticos nas várias doenças autoimunes e linfoproliferativas. 17 Uma grande problemática dessas drogas é que o seu uso pode acarretar diversos efeitos colaterais: • Estrias • Hipertricose • Fácies cushingoide • Obesidade • Convulsões • Pseudotumor cerebral • Hipertensão arterial • Maior propensão a infecções • Tromboembolismo • Pancreatite • Osteocondrite • Necrose avascular • Osteoporose • Alterações do crescimento • Insuficiência adrenal Esses efeitos estão relacionados com o tipo de preparação, horário, dose, duração, via e esquema de administração, idade e sexo, doença de base, associação com medicamentos que interferem na sua ação e perfil individual de sensibilidade. FINALIZANDO Nesta aula, estudamos algumas técnicas que atuam no sistema imune, e como esse sistema responde ao transplante e a doenças autoimunes. A imunoprofilaxia é um conjunto de processos que visa garantir a prevenção, chamada de imunização, que pode ser classificada como passiva ou ativa. O modo passivo compreende a transferência de células e compostos da resposta imune, enquanto o modo ativo necessita ser provocado para o desenvolvimento da resposta imune. Os principais exemplos dessas imunizações são os soros antiofídicos e as vacinas, respectivamente. A imunoterapia é baseada no uso de “componentes” do sistema imune, como células, anticorpos monoclonais e citocinas recombinantes, com o objetivo de potencializar o sistema imunológico de maneira que possa combater 18 infecções e outras doenças, como o câncer. A imunoterapia inclui tratamentos que agem de maneiras distintas. Alguns estimulam o sistema imunológico do corpo de uma forma muito geral, enquanto outros ajudam o sistema imunológico a atacar as células alvo de modo específico. A hipersensibilidade refere-se às reações excessivas que geralmente são danosas e desconfortáveis, podendo às vezes ser fatais. Essa reação é produzida pelo sistema imune normal, e requer um estado pré-sensibilizado do hospedeiro, que já sofre estimulação imunológica anterior. O contato adicional com o antígeno leva a um reforço secundário da resposta, porém a reação pode ser excessiva, acarretando grandes danos nos tecidos (hipersensibilidades). As reações de hipersensibilidade podem ser divididas em quatro tipos: tipo I, tipo II, tipo III e tipo IV, com base nos mecanismos envolvidos e no tempo para a reação. O transplante é um procedimento cirúrgico caracterizado pela transferência de células, tecidos e órgãos vivos, com o objetivo de restabelecer a função perdida de algum órgão que não tem a capacidade de exercer as suas atividades. Com a imunologia dos transplantes, constatou-se que o sistema imune é o protagonista na prática dos transplantes. As moléculas do sistema HLA, moléculas polimórficas presentes nas superfícies celulares, são reconhecidas pelo sistema imunológico do receptor do enxerto, dando início ao processo de resposta imunológica da rejeição dos transplantes. O processo de rejeição de um enxerto depende do reconhecimento do tecido enxertado como não sendo próprio pelo hospedeiro. A categoria das doenças autoimunes reúne doenças diferentes, em que o sistema imunológico passa a produzir anticorpos contra componentes do nosso próprio organismo. Por motivos diversos, muitas vezes não completamente compreendidos, o corpo começa a confundir as suas próprias proteínas com agentes invasores, passando a atacá-las. Nessa categoria de doenças, observa-se a perda da capacidade de autotolerância, em que o sistema imunológico diferencia o que é próprio (self) e o que não é próprio (non-self). Essa capacidade é mantida nas células imunocompetentes B e T, tanto por mecanismos centrais quanto por periféricos. 19 REFERÊNCIAS FORTE, W. C. N. Imunologia: do básico ao aplicado. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2015.
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