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55 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável CAPÍTULO 5 - CONCEITOS TÉCNICOS FUNDAMENTAIS DOS MEIOS NATURAL E CONSTRUÍDO Este capítulo apresenta e contextualiza conceitos técnicos fundamentais do ambiente urbano. Destaca os elementos que compõem o meio natural e o meio construído, apresentando um breve resumo dos elementos da cidade e suas inter-relações. Aponta que os meios natural e construído são ao mesmo tempo suporte para o funcionamento das cidades e seu produto social. Além disso, destaca a importância de se integrar os meios para garantir padrões urbanos sustentáveis. 5.1 O ambiente urbano e seus componentes O ambiente urbano é formado por dois sistemas fortemente inter-relacionados: o sistema natural e o sistema antrópico (MOTA, 1999). O sistema natural (ambiente natural ou meio natural) é composto pelo meio físico (ambiente físico natural), formado por solo, água/recursos hídricos e relevo. Ele também é composto pelo meio biológico (meio biótico), constituído pela vegetação e animais (flora e fauna). AULA 05 MÓDULO 1 Aula 05 - Conceitos técnicos fundamentais associados ao meios natural e construído. O sistema antrópico é composto pelas pessoas e suas atividades, e pelo ambiente que constroem, ou seja, o ambiente construído. O sistema antrópico também inclui os componentes políticos, econômicos, sociais e culturais que organizam a sociedade. O ambiente urbano é reflexo das ações realizadas nele, ao mesmo tempo condicionando a sociedade e sendo objeto e produto de suas ações. O fato do ambiente urbano ser composto por esses dois sistemas (sistema natural e sistema antrópico) mostra que eles se relacionam e se influenciam. Isso quer dizer que alterações no solo influenciam as mudanças nos recursos hídricos, por exemplo. Alterar um recurso hídrico pode ter impactos em outro recurso hídrico conectado a ele. Uma alteração em um recurso hídrico provocada pela ação humana pode interferir no sistema natural e no ambiente construído (sistema antrópico), causando danos à população. Entender os elementos que formam os ambientes natural e construído é fundamental para se intervir no ambiente urbano. Ler o ambiente urbano é o ponto de partida para criar estratégias para o desenvolvimento urbano sustentável. 56 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável Figura 3: Ambiente urbano e seus componentes Fonte: Elaborado pelos autores. Elaboração gráfica do LabHab (2022). 5.2 Meio natural 5.2.1 OS COMPONENTES DO MEIO NATURAL O solo, o relevo, a hidrografia e a vegetação e fauna são os principais elementos do meio físico natural. 5.2.1.1 SOLO Os solos (pedologia) são o suporte para os ecossistemas e para as atividades humanas. Por essa razão, estudá-los é fundamental para o desenvolvimento urbano. Analisar os solos 57 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável determina suas fragilidades e possibilidades de ocupação urbana, descobrindo quais áreas podem sofrer erosão e deslizamento, e quais são mais férteis e produtivas. Desse modo, entender o tipo de solo indica as áreas adequadas ou não para construção, seu potencial ou suas restrições de usos (SANTOS, 2004). 5.2.1.2 RELEVO O relevo (características geomorfológicas) pode revelar muito sobre o ambiente urbano e é um importante aliado na leitura do território. Podemos perceber através dele as áreas planas ou as sujeitas a alagamento e inundação. Além de linhas de drenagem natural que não devem ser interrompidas ou ocupadas, e áreas com maior declividade que devem ter sua vegetação preservada para evitar erosão e deslizamentos. O relevo se inter-relaciona com outros elementos do sistema natural, principalmente com o sistema hídrico. A leitura do relevo é uma importante ferramenta para se interpretar a dinâmica hídrica. Também apresenta inter- relação com o sistema antrópico, na medida em que tem grande influência no processo de ocupação e no resultado do ambiente urbano. As características do relevo podem limitar a ocupação urbana ou favorecê-la. 5.2.1.3 HIDROGRAFIA A hidrografia é composta pelas águas superficiais e subterrâneas disponíveis para uso: rios, córregos, ribeirões, lagos, ilhas, açudes, lagoas, zonas úmidas (mangues, brejos), canais e lençóis freáticos. Esses elementos formam uma rede hídrica. A rede hídrica e seus componentes estão inter-relacionados com outros elementos do sistema natural. Ela interfere diretamente no clima e é habitat de espécies vegetais e animais (flora e fauna), por exemplo. Identificar a rede hídrica e entender a sua dinâmica é fundamental para evitar alagamentos, enchentes, ondas de calor e eventos pluviométricos extremos. Especialmente no contexto atual de mudanças climáticas. A rede hídrica fornece água e alimento para o ser humano, além de melhorar a qualidade da paisagem do ambiente urbano e criar espaços mais bonitos e com conforto ambiental. A bacia hidrográfica forma um sistema natural bem definido. Ele é composto por uma região drenada por um curso d’água principal e seus afluentes permanentes ou intermitentes, onde as interações físicas são integradas (SANTOS, 2004). A bacia hidrográfica é considerada uma importante unidade territorial de planejamento. 58 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável 5.2.1.4 VEGETAÇÃO E FAUNA A vegetação é composta por diversas espécies e comunidades. Estudar a vegetação permite conhecer as condições naturais do território e revela ao mesmo tempo a influência antrópica sobre ele (SANTOS, 2004). É importante identificar as comunidades vegetais mais preservadas e as que formam com outros elementos (solo, hidrografia, relevo e fauna) zonas mais sensíveis ou inadequadas à ocupação urbana. A vegetação tem diversas funções no ambiente urbano e interfere diretamente nos outros elementos (solo, água e fauna). Ela contribui com a retenção e a estabilidade do solo, prevenindo a erosão, amortece a chuva e favorece a infiltração da água, diminuindo o escoamento superficial. A vegetação melhora a qualidade do ar, influencia o clima e melhora a qualidade da água, pois a vegetação na margem dos recursos hídricos filtra água pluvial e melhora a temperatura. Além de melhorar a qualidade da paisagem do ambiente urbano, criando espaços mais agradáveis esteticamente e com conforto ambiental para as pessoas. É o habitat natural de diversas espécies animais. A fauna é composta pela diversidade de espécies animais e um importante indicador de qualidade ambiental do meio natural (SANTOS, 2004). As espécies vegetais e animais e os micro-organismos formam a nossa diversidade biológica: a biodiversidade. Figura 4: Componentes do meio natural Fonte: Elaborado pelos autores. Elaboração gráfica do LabHab (2022). 59 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável Neste capítulo vimos que o ambiente urbano é composto por elementos do meio natural. Busque no site da prefeitura da sua cidade informações sobre as características do relevo, os tipos de solo, os principais recursos hídricos, o tipo de vegetação e a fauna característica do seu município. ATIVIDADE PROGRAMADA 5.2.2 A CIDADE E O MEIO NATURAL Muitas cidades foram construídas desconsiderando os processos naturais, ou seja, o que envolve o ambiente natural e os seus elementos. Citamos algumas ações predatórias em relação ao meio ambiente natural: • ocupar áreas ambientais sensíveis ecologicamente e inadequadas para construção; • aterrar, canalizar e desviar recursos hídricos; • ocupar margens inundáveis dos recursos hídricos; • desmatar a cobertura vegetal; • devastar mangues, dunas e matas; • impermeabilizar intensamente o solo; • poluir o ar e a água; • produzir resíduos em excesso e lançar resíduos no meio ambiente natural sem tratamento; e • não aproveitar a possibilidade do ambiente natural para contribuir para uma forma urbana única, memorável e simbólica. Como consequênciadessas ações, há cada vez mais enchentes, alagamentos, deslizamentos, aumento da temperatura, epidemias e eventos extremos. Esses fenômenos têm se agravado com as mudanças climáticas. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, as mudanças climáticas se aproximando estão relacionadas fundamentalmente com o aumento das emissões e concentrações dos gases de efeito estufa. Esses gases são produzidos pelas atividades humanas. Regiões de todo o planeta estarão expostas ao aumento do nível do mar, da precipitação e da temperatura dos oceanos. Também sofrerão com mudanças 60 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável na frequência e na intensidade de eventos extremos de chuva, desertificação e secas como resultado das mudanças climáticas em curso. Cada um desses fatores é um risco à população humana urbana e rural. Portanto, é necessário adaptar os assentamentos humanos (PBMC, 2016; MAILHOT; DUCHESNE, 2010 apud MOURA, 2013). O custo por não cuidarmos da natureza se estende à qualidade de vida. Isso não apenas a torna pior, mas também ameaça a existência humana (SPIRN, 1995). Caso queira se aprofundar mais no assunto, assista ao vídeo Entre Rios. O vídeo mostra como os rios urbanos foram tratados durante a urbanização de São Paulo. Ele ilustra como as cidades foram construídas desconsiderando o meio natural e os seus processos. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=Fwh-cZfWNIc APROFUNDE-SE Cidades marcadas por um processo desigual de urbanização potencializam a negação da natureza e contribuem com a destruição do meio ambiente. A urbanização desigual pode ser vista na grande diferença de acesso entre as classes sociais às condições materiais para viver, à moradia e à terra bem localizada. Além do acesso desigual às infraestruturas e aos serviços construídos socialmente, produzindo isolamento em diversos espaços e escalas das cidades (DENALDI; FERRARA; SILVA, 2016). Destacamos duas características da urbanização desigual nas cidades brasileiras, principalmente aquelas grandes e médias: • A urbanização espalhada e periférica, causada pela falta de terras e imóveis acessíveis para a classe de menor renda. Isso obriga essa população a se instalar na periferia, ou seja, em locais longe das áreas com mais infraestrutura e oportunidade de serviços, equipamentos e empregos. Dessa forma, os deslocamentos são mais demorados, custosos e consomem mais energia. Além de poluírem mais o ar, o solo e a água. • A produção de assentamentos precários. A população de baixa renda se vê obrigada a ocupar os terrenos restantes da cidade pela falta de um mercado de habitação acessível. Principalmente áreas ambientalmente frágeis, protegidas por lei e interditadas à edificação. Essa população geralmente ocupa territórios impróprios, como áreas inundáveis, terrenos acidentados, áreas próximas a indústrias poluentes ou até mesmo áreas de servidão de eixos de transporte (margens de rodovias e ferrovias). Esse padrão de urbanização é marcado pela destruição dos recursos naturais, principalmente dos recursos hídricos, mananciais e encostas. Além do risco ambiental que causam, como enchentes, deslizamentos, desmoronamentos e epidemias. Essa dinâmica é cada vez mais insustentável por causa do nível de comprometimento ambiental urbano (MARICATO, 2015). https://www.youtube.com/watch?v=Fwh-cZfWNIc https://www.youtube.com/watch?v=Fwh-cZfWNIc 61 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável Nosso processo de urbanização se baseia na desigualdade e na injustiça ambiental. Conforme Acselrad (2010, 2015), a desigualdade ambiental e a justiça ambiental permitem apontar que os danos e os riscos ambientais e urbanos causados pelas práticas espaciais dominantes na produção capitalista da cidade recaem principalmente sobre grupos sociais vulneráveis. Isso revela a concentração de poder e gera uma distribuição desigual dos benefícios e malefícios do desenvolvimento econômico (ACSELRAD, 2015; ALIER, 2017). Segundo Denaldi, Ferrara e Silva (2016), os efeitos do processo de urbanização atingem desigualmente as classes sociais, mesmo com a qualidade de vida na maioria das cidades brasileiras comprometida em seu conjunto. Os efeitos são mais fortes nos grupos sociais vulneráveis. Esse padrão de urbanização é marcado pela destruição dos recursos naturais e pela sobreposição de precariedade urbana e vulnerabilidade social e ambiental. Isso aumenta a probabilidade de desastres para os grupos mais vulneráveis. As precariedades urbanas desses assentamentos aumentam os riscos naturais e físicos. Nessas áreas, é comum a remoção da vegetação, a execução de cortes e aterros do solo instáveis para construir moradias e ruas. Além da disposição irregular de lixo, da falta de sistemas de drenagem de águas pluviais e coleta de esgotos, da grande concentração populacional e da fragilidade das moradias (BRASIL, 2006). A condição de moradia nas cidades brasileiras é um tema central para debater as condições ambientais das cidades. A preocupação com a proteção e a qualidade ambiental, e a busca pelo desenvolvimento urbano sustentável não podem estar separadas do fornecimento de moradias adequadas à população mais pobre. Trata-se de um problema socioambiental (MARTINS, 2006; ATAÍDE; MELO, 2017). Vimos neste subcapítulo que muitas cidades foram construídas desconsiderando o meio natural e os seus elementos. Tente identificar qual situação na sua cidade representa ações e intervenções que desconsideraram o meio natural, causando a sua destruição. ATIVIDADE PROGRAMADA 62 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável Figura 5: Assentamentos precários e a questão ambiental: diferentes ecossistemas, risco, degradação ambiental e precariedade urbana. Foto 1 – Assentamento precário/comunidade Titanzinho em faixa litorânea, Fortaleza/CE. Fonte: Rérisson Máximo. Foto 2 – Ocupação de área de morro, Rio de Janeiro. Fonte: Acervo Projeto ANDUS. Foto 3 – Assentamentos precários em áreas de preservação de mananciais, sistema Billings-Guarapiranga, São Paulo. Fonte: Luciana Travassos. 63 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável 5.3 Meio físico construído 5.3.1 OS COMPONENTES DO MEIO FÍSICO CONSTRUÍDO Em linhas gerais, o ambiente construído é composto por espaços edificados, espaços livres e redes de infraestrutura (MASCARÓ; YOSHINAGA, 2005). Figura 6: Componentes do ambiente construído. Fonte: Elaborado pelos autores. Elaboração gráfica do LabHab (2022). 5.3.1.1 ESPAÇOS EDIFICADOS As edificações são as construções que abrigam as pessoas na cidade e no campo. São as casas, os prédios residenciais, os prédios comerciais ou de serviços, os shoppings, as escolas, os postos de saúde e hospitais, os centros culturais e esportivos, os teatros, as bibliotecas, as igrejas, os terminais de ônibus etc. Elas podem ter função residencial, comercial, de serviço, educacional, de saúde, administrativa, cultural, religiosa, entre outras. Podem ter forma horizontal, vertical, pequeno porte e grande porte. São classificadas como pública ou privada, de acordo com o tipo de propriedade. Destacamos entre as edificações os equipamentos urbanos 64 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável públicos, comunitários ou privados, e os de utilidade pública, destinados à prestação de serviços necessários ao funcionamento da cidade. 5.3.1.2 ESPAÇOS LIVRES Conforme definição clássica de Magnoli (1982), espaços livres seriam aqueles livres de edificações que envolvem o conjunto edificado. Em uma escala territorial, são as áreas livres de assentamentos (TARDIN, 2008). O conceito de espaços livres inclui as áreas públicas e privadas, como parques, praças, quintais, jardins, rios, praias, florestas, mangues, dunas ou simples terrenos vazios sem uso ou função. As vias de circulação (passeios, avenidas, ruas, ciclovias)que formam a rede de infraestrutura também são espaços livres. Os espaços livres podem ter funções ambientais, perceptíveis (características cênicas e simbólicas da identidade do espaço urbano) e sociais (espaço de encontro, lazer, de passagem, econômica, cultural). O reconhecimento do valor ambiental, perceptível e social dos espaços livres no ambiente urbano é uma contribuição importante para o desenvolvimento urbano sustentável (TARDIN, 2008). 5.3.1.3 REDES DE INFRAESTRUTURA As infraestruturas se organizam em sistemas de rede e uma das formas mais comuns de classificá-las é quanto a sua função (MASCARÓ; YOSHINAGA, 2005). Há o sistema viário, o sistema de drenagem pluvial, o sistema de saneamento, o sistema energético e o sistema de comunicação (MASCARÓ; YOSHINAGA, 2005). • Sistema viário (ou rede viária): É composto pela rede de circulação e geralmente associado à rede de drenagem. A rede de circulação são as vias de veículos motorizados (avenidas, ruas, travessas), de pedestres (calçadas, ruas de pedestres) e de bicicleta (ciclovias, ciclofaixas). Sua principal função é conectar as edificações com os espaços livres, permitindo a circulação de veículos, pessoas e mercadorias nas cidades. As vias podem ser classificadas quanto à tipologia, à hierarquia no sistema (volume de tráfego que circula por elas), à velocidade ou à dimensão. As classificações mais comuns são: vias arteriais (principal e secundárias), vias coletoras e vias locais (DNER, 1974 apud MASCARÓ, 2005). • Sistema de drenagem pluvial (ou rede de drenagem pluvial): A principal função da rede de drenagem é escoar as águas das chuvas. A rede de drenagem garante o uso da rede de circulação quando chove, evitando alagamentos das ruas e das edificações. Os sistemas convencionais de rede de drenagem são formados por 65 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável componentes na superfície do terreno e subterrâneos. Os componentes de drenagem superficial são as ruas pavimentadas, incluindo guias e sarjetas. Os componentes subterrâneos são os elementos de captação, como bocas de lobo e tubulações. Grande parte das cidades brasileiras apresenta um sistema de drenagem apenas com componentes superficiais. Muitas delas têm sistemas ineficientes e isso gera alagamentos e inundações. A lógica convencional da rede de drenagem é captar a água da chuva e levá-la o mais rápido possível para algum corpo hídrico onde será despejada, gerando enchentes e alagamentos. Atualmente, a visão de Soluções Baseadas na Natureza (SbN)/ Infraestrutura Verde aponta outras possibilidades associadas ao sistema de drenagem urbana, como retenção, desaceleração, absorção, filtragem e tratamento das águas das chuvas. • Sistema de saneamento (rede de saneamento): É composto pela rede de abastecimento de água e pela rede de esgotamento sanitário. O objetivo da rede de abastecimento de água é garantir o acesso à água de qualidade e potável. A população a usará para limpar, lavar, regar, beber e cozinhar. Há outras formas de abastecimento além da rede, como carro-pipa associado a cisternas e poços de água. Essas soluções ainda são bastante comuns em cidades menores e em áreas rurais. A rede de esgotamento sanitário geralmente capta as águas servidas das edificações e as leva a estações de tratamento de esgoto. Depois, elas serão lançadas em algum recurso hídrico. Há outras formas de esgotamento sanitário, como lagoas de estabilização, sistemas fossa-sumidouro e estações de tratamento não ligadas à rede geral de esgoto. Todavia, a rede de esgotamento sanitário é considerada a mais eficiente para tratar o esgoto e reduzir os poluentes nas grandes cidades (MOTA, 1999). Segundo a Lei Federal n° 6.766/79, a infraestrutura urbana básica é composta por redes e equipamentos públicos de escoamento das águas das chuvas, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. A infraestrutura urbana básica é fundamental para garantir a qualidade ambiental, o bem-estar da população e o desenvolvimento urbano sustentável. A universalização da infraestrutura urbana básica são orientações dos ODS 6 e ODS 7. VOCÊ SABIA?• Sistema energético (rede energética): É composto pela rede elétrica e pela rede de gás. A rede elétrica garante que as edificações tenham acesso à energia elétrica, além de garantir a iluminação pública das vias e dos espaços públicos. A infraestrutura de rede elétrica está entre as de menor custo, exceto se ela 66 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável for subterrânea. Mas grande parte da rede elétrica brasileira é aérea e há grande carência de iluminação pública nas cidades brasileiras. A rede de gás garante o acesso ao combustível para cozinhar e aquecer a água e os demais ambientes. As redes de gás encanado são soluções pouco comuns na maioria dos municípios brasileiros. A solução tradicional é o uso de botijões de gás. • Sistema de comunicação: É composto pela rede telefônica e de televisão. O sistema de comunicação também inclui a rede de Internet. A rede de Internet é fundamental em um mundo intensamente conectado. O direito de acesso à Internet é entendido na Carta Brasileira para Cidades Inteligentes como parte do direito à cidade e componente da redução da desigualdade social. O direito de acesso à Internet está previsto no Marco Civil da Internet no Brasil (Lei n° 12.965/2014, art. 4º, I). Neste capítulo, vimos que o ambiente urbano é composto por elementos do meio construído. Busque no site da prefeitura da sua cidade informações sobre edificações do tipo equipamento público; espaços livres mais importantes da sua cidade; e a condição de infraestrutura básica do seu município/cidade (abastecimento de água, rede de esgoto, sistema viário, rede elétrica). ATIVIDADE PROGRAMADA Dados da cobertura de rede de infraestrutura dos municípios brasileiros: • Domicílios com iluminação elétrica (2015): 99,7%. • Domicílios com lixo coletado diretamente (2019): 84,4%. • Domicílios com rede geral como principal forma de abastecimento de água (2019): 85,5%. • Domicílios com esgotamento sanitário (rede geral ou fossa séptica ligada à rede) (2019): 68,3%. • Domicílios com acesso à Internet (2021): 90%. Fonte: IBGE. Disponível em: https:// cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama. VOCÊ SABIA? 5.3.2 INTEGRAÇÃO ENTRE MEIO CONSTRUÍDO E MEIO NATURAL COMO ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL O ambiente natural possui uma capacidade limitada de fornecer recursos e assimilar resíduos. Padrões do meio construído que não consideram o meio natural são questionados, especialmente no contexto de emergências climáticas. As mudanças climáticas reforçam o desafio urgente de adaptarmos os assentamentos humanos, https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama 67 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável principalmente os urbanos. Isso é necessário, pois a maior parte da população mundial vive hoje em cidades e a tendência é que esse número aumente. Nesse contexto, surgem pensamentos e práticas para planejar e projetar o ambiente urbano buscando uma nova lógica de (re)construção do território. Eles se baseiam na integração do meio natural com o meio construído, soluções que incorporam os elementos naturais e seus processos, levando em conta seus limites e possibilidades. É uma forma de ver o ambiente urbano (ou as cidades) e a natureza integrados, não como meios/sistemas separados. O objetivo dessas práticas é contribuir para um ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e para as futuras gerações. Soluções baseadas na Natureza (SbNs) são ações que simulam ou tomam como base os processos naturais para gerar benefícios sociais, ambientais e econômicos para a sociedade. Elas buscam também gerir de modo sustentável os ecossistemasnaturais (FRAGA; SAYAGO, 2020). As soluções baseadas na natureza são exemplos de ações locais que respondem aos desafios globais da mudança climática. Elas contribuem com o ODS 11 – Cidades e comunidades sustentáveis, ao tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resistentes e sustentáveis. Contribuem também com o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima, ao tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e os seus impactos. As SbNs partem da ideia de serviços ecossistêmicos integrados ao planejamento e ao projeto urbano. Os serviços ecossistêmicos são serviços que as pessoas recebem dos ecossistemas e segundo a classificação do conselho de avaliação ecossistêmica do milênio (PELLEGRINO, 2017) são: • serviços de produção: alimentos, abastecimento de água, energia; • serviços de regulação: manutenção do regime hidrológico, regulação de enchentes, purificação e reutilização da água, regulação do clima; • serviços de suporte: ciclagem de nutrientes; e • serviços culturais: função estética, educacional, recreativa, esportiva, patrimônio cultural, circulação. As SbNs também estão associadas à ideia de serviços ambientais, pois eles potencializam os serviços ecossistêmicos. Os serviços ambientais são [...] atividades humanas individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos. Por exemplo, a restauração de uma área de preservação permanente com o plantio de mudas vai melhorar o ecossistema de vegetação nativa na beira do rio e assim favorecer o serviço de regulação do fluxo de água e de controle da erosão. (BRASIL, 2022). 68 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável Figura 7: Soluções baseadas na natureza. Fonte: WRI BRASIL. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/noticias/como-solucoes- baseadas-na-natureza-podem-preparar-cidades-para-mudanca-do-clima. Aplicar as SbNs nos componentes do ambiente construído (edificações, espaços livres e infraestruturas urbanas) é uma estratégia para o desenvolvimento urbano sustentável. A infraestrutura verde consiste em planejar, projetar e manejar construções, espaços livres e infraestruturas urbanas existentes e novas. Elas são transformadas em espaços multifuncionais a partir de uma rede ecológica urbana que imita os processos naturais. Assim, mantém-se ou restaura-se as funções do ecossistema urbano, oferecendo serviços ecossistêmicos/ambientais (HERZOG, 2013). Cada componente do ambiente urbano (edificações, espaços livres e infraestruturas urbanas) passa a executar funções não só relacionadas ao meio construído, mas também ao meio natural. Por exemplo, as edificações além de abrigar usos para pessoas, realizam reúso e purificação da água, por meio de tetos verdes. Espaços livres passam a ser projetados para realizar serviços de regulação da água por meio de alagados construídos e jardins de chuvas, além de suas funções culturais. Redes de circulação podem estar https://www.wribrasil.org.br/noticias/como-solucoes-baseadas-na-natureza-podem-preparar-cidades-para-mudanca-do-clima https://www.wribrasil.org.br/noticias/como-solucoes-baseadas-na-natureza-podem-preparar-cidades-para-mudanca-do-clima 69 Introdução aos Instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentável associadas a uma rede de drenagem nos moldes da infraestrutura verde e realizar serviços de regulação, além da sua função de mobilidade. Construir ou reconstruir o ambiente urbano para alcançar o desenvolvimento urbano sustentável não significa reduzir as práticas sustentáveis a soluções técnicas e materiais. Atuar para um ambiente se tornar ecologicamente equilibrado é fundamental, mas isso não será possível se essas soluções não vierem para reduzirmos principalmente as desigualdades sociais e espaciais (ODS 10). Buscar cidades socialmente justas é um objetivo de se construir cidades ecologicamente equilibradas e próprio da ideia de desenvolvimento urbano sustentável. Portanto, garantir o acesso de qualidade a infraestruturas e serviços urbanos (ODS 3, ODS 4, ODS 6, ODS 11), à moradia digna, segurança da posse e direito de ir e vir (ODS 11), às oportunidades econômicas (ODS 8), culturais, de lazer (ODS 11) são objetivos da política urbana nacional. Para saber mais sobre Soluções baseadas na Natureza, confira o Catálogo Brasileiro de Soluções baseadas na Natureza – Entendendo e Planejando SbN no Brasil. Catálogo Brasileiro de Soluções baseadas na Natureza – Entendendo e Planejando SbN no Brasil. Disponível em: https://catalo- go-sbn-oics.cgee.org.br/ APROFUNDE-SE https://catalogo-sbn-oics.cgee.org.br/ https://catalogo-sbn-oics.cgee.org.br/ GLOSSÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 - CONTEXTO FEDERAL E A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NO FINANCIAMENTO FISCAL DO DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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