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I UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Geografia Júlio Takahiro Hato GEOGRAFIA DA EDUCAÇÃO São Paulo 2010 II Júlio Takahiro Hato GEOGRAFIA DA EDUCAÇÃO Dissertação apresentada no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, como um dos pré-requisitos para obtenção do grau de mestre em Geografia Humana. Orientador: Prof. Dr. Hervé Théry São Paulo 2010 III Júlio Takahiro Hato GEOGRAFIA DA EDUCAÇÃO Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Geografia Humana, à comissão julgadora do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Aprovado em _____ / ___________ / ______ BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Prof. Dr. Hervé Théry FFLCH/USP ______________________________________________ Profa. Dra. Fernanda Padovesi Fonseca FFLCH/USP ______________________________________________ Prof. Dr. Jaime Francisco Cordeiro FE/USP IV AGRADECIMENTOS Aos meus familiares e principalmente ao meu pai que sempre me incentivou, apoiou acompanhou nos estudos, desde corrigindo as lições de matemática e caligrafia no curso primário e até hoje, aos 93 anos de idade, preocupa-se em saber como estou me comportando nas aulas. À minha mãe (in memorian) como educadora que foi, mostrando a importância de frequentar uma escola por mais adversas que fossem as condições. À Universidade de São Paulo que sempre me acolheu nas três faculdades que cursei e pela qual tenho uma grande dívida social por ser uma universidade pública e que procurarei saldar esta dívida cumprindo meu papel social sempre que possível em instituições públicas visando o bem estar coletivo. À CAPES pelo apoio financeiro fornecido durante o curso deste mestrado. Que foi de vital importância para que tudo fosse realizado a contento. A todos os professores pelos saberes que me foram transmitidos em todos estes anos de estudo. Em especial a coordenadora do Programa de Pós-graduação, Profa. Dra. Mônica Arroyos pelo apoio técnico acadêmico. Um agradecimento especial ao meu orientador: Prof. Dr. Hervé Théry, que sempre soube entender e orientar as dificuldades com extrema eficiência, sabedoria, diplomacia e humildade, onde mais que dar lições de geografia tem sido um mestre para uma lição de vida. Aos professores co-orientadores que foram de extrema valia para prosseguimento desta dissertação. Aos amigos: Gilberto, Clarisse e Clenes que sempre foram um grande apoio para realização desta dissertação. Aos colegas e professores franceses da Universidade de Renne que estiveram juntos na viagem à Amazônia em julho de 2009. Aos colegas e professores da EACH/USP que também estiveram na Expedição Amazônica. Aos funcionários da secretaria de pós-graduação: Ana, Firmino, Rosângela que sempre foram muito solícitos e eficientes. Ao amigo, colega e chefe Luís Fernando por entender a minha premência de tempo para concluir esta dissertação. Em especial à Hellen, a quem me desculpo pela falta de atenção nestes últimos meses de finalização deste trabalho. V LISTA DE FIGURAS 1. Mapa de analfabetismo no mundo de pessoas de 15 anos ou mais de idade ........................ 21 2. Mapa do PIB por país no ano 2000 ...................................................................................... 22 3. Mapa mundial comparativo de analfabetismo e PIB ............................................................ 23 4. Gráfico de analfabetismo no Brasil de 1872 a 1998 ............................................................. 24 5. Gráfico da população e analfabetismo no Brasil de 1872 a 1998 ........................................ 25 6. Gráfico de analfabetismo no Brasil e por regiões................................................................. 28 7. Gráfico de analfabetismo conforme regiões, estados e áreas metropolitanas ...................... 30 8. Mapa de analfabetismo no Brasil ......................................................................................... 32 9. Mapa de analfabetismo funcional no Brasil ......................................................................... 33 10. Mapa da renda per capita e PIB no Brasil.......................................................................... 34 11. Foto do Grupo Escolar Prudente de Moraes ....................................................................... 36 12. Foto da Escola Normal Caetano de Campos ...................................................................... 37 13. Mapa do analfabetismo no Estado de São Paulo ................................................................ 52 14. Mapa do PIB por município no Estado de São Paulo......................................................... 53 15. Mapa do PIB per capita no Estado de São Paulo ............................................................... 54 16. Mapa do PIB e taxa de analfabetismo no Estado de São Paulo ......................................... 55 17. Mapa dos setores econômicos do Vale do Paraíba ............................................................. 58 18. Mapa da renda per capita e do PIB nos municípios do Vale do Paraíba ........................... 59 19. Mapa da renda per capita nos municípios do Vale do Paraíba Paulista............................. 60 20. Foto da Igreja matriz de Santa Branca................................................................................ 61 21. Praça central de Santa Branca ............................................................................................ 62 VI 22 – Casario colonial de Areias ................................................................................................ 63 23 - Igreja matriz de Areias ...................................................................................................... 63 24. Fazenda Pau-D´alho, Areias/SP ......................................................................................... 64 25. Prensa talhada em madeira do período colonial, na Fazenda Pau d‟alho ........................... 65 26. Pilão mecânico múltiplo de madeira acionado por roda d‟água ......................................... 66 27. Fazenda dos Coqueiros (1855) ........................................................................................... 67 28. Santos de pau-ôco para contrabando de ouro ..................................................................... 67 29. Falta de conservação do casario colonial ........................................................................... 68 30. Casario colonial - Bananal/SP ............................................................................................ 68 31. Mapa da taxa de analfabetismo no Vale do Paraíba Paulista ............................................. 71 32. Mapa de distribuição das escolas de ensino básicas públicas e particulares ...................... 72 33. Mapa da proporção de escolas urbanas e rurais no Vale do Paraíba Paulista .................... 73 34. Mapa da taxa de analfabetismo e quantidade absoluta de analfabetos .............................. 74 35. Simulação da morfologia econômica no Vale do Paraíba Paulista .................................... 75 36. Simulação da morfologia do analfabetismo no Vale do Paraíba Paulista .......................... 76 37. Balsa de pequeno porte para travessia da represa de Paraibuna ......................................... 78 38 - Mapa tectônico da região Sudeste do Brasil ..................................................................... 79 39. Mapa de represa de Paraibuna e município de Natividade da Serra ..................................80 40. Represa de Paraibuna no trecho onde termina a antiga estrada .......................................... 81 41. Mapa do Estado do Mato Grosso com o roteiro da viajem ................................................ 87 42. Mapa de biomas e político administrativo do Estado do Mato Grosso .............................. 88 43. Naturalidade da população por município .......................................................................... 92 44. Evolução da taxa de urbanização no Estado do Mato Grosso ............................................ 95 VII 45. Uso predominante das terras rurais, por município, no Estado do Mato Grosso ............... 96 46. Estrutura fundiária do Estado do Mato Grosso .................................................................. 97 47. Mapa das principais rodovias e reservas indígenas ........................................................................................ 99 48. Mapa do analfabetismo funcional..................................................................................... 103 49. Escolaridade em Rondonópolis na área urbana por setor censitário ................................ 107 50. Renda do responsável pelo domicílio em Rondonópolis ................................................. 108 51. Mapa de escolaridade por setor censitário de Sorriso ...................................................... 109 52. Mapa de renda média do responsável por setor censitário de Sorriso .............................. 110 53. Mapa de escolaridade por setor censitário de Sinop......................................................... 111 54. Mapa de renda média do responsável por setor censitário de Sinop ................................ 112 55. Mapa de escolaridade por setor censitário de Alta Floresta ............................................. 113 56. Mapa de renda média do responsável por setor censitário de Alta Floresta..................... 114 57. Mapa de escolaridade por setor censitário de Juína ......................................................... 115 58. Mapa de renda média do responsável por setor censitário de Juína ................................. 116 59. Origem por UF dos responsáveis no assentamento de Carlinda ...................................... 117 60. Mapa de fluxo de origem dos assentados em Carlinda .................................................... 118 61. Gráfico de escolaridade dos assentados............................................................................ 119 62. Gráfico de escolaridade x renda por município ................................................................ 120 63. Gráfico comparativo de gastos públicos em educação ..................................................... 121 VIII Lista de abreviações e acrônimos APP – Área de proteção permanente BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BM – Banco Mundial BRIC - Brasil, Índia, Rússia e China CEU – Centro Educacional Unificado CESP – Companhia Energética do São Paulo CONESP – Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo DOP – Departamento de Obras Públicas EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo EJA – Educação de Jovens e Adultos FAMATO – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso FEC – Fundação Ecológica Cristalino FECE – Fundo Estadual de Construção Escolar FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola GE – Grupo Escolar IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LAU – Licenciamento Ambiental Unificado MEC – Ministério da Educação e Cultura OEA – Organização dos Estados Americanos PIB – Produto Interno Bruto PRONEA – Programa Nacional de Educação Ambiental SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SEMA – Secretaria do Meio Ambiente IX SINOP – Sociedade Imobiliária do Oeste Paranaense UFMT – Universidade Federal do Mato Grosso UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization USP – Universidade de São Paulo X SUMÁRIO 1. Introdução ............................................................................................................................... 1 1.1. Por que a Geografia da Educação? ............................................................................... 3 1.2. O analfabetismo e a escolaridade ................................................................................. 6 ............................................................................................................................................... 2. Metodologia .......................................................................................................................... 12 2.1. A Educação Comparada ........................................................................................... 12 2.2. A Nova Geografia Regional ..................................................................................... 16 3. O analfabetismo no mundo ................................................................................................... 17 4. O analfabetismo no Brasil .................................................................................................... 24 5. O analfabetismo no Estado de São Paulo ............................................................................. 35 6. O Vale do Paraíba Paulista ................................................................................................... 56 6.1. Os eixos econômicos ................................................................................................ 56 6.2. O analfabetismo no Vale do Paraíba ........................................................................ 69 6.3. Natividade da Serra .................................................................................................. 77 7. A educação em áreas de formação territorial subnacional ................................................... 82 7.1. Introdução ................................................................................................................ 82 7.2. O roteiro e a caracterização do Estado do Mato Grosso .......................................... 85 7.3. A educação na Amazônia ......................................................................................... 99 8. Conclusão ........................................................................................................................... 121 9. Referências ......................................................................................................................... 127 XI Resumo Ao analisar o histórico da educação de massa a nível mundial, nota-se que este surgiu principalmente com o aparecimento dos estados nacionais ao longo dos séculos XIX e meados do século XX. Se num momento histórico a educação de massa foi fundamental para formação dos estados nacionais, como se comportaria nos dias atuais com a maioria dos territórios já definidos. Nas últimas décadas sob a égide do neoliberalismo, evidencia-se uma relação muito estreita entre economia e educação, onde políticas públicas, sem objetivos sociais, acabam por fazer da educação um instrumento para ampliar as desigualdades sociais e econômicas, onde as pessoas que detém o saber possuem cada vez mais privilégios dentro do espaço social, inclusive o acesso a um nível mais elevado de educação devido a alta renda, enquanto os iletrados são segregados espacialmente e com baixo poder aquisitivo estão cada vez mais distantes de uma educação emancipadora, num círculo vicioso que tende ser agravado pela crescente mercantilização da educação. Neste estudo pode-se visualizar este fenômeno espacialmente, seja em locais historicamente consolidados, no caso do Valedo Paraíba Paulista, ou em zonas de fronteiras agrícola, onde territórios subnacionais estão ainda em formação, principalmente na Amazônia Legal. Esta visão geográfica do espaço social através da cartografia permitiu constatar e analisar estas desigualdades, para que possa ser útil aos planejadores diante da complexidade e especificidade de problemas sociais, econômicos e ambientais que ocorrem desde os níveis globais até os locais. Trata-se, portanto de uma análise de Educação Comparada, sem o intuito de criar paradigmas educacionais com base em regiões ou países desenvolvidos, mas levar a uma reflexão mais ampla diante da complexidade dos problemas atuais que necessitam primordialmente de soluções ao nível local tendo em vista as suas especificidades, diante das influências e as repercussões globais, uma vez que, as diversidades e desigualdades sócio-econômicas se tornam cada vez mais evidentes e recrudescentes diante das contradições capitalistas e da globalização que divulga XII um paradigma de desenvolvimento, sem levar em consideração a diversidade humana ou ambiental local, ressalvando-se, tão somente, quando são características favoreçam uma exploração econômica lucrativa e imediatista. Com a interdisciplinaridade da Geografia Regional e a Educação Comparada, esta dissertação procura fundamentar esta análise e prospecção territorial da educação com base nas formas, funções e estruturas que produzem determinados espaços sociais ao longo de um processo histórico, resumindo-se num estudo de Geografia da Educação. PALAVRAS-CHAVE: Educação comparada, geografia da educação, geografia regional, políticas públicas, planejamento educacional, cartografia temática, cartomática. XIII ABSTRACT In reviewing the history of mass education in the world, it is noted that this was mainly with the emergence of nation states throughout the nineteenth and mid twentieth century. If a historic moment mass education was essential for formation of national states, what would happen today with most territories already defined. In recent decades under the aegis of neoliberalism, it is evident a very close relationship between economics and education, where public policy, not social goals, end up making education a tool to broaden the social and economic inequalities, where people holding the know have more privileges within the social space, including access to a higher level of education due to high income, while the uneducated are spatially segregated and with low purchasing power are increasingly distant from emancipatory education as a vicious circle which tends to be exacerbated by the increasing commoditization of education. In this study we can see this phenomenon spatially, whether in historical consolidated local in the case of Vale do Paraíba Paulista, or in agricultural frontier areas, where sub-national areas are still in training, especially in the Amazon. This vision of social space through geographical mapping allowed us to verify and analyze these inequalities, so it can be useful to planners on the complexity and specificity of social, economic and environmental impacts that occur from global levels to the site. It is therefore an analysis of comparative education, without the intention of creating educational paradigms based on regions or countries, but lead to a broader reflection on the complexity of current problems that need solutions primarily at the local level taking into their specific views in the face of global influences and repercussions, since the diversity and socio-economic inequalities are becoming more evident and recrudescent on the capitalist contradictions and globalization which discloses a development paradigm, regardless human diversity or environmental site, subject to, alone, when there are features favoring an immediate and profitable economic exploitation. With the interdisciplinary of Regional Geography and Comparative Education, this essay attempts to base this XIV analysis and exploration of territorial education based on the forms, functions and structures that produce social spaces along a historical process, summarizing a study of Education Geography. KEYWORDS: Comparative education, education geography, regional geography, public policy, educational planning, thematic mapping, cartomática. 1 1. INTRODUÇÃO O objetivo desta pesquisa é primeiramente observar o panorama geral da educação em várias escalas espaciais, seja a nível mundial, nacional ou local, para permitir uma visão abrangente e ao mesmo tempo específico de cada local, para que possamos analisar e diagnosticar comparativamente os sistemas educacionais. Esta comparação entre diferentes locais com diferentes características históricas e culturais também objetivou investigar a relação da educação com as características de desenvolvimento econômico. É de senso comum que para haver um crescimento econômico é preciso investir antecipadamente na educação para a formação da população, isto é o que tem sido adotado nos países orientais, mas no caso brasileiro ouve-se muitas críticas de não haver uma prioridade na política educacional, é a prioridade no desenvolvimento econômico que acaba por proporcionar as melhorias nas condições educacionais da população. Esta pesquisa procura investigar esta hipótese e as suas consequências sobre a sociedade. Há muitos estudos sobre os problemas educacionais, desde os problemas pedagógicos voltados à qualidade de ensino, os estudos históricos, os de caráter sócio- econômicos e culturais, as pesquisas na psicologia da educação ou outras ciências. Mas quanto à sua análise territorial, ou a relação da educação com o espaço geográfico, seja do ponto de vista físico ou humano, há poucas referências bibliográficas. É através da educação comparada que encontramos muitos estudos, referentes a formação histórica, social, política, antropológica, psicológica, ou filosófica, mas ainda assim, com raras inserções de interdisciplinaridade com a geografia. Alguns pesquisadores como Popkewitz1 já analisaram 1 POPKEWITZ, Tom e LINDBLAD, Sverker. Estatísticas Educacionais como um Sistema de Razão: Relações entre Governo da Educação e Inclusão e Exclusão Sociais, in Educação & Sociedade, ano XXII, no 75, Agosto/2001 2 as questões estatísticas na forma de tabelas e gráficos em relação ao planejamento educacional público com o objetivo de como e quando os recursos poderiam ser empregados na educação, mas ainda a espacialização, ou seja, o destino e localização onde estes recursos deveriam ser empregados, com o auxílio da linguagem cartográfica é pouco explorado. Uma rara referência encontrada foi a de Milton Santos1 sobre o ensino superior brasileiro, onde há um minucioso levantamento e alguma análise cartográfica sobre o assunto. Há um vasto levantamento estatístico sobre educação, mas estes são pouco utilizados para um mapeamento e análise espacial, que seria de vital importância para um planejamento educacional, onde é comum junto aos órgãos públicos educacionais o planejamento educacional apenas para atender as demandas reprimidas, ou seja, atender alunos que não conseguiram vagas nas escolas públicas, mas este já é um sério problema, pois uma escola não surge instantaneamente, seria preciso de dois a três anos para sua construção, e assim muitos estão excluídos de um direito, ou seja, trata-se de remediar uma “doença” tardiamente. E provavelmente quando esta for sanada, outras demandas já estarão criadas devido ao longo prazo de atendimento. Através da cartografia procurou-se elucidar estes problemas e servir como método de análise espacial em planejamentos, seja na educação, urbano ou territorial. Os dados foram coletados de instituições oficiais, ou em pesquisa de campo, tanto de ordem quantitativa em tabelasestatísticas, ou de ordem qualitativa em entrevistas, observações de campo e literaturas. Este trabalho é composto de um capítulo inicial sobre a metodologia de análise, em seguida cinco capítulos que compreendem análise em educação e economia nas seguintes escalas espaciais: 1) Mundial, 2) O Brasil, 3) O Estado de São Paulo, 4) O Vale do Paraíba Paulista e 5) O Estado do Mato Grosso. Os três primeiros itens foram desenvolvidos com base 1 SANTOS, Milton. O ensino superior público e particular e o território brasileiro. Milton Santos, María Laura Silveira. Brasília: ABMES, 2000. Acervo biblioteca FFLCH: 378 S237e 3 em dados estatísticos secundários de diversas instituições públicas: UNESCO, Banco Mundial, IBGE, INEP e SEADE. Nos dois últimos itens foram realizadas também trabalhos de campo com coleta de dados primários, além dos dados secundários, principalmente do IBGE. Os dados primários têm como referência o ano-base de 2000, pois a maior parte dos dados são referentes ao censo demográfico realizado neste ano. O censo de 2010 não estava ainda disponível na conclusão desta dissertação, mas será de fundamental importância para análise comparativa dos resultados e prosseguimento da pesquisa nos próximos anos. O último capítulo refere-se a conclusão geral da pesquisa ou complementando os cinco capítulos anteriores. 1.1. Por que a geografia da educação? Em 1947, portanto, há mais de 60 anos, quando Josué de Castro escreveu o clássico livro “Geografia da Fome”1 e faz uma ressalva no prefácio quanto à necessidade da educação de base, apesar de seu tema tratar a questão da fome: "Enquanto alguns apregoam que para salvar o país se faz necessária a reeducação das elites, aparentemente tão desviadas de seus deveres cívicos, de dirigir a vida pública, eu sou daqueles que acreditam que a nossa salvação está muito mais na educação adequada das massas, no seio dos quais se encontram enormes reservas humanas até hoje deixadas à margem da ação política e social pela falta de recursos educacionais adequados e melhor distribuídos. Nenhuma outra missão me parece, pois mais nobre que a de integrar a consciência cívica do país estas populações marginais que pressentem os perigos e as angústias da hora presente, mas se sentem incapazes de agir na busca de um caminho seguro, pela falta de uma visão clara de nossos problemas fundamentais. Nenhum convite poderia se mais tentador para mim do que o de utilizar este livro como instrumento de captação do interesse do povo, para solução de um dos mais graves e trágicos problemas do próprio povo: o problema da carestia da vida e das conseqüências funestas da sub-alimentação." p. 8. 1 CASTRO, Josué - Geografia da Fome. Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro: 1953, Quarta edição. 4 Este prefácio foi escrito pelo autor quando da publicação uma edição popular para que as camadas mais pobres pudessem ler o seu livro e se conscientizassem de sua situação. Mas havia ainda um empecilho maior: a taxa de analfabetismo no Brasil de pessoas com mais de 15 anos era nesta época de 50%, justa, ou injustamente, as pessoas que mais necessitavam de ter acesso a essa informação. Portanto as pessoas que mais necessitavam deste livro, mesmo que tivessem condições de comprá-lo, não tinham condições de lê-lo, continuavam subnutridos de alimentação e de educação e o privilégio continuou com as elites dirigentes da vida pública, sendo que poucos dirigentes devem ter lido este livro, ou então o ignoraram durante mais de meio século, pois somente em 2003 surge um programa público do Governo Federal de segurança alimentar no combate a fome (O Programa Fome Zero), quiçá também surja um programa “Analfabetismo Zero” para completar o combate a miséria e desigualdade. Nestas últimas cinco décadas o analfabetismo foi combatido por vários programas de educação. Pelo censo de 2000, a taxa de analfabetismo decresceu para algo em torno de 12%, mas a quantidade absoluta de analfabetos ainda continua a ter um pequeno incremento, totalizando 17,5 milhões de analfabetos. Mas boa parte dos alfabetizados passam ainda por uma educação que fica a desejar do ponto de vista qualitativo, o que agrava os índices de analfabetismo funcional, ou as pessoas com menos de quatro anos de estudo. Esta forma de analfabetismo atinge mais da metade da população nordestina e até um quinto da população paulista, no estado mais rico do país. A educação de massa deveria estar voltada, não somente a questão da alfabetização, que por si só já é um grande alento para a participação ativa dos indivíduos de forma digna sociedade, mas sobretudo permitir a formação da cidadania, e menos direcionado a atender os interesses econômicos. Mas nas últimas três décadas do século XX, as transformações provocadas pelo neoliberalismo no Estado capitalista brasileiro levou mais a formação de um não-cidadão como é enunciado por Milton Santos: 5 Em nenhum outro país foram assim contemporâneos e concomitantes processos como a desruralização, as migrações brutais desenraizadoras, a urbanização galopante e concentradora, a expansão do consumo de massa, o crescimento econômico delirante, a concentração da mídia escrita, falada e televisionada, a degradação das escolas, a instalação de um regime repressivo com a supressão dos direitos elementares dos indivíduos, a substituição rápida e brutal, o triunfo, ainda que superficial, de uma filosofia de vida que privilegia os meios materiais e se preocupa com os aspectos finalistas da existência e entroniza o egoísmo como lei superior, porque é o instrumento da buscada ascensão social. Em lugar do cidadão formou-se o consumidor que aceita ser chamado de usuário. (SANTOS, 2007,p.25) “A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada a lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico.” (Ibid, p. 57) “Um modelo econômico, tomado isoladamente, e por melhor que ele pareça, não bastará para que os grandes problemas da nação sejam solucionados. A sociedade é mais que a economia. Um modelo que apenas se ocupe da produção em si mesma (ainda que as diversas instâncias produtivas estejam incluídas: circulação, distribuição, consumo) nem mesmo para a economia será operacional. A sociedade também é ideologia, cultura, religião, instituições e organizações formais e informais, território, todas essas entidades sendo forças ativas...” (Ibid, p. 122) “A educação não tem como objeto real armar o cidadão para uma guerra, a da competição com os demais. Sua finalidade, cada vez menos buscada e menos atingida, é a de formar gente capaz de se situar corretamente no mundo e de influir para que se aperfeiçoe a sociedade humana como um todo. A educação feita mercadoria reproduz e amplia as desigualdades, sem extirpar as mazelas da ignorância. Educação apenas para a produção setorial, educação apenas profissional, educação apenas consumista, cria, afinal, gente deseducada para a vida.” (Ibid, p. 154) Portanto a deficiência e uma educação de baixa qualidade tende a criar, respectivamente, de um lado uma cidadania atrofiada com uma participação nula ou passiva e facilmente manipulável e de outro lado os dirigentes que foram educados para uma batalha cada vez mais individualista.Neste cenário a tendência inevitável é um acirramento cada vez maior das desigualdades sociais e econômicas. Com o retorno da democracia nos anos 90 surge a questão da formação de uma cidadania saudável sem as distorções e, portanto, mais do que nunca o direito a educação pública universal e de qualidade passa a ser fundamental para preparar as bases da cidadania deste novo estado de direito e para isso a Geografia da 6 Educação pode torna-se uma importante ferramenta de diagnóstico e análise para o planejamento e implementação das políticas públicas de educação. 1.2. O analfabetismo e a escolaridade. Historicamente o analfabetismo tem suas origens e conseqüências, principalmente nas decisões sobre a política pública educacional, mais por interesse de setores dominantes, embora isto devesse ter uma autonomia como um direito humano, ou no mínimo a participação democrática da sociedade. Não é por acaso que atualmente, no plano mundial, uma instituição financeira impõe suas “doutrinas econômicas” na política educacional, principalmente nos “países em desenvolvimento” do mundo capitalista, conforme Torres: Um banco internacional, o Banco Mundial (BM), transformou-se, nos últimos anos, no organismo com maior visibilidade no panorama educativo global, ocupando, em grande parte, o espaço tradicionalmente conferido a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), a agência das Nações Unidas especializada em educação. O financiamento não é o único nem o mais importante papel do BM em educação (representando apenas 0,5% da despesa total pelos países em desenvolvimento neste setor); o BM transformou-se na principal agência de assistência técnica em matéria de educação para os países em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a fim de sustentar tal função técnica, em fonte e referencial importante de pesquisa educativa no âmbito mundial [...] As propostas do BM para educação são feitas basicamente por economistas dentro da lógica e da análise econômica. A relação custo-benefício e a taxa de retorno constituem categorias centrais a partir das quais se define a tarefa educativa [...] (Torres, 1998, p. 125 e 138) No Brasil, as políticas educacionais, passam por manobras políticas e manipulações irracionais, desde as LDBs (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), passando por todas as instâncias estaduais, municipais, distritais, até chegar ao misterioso “Projeto Político Pedagógico” de cada escola, ou unidade educacional, cercado de contradições, onde os agentes envolvidos, ou seja, os corpos docentes e discentes, são os que mais sofrem com as mazelas a que tem sido submetida a atual educação. É comum o caso de dificuldade dos 7 alunos de licenciatura, em seus estágios nas escolas públicas, quando solicitam aos coordenadores pedagógicos o Projeto Político Pedagógico. Em geral há somente uma via guardada em sigilo absoluto, onde só a direção administrativa da escola tem acesso. Os professores e alunos praticamente desconhecem a existência deste, que deveria ser o norteador do ensino da unidade educacional em que vivem cotidianamente. Enfim, estas políticas evoluíram historicamente, onde podemos ressaltar alguns fatos históricos relevantes no campo da educação, não somente como gênese, ou marcos de políticas públicas, que marcaram territorialmente a educação no mundo moderno ocidental, mas também um paralelo com fatos econômicos, que determinaram e ainda determinam as políticas para a produção e organização dos espaços educacionais. Não é por acaso, a preocupação do Presidente da República, que em seu discurso de posse faça referência a este fato, embora “minimizando” o atraso da educação brasileira em pouco menos de um século, conforme seu discurso de posse: [...] É preciso garantir o crescimento de todos, diminuindo as desigualdades entre as pessoas e as regiões. Para diminuir as desigualdades entre as pessoas a alavanca básica é a educação. Para diminuir as desigualdades entre as regiões, o principal instrumento são os grandes programas de desenvolvimento, especialmente os de infra-estrutura. Estes grandes programas e projetos de desenvolvimento regional já estão definidos e envolve setores estratégicos como energia, transportes, inovação tecnológica, insumos básicos e construção civil. Na área de energia, eles privilegiam o petróleo, gás, álcool, biocombustíveis e eletricidade. Na área de inovação tecnológica, os softwares, fármacos, bens de capital, semi-condutores e TV digital. Na área dos transportes englobam, indistintamente, setores automotivos, ferroviários, naval e aéreo, na construção civil os setores de infra-estrutura, habitação e saneamento básico. Na área dos insumos, a siderurgia, papel e celulose, petroquímica e mineração. Minhas senhoras e meus senhores: Reitero que a educação de qualidade será prioridade de meu governo, mais do que a qualificação... (aplausos), para o mundo do trabalho, a educação é um instrumento de libertação, que o acesso a cultura propicia. Ela dá conteúdo à cidadania formal de homens e mulheres. O país cresce quando é capaz de absorver conhecimento. Mas torne-se forte de verdade quando é capaz de produzir conhecimento. Para isso é fundamental valorizar todos os níveis de nosso sistema educacional, sem exceção, fortalecer a pesquisa pura e aplicada, consolidar a incorporação e o desenvolvimento de novas tecnologias. Temos aqui um gigantesco desafio, o que outros países fizeram ainda no século XIX, ou no século XX, nós teremos que realizar nos próximos anos. Trata-se de superar os grandes déficits educacionais que nos afligem e ao mesmo tempo dá passos acelerados para transformar o nosso país em uma sociedade de conhecimento que 8 nos permita uma inserção competitiva e soberana no mundo. O Brasil quer, num só movimento, resolver as pendências do passado e ser contemporâneo do futuro [...] Parte do discurso de posse do segundo mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2007. O discurso presidencial que deveria nortear as políticas públicas, apesar de enfatizar a educação como a alavanca principal do desenvolvimento, teve que aguardar quase um ano para ser apresentado no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), contrariamente ao plano macroeconômico: Programa de Aceleração e Crescimento (PAC), que foi anunciado em menos de um mês após o discurso fazendo jus a característica histórica brasileira, onde o plano econômico é anunciado com prioridade em detrimento da educação, que deveria ser uma “alavanca”, ou um “núcleo motor” para o desenvolvimento econômico, como define Milton Santos (1979, p.33) para que um sistema se desenvolva plenamente dentro de uma totalidade equilibrada de estruturas e relações. Mas é preciso reconhecer que este tem sido governo que teve mais preocupações com as populações menos favorecidas e a educação teve um bom desempenho conforme resultados parciais da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílo (PNAD) 2009 elaborada pelo IBGE, embora ainda algumas metas precisem ser atingidas. O êxito do plano econômico diante a crise econômica mundial tem seus méritos, mas poderia ter um desempenho melhor caso não houvesse uma “crise educacional”, onde faltam profissionais qualificados para atender as demandas do crescimento. Como exemplo, no setor público municipal, onde trabalho atualmente, foram realizados três convocações aos doze primeiros candidatos de nível superior (engenheiro civil) aprovados em concurso público para o empossamento de quatro vagas, mas somente uma vaga foi preenchida, pois os outros onze já estavam empregados. Em contrapartida, no preenchimento de vagas para frentes de trabalho temporário, ou garis, destinados a população carente e sem qualificação formam-se filas quilométricas e televisivas de candidatos. Estes desequilíbrios de demandas distorcem os índices de desemprego e demonstramqualitativamente uma grave situação da educação brasileira como consequência da falta de prioridade nas políticas educacionais, mesmo que sejam para atender as necessidades econômicas prementes. Qual seria então a expectativa para atender a formação da cidadania, ou ainda atender as questões surgidas nas últimas duas décadas, como a questão ambiental e a sustentabilidade, que será também objeto deste estudo. 9 A nova presidente eleita Dilma Roussef ainda não tomou posse, mas tem um programa de governo para 2011-2014 com os seguintes itens para a educação que apenas mantem as diretrizes do governo anterior. Educação de qualidade, ciência e tecnologia para construir uma sociedade do conhecimento 28. O Governo Lula tomou importantes iniciativas para a educação brasileira. Criou o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB), ampliando a participação da União no financiamento da educação, desde a creche até o ensino médio e a universidade e com o apoio aos estados e municípios, quando foi o caso. Retomou a garantia de 18% do orçamento para a educação, pondo fim à DRU e assegurando o direito de acesso à escola para todos brasileiros entre 4 e 17 anos. Fez da educação para pessoas com deficiência uma política de Estado. Dobrou o número de escolas técnicas e criou Institutos Federais Tecnológicos. Com vistas à melhoria da qualidade da educação básica, estabeleceu o piso salarial nacional e programas de formação continuada. Ainda assim, esses avanços precisam ser acompanhados nacionalmente de melhorias na qualidade da educação. 1. No ensino superior estarão funcionando, até o fim do ano, 16 novas universidades públicas e 131 novos campi. Por meio do PROUNI, foram criadas oportunidades para que mais de 500 mil jovens de baixa renda pudessem ter acesso ao ensino superior. 2. Os investimentos do Governo em ciência e tecnologia explicam o 13º.lugar que o Brasil passou a ocupar na produção científica mundial. 3. Mas a educação exige urgência. Urgência para preparar os milhões de cientistas e técnicos que o desenvolvimento do país já está exigindo. Mas, principalmente t urgência para constituir uma cidadania que possa tomar em suas mãos o desenvolvimento econômico, político e cultural do país. 4. A sociedade que se está constituindo é uma sociedade do conhecimento. Para alcançá-la e garantir condições de competitividade global será necessário: a) erradicação do analfabetismo no país; b) garantir a qualidade da educação básica brasileira; c) promover a inclusão digital, com banda larga, produção de material pedagógico digitalizado e formação de professores em todas as escolas públicas e privadas no campo e na cidade; d) expandir o orçamento da educação, ciência e tecnologia e melhorar a eficiência do gasto; e) consolidar a expansão da educação profissional t por meio da rede de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia; f) tornar os espaços educacionais lugares de produção e difusão da cultura; g) construir o Sistema Nacional Articulado de Educação, de modo a redesenhar o pacto federativo e os mecanismos de gestão; 10 h) aprofundar o processo de expansão das universidades públicas e garantir a qualidade do conjunto de ensino privado; i) ampliar programas de bolsas de estudos que garantam a formação de quadros em centros de excelência no exterior capazes de atrair estudantes professores e pesquisadores estrangeiros para o Brasil; j) dar prosseguimento ao diálogo com a comunidade científica, como fator fundamental para definir as prioridades da pesquisa no país. k) Fortalecimento da política de educação do campo e ampliação das unidades escolares assegurando a educação integral e a profissionalização. Parte das Diretrizes do Programa 2011/2014 (V. integra em anexo) Esta monografia pretende demonstrar esta característica peculiar da educação brasileira, que juntamente com os modelos econômicos adotados, tende a agravar as desigualdades diante da inversão de prioridades. Sendo comuns as críticas sobre um desenvolvimento econômico baseado no analfabetismo que mascara e até justifica a exploração indiscriminada de mão-de-obra desqualificada e barata. Ao adotar o analfabetismo como um indicador, cabem algumas considerações a respeito deste conceito, que ainda causa muitas polêmicas em sua definição. Para efeitos práticos, como serão adotados os índices oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Para esta instituição a definição de analfabeto baseia-se na seguinte condição adotada nos recenseamentos: Considerou-se como alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhecia. Aquela que aprendeu a ler e escrever, mas esqueceu e a que apenas assinava o próprio nome foi considerado analfabeto (IBGE, 2000) É interessante notar que o próprio antônimo de analfabetismo que seria o termo alfabetismo; de certo modo, soa estranho aos nossos ouvidos, ao contrário, por exemplo, do termo em inglês: illiteracy e o antônimo literacy. E, portanto torna-se mais comum o termo “letramento” ao invés de alfabetismo. De fato, é esse o termo (letramento) mais adotado no ambiente acadêmico e educacional brasileiro como correspondente ao literacy do inglês, seja para designar propostas pedagógicas que privilegiam a aprendizagem da escrita em contextos de 11 uso, como no campo da pesquisa, principalmente nas de cunho etnográfico ou qualitativo de forma geral, mas também nas de cunho avaliativo e de grande escala (Ribeiro, 2002 apud Soares, 1998). Outro conceito de analfabetismo que passa a ser relevante é o analfabetismo funcional, que teria um caráter mais complexo e coerente com as necessidades atuais para o desenvolvimento das pessoas em suas relações sociais, e que de certa forma agrava o quadro de analfabetismo de maneira diferenciada em cada região, conforme suas características regionais. A questão não é mais apenas saber se as pessoas sabem ou não ler e escrever, mas também o que elas são capazes ou não de fazer com essas habilidades. [...], ou seja, com incapacidade de fazer uso efetivo da leitura e da escrita nas diferentes esferas da vida social (Ribeiro, 2002). Assim o IBGE também adota como analfabeto funcional as pessoas com menos de quatro anos de estudo. Esta seria uma média mínima de escolaridade para que um indivíduo não regrida para a condição de analfabeto mesmo tendo cursado uma escola, pois teria um aprendizado que teria pouca utilidade para sua vida cotidiana, mas isto pode variar conforme a faixa etária, os hábitos e cultura locais, o que torna um conceito bastante discutível e pesquisadores procuram qualificar e quantificar este conceito em pesquisas empíricas, aonde se chegou a resultados divergentes: [...] A escolaridade é o fator decisivo na promoção do letramento da população. A pesquisa revela como os déficits educacionais se traduzem em desigualdades quanto ao acesso a vários bens culturais, oportunidades de trabalho e desenvolvimento pessoal que caracterizam as sociedades letradas. Se necessário um indicador único relativo a anos de estudo para dimensionar o alfabetismo funcional da população, mais apropriado seria que oito anos de estudo fossem considerados como o mínimo para se atingir essa condição. A pesquisa mostrou que só entre as pessoas com oito anos de estudo ou mais os porcentuais daquelas classificadas nos níveis 2 e 3 de alfabetismo ultrapassam a marca dos 80%. Oito anos de escolaridade também correspondem ao ensino fundamental completo [...] (Ribeiro, 2002) 12 Para efeito de análise dos dados comparativos serão utilizados os dois indicadores de analfabetismo, e também a escolaridade, baseados principalmente em dados fornecidos pela UNESCO e o IBGE e como indicadores econômicos os valores do PIB – Produto interno bruto seja de países, estadosou municípios e renda familiar. 2. Metodologia Como base para realização destes estudos adotou-se a Educação Comparada e os princípios da Nova Geografia Regional, disciplinas estas que ressurgiram com novos atributos e permitiram a análise mais apurada dos fenômenos espaciais levantados. Neste estudo pretende-se utilizar técnicas de e análise territorial com base na cartografia temática para mapear o espaço social, econômico e o analfabetismo, com dados coletados em órgãos oficiais como o UNESCO, IBGE, INEP e pesquisas bibliográficas gerais relacionadas ao tema, assim como técnicas de estudo do meio em alguns locais como a “franja pioneira” no Mato Grosso e o Vale do Paraíba Paulista. 2.1. A Educação Comparada Disciplina iniciada com Marc Jullien de Paris, em 1817, inicialmente com caráter positivista. Atinge um auge pragmatista no pós-guerra (1945), e uma fase evolucionista com a UNESCO e OEA incutindo o ideal de pacificação e solidariedade, com o lema “Educação para a Paz”, mas esta disciplina praticamente se extinguiu por volta de 1980, como 13 conseqüência da crítica e rejeição do comparatismo pelas academias, devido ao intervencionismo e paternalismo de especialistas, em detrimento dos pesquisadores, que usaram a educação como contrapartida para investimentos do Banco Mundial e FMI nos países em desenvolvimento. No Brasil, ou mais especificamente na Faculdade de Educação da USP, a disciplina só retorna em 2008, após quase 30 anos fora da grade disciplinar, apesar de sempre ter existido um departamento com esta denominação. Nos últimos anos esta disciplina ressurgiu com uma nova perspectiva teórico- metodológica redimensionando suas análises com a nova mundialização, abordando analises em escala global, regional e local, e utilizando-se da interdisciplinaridade com outras ciências humanas, como a sociologia e a antropologia, “a educação comparada está hoje em dia engajada numa empreitada salutar de reavaliação de seu projeto científico, de redefinições de suas unidades e de suas ferramentas de análise”(MALET, 2004, p.1319) Mas esta nova situação ainda não definiu os objetivos fins desta ciência, e diante de várias definições, a que melhor se adequa ao presente trabalho podem ser as seguintes: “ A Educação Comparada faz parte de um plano mais amplo para explicar os fenômenos, primeiro dentro dos sistemas e instituições educativas; e segundo, abraçando e veiculando a educação com o seu ambiente social” (Noah & Eckstein, 1969) “A Educação Comparada pode ser definida como a ciência que tem por objeto esclarecer, analisar e explicar as semelhanças e as diferenças entre os fatos educativos e/ou as suas relações com o ambiente que os rodeia (político, social, cultural), e de investigar as leis eventuais que os determinam nas diferentes sociedades e em diferentes momentos da história humana” (Thành Khôi Lê, 1981) “O fim da Educação Comparada é o de descobrir as diferenças nas forças e causas que produzem diferentes sistemas educativos. Seu maior valor reside na análise das causas que determinam o desenvolvimento dos sistemas, na comparação das diferenças entre os distintos sistemas, nos motivos subjacentes e, por último, no estudo das soluções tentadas” (Isaac Kandel, 1961) “ A Pedagogia Comparada é parte da Teoria da Educação que concerne à análise e às interpretações das diferentes práticas e políticas em matéria de educação, nos diferentes países e diferentes culturas” (J. A. Lauwerys, 19-?) 14 Para adequar estas definições epistemológicas às condições e questões atuais de interdisciplinaridade com a Geografia, torna-se necessário acrescentar a análise das relações da educação com o espaço geográfico, seja o espaço social, ou o ambiental, com suas políticas e práticas de sustentabilidade ambientais adequadas a cada local. Num país continental como o Brasil com o acelerado fluxo migratório que vem se observando nas últimas décadas entre as grandes regiões geográficas tem provocado graves questões ambientais, pois um migrante do sul que explorou a Mata Atlântica para o plantio de cafezais, e posteriormente a sojicultura, ou transfomou as Matas de Araucária em pastagem, em ambos os casos com a exploração indiscriminada da indústria madeireira levando a quase extinção destes biomas, no entanto vê-se o mesmo processo repetir-se no novo território. A ignorância, ou a falta de uma (re)educação destes migrantes, ou das populações locais, têm permitido reproduzir o mesmo processo no bioma Amazônico e Cerrado, mas agora com o apoio do grande capital, ou o agronegócio, o processo de ocupação territorial que demorou séculos no Sul e Sudeste agora acelera-se para poucas décadas no Norte e Centro-Oeste. Nesta pesquisa procurou-se dar ênfase na relação da educação com a economia e suas repercussões no espaço social utilizando-se a cartografia temática digital, ou cartomática, como método para análise dos dados estatísticos educacionais e econômicos na geração de informações espaciais para uma análise comparativa. Estas informações podem ser de muita valia para análise e prospecção de sistemas educacionais servindo de ligação entre o governo e a sociedade nos programas de inclusão social, uma vez que permite ver a parcela excluída, “o outro”, que sempre foram ignorados pela elite dominante. Apesar da frieza dos números estatísticos, há uma vertente que busca uma estatística política para aumentar a eficiência do aparelho de Estado e compensar o „encolhimento da governança‟ das políticas neo-liberais, como propõe Popkewitz: 15 É por considerar os números como fabricações mais do que como uma „ferramenta‟ para implementar o governo de uma educação e sociedade mais ou menos inclusivas que conseguimos focalizaras estatísticas como uma prática de governo através de suas regras de razão. Argumentamos que os números não existem meramente como entidades lógicas, mas se sobrepõem a discursos sociais, culturais, econômicos e administrativos para formar um plano único que permite calcular classes de pessoas. Investigamos como um sistema de razão subjacente à problemática da equidade e as crianças „de risco‟ confere inteligibilidade aos fenômenos de escolaridade e às crianças. O mais expressivo não foram os números per se, mas a maneira como estão inscritos numa teia a partir do qual normalidade e desvio são fabricados. Os números em relatórios nacionais e internacionais, então, não descrevem meramente realidades preexistentes nem constituem realidade apenas por meio de sua lógica. Eles as constituem pelas maneiras como os objetos do mundo são ordenados e divididos. (POPKEWITZ, 2001) Para situar o trabalho dentro de um contexto conceitual de pesquisas já realizadas, cabe um breve resumo nos quais me permitiu situar e dar um prosseguimento mais direcionado no desenvolvimento deste trabalho, a começar pelo estudo comparativo sobre a educação de massa e sua gênese por John Meyer1, que faz um levantamento histórico de 120 países no período de 1870 a 1980, dividindo os países em nove regiões distintas, onde conclui que a escolarização de massa da população faz parte central na lógica da formação da soberania e dos Estados-nacionais. Constatou-se que a escolarização começando com 10% de matriculados só tende a crescer com o tempo e caracteriza-se por uma homogeneização a nível mundial com intensificação após a Segunda Guerra Mundial. É neste período que surgem as estatísticas. No final deste período, a partir de 1970, a escolarização passa a ser baseada na lógica do desenvolvimento econômico para atender os Estados nacionais desenvolvimentistas. A partir de meados de 1980 passa para a lógica da Globalização com tendências para o neoliberalismo e os seus padrões de eficiência e qualidade e privatização das escolas, ou para o altermundialismo com tendências sociais e na defesa das escolas públicas de qualidade.1 MEYER, John. World Expansion of Mass Education, 1870-1980, in Sociology of Education 1992, Vol. 65 (April): 128-149 16 2.2. Nova Geografia Regional A geografia regional francesa ressurgiu após uma longa crise e uma revisão crítica em seus conceitos e metodologia. Em 1970, Paul Claval enuncia a “Nova Geografia Regional” desvencilhada da história e voltada para disciplinas econômicas e sociais e agora de caráter neo-positivista. Mundo escondido, ou o espaço social Lefebvriano é revelado pelas estatísticas. Também é lançada a revista “Espaces temps”, com apoio e participação de Milton Santos e “L’espace geographique” de Roger Brunet. No contexto da Geografia Regional procurou-se trabalhar com o conceito de espaço social, pois este será o resultado das análises das informações, que serão evidenciadas pela junção de uma base cartográfica com os dados estatísticos sócio-econômicos, baseados nos seguintes conceitos de Milton Santos: O espaço social, como toda realidade social, é definido metodológica e teoricamente por três conceitos gerais: a forma, a estrutura e a função. Isto significa que todo espaço social pode ser objeto de uma análise formal, estrutural e funcional (Lefèbvre, 1974, p. 172). Entretanto seria um erro conduzir cada uma dessas análises em separado. A interpretação de um espaço ou de uma evolução só é possível através de uma análise global que possa combinar simultaneamente as três categorias analíticas – forma, estrutura, função – porque a relação é não só funcional como estrutural. Lefèbvre (1961, p. 161) por sua vez, considera que forma, estrutura e função “conseguem identificar-se completamente e são consideradas mais ou menos equivalentes aos termos de um „todo‟ existente ou uma „totalidade‟” (SANTOS, 2004, p. 57) A totalidade, que supõe um movimento comum da estrutura, da função e da forma, é dialética e concreta. Para estudá-la, é preciso levarem-se em consideração todas as estruturas que a formam e que, em conjunto ou isoladamente, a reproduzem. Essas estruturas, bem como a totalidade, não são fixas, pois evoluem no tempo. (SANTOS 1982, p. 57) Para geração dos mapas será empregado a cartomática, ou a cartografia temática digital, cujno princípio básico é a produção de mapas temáticos com recursos da informática a partir de dados estatísticos. Para isto foi utilizado o programa Philcarto, que é um programa de distribuição gratuita com muitos recursos gráficos e de fácil compreensão e utilização. O 17 programa pode ser obtido no endereço eletrônico http://philcarto.free.fr juntamente com manuais de utilização e uma ampla biblioteca de bases cartograficas e programas complementares para conversão de arquivos (Xphil e ShapeSelect) e para geração de novas bases cartográficas (PhilDigit). A base de dados estatísticos poderá ser em arquivos no formato Excel, BR Office, ou em caracteres tipo .txt com separação por tabulação. Os mapas gerados precisam ser arte-finalizados com um programa gráfico vetorial como o Adobe Illustrator, Corel Draw ou InkScape. A análise dos mapas também tem por objetivo servir de base para uma avaliação e prospecção dos territórios, permitindo verificar as tendências de de evolução dos espaços sociais com simulação virtual, assim como utilizar técnicas mais avançadas de cartografia como a anamorfose e a coremática que tornam mais claros e visualizáveis as transformações espaciais conforme altera-se o conjunto dos daos de localização e estatísticos, assim como a variação temporal dos dados históricos. Avaliação de territórios: projeto de conhecimentos geográficos, que toma como objeto um território qualquer (local ou de vários lugares), visando avaliar o seu desempenho global, para definir os postos-chaves de seu sistema e da sua localização, da sua capacidade de simular uma evolução sob condições definidas, em si mesmas e em relação a outros espaços de referência. (ECKERT, 1996) 3. O analfabetismo no mundo. O analfabetismo no Mundo, conforme a figura 1 resultou dos dados fornecidos pela UNESCO coletado no período entre 1996 a 2000 referentes à taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais de idade e fica evidente a região de maior problema como sendo http://philcarto.free.fr/ 18 o Continente Africano, principalmente os países centro-africanos (Senegal, Mali, Burkina, Niger, Benin e Chade), com índices de analfabetismo acima de 65%, o Oriente Médio e parte da Ásia (Índia, Paquistão, Afeganistão e Papua Nova Guiné), com índices entre 30 e 65%. Estes países estão em situação muito grave quanto à educação. Ainda num patamar acima da média (acima de 10 a 30%) e considerada preocupante situam-se os países restantes do Continente Africano, Oriente Médio, alguns países asiáticos como o Laos, Camboja e Malásia e alguns países no continente americano como a Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicaragua, Jamaica, República Dominicana, Peru, Bolívia, Suriname, Guiana Francesa e Brasil. Na América do Sul a Argentina é o único país com níveis de alfabetização equivalentes aos países mais desenvolvidos, pois a política pública de educação tem sido bastante eficiente, com escolas estrategicamente construídas mesmo no meio de áres desérticas. Na situação oposta, os países, onde o analfabetismo foi praticamente erradicado aparecem os países que tiveram uma política socialista: Cuba, Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia, Cazaquistão e Tajiquistão e Rússia com taxas menores que 1%. Os países desenvolvidos geralmente estão com a taxa de analfabetismo entre 1 e 3%, com exceção da China e Japão com 9,1 e 10,1% respectivamente. A China em função da grande população, mas vem reduzindo continuamente o analfabetismo. No Japão o grande número de afluxo imigrante (dekasseguis) de vários países pobres, acaba por se fixar no país aumentando consideravelmente o número de analfabetos. Quanto ao desenvolvimento econômico, figura 2, Os países com ao maiores PIBs não são necessariamente os que tem a maior PIB per capita, nestes casos encontram-se Portugal, Luxemburgo, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Grécia, Chipre, Israel, Kuait, Qatar, Emirados Árabes, Irã, Taiwan e Coréia do Sul com PIB per capita acima de US$ 10.000. 19 Porém os BRICs apesar de estar entre os dez maiores PIB tem um o PIB per capita muito baixo, entre U$ 1.000 e 5.000. Ao se comparar as sete maiores economias (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, China e Itália) e os sete menores (Guiné-Bissau, Vanuatu, Gâmbia, Butão Dijibuti, Libéria e Eritréia) nota-se a disparidade brutal de 7.000 vezes entre os países mais ricos e os mais pobres. Portanto as desigualdades econômicas a nível global são tão, ou mais grave, que desigualdade interna de renda de países considerados de alta desigualdade de renda interna, como o Brasil que está entre os dez piore casos, com uma desigualdade entre os mais ricos e mais pobres de 80 vezes. Por outro lado países ricos como o Japão têm uma desigualdade interna de apenas três vezes, Estados Unidos 10 vezes e França em 12 vezes. São as contradições da concentração de renda vista sob várias escalas territoriais. Ao analisarmos o produto interno bruto e as taxas de analfabetismo dos países, figura 3, nota-se que os maiores PIBs do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e China) não são necessariamente os países com os menores índices de analfabetismo, como vimos anteriormente os casos da China e Japão. Por outro lado, os países que praticamente erradicaram o analfabetismo (Cuba, Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia, Casaquistão e Tajiquistão), mas têm um PIB irrisório, quase idênticos aos países pobres africanos. Há os países em desenvolvimento com PIB elevados, como a Índia, México e Brasil, que embora com taxa de analfabetismo relativamente baixas, em torno de 10%, mas esta é uma taxa média nacional, quemascara as desigualdades internas, regionais ou locais e também não evidencia as grandes desigualdades sociais e econômicas. Portanto não há uma relação direta, ou determinista de que a educação desenvolve a economia de um país. O desenvolvimento econômico estaria mais atrelado às decisões político governamentais, ou das classes dominantes e detentoras de grandes capitais, seja financeiro, industrial ou especulativo 20 e uma infinidade de políticas estatais protecionistas desenvolvidas em cada país. A educação, por sua vez, resulta de políticas educacionais, sejam elas públicas ou privadas, vinculadas às condições políticas e histórico-culturais de cada nação. Neste sentido confirmam os ensaios de John Meyer sobre a educação a nível mundial ser resultante da formação dos estados-nacionais num primeiro momento, sem estar vinculado à lógica desenvolvimentista econômica, ou ao modelo da globalização. Os países socialista, ou ex-socialistas mantiveram o alto nível de alfabetização e se mantiveram fora do modo de produção capitalista neoliberal. As desigualdades econômicas e sociais, por outro lado são agravadas, quando há um desenvolvimento econômico, sem que haja uma boa estrutura educacional. O Brasil em 2000 se destaca com um PIB elevado ocupando a 9ª posição mundial, mas é preciso ressaltar as desigualdades internas de distribuição de renda, uma das mais desiguais do mundo. E, se realmente, o anseio da sociedade for o combate às desigualdades sociais e econômicas, a educação é primordial na formação da cidadania e na formação de consciência crítica social, desde que, não o utilize como instrumento de legitimação de privilégios e desigualdades controlada por uma elite e que vise apenas uma sociedade de meritocracia e não a democracia. Esta é uma das ambigüidades dialéticas da educação, que pode servir tanto para permitir a eqüidade social, ou então, quando mal planejada, ou manipulada para, outros fins, senão a formação da cidadania pode também vir a ter um efeito perverso. O panorama brasileiro não é de todo ruim, há setores bastante desenvolvidos, e comparativamente aos países latino-americanos há um grande desenvolvimento, mas estaria em melhores condições, principalmente no que tange às desigualdades se houver um melhor planejamento e empenho político na área educacional. 21 Figura 1 – O analfabetismo crônico nos países africanos centro africanos, Oriente Médio, Afeganistão, Paquistão, Índia, Nepal, Bangladesh e Papua Nova Guiné. Há também os países em situação preocupantes como o caso do Brasil. 22 Figura 2 – A diferença do PIB entre os sete países mais ricos e os sete mais pobres é de aproximadamente 7.000 vezes. 23 Figura 3 - Mapa comparativo do analfabetismo e PIB. No mundo não há necessariamente uma relação direta entre educação e renda 24 4. O analfabetismo no Brasil A história do analfabetismo no Brasil pode ser visualizada no gráfico da figura 4, onde pode ser observada a queda na taxa de analfabetismo a partir da Proclamação da República, em 1889. Nos primeiros anos da República há uma queda acentuada do analfabetismo até o início do século XX, decaindo de 85% a 65%, ou seja, 20% em 10 anos, quando então,o exercício do sufrágio universal exige a alfabetização. BRASIL - Analfabetismo 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 18 72 18 79 18 86 18 93 19 00 19 07 19 14 19 21 19 28 19 35 19 42 19 49 19 56 19 63 19 70 19 77 19 84 19 91 19 98 Anos T a x a d e a n a lf a b e ti s m o ( % ) Figura 4– Gráfico do analfabetismo no Brasi. FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Departamento de População, Censos Demográficos. Anuário estatístico do Brasi 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50.1 990. Elaborado pelo autor. Desde então a taxa vem decaindo gradativamente, de 65% em 1921 aos 12% em 1999, ou seja, 53% em 78 anos, ou seja, 1,5% ao ano. Analisando o mesmo gráfico acrescido de outras informações sobre a população, conforme a figura 5 nota-se uma característica interessante no número absoluto de analfabetos ao longo do tempo, que apesar da queda da taxa de analfabetismo, a quantidade absoluta de analfabetos aumentou, passando de 12.213.356 pessoas no período do Império (1890), para 15.752.485 em 1999. Se na fase do capitalismo mercantil ou imperial, a produção estava mais voltado ao trabalho de caráter braçal, portanto, pouco se exigia da capacidade intelectual dos 25 trabalhadores, a existência de 12 milhões de analfabetos não era um agravante. Mas na fase atual, onde o conhecimento técnico e científico e o trabalho intelectual universal são fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade e houve um aumento na população de analfabetos, isto já indica um agravante nos 15,8 milhões de pessoas excluídas socialmente, do PIB portanto a situação atual é muito mais grave do que há um século. BRASIL - População e Analfabetismo em quantidade absoluta e taxa relativa 0 20 40 60 80 100 120 140 160 1872 1886 1900 1914 1928 1942 1956 1970 1984 1998 Anos P o p u la ç ã o e m m il h õ e s d e h a b it a n te s 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 A n a lf a b e ti s m o ( % ) População total 15 anos ou mais Analfabetos Taxa de analfabetismo (%) Figura 5 – Gráfico da população e analfabetismo no Brasil FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Departamento de População, Censos Demográficos. Anuário estatístico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50.1 990. Diante desta situação muitos programas de erradicação do analfabetismo foram criados, mas ainda está longe de atingir esta meta. A Constituição de 1988 (5/10/1988) ao descentralizar o poder da União, também redefine as atribuições dos estados e municípios para gestão nas políticas educacionais. Assim no Capítulo III da Educação, da Cultura e do Desporto, define as novas prioridades: Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. 26 § 1º. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (texto alterado pela Emenda Constitucional no. 14). § 2º. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (texto alterado pela Emenda Constitucional no. 14). § 3º. Os estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio (texto acrescido pela Emenda Constitucional no. 14). § 4º. Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório (texto acrescido pela Emenda Constitucional no. 14). Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 1º. A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir. § 2º. Para efeito do cumprimento do disposto no caput deste artigo, serão considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213. § 3º. A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação. § 4º. Os programas suplementaresde alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. § 5º. O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida, na forma da lei. Portanto a Constituição de 88 garante uma boa parcela de recursos para a educação, o mínimo de 18% para a União e 25% para os Estados e Municípios da receita de impostos, mas isto é pouco transparente para a população, pois os governantes geralmente não prestam contas publicamente destes investimentos. Posteriormente a Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996, também conhecida como LDB, ou Lei das Diretrizes Básicas da educação, consolida e complementam os parâmetros nacionais de educação, definindo seus princípios, direitos e deveres, organização, níveis e modalidades de ensino, educação especial, dos profissionais de ensino, os recursos financeiros 27 e a instituição da Década de Educação e a aprovação pelo Congresso Nacional do Plano Nacional de Educação, com base na Constituição de 88. Com a nova situação federativa de descentralização e fragmentação do território nacional podem-se visualizar uma nova geografia da educação cobrindo o território nacional, nas regiões, estados, metrópoles e municípios, conforme dados do IBGE, comparando as estatísticas de 1992 e 1999. Na figura 6 podem-se observar os diferentes níveis de analfabetismo das regiões brasileiras. No Brasil houve um decréscimo da ordem de 2% na taxa de analfabetismo ao longo deste período (1992-1999). Mas se compararmos as desigualdades regionais nota-se que há diferenças de até 200% de uma região para a outra, neste caso entre o Nordeste e o Sudeste, que apesar da redução uniforme do analfabetismo no país como um todo, na verdade a desigualdade regional aumentou neste período. A média brasileira, representada na primeira coluna, é superada pela região Norte e Nordeste, sendo que a região Norte apresentou uma regressão, pois em 1992 estava acima da média brasileira, enquanto a Centro-Oeste, Sudeste e Sul apresentam taxas médias abaixo de 10%, com o Centro-Oeste teve um bom desempenho na alfabetização rompendo a média brasileira neste período. Na figura 7 a taxa de analfabetismo por estados e centros urbanos mostra uma nova face, onde há estados como o Acre, onde a taxa de analfabetismo aumentou ao invés de diminuir como no restante do país. O fato do IBGE considerar apenas a população urbana da região Norte distorce muito o valor final da taxa, presumivelmente a situação da região Norte deverá ser mais próxima do Nordeste, ou algo semelhante ao Tocantins, onde foi considerada a população total. Nota-se também que apesar das disparidades regionais, à medida que mudamos a escala notamos um mosaico de disparidades intra-regional, como o fato da região metropolitana de Belém apresentar taxas de analfabetismo mais baixa que das regiões 28 Figura 6 – Gráfico de analfabetismo no Brasil e por regiões. metropolitanas do Sul e Sudeste. É evidente o fato das áreas metropolitanas oferecerem melhores condições que o restante da respectiva região, confirmando a ênfase que ainda se dá na educação para as áreas urbanas e o descaso com as áreas rurais. Este, aliás, é um dos fatores da migração campo-cidade, onde os jovens migram com a expectativa de melhorarem suas condições de vida com o ingresso em escolas nos grandes centros urbanos, pois infelizmente a rede de ensino ainda é extremamente centralizadora, apesar das novas políticas públicas de descentralização. Nos programas e planos atuais não há sequer referências às escolas rurais ou em locais isolados. Infelizmente onde há maior demanda de pessoas escolarizadas, como no interior do país, ou ainda nas periferias das grandes metrópoles, não há ensino adequado e muito menos as pessoas que se graduaram nos locais centrais, em sua maioria se recusam a prestar serviços nas áreas periféricas, seja nas fronteiras de expansão da Amazônia, ou nos esquecidos sertões nordestinos, ou ainda nas periferias das grandes metrópoles. Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais no país e por região Evolução de 1992 a 1999 12,4 8,3 9,1 11,9 12 22,7 9,7 6,5 6,4 9,1 11,6 19,1 0 5 10 15 20 25 Brasil Sul Sudeste Centro- Oeste Norte Nordeste Obs: Na região Norte não foram incluídos a população rural, com exceção do Tocant ins. Fonte: IBGE - Censo 2000 T a x a d e a n a lfa b e tis m o ( % ) 1992 1999 29 As características territoriais do Brasil, principalmente quanto a sua extensão, sempre foi um fator de acomodação, pois desde o descobrimento podia-se contar que havia muita área a ser ocupada. Se uma área fosse exaurida pela exploração poder-se-ia ocupar indefinidamente as áreas devolutas. Assim as frentes pioneiras avançaram sobre as terras virgens durante cinco séculos; e estão, hoje, chegando nas bordas da Amazônia. Apesar de adentramos no período técnico-científico, como define Milton Santos, onde o saber e o conhecimento técnico torna-se cada vez mais presente na produção capitalista, assim como o trabalho intelectual e portanto a necessidade de se investir na educação, convive-se ainda num país baseado em economia primária com grandes disparidades econômicas regionais e índices de analfabetismo curiosamente bastante semelhantes aos índice econômicos, como pode ser observado nas figuras 8, onde a taxa de analfabetismo é tão regionalizado quanto as grandes regiões econômicas do país, conforme revela também a figura 10, da renda per capita e PIB por unidades federativas. A região Nordeste possui os maiores índices de analfabetismo e é onde presenciamos altos índices de pobreza e necessidade de migração para outros estados principalmente do Sudeste em busca de trabalho e renda. Quatro estados se destacam pela alta taxa de analfabetismo, acima de 25% de pessoas com 15 ou mais anos de idade: Maranhão, Piauí, Ceará e Alagoas, estados conhecidos como exportadores de nordestinos historicamente. Desde os deslocamentos de povoamento na Amazônia na década de 70, ou para os estados do Sudeste, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Atualmente um grande contingente desloca-se sazonalmente para o corte de cana-de-açúcar no estado de São Paulo. Os estados que estão em melhores condições econômicas também têm a menor taxa de analfabetismo, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina. Rio Grande do Sul e o Distrito Federal. 30 Figura 7 – Distribuição do analfabetismo conforme as regiões, estados e áreas metropolitanas. 31 Na figura 9, a taxa de analfabetismo funcional praticamente dobra os valores relativos de analfabetismo do Brasil. Assim todos os estados do Nordeste ficam com taxas entre 40 e 55% de analfabetos, ou seja, mostra a triste realidade de a maioria da população estarem praticamente excluídos de práticas sociais letradas. No Sul e Sudeste a situação é mais grave, as taxas de analfabetismo praticamente quadruplicam, passando de uma média de 5% para 20% da população com idade acima de 15 anos, como analfabetos funcionais, ou seja, uma em cada cinco pessoas é excluída socialmente pelo analfabetismo. É uma situação lamentável por se tratarem dos estados mais ricos do país, ou da América Latina, onde se localiza inclusive uma cidade mundial, como é o caso do município de São Paulo. A figura 9 mostra, simultaneamente com as taxas elevadas de analfabetismo funcional, uma sobreposição das quantidades absolutas de pessoas analfabetas funcionais. E com evidência nota-se que justamente nos grandes centros urbanos do Sul e Sudeste, localiza-se o maior contingente de analfabetos, e não no Nordeste, onde seria previsível em função das altas taxas relativas de analfabetismo. Em 1998 havia no Sul e Sudeste 15.703.000
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