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PROFESSORA Me. Ivanilda de Almeida Meira Novais Libras ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! EXPEDIENTE Coordenador(a) de Conteúdo Marcia Maria Previato de Souza Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Caroline Casarotto Andujar Design Educacional Patrícia Ramos Peteck Curadoria Fabiana Bruna Gozer Dias Revisão Textual Ariane Andrade Fabreti, Carla Cristina Farinha e Salen Nascimento Ilustração Andre Luis Azevedo da Silva, Bruno Cesar Pardinho Figueiredo e Eduardo Aparecido Alves Fotos Shutterstock NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Universidade Cesumar - UniCesumar. U58 Impresso por: Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722. Núcleo de Educação a Distância. Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). : Libras / Ivanilda Almeida Meira Novais. - Indaial, SC Arqué, 2024. 304 p. : il. ISBN papel 978-85-459-2556-9 ISBN digital 978-85-459-2557-6 “Graduação - EaD”. 1. Língua 2. Brasileira 3. Sinais. 4. Ivanilda Almeida Meira Novais. I. Título. CDD - 419 FICHA CATALOGRÁFICA 02511458 Ivanilda Almeida Meira Novais A minha experiência com os estudos começa nos pri- meiros anos de escolarização. Quando fui apresentada à escola, pude perceber o quanto aquele ambiente era especial. Foi ainda criança e na escola que almejei me tornar uma professora, uma expectativa que se tornou realidade. Há 22 anos, sou professora da rede pública de ensino de Borrazópolis-PR. Com o decorrer dos anos, passei por diferentes ex- periências como docente. Lecionei para crianças peque- nas, na Educação Infantil, e fui professora alfabetiza- dora. Paralelamente ao trabalho desenvolvido na rede municipal de ensino de Borrazópolis, também trabalhei como intérprete de Libras em escolas estaduais do Pa- raná. A paixão pela Libras surgiu em 2005, quando tive contato com uma intérprete durante uma formação na cidade de Faxinal do Céu. Durante este evento, aprendi muitos sinais e percebi que poderia aprender, com faci- lidade, aquela língua especial que me encantou. Depois dessa experiência, procurei cursos de Libras e logo iniciei minhas pesquisas e estudos sobre o universo dessa língua. Foram cinco anos de estudos para apren- dê-la e desenvolvê-la com fluência. Fiz pós-graduação em Libras, estudos que me deram muitas oportunidades e contatos com a comunidade surda e, durante essa pós- -graduação pude aprofundar os conhecimentos acerca do universo da comunidade e cultura surdas. Atualmente, sou doutoranda pela Universidade Estadual de Maringá, onde pesquiso a formação da pessoa surda e os seus desdobramentos atrelados ao uso das TIC. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2579309638413824 http://lattes.cnpq.br/2579309638413824 Imagine que você é um estrangeiro que deixou seu país e decidiu morar em um lu- gar completamente novo, na esperança de ter uma vida melhor, com muitos planos e sonhos que deseja alcançar. No entanto, assim que chega ao novo lugar, percebe que tudo é completamente diferente, especialmente a forma como as pessoas se comunicam, precisa aprender uma nova língua para se comunicar efetivamente. No início, sua comunicação é limitada e pouco funcional, mas você entende que faz parte do processo de adaptação. Esta situação pode ajudá-lo a compreender o desafio enfrentado pelas pessoas surdas, as quais vivem em uma sociedade predominantemente oralista, onde a maio- ria das pessoas se comunica oralmente. Coletar relatos e histórias de vida de pessoas surdas tem sido uma prática importante em minhas pesquisas, pois ajuda-me a definir estratégias e contribui para a valorização e o reconhecimento das diferenças. Ao imagi- nar-se como um estrangeiro em um novo lugar, você pode se aproximar da experiência das pessoas surdas em seu próprio país, cercadas por pessoas queridas e próximas, mas enfrentando barreiras de comunicação. Afinal, já parou para pensar em como a aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (Libras) promove a inclusão e a igualdade de oportunidades às pessoas surdas em uma sociedade predominantemente oralista? Quais são os principais desafios enfrentados pelos surdos na comunicação com pessoas ouvintes e como a Libras pode ajudar a superar essas barreiras? Qual é o papel da educação bilíngue (Libras e língua oral) na promoção da acessibilidade e no desenvolvimento linguístico e acadêmico das pessoas surdas? De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, atualmente, existem cer- ca de 1,5 bilhão de pessoas no mundo com algum grau de deficiência auditiva, o que evidencia a magnitude do problema. No Brasil, o IBGE divulgou, recentemente, que 5% da população é composta por pessoas surdas, o que corresponde a mais de 10 milhões de cidadãos. Dentre eles, 2,7 milhões possuem surdez profunda, implicando total falta de audição. LIBRAS Apesar de não ser possível compreender plenamente a experiência vivida por pessoas surdas em um mundo predominantemente ouvinte, é possível despertar a empatia em relação a essa realidade e agir de forma positiva. A conscientização e a mobilização social são fundamentais para promover ações que contribuam com a inclusão e a valorização das pessoas surdas. Um exemplo notável deste esforço foi a proposta de redação do Enem em 2017, cujo tema foi “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. Esta escolha surpreendeu alunos, professores e especialistas, pois colocou em destaque um assunto que, muitas vezes, era negligenciado. A partir desse momento, o debate sobre a im- portância da educação e dos direitos das pessoas surdas ganhou visibilidade nacional, extrapolando os limites da comunidade surda e das escolas. Sabemos que a comunicação dos surdos é única, usando uma linguagem própria relacionada à cultura e identidade deles. Mas será que aprender Libras é fácil ou difícil? Muitas pessoas confundem a Libras com gestos, mas isso não é verdade, ela é uma língua de sinais com sua própria estrutura gramatical, que é complexa. No Brasil, a Libras é reconhecida como uma língua oficial. Mas como isso aconteceu? Quais foram os passos para que a Libras fosse legitimada? E o que isso representa aos surdos, ter essa língua reconhecida, legalmente, como uma forma de comunicação? Estas questões são muito importantes, pois a Libras desempenha um papel social integrador. Ela une pessoas e permite que elas melhorem suas habilidades sociais, o que torna os relacionamentos mais dignos, respeitando a forma única de se comuni- car e se expressar dos surdos. Isso ajuda a quebrar preconceitos bem como promove uma sociedade mais inclusiva. Neste estudo, abordaremos questões relacionadas a educação, aspectos sociais, intelectuais, identidade, cultura e linguagem das pessoas surdas. Analisaremos as ideias pedagógicas e sociais que envolvem a diversidade dos surdos — sua cultura, sociedade e características pessoais — tanto no Brasil quanto no mundo. Ao longo da história, as pessoas surdas enfrentaram muitos desafios. Muitas vezes, foram julgadas, discriminadas e ignoradas, tendo a oportunidade de socializar e aprender negada. Infelizmente, muitos surdos foram impedidos de viver suas vidas plenamente. A jornada dos surdos é longa e cheia de avanços e retrocessos. Marcada por lutas e movimentos sociais, estas batalhas permitiram que os surdos tivessem o direito de conviver, se relacionar e se comunicar em sua língua natural — a língua de sinais — a Libras, no Brasil. A partir dessas lutas e movimentos crescentes, a sociedade começou a interessar-se em promover mudanças necessárias em todos os aspectos, fortalecendo discussões sobre diversidade, cultura, identidade e formas de comunicação do povo surdo. As experiências desse povo foram, por muito tempo, dolorosas. Você entenderáas principais mudanças que garantiram aos surdos o direito à edu- cação, o direito de frequentar a escola e o devido respeito pela sua forma de comuni- cação. Esses elementos são essenciais no processo de formação de qualquer indivíduo, portanto, os estudos, aqui, reconhecem que a qualidade de vida das pessoas surdas é de interesse social, pois impulsionam a aceitação e o reconhecimento de uma nova maneira de perceber e compreender as necessidades únicas dos surdos. É muito importante conhecer a Libras e tudo sobre a Língua Brasileira de Sinais, para quebrar paradigmas sociais. Sabemos que há muito preconceito em relação à Libras, principalmente por falta de conhecimento. Quanto mais oportunidades tivermos de discutir como a língua funciona e o que ela significa para as pessoas surdas, melhor poderemos nos comunicar de forma eficaz em situações que exigem o uso da Libras. A comunicação é essencial, tanto nas relações profissionais quanto nas interações sociais. Antigamente, as pessoas surdas não tinham muitas oportunidades de conviver socialmente, eram impedidas de exercer sua cidadania, de se relacionar com os outros e de usar sua forma de comunicação. Felizmente, hoje, as pessoas surdas têm mais oportunidades de interação social. Elas podem exercer seus direitos básicos, estão integradas ao mercado de trabalho, ao lazer, ao entretenimento e à educação. Espero que você goste muito de tudo que apresentaremos, porque o material que preparamos tem muitas informações, conceitos e curiosidades para você refletir sobre a importância da Libras a pessoas surdas, sociedade e ciência. Além de ser algo prático, o reconhecimento da Libras é resultado de lutas e movimentos que ajudam a difundir a língua na sociedade, promovendo a cidadania dos surdos brasileiros e valorizando a cultura e a identidade desse povo que se comunica e se faz entender. Querido estudante, te convido a começar esta jornada de conhecimento. Tenho certeza de que você se apaixonará pela Libras, assim como eu! IMERSÃO RECURSOS DE Ao longo do livro, você será convi- dado a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 3 4 5 ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DO SURDO: UM PANORAMA MUNDIAL 11 ASPECTOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO DO SURDO 55 91 ABORDAGENS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO DE PESSOAS SURDAS: UM OLHAR NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS 137 ESTUDOS GERAIS DA GRAMÁTICA DA LIBRAS 217 GRAMÁTICA DA LIBRAS - ASPECTOS SINTÁTICOS DA LIBRAS 1Aspectos Históricos da Educação do Surdo: um Panorama Mundial Me. Ivanilda de Almeida Meira Novais Exploraremos a história da educação dos surdos em âmbito mun- dial e brasileiro. Abordaremos a evolução da Educação Especial e os fundamentos da Educação Inclusiva, com foco nas pessoas surdas ao longo dos anos. É essencial aprofundar-se nesses aspectos para compreender o processo educacional dos surdos, os conceitos de surdez, oralismo, comunicação total e bilinguismo, e como afetam a formação da identidade da pessoa surda. Ao voltar ao passado, você desmistificará equívocos e adquirirá novos conhecimentos, será leva- do a refletir e questionar acontecimentos relacionados à educação em diferentes épocas, compreendendo que o processo histórico envolve perdas, obstáculos, conquistas sociais e culturais. Vamos começar? Bons estudos! UNIDADE 1 12 Você é nosso convidado para conhecer a história da família de Pedro, Paulo, Paula e Laís, uma família que é composta pelo pai (Joaquim), a mãe (Joana) e os seus filhos. Os filhos são donos dos nomes que aparecem na primeira linha. É início de ano letivo, e a mãe, Joana, tem se preocupado muito com a vida escolar dos seus filhos e, como responsável por eles, ela frequentemente vai à escola para saber como os filhos têm se desenvolvido. Laís é a filha primogênita, é uma aluna dedicada e está no Ensino Médio. Pedro também é um filho e aluno esforçado, nasceu surdo e não ouve nada, é considerado pela classificação de níveis de audição surdo com perda auditiva profunda, portanto, Pedro não ouve absolutamente nenhum som. Não sei se podemos dizer que ele tem sorte, mas nasceu em uma época na qual a escola compreende que a perda auditiva não é um empecilho para seu bom desenvolvimento, pois, hoje, Pedro pode contar com a presença de um intérprete na sala de aula. Voltando para a mãe Joana, apontamos, anteriormente, que ela tem se preocu- pado muito nesse início de ano, pois é chegada a hora dos seus filhos gêmeos irem à escola. Joana já foi várias vezes conversar com a equipe gestora, para saber se os filhos poderão estudar na mesma classe. Então, para que você compreenda melhor, é pertinente saber que os gêmeos Paulo e Paula também são crianças surdas e, as- sim como o irmão Pedro, enquadram-se na mesma classificação de perda auditiva. Joana tem motivos para se preocupar com a vida escolar dos gêmeos, pois ela teve a informação que os filhos não terão nem intérprete, nem professor de apoio. A cidade onde a família mora é pequena, só tem uma escola do Ensino Fundamental I, então, não há a possibilidade de transferir os filhos para outra escola. Interessante que a “família” vive um tempo diferente, mais moderno. As con- dições na educação são outras em relação ao que já foi possível fazer em tempos remotos. Você pensa que a mãe tem razões para se preocupar? Como vivemos no século XXI, podemos presumir que não há mais empecilhos e obstáculos na educação? Viver na contemporaneidade não significa que estamos isentos de nos depararmos com obstáculos. Se você estivesse no lugar de Joana, qual histó- ria gostaria de contar daqui a alguns anos? Já pensou quais foram os caminhos percorridos pelo povo surdo que resultaram na educação a qual vemos hoje? De forma ampla, o sistema educacional é resultado de muitos movimen- tos, lutas, limitações e avanços. Assim se faz uma história e, com relação à educação dos surdos, não é diferente. Ela é marcada por trajetória de perdas, 13 de discriminações e privações no contexto social. Tais situações ocorreram, principalmente, pelo fato de os surdos usarem uma forma peculiar de comu- nicação: a língua de sinais. Aqui, no Brasil, a conhecemos como Libras, Língua de Sinais Brasileira. Todos nós fazemos parte de algum grupo na família, na escola, na religião, no trabalho, nas profissões, enfim, nos diferentes segmentos sociais, somos inseridos em grupos com os quais nos identificamos e por meio dos quais interagimos. Nestas relações, a comunicação é crucial, precisamoso tempo todo transmitir e receber informações, assim, seguimos a vida emaranhados às teias de represen- tações e fortalecimento de identidades. Todos nós, em algum momento, nos deparamos com muitos desafios para gerir todas as informações. Imagine você, como é para o povo surdo se relacio- nar e conviver nessa sociedade, cuja forma de se comunicar é diferente daquela utilizada pela maioria. Você percebeu que a comunicação dos surdos é diferente e acontece com a utilização das mãos. Neste caso, as mãos são para os surdos como a voz é para o ouvinte. Sabendo que eles aprendem, desenvolvem e comunicam-se usando a língua vi- sual, ou seja, utilizando a língua de sinais, você poderá apre- sentar, neste espaço, as principais curiosidades, ao assistir o vídeo. Para isso, acesse o QR Code ao lado e faça uma pequena viagem por meio do vídeo e observe quais são os recursos utilizados pelos surdos na sua comunicação. Com base no vídeo e na reportagem, pense quais sentimentos, ideais e interesses lhe chamaram atenção. Você acredita que a língua de sinais apresenta a possibilida- de efetiva de troca com o outro? Há diferenças de sinais de um país para o outro? Agora, reflita um pouco mais, e veja se há ou não pa- radoxos que predominam nas relações sociais das pessoas surdas e nas suas necessidades. Quais mudanças são ne- cessárias para que os surdos sejam, realmente, incluídos na sociedade? A partir desse contexto, apresentaremos, a se- guir, uma reportagem sobre o tema da redação explorado no Enem, em 2017. UNICESUMAR https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/20393 https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/20392 UNIDADE 1 14 Você consegue imaginar-se vivendo como um estrangeiro na sua terra natal? Já parou para pensar como desenvolveu a sua língua? Vivemos em uma sociedade predominantemente formada por pessoas ou- vintes, logo, nos comunicamos pela fala, ela é um mecanismo da nossa linguagem e determina a língua que dominamos. Para o surdo, é diferente, ele percebe o mundo de forma diferenciada dos ouvintes, suas experiências de aprendizagem e comunicação acontecem pela percepção visual, utilizando uma linguagem es- pecífica para isso, a língua de sinais, a qual, no caso do Brasil, é conhecida como Libras (Língua Brasileira de Sinais). DIÁRIO DE BORDO 15 Anote, no espaço anterior, as principais questões sobre o desenvolvimento da pessoa surda, e tente responder: como os surdos aprendem? Qual é a melhor forma de se comunicar com os surdos? Libras é língua ou uma linguagem? Será que consigo aprender Libras? Iniciaremos a nossa jornada em busca destas respostas. A história da educação do surdo: Um breve panorama mundial Passando por várias correntes teóricas na área das Ciências Sociais e por outras áreas das humanidades, nosso propósito, nesta unidade, está voltado, princi- palmente, a desenvolver conhecimentos sobre os contextos nos quais os surdos puderam romper as barreiras discriminatórias e conquistar seus espaços na conjuntura social, no que diz respeito à análise identitária e cultural. Para- fraseando Ennes e Marcon (2014), aqui, é interessante dar mais enfoque aos pesquisadores que, além de terem contribuído com posicionamentos críticos, assumem que os fenômenos relacionados às identidades contribuem na refle- xão sobre o seu caráter processual e dinâmico. Estas sinalizações nos revelam os aspectos universal e particular, apontando as características próprias e as gerais, pelos quais estão inseridos os contextos históricos e sociais produzidos ao longo das experiências de vida do povo surdo. A pessoa surda por muito tempo foi reconhecida como “pessoa muda”, isso se explica devido a forte corrente cultural das pessoas ouvintes, pois acreditava-se que, por sua condição de não ouvinte, a pessoa também não falava, logo, era muda. Geralmente, somos levados a pensar conforme imposições predefinidas, o que contribui para análises errôneas sobre as características dos indivíduos. Segundo Libâneo (2013, p. 20), as mudanças sociais “dão significado às coisas, às pessoas e, criam as ideias. [...] é socialmente que se formam opiniões, ideias e ideologias”. O autor contribui com a discussão ao apresentar subsídios no que tange à formação da civilização, sinalizando que o movimento do desenvolvimento da humani- dade é um elemento fundamental e, ao mesmo tempo, desafiador à escola, pois determina como a sociedade produz e organiza a educação. UNICESUMAR UNIDADE 1 16 A base estrutural da história é a experiência, o papel exercido pela história pode ser contatada por diferentes lentes e, apesar das inúmeras possibilidades, destacamos, neste livro, aquelas que deixam explícitas quais foram as princi- pais evidências que marcaram sobretudo as discussões sobre a forma como os surdos se desenvolvem. Nossa trajetória começará obedecendo uma ordem cronológica. Portanto, iniciaremos esta unidade apresentando algumas interpretações históricas oficiais de surdos registrados em muitos livros, artigos, teses e dissertações seguindo, exclusivamente, cinco épocas históricas: ■ 1. Pré-História. ■ 2. Idade Antiga ou Antiguidade. ■ 3. Idade Média. ■ 4. Idade Moderna. ■ 5. Idade Contemporânea. 17 Segundo Perlin e Strobel (2008, [s. p.]): “ É pelas raízes numa história que surgem revelações trazendo à luz as discussões educacionais das diferentes metodologias, pode-se observar que a raiz central das disputas sempre esteve ligada a res- peito da língua, ou seja, se os sujeitos surdos deveriam desenvol- ver a aprendizagem através da língua de sinais ou da língua oral? Na Antiguidade, pensar a educação e o desenvolvimento das pessoas surdas foi desafiador para a sociedade. Segundo Strobel (2008), na Antiguidade, as pes- soas surdas, assim como as outras pessoas com alguma deficiência, vivenciaram momentos de muito sofrimento, marcados por casos de extermínios e outras situações de segregações. Naquele período, as pessoas que nasciam surdas eram consideradas pessoas incompetentes, incapazes de aprender e de se relacionar umas com as outras. Acreditava-se que, por não se comunicarem da forma con- vencional, ou seja, oralizando, as pessoas surdas não eram capazes de interagir, raciocinar, de aprender e se desenvolver. Estas situações oriundas de conclusões e influências próprias da cultural oralista definiam que os surdos eram incapazes de serem ensinados, portanto, eles não deveriam ser educados e, consequente- mente, eram impedidos de frequentar escolas. As privações contra a vida dos surdos, nesse período, por vezes, eram garan- tidas por lei. Dessa forma, a comunidade ouvinte atestava, legalmente, a incapa- cidade dos surdos. Conforme afirma Strobel (2008, p. 47): “ Assim na antiguidade, os sujeitos surdos eram estereotipados como ‘anormais’, com algum tipo de atraso de inteligência, devido à au- sência de trabalho e pesquisas científicas desenvolvidas na área educacional. Para a sociedade, o ‘normal’ era que: é preciso falar e ouvir para ser aceito, então os sujeitos surdos eram excluídos da vida social e educacional; não havia escolas para os sujeitos surdos e existiam muitas leis que não acreditavam na capacidade de surdos. UNICESUMAR UNIDADE 1 18 O povo surdo existiu em todos os tempos e, apesar da forma isolada como viviam, mesmo que de maneira informal e primitiva, utilizavam a língua de sinais para se comunicar. A língua de sinais utilizada em tempos anteriores — Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna — não se apresentava tal como na atualidade, portanto, assim como o surdo existiu, a língua de sinais também surgiu nesse cenário. “ Apresento, aqui, o relato da pesquisadora Strobel (2008, p. 28), no qual nos expõe sua percepção ao se descobrir como pessoa surda: Eu não percebia o que era ser surda até ter mais ou menos seis anos de idade, antes percebia que todos em casa conversavam comigo através de gestos, apontações e de articulações lentosdos lábios. No decorrer da vida diária, não tinha motivos para pensar sobre as diferenças porque minha mãe comunicava desta mesma forma com os meus dois irmãos, acho porque eles eram pequenos ainda. Até que de uma forma incidental, aconteceu em que eu estava observando a mãe conversar falan- do rapidamente com minha irmã e eu não a entendia, minha irmã respondia falando e eu entendi que ela era igual como meus pais, como aos meus vizinhos, como as outras pessoas na rua e comecei a compreender que eu era diferente do resto de família e eu. Strobel (2008) afirma que, ao longo da história da humanidade, ser surdo não foi fácil. A autora sinaliza que os surdos foram vítimas de muitas in- justiças, as crueldades levaram muitas pessoas surdas à morte. A sociedade daquela época não aceitava pessoas que apresentassem aspectos de disse- melhança, ou seja, o “diferente” e as “diferenças” por elas apresentadas. Ao lermos o seu depoimento, podemos constatar o quanto a família buscou alternativas para manter uma comunicação. Percebemos que as condições exercidas pela família apresentadas pela pesquisadora são favoráveis ao seu desenvolvimento. 19 Na Antiguidade, os surdos eram descartados como objetos sem valor pela socie- dade. Durante esse período e por quase toda a Idade Média, pensava-se que os surdos não fossem educáveis, eram considerados imbecis. No Egito, eram ado- rados como deuses, na Grécia e na China, por exemplo, eram entendidos como pessoas castigadas, assim, muitos surdos foram mortos e lançados de penhascos, enquanto na Europa, eram jogados na fogueira. Até aqui, percebemos que os registros da história das pessoas surdas é marcado por crueldades, de tempos em tempos, os ciclos desumanos prevaleciam, as formas de entendimentos eram escassas bem como as discussões sobre as abordagens específicas educacionais. Segundo Sacks (1998, p. 31), em 368 a.C., o filósofo grego Sócrates foi res- ponsável pelos registros mais antigos sobre os surdos e a língua de sinais, ao acreditar que “Se não tivéssemos voz nem língua, mas apesar disso desejássemos manifestar coisas uns com os outros, não deveríamos, como as pessoas que hoje são mudas, nos empenhar em indicar o significado pelas mãos, cabeça e outras partes do corpo?”. Este questionamento afirma a importância de pensarmos sobre as características individuais que determinam, na plenitude das diferenças, quais são as necessidades comunicativas nas relações. Essa forma de pensamento é que mais se aproxima daquilo que, hoje, conhecemos por língua de sinais. Sócrates percebeu a importância da utilização da comunicação não verbal como condição especial para manter a comunicação. Talvez seja esse um registro que envolve, além de comprometimento com a comunicação, uma relação estreita de empatia sobre as formas comunicativas diferenciadas entre as pessoas. Cabe salientar que, na Grécia Antiga, acreditava-se que a fala era condição lega- da à inteligência, portanto, estava intimamente relacionada com o desempenho da fala. Segundo Aristóteles, se alguém não falava, também não podia pensar. Dessa forma, os surdos, vivendo isoladamente, não podiam enriquecer suas línguas, em- bora já tivessem, nos gestos, uma fonte viável de comunicação. De certa forma, eles contentavam-se com a comunicação gestual, ou seja, o gesto fazia parte das suas formas de interação uns com os outros. Assim como Aristóteles, Santo Agosti- nho (354 d.C.– 430 d.C.) defendia a ideia de que os surdos podiam se comunicar utilizando gestos e, como resultado, não tendo uma linguagem elaborada e não se beneficiando da educação, às vezes, eram consideradas pessoas de mente simples. UNICESUMAR https://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_de_Hipona https://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_de_Hipona UNIDADE 1 20 Descrição da Imagem: a figura mostra uma fotogra- fia colorida de um busto em mármore de Aristóteles, o qual apresenta um homem barbudo na faixa etária de 50 anos, com cabelo curto e vestindo uma toga. Descrição da Imagem: a figura mostra uma pintura colorida retratando Santo Agostinho, um homem na faixa etária dos 60 anos, com barba grisalha longa e cabelos curtos com falhas, vestindo uma batina branca e um manto dourado enfei- tado com figuras religiosas. Figura 1 - Aristóteles Fonte: Wikimedia Commons (2006, on-line). Figura 2 - Santo Agostinho Fonte: Champaigne ([c1645 – 1650], on-line). 21 Percebemos que, por muito tempo, a humanidade não pensava na educação do surdo, portanto, eles foram privados de desenvolverem valores, ideias e concepções de mundo. A língua de sinais é uma modalidade comunicativa visual-espacial que representa por si as possibilidades que traduzem as expe- riências surdas, ou seja, as experiências visuais. Segundo a pesquisadora Karin Strobel (2008), a civilização grega e a socie- dade espartana cultuavam o corpo, enquanto a sociedade ateniense cultuava o intelecto. Esta diferenciação entre esses povos postulava como eram entendidos os surdos. Considerando que os espartanos preparavam os meninos, a partir dos sete anos, para a guerra e a defesa da polis, as crianças que nasciam com qualquer deficiência não se enquadravam às necessidades do povo, dessa forma, eram eliminadas porque não tinham condições de servir ao exército em Esparta e, também, não conseguiriam receber instruções em Atenas. Carneiro e Soares (2017) apontam serem poucos os registros encontrados so- bre a educação dos surdos durante a Antiguidade e, por quase toda a Idade Média, as intervenções estavam voltadas aos procedimentos de curas milagrosas, ou seja, à crença de que os resultados obtidos com relação a comunicação e formação dos surdos só ocorreriam devido às intervenções divinas. Além das limitações e empecilhos para escolarização, os surdos eram privados de alguns direitos, por exemplo, a herança dos familiares. Tal situação se fortalecia pela crença de que eles não tinham condições de gerenciar as fortunas. Foi no fim Idade Média que surgiram os primeiros filósofos e pesquisadores defendendo a perspectiva de uma educação mais eficaz para os surdos, rom- pendo com um período de hostilidade, desmistificando as ideias defendidas até esse período de que os surdos eram pessoas incapazes de aprender, de se desenvolver tanto sob a perspectiva pedagógica quanto sob a perspectiva lin- guística. Certamente, as famílias nobres com herdeiros surdos tinham interesse em compreendê-los e integrá-los na sociedade com a finalidade de não perder as riquezas familiares. Vale destacar que, na Antiguidade, aspectos relacionados com a saúde eram tinham foco na perspectiva mística, pois acreditava-se que a doença trazia respostas dos deuses, as quais seriam veiculadas por meio das manifestações de maldições e feitiçarias. Durante 20 séculos na Europa, os intelectuais e a sociedade em geral acreditavam que as pessoas surdas eram impossibilitadas de aprender bem como eram inferiores aos demais seres hu- manos e, portanto, incapazes de socializar. UNICESUMAR UNIDADE 1 22 No século XII, as perdas e regressões continuavam. Nessa época, as pessoas surdas ainda eram consideradas seres não pensantes, uma vez que, para muitos, a ideia de capacidade se enquadrava na concepção a qual ligava a habilidade de raciocínio à fala. Logo, o povo surdo era considerado incapaz de pensar, sendo comparado a animais irracionais. No século XV, as crianças e jovens surdos de famílias ricas eram educados por professores particulares, portanto, até o final desse período, não havia escolas com ensino especializado para surdos. No início do século XVI, começaram as primeiras tentativas de evolução concreta sobre as formas de educação e metodologias aplicadas às pessoas surdas, graças a práticas e procedimentos pedagógicos e a evidências mais estruturadas que, para explicar qualquer avanço no desenvolvimento da pessoa surda, fugiam das relações sobrenaturais. Depoimentos dos profissionais da educação deram legitimidadeàs práticas educativas iniciadas nesse período. Vale destacar que havia muitos segredos acerca de como ocorria a educação dos surdos, pois não era permitida a troca de experiências. Segundo Lacerda (1998, on-line): “ É no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos sem que haja interferências sobrenaturais. Surgem relatos de diversos pedagogos que se dispuseram a trabalhar com surdos, apresentando diferentes resultados obtidos com essa prática pedagógica. O pro- pósito da educação dos surdos, então, era que estes pudessem de- senvolver seu pensamento, adquirir conhecimentos e se comunicar com o mundo ouvinte. Para tal, procurava-se ensiná-los a falar e a compreender a língua falada, mas a fala era considerada uma estra- tégia, em meio a outras, de se alcançar tais objetivos. Conforme Strobel (2008), houve várias iniciativas relevantes no processo da educa- ção de surdos, as quais devemos conhecer. A pesquisadora aponta haver registros de que por volta dos anos 700 d.C., a influência acerca de como os surdos poderiam se desenvolver ocorreu pelos ensinamentos de John Beverly, um bispo inglês. Ele foi a primeira pessoa a ensinar um surdo a se comunicar. Por esta razão, ele é lembrado como um dos pioneiros no processo de educação dos surdos. É pertinente acrescen- tar que o bispo Beverly é considerado pioneiro na educação de pessoas com deficiên- cia auditiva, mas o reconhecimento formal como primeiro professor para surdos foi dado a um monge beneditino chamado Pedro Ponce de León (1520–1584). 23 A partir de agora, teremos a oportunidade de conhecer alguns dos principais personagens da história que deixaram suas contribuições para a educação dos surdos, legado que nos dará a oportunidade de conhecer as abordagens nas quais esses personagens baseavam-se. Pedro Ponce de León dedicou-se à educação dos surdos de famílias nobres e ricas da corte espanhola. O monge Ponce ensinava a escrita, a datilologia e a oralização. Quadros (2006) relata que, apesar das contribuições realizadas por Ponce de León, por ocasião da fundação da primeira escola para surdos em um monastério de Valladolid, não há nada escrito sobre seu trabalho. Sabe-se que foi ele quem teria iniciado o ensino da escrita com os surdos, por meio dos nomes dos objetos e, con- sequentemente, passado ao ensino da fala, começando pelos elementos fonéticos. Nessa época, de acordo com Strobel (2008), na Itália, os monges faziam voto de silêncio, forçando a utilização da língua de sinais, a qual permitia a comuni- cação entre eles. Ponce de León estabeleceu a prática do voto de silêncio, o que o levou a desenvolver, com o passar do tempo, uma linguagem própria de comuni- cação, por meio de gestos. Segundo Santana (2015), o monge passou a dedicar-se ao ensino do sacramento e promovia sua comunicação com Deus, com isso, ele manteria próximos de si os pais do surdo nobre e suas contribuições financeiras. As marcações deixadas e as inferências de alguns personagens na história da educação dos surdos permeiam práticas pedagógicas quase que experimentais. Em 1450, no Período Renascentista, a surdez passou a ser analisada pela ótica médica. Segundo Strobel (2008), é importante conhecer a história do surdo a partir de três divisões temporais: UNICESUMAR UNIDADE 1 24 Na primeira fase, os povos surdos não tinham problemas com a educação. A maioria dos sujeitos surdos dominava a arte da escrita e há evidência de que antes do ano 1880 havia muitos escritores surdos, artistas surdos, professores surdos e outros sujei- tos surdos bem-sucedidos. Na segunda fase, depois do ano de 1880, ocorre uma fase de isolamento da comunidade sur- da como consequência do Con- gresso de Milão, o qual proíbe o acesso da língua de sinais na educação dos surdos. Nesta fase, as comunidades surdas resistem à imposição da língua oral. Descrição da Imagem: a figura mostra uma ilustração com três círculos em sequência, na horizontal. Da esquerda para direita, respectivamente, no interior do primeiro, do segundo e do terceiro círculo, estão os seguintes textos: 1. Na primeira fase, a maioria dos sujeitos surdos dominava a arte da escrita e há evi- dência de que, antes do Congresso de Milão, havia surdos ativos no campo do trabalho, como: escritores, artistas, professores, todos bem-sucedidos profissionalmente. 2. Na segunda fase, depois do ano de 1880, ocorre uma fase de isolamento da comunidade surda como consequência do Congresso de Milão, o qual proíbe o acesso da língua de sinais na educação dos surdos. Nesta fase, as comunidades surdas resistem à imposição da língua oral. 3. Na terceira fase, ocorreu o que Strobel (2008) descreve como o despertar cultural: a partir dos anos 1960, período em que se inicia uma nova fase para o renascimento na aceita- ção da língua de sinais e da cultura surda, após muitos anos de opressão ouvintista dos povos surdos. Figura 3 - Divisões temporais da história dos surdos / Fonte: adaptada de Strobel (2008). Na terceira fase, ocorreu o que Strobel (2008) descreve como o despertar cultural: a partir dos anos 1960, período em que se inicia uma nova fase para o re- nascimento na aceitação da lín- gua de sinais e da cultura surda, após muitos anos de opressão ouvintista dos povos surdos. 1 2 3 25 Apenas a partir do século XVIII, vemos avanço quanto a organizações que bus- cavam medidas e ações efetivas. Veremos que os experimentos estavam voltados a ações pedagógicas, Juan Pablo Bonet incentivava duas correntes pedagógicas: a oralizada e a gestual. Juan Pablo Bonet (1579–1623): padre espanhol que trabalhava com treina- mento da fala, datilologia e sinais, lançou o primeiro livro sobre a educação de surdos, em 1620. Strobel (2008) mostra que alguns estudiosos contestam frontal- mente a ideia de que Bonet teria descoberto como ensinar o surdo a falar e que esse feito poderia bem ser creditado a Ramires de Carrion, rival de Bonet e surdo congênito, o qual teria tido sucesso em um experimento e lançado, também, um livro, em 1629, contextualizando esse experimento. Apesar de Bonet valorizar a expressão e o treino oral nos primeiros anos de vida da pessoa, em suas práticas, ele empregava a comunicação gestual, ensi- nando a articulação das letras para apresentar as estruturas gramaticais. Bonet considerava importante, na comunicação dos surdos, o uso dos “gestos”, pois, na sua percepção, ajudava os não ouvintes na compreensão do significado das palavras. Bonet mesclava, na sua metodologia, um ensino pautado tanto pelo emprego dos gestos quanto pelo desenvolvimento da fala, assim, podemos afir- mar que seu método pode ser considerado a base para a Comunicação Total, metodologia de ensino que foi muito divulgada pelos professores. Conforme sinaliza Santana (2015, p. 12): “ O uso de gestos não é exclusivo dos surdos, pois pequenos ouvintes também os produzem e interpretam durante seu desenvolvimento. Pelo fato de a língua de sinais possuir um canal visuomanual, os sinais são confundidos, muitas vezes, com gestos. Contudo, uma sequência de gestos não implica uma língua. Percebam que as correntes pedagógicas migraram para dois mundos diferentes. A partir daqui, chegamos ao século VI, e as questões afetas aos procedimentos pedagógicos ainda não são bem claras ou definidas às pessoas surdas. Ora o uso dos gestos eram empregadas como estratégias de ensino, ora preconizavam as práticas na oralização. A seguir, conheceremos mais um personagem importante para a trajetória das pessoas surdas: Charles de l’Épée, um homem francês que transformou a vida de muitos surdos na França. UNICESUMAR UNIDADE 1 26 Charles Michael de l’Épée (1712–1789): as suas contribuições iniciaram-se quan- do ele conhece duas irmãs gêmeas surdas cuja comunicação ocorria por meio de gestos. Foi em Paris que o abade l’Épée intensificou seu trabalho, ao integrar-se pelas ruas da capital da França, com os surdospobres e andarilhos. Por meio dessa experiência, observou como os surdos se comunicavam e percebeu que os gestos cumpriam as mesmas funções das línguas faladas, permitindo a comuni- cação efetiva entre os surdos. Assim iniciou-se o processo de reconhecimento da língua de sinais e, além de aprender e valorizar a forma singular de comunicação sinalizada, l’Épée seguiu suas pesquisas, ampliando o conhecimento no sentido de compreender que a língua utilizada pelos surdos era eficaz e legítima. Este abade percebeu que os sinais permitiam a comunicação com os surdos e favorecia a aprendizagem, então, a partir destas constatações, ele idealizou o alfabeto manual francês em conformidade com os sinais usados pelos surdos. Na sequência, houve considerável avanço até que os surdos pudessem ler e escrever a língua francesa de forma convencional. É pertinente sinalizar que tal fato ocorreu com o auxílio do intérprete. Quadros (2006, p. 22) aponta o seguinte: “ No convívio com os surdos, o abade L’Epée percebe que os gestos cumpriam as mesmas funções das línguas faladas e, portanto, permi- tiam uma comunicação efetiva entre eles. E assim inicia-se o processo de reconhecimento da língua de sinais. Não apenas em discursos, mas em práticas metodológicas desenvolvidas por ele na primeira Escola Pública para Surdos em Paris. Além disso, para o abade, os sons arti- culados não eram o essencial na educação de surdos, mas sim a pos- 27 sibilidade que tinham de aprender a ler e a escrever através da língua de sinais, pois essa era a forma natural que possuíam para expressar suas ideias. A língua utilizada no processo educativo era a de sinais. Foi l’Épée o fundador da primeira escola de surdos que, mais tarde, por volta de 1791, tornou-se o Institute of DeafMutes — Instituto Nacional de Surdos-Mudos — de esfera pública. O método de ensino utilizado pelo abade baseava-se nas língua de sinais, metodologia a qual se apresentou eficaz no processo educacio- nal. As bases das pesquisas de l’Épée foram promissoras e espalharam-se pelo mundo, haja vista que escolas do mundo inteiro recebiam pessoas interessadas na educação do surdo, incluindo professores surdos. Por todas as suas contribuições na esfera da educação, l’Épée ficou conhecido como o Pai da Escola Pública e o Pai dos Surdos, pois defendeu o uso da língua de sinais em detrimento do oralismo bem como fez publicações acerca do ensino dos surdos e mudos por meio de sinais metódicos, os quais, segundo o professor, seriam a real forma de instruir os chamados, à época, surdos-mudos. O abade colocou as regras sintáticas e, também, o alfabeto manual inventado pelo Pablo Bonet, que, mais tarde, foi transformado em uma obra completa, junto com a teoria, pelo abade Roch-Ambroise Sicard. Quadros (2006, p. 23) sinaliza que, na época: “ A educação de surdos tinha os mesmos objetivos que a educação dos ouvintes, ou seja, o acesso à leitura. Para o abade, a comunicação em sala de aula se efetivava graças ao domínio que ambos, professo- res e alunos, tinham da língua de sinais. Portanto, não se justificava poucos alunos surdos nesse espaço, mas sim classes com a mesma arquitetura das escolas públicas para ouvintes. Sendo a língua de sinais a essência no processo pedagógico, os resultados alcançados não se restringiam ao pequeno círculo de alunos contemplados no trabalho do monge beneditino Pedro Ponce de Leon. Como pioneiro na formação e na educação gestualista, l’Épée foi o primeiro a estu- dar uma língua de sinais usada pelos surdos, com atenção direcionada às peculiari- dades linguísticas. Destacamos que o contato com o povo surdo proporcionou ao abade verificar, com mais atenção, como os surdos desenvolviam sua comunicação, considerando todo aparato viso-gestual, muito satisfatório e eficaz entre eles. Isso despertou em l’Épée o interesse em conhecer a linguagem gestual, então, o abade UNICESUMAR UNIDADE 1 28 desenvolveu um método educacional apoiado na linguagem de sinais da comuni- dade de surdos, acrescentando a esses sinais elementos que tornavam sua estrutura mais próxima à língua francesa, denominando este sistema “sinais metódicos”. Segundo Lacerda (1998, on-line), a primeira caracterização de uma língua de sinais usada entre pessoas surdas encontra-se nos escritos do abade l’Épée. É inte- ressante apontar que muitos dos estudos elaborados foram mantidos apenas com um pequeno grupo de pessoas e interessados, só mais tarde, suas técnicas foram divulgadas e apresentadas a um público maior, no ano de 1776, com a publicação de um livro. Este material foi elaborado de forma coletiva, pois nele eram expres- sas as experiências da comunidade envolvida. Tais práticas beneficiaram o povo surdo, proporcionando condições de aperfeiçoamento, justamente porque as trocas provocavam, sob os aspectos culturais, novas relações mais significativas. Na ocasião, l’Épée, como pesquisador, sentiu-se orgulhoso, pois se apresentava à sociedade como uma pessoa que rompia com os padrões estipuladas na época, afinal, suas ideias eram contrárias à educação estabelecida aos surdos. O abade classificou a participação dos surdos de forma positiva, porque puderam demons- trar suas opiniões e habilidades, expressando-se, com êxito, em francês, na língua escrita, ou seja, os surdos sinalizaram a língua de sinais francesa, demonstrando os sentimentos, os posicionamentos acerca da sua própria educação e forma de comunicação. Na ocasião, os agentes envolvidos puderam avaliar e discutir sobre os problemas existentes, marcando um novo rumo nos processos educativos. Para l’Épée, a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comuni- cação (LACERDA, 1998, on-line). Na literatura, há autores, como Perlin e Strobel (2008), que sinalizam o fato de a educação e a história do surdo não serem difíceis de analisar e compreender. As autoras acreditam que a história evolui, continua- mente, apesar de vários impactos marcantes. No entanto vivemos momentos históricos caracterizados por mudanças e isso contribui na evolução, o que nos permite compreender a forma como o povo surdo se comunica. As pesquisas realizadas pelos autores citados aqui são processos importantes para a epistemologia da linguística de língua de sinais ao redor do mundo. Foi a partir de tais pesquisas que se instituiu o alfabeto manual, o qual passou a ter muita importância à vida acadêmica do povo surdo, afinal, por meio do seu uso, ampliou-se o ensino e a aquisição da língua escrita, independentemente de qual fosse o idioma. Veja, a seguir, na Figura 4, como se caracteriza o alfabeto manual na língua de sinais. 29 Figura 4 - Alfabeto manual de língua de sinais Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a figura mostra uma série de pequenas fotografias coloridas que apresentam mãos executando o alfabeto manual de Libras, fotografias essas expostas e divididas por círculos. Cada círculo apresenta uma letra, seguindo a ordem alfabética. As- sim, o primeiro círculo inicia-se com a letra A e finaliza com a letra Z, totalizando as 26 letras do alfabeto. UNICESUMAR UNIDADE 1 30 O alfabeto manual ou alfabeto digital de línguas de sinais representou muito para a comunidade surda, porque, até a atualidade, é um recurso cujo papel é legitimar a comunicação, o domínio da língua escrita como segunda língua do surdo. Sabemos que, nas tentativas iniciais de educar o surdo, as atenções estavam voltadas à fala e à língua escrita: “ Os alfabetos digitais eram amplamente utilizados. Eles eram inven- tados pelos próprios professores, porque se argumentava que se o surdo não podia ouvir a língua falada, então ele podia lê-la com os olhos. Falava-se da capacidade do surdo em correlacionar as pala- vras escritas com os conceitos diretamente, sem necessitar da fala. Muitos professores surdos iniciavam o ensinamento de seus alu- nos através da leitura-escrita e, partindo daí,instrumentalizam-se diferentes técnicas para desenvolver outras habilidades, tais como leitura labial e articulação das palavras (LACERDA, 1998, on-line). A função do alfabeto manual na Libras ou em outra língua de sinais é a de soletrar manualmente as palavras, sendo muito utilizada por falantes desta língua. A leitura labial é uma técnica que estava atrelada com a metodologia oralista, mas isso não significa que todos os surdos submetidos a esta metodologia conseguiam dominá-la. Thomas Opkins Gallaudet (1787–1851): movido pelo desejo de fundar uma escola para surdos nos Estados Unidos, foi à Europa, em 1816, com o intuito de obter informações e, na França, conheceu Laurent Clerc. Am- bos foram juntos aos Estados Unidos, Clerc ensinava a língua de sinais a Gallaudet e este ensinava o inglês a ele. Em 1817, os dois fun- daram a primeira escola para surdos nos Es- tados Unidos, cuja língua de instrução era a língua de sinais. Assim como na Europa, essa língua ganhou espaço, e a maioria dos pro- fessores de indivíduos surdos começaram a utilizá-la como ferramenta de comunicação e conhecimento nas escolas do país. 31 A identidade cultural reforça as potencialidades e a condição humana do surdo de maneira natural e consistente, conferindo a ele uma identificação política, reconhecendo seus direitos e as necessidades de se expressar e de ocupar seus espaços no meio social, o que consolida a cidadania dele na sociedade ouvinte. Não podemos ignorar que a história dos surdos é marcada por muitos problemas sociais que prejudicam o desenvolvimento e o processo educacional. É justo escla- recer que mencionamos o descaso com o processo escolar da pessoa surda desde o início da escolarização dela, situação a qual denuncia as práticas ancoradas nas repetidas experiências opressoras tanto nos espaços educacionais quanto nos es- paços sociais. Tudo isso demonstra os progressivos desinteresse e desvalorização com a subjetividade comunicativa das pessoas surdas. Em 1880, em Milão (Itália), foi realizado o II Congresso Internacional, no período de 6 a 11 de setembro e, historicamente, este evento é considerado até os dias atuais, um desmonte às conquistas em relação à educação do surdo para épo- Descrição da Imagem: a figura apresenta uma ilustração em preto e branco de Charles Michel de l’Épée ensinando a linguagem de sinais para um aluno. l’Épée é um homem com cabelos escuros na altura do ombro, usando um hábito preto e está sentado em uma cadeira com a mão direita posicionada na altura do peito, executando um sinal com ela. De frente para o homem, está uma criança, em pé, com cabelos escuros na altura do ombro, segurando um papel com o alfabeto na mão esquerda, executando com a mão direita o mesmo sinal do homem à sua frente. Figura 5 - Charles Michel de l’Épée ensinando por meio da linguagem de gestos Fonte: López (2018, on-line). UNICESUMAR UNIDADE 1 32 ca, pois as ideias discutidas deram sustentação à abordagem de ensino baseada na perspectiva oralista, provocando fortes mudanças nos rumos da educação de surdos. O Congresso de Milão reuniu 182 pessoas ouvintes, representando Bélgi- ca, França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Suécia, Rússia, Estados Unidos e Canadá. NOVAS DESCOBERTAS Confira o artigo “As Atas Oficiais de Milão (1880) e a Necessária Rees- crita da História das Práticas de Educação de Surdos”, para saber mais sobre as influências e consequências do Congresso Internacional de Mi- lão. Neste artigo, os autores analisam as atas oficiais do evento, redigi- das por Fornari, e suas implicações nas práticas da educação de surdos. As pautas defendidas no evento tinham como prio- ridade as ideias debatidas por representantes ou- vintes. Cabe mencionar que, na ocasião, apesar da pouca presença de pessoas surdas e das discussões serem direcionadas quanto ao desenvolvimento de- las nas instituições de ensino, mesmo presentes, os surdos não tiveram o poder de decisão, portanto, não foram ouvidos. Os congressistas tinham como um dos propósitos unir pessoas que fortalecessem, de forma legal, as ideias discutidas. Aqui, percebe- mos a crescente necessidade de apoio generaliza- do, para que, posteriormente, fossem divulgados os resultados do Congresso, culminando em novas diretrizes que determinassem as novas práticas na educação dos surdos. A base central de discussão no congresso esta- va ligada ao ato de avaliar o ensino para os surdos com base em três abordagens pedagógicas: https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/23955 33 Descrição da Imagem: a figura mostra uma ilustração colorida com três caixas de texto, sendo a primeira: “Língua de Sinais: Se caberia continuar no processo educacional, com práticas que valorizassem o método e o uso da língua de sinais”; a segunda: “Metodologia Oralista: Aqui está a cereja do bolo do evento, pois desenvolveram todo o congresso para discutir a importância de ensinar aos surdos a oralização”; e a terceira: “Metodologia Mista (língua de sinais e oralismo): Situações que geraram polêmicas no processo educacional pelos opostos entre a língua de sinais e o oralismo”. Figura 6 - Abordagens pedagógicas do ensino para surdos / Fonte: a autora. Língua de Sinais: Se caberia continu- ar no processo educacional, com práticas que valor- izassem o método e o uso da língua de sinais. Metodologia Oralista: Aqui está a cereja do bolo do evento, pois de- senvolveram todo o congresso para discutir a importân- cia de ensinar aos surdos a oralização. Metodologia Mista (língua de sinais e oralismo): Situ- ações que geraram polêmicas no pro- cesso educacional pelos opostos entre a língua de sinais e o oralismo. Segundo Lacerda (1998, on-line): “ O método alemão vinha ganhando cada vez mais adeptos e estenden- do-se progressivamente para a maioria dos países europeus, acompa- nhando o destaque político da Alemanha no quadro internacional da época. As discussões do congresso foram feitas em debates acaloradís- simos. Apresentaram-se muitos surdos que falavam bem, para mostrar a eficiência do método oral. Com exceção da delegação americana (cinco membros) e de um professor britânico, todos os participan- tes, em sua maioria europeus e ouvintes, votaram por aclamação a aprovação do uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista e a proscrição da linguagem de sinais. Acreditava-se que o uso de gestos e sinais desviasse o surdo da aprendizagem da língua oral, que era a mais importante do ponto de vista social. As resoluções do congresso (que era uma instância de prestígio e merecia ser seguida) foram de- terminantes no mundo todo, especialmente na Europa e na América Latina. As decisões tomadas no Congresso de Milão levaram a que a linguagem gestual fosse praticamente banida como forma de comu- nicação a ser utilizada por pessoas surdas no trabalho educacional. 1 2 3 UNICESUMAR UNIDADE 1 34 No âmbito escolar, a ideia de “incapacidade” deu aos congressistas a força que necessitavam, junto dos apoiadores, para divulgar e implementar práticas educacionais, apontando os novos rumos acerca das práticas educativas dos surdos. O Congresso de Milão, por meio das parcerias instituídas, teve repre- sentação marcante para a comunidade surda, resultando na eliminação de qualquer forma de comunicação realizada com a língua de sinais. Os efeitos do congresso romperam com as boas relações e vínculos estabelecidos no fortalecimento da educação da pessoa surda, ou seja, na convivência tolerada, na educação dos surdos, entre a linguagem falada e a gestual. Segundo Quadros (2006), no congresso, houve momentos de tensões, princi- palmente na hora da deliberação, porque os congressistas tomaram suas decisões sem consultar ou dar importância à minoria interessada (os surdos). Assim, por meio da agitação e do confronto de um grupo de ouvintes, ficou imposta a supe- rioridade da língua oral sobre a língua de sinais. De forma legal, ficou decretado que a primeira deveria constituiro único objetivo do ensino e que o método oral, na educação de surdos, deveria ser prioridade em relação à forma gestual, pois, as palavras eram, segundo os ouvintes, superiores. Conforme afirma a autora: “ Nesse Congresso, que no momento da deliberação não contava com a participação nem com a opinião da minoria interessada – os surdos -, um grupo de ouvintes impôs a superioridade da língua oral sobre a língua de sinais e decretou que a primeira deveria constituir o único objetivo do ensino. A discussão foi extrema- mente agitada e, por ampla maioria, o Congresso declarou que o método oral, na educação de surdos, deveria ser preferido em relação ao gestual, pois as palavras eram, para os ouvintes, indubi- tavelmente superiores aos gestos (QUADROS, 2006, p. 26). 35 Dessa forma, a partir do Congresso de Milão, no mundo todo, os representan- tes concordaram sob o ponto de vista político, com as abordagens pedagógicas ouvintistas, redefinindo as práticas educativas aos surdos. Tais práticas, agora reformuladas, foram difundidas e desenvolvidas por um século, sendo o objetivo eliminar quaisquer práticas que valorizassem o uso da língua dos sinais. A abor- dagem adotada pela maioria dos países presentes no congresso foi a reabilitação da fala e o treinamento auditivo. Por 100 anos, os surdos foram privados de um processo de educação que valorizasse as suas necessidades comunicativas e suas particularidades linguísticas. Segundo Carneiro e Soares (2017, p. 20): “ Para conseguirem seus objetivos, os oralistas apresentaram diversos surdos que falavam bem e, na assembleia de encerramento, realizada no dia 11 de setembro de 1880, com exceção dos cinco membros ame- ricanos e de um professor britânico, todos os participantes, em sua maioria europeus e ouvintes, votaram por aclamação a aprovação do uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista, proibindo, a partir de então, a utilização da linguagem de sinais na educação de surdos. Durante o congresso, houve uma abertura singela de participação de pessoas surdas, os organizadores tinham como objetivo mostrar que a abordagem ora- lista era eficaz, mesmo com um número reduzido de estudantes surdos. Assim, é preciso reconhecer que os organizadores do congresso permitiram a alguns (poucos) surdos que conseguiam falar uma breve participação. Evidências históricas mostram que muitos surdos profundos (as pessoas as quais não têm qualquer resquícios de audição, ou seja, não ouvem absolutamente nada) apresentam perda auditiva superior a 90 decibéis. Conheça, por meio do Quadro 1, os níveis da perda de audição: UNICESUMAR UNIDADE 1 36 Categoria de perda da audição Conceitualização Perda auditiva leve 26 a 40 dB Não tem efeito significativo no desenvolvi- mento. Geralmente, não é necessário uso de aparelho auditivo. Perda auditiva moderada 41 a 55 dB Pode interferir no desenvolvimento da fala e da linguagem, mas não chega a impedir que o indivíduo fale. Perda auditiva severa 70 a 90 dB Interfere no desenvolvimento da fala e lingua- gem, mas, com o uso de aparelho auditivo, o indivíduo poderá receber informações, por meio da audição, para o desenvolvimento de fala e da linguagem. Perda auditiva profunda + 91 dB Sem intervenção, a fala e a linguagem dificil- mente ocorrerão. Quadro 1 - Grau de perdas auditivas / Fonte: a autora. A surdez é dividida em quatro graus: leve, moderada, severa e profunda. Os graus são definidos pelos decibéis que o sujeito, após passar por exame audiométrico, é capaz de perceber. Assim, considerando a gravidade da surdez desses indivíduos, concluiu-se que não se desenvolveram de forma satisfatória, pois, apesar de todos os esforços, naquela ocasião, as pessoas surdas demonstraram fala inadequada. Neste caso, os especialistas da educação concluíram que os surdos não consegui- ram alcançar desenvolvimento satisfatório, conforme o padrão desejado. Embora houvesse pessoas surdas no congresso, ainda que de forma singela, os professores surdos foram impedidos do direito ao voto, impulsionando a mudança desejada pela maioria, portanto, venceu a proposta de ensino baseada no oralismo. Devemos assinalar que, no congresso, existiu alta correlação entre a comunida- de ouvinte e os que apoiaram a decisão oportuna do método oralista. O resultado foi muito prejudicial ao desenvolvimento de muitos surdos, o que pôde ser confe- rido pelo fracasso escolar, situação a qual culminou em notas baixas, reprovação e abandono das atividades escolares. Segundo Lacerda (1998, on-line), as dificuldades enfrentadas pelos surdos não estavam ligadas apenas ao desenvolvimento da fala ou aos fracassos escolares, mas também ao processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, afinal, estas práticas educativas ocorriam tardiamente, culmi- nando em sérios problemas com a alfabetização e o letramento. Nesta situação, os 37 surdos eram expostos, mas suas dificuldades permaneciam, mesmo após anos de escolarização baseadas na abordagem oralista. Ainda sobre as atrocidades que aconteceram com as pessoas surdas, lembra- mos que, no período da Segunda Guerra Mundial, a história mostrou que essas pessoas foram alvo do plano de extermínio da política nazista. Os surdos, junto com os judeus e os ciganos, as pessoas com deficiência física ou mental, chamadas de impróprias, deveriam ser eliminadas da comunidade alemã. Segundo Silva e Spelling (2018, p. 167-168): “ Quando homens e mulheres com surdez hereditária eram encontra- dos, era emitida uma carta endereçada a eles ou a seus pais, solicitando que comparecessem ao hospital mais próximo nas duas semanas se- guintes para se submeter a processo de esterilização. Se a ordem não fosse cumprida, eram caçados e levados de casa à força. Essas pessoas eram, então, mais propensas a serem maltratadas durante a cirurgia, porque eram vistas como difíceis e merecedoras de uma lição punitiva. [...] como judeus (6 milhões de mortos), ciganos (1,5 milhão), homos- sexuais (15 mil), pessoas com deficiências (250 mil), entre outros. [...]. Aqui, percebemos que as pessoas surdas eram consideradas pessoas com defi- ciência, portanto, pela suas condições consideradas limitantes, eram levadas à morte. Os surdos também sofreram as consequências das práticas nazistas. Os autores apontam que tais ordens geraram um total aproximado de 58 milhões de mortes, entre civis e militares. NOVAS DESCOBERTAS Título: O Milagre de Anne Sullivan Ano: 1962 Sinopse: a história acontece num cenário de família nobre que re- trata a tarefa de Anne Sullivan (Anne Bancroft), uma professora, de fazer com que Helen Keller (Patty Duke), uma garota cega, surda e muda, adapte-se e entenda, pelo menos, em parte, as coisas que a cercam. Para isso, Sullivan entra em confronto com os pais da menina, que sempre sentiram pena da filha e, devido aos excessos de cuidados e mimos, a priva- ram de conhecer e experimentar o mundo à sua volta. UNICESUMAR UNIDADE 1 38 Aspectos históricos da educação do surdo no Brasil Por influência da Família Real — a família de Dom Pedro II — a educação de surdos no Brasil começa a existir em 1855, com a chegada do educador francês Ernest Huet, a convite do próprio imperador. Assim, o professor Huet chega ao Brasil para exercer sua profissão, com o intuito de direcionar a educação com foco no ensino eficaz ao povo surdo. Destacamos que o principal interesse de D. Pedro II, ao implementar o instituto para o ensino de surdos no Brasil, deu-se pelo fato de a Princesa Isabel ser mãe de um filho surdo e casada com o Conde D’Eu, o qual era parcialmente surdo. Após a chegada de Huet, no ano de 1857, foi fundado o Imperial Instituto de Surdos Mudos, por meio da Lei nº 939, de 26 de setembro de 1857. A presença do professor Huet fomentou o movimento e a implantação do Instituto Nacional do Ensino de Surdos (INES), e ressaltamos que, na atua- lidade, o INES é uma referência educacional para os surdos. Não podemos deixar de esclarecerque o surgimento do Instituto teve repercussão devido à influência de Dom Pedro II. Com isso, o Brasil abriu um espaço onde o papel exercido pelo professor Huet intensificou-se e sua prática educativa teve forte influência da metodologia educacional implantada e difundida na França, pois o professor priorizava o ensino da língua de sinais, utilizando o nosso alfabeto manual, o qual é muito semelhante ao da França. Veja, na Figura 7, uma foto do professor Ernest Huet. Descrição da Imagem: a figura mostra uma fotografia em preto e branco de Ernest Huet. Ele é um homem na faixa etária dos 50 anos, tem bigode e cabelos escuros. Está sentado, veste camisa branca, uma gravata peque- na e escura, terno, colete e calça preta. Figura 7 - Professor Ernest Huet Fonte: Wikimedia Commons ([1867], on-line). 39 Ernest Huet, chamado também de Eduard Huet, tem imensa importância para a comunidade surda brasileira e para a história da Libras (Língua Brasileira de Sinais). Nascido em 1822, na cidade de Paris, pertencia a uma família da nobreza francesa, portanto, teve oportunidades de frequentar as melhores escolas. Na adolescência, aos 12 anos, foi acometido pelo sarampo, doença que o deixou surdo. Mesmo de- pois de apresentar surdez, Huet conseguiu aprender espanhol e começou a estudar no Instituto Nacional de Surdos de Paris. Após muitos anos de comprometimen- to com os estudos, conquistou a formação de professor e, depois disso, enquanto atuava na França, recebeu o cargo de diretor do Instituto de Surdos de Bourges. É importante destacar que Huet falava, com fluência, o português e alemão. NOVAS DESCOBERTAS Neste estudo, estamos vendo como aconteceu a implementação do Instituto de Educação para Surdos, aqui, no Brasil, quando o professor surdo Huet veio, na época do Império. Há um documento bem impor- tante sobre isso no repositório Huet Digital, é uma carta escrita à mão, em francês, em 1855, pelo professor. Ela tem valor histórico enorme e representa muito tanto à sociedade em geral quanto à comunidade surda. Além de ver este documento, você também pode visitar o site e ver outros materiais legais presentes no repositório virtual. Vejam que a história da educação das pessoas surdas influenciou estudos pelo mundo afora, resultando no desenvolvimento de pesquisas mais enriquecedoras com enfoque na língua de sinais. No Brasil, não foi diferente. A vinda de Huet ini- ciou investigações relacionadas à língua de sinais que começaram a compreender a pessoa surda como uma pessoa com diferença cultural e, consequentemente, admitiu-se que a língua de sinais era uma língua própria dos surdos. Segundo Lopes (2011, p. 8), as mudanças no cenário brasileiro ocorreram quando: “ A expressão ‘Estudos Surdos’ surgiu no Brasil a partir de uma ten- tativa de tradução dos chamados deaf studies, que eram realizados por pesquisadores de outros países, principalmente dos Estados Unidos. É difícil e aqui, pouco relevante, determinar a origem dos deaf studies; mas, com alguma segurança, pode-se afirmar que UNICESUMAR https://academiadelibras.com/libras/historia-da-libras/ https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/20631 UNIDADE 1 40 o linguista William Stokoe foi um dos primeiros pesquisadores que, em torno de 1960, começaram a produzir nesse campo. Ele utilizava critérios linguísticos para afirmar outro status para a lín- gua de sinais. Em contraposição a Saussurre que acreditava que a língua de sinais se tratava de um sistema semiótico elaborado, Stokoe descreveu a Língua Americana de Sinais como uma lín- gua natural de um grupo cultural específico. Com tal afirmação, Stokoe tornava visível que a ‘estrutura cultural’ dos sujeitos surdos é constituída de outra forma, na medida em que a língua está es- tritamente vinculada à cultura. Vinte anos depois desses estudos iniciais, Stokoe (1980) publicou Sign and culture, insistindo na relação entre comunidade, cultura, língua e comunicação. No Brasil, a partir da década de 1990, diferentes estudos fomentaram discussões acerca da educação dos surdos. Historicamente, este marco, ao longo dos anos, vem promovendo reflexões em relação à educação de qualidade bem como o pa- pel do Estado nesse cenário, revelando a investigação, a pertinência social da luta e dos movimentos pelos direitos dos alunos surdos. Um dos principais desafios para as instituições educativas, na atualidade, é promover educação de qualidade, somando a tal desafio a educação de qualidade sob a perspectiva bilíngue. A percepção social acerca do surdo ainda considera a sua condição restrita, mesmo com os avanços ocorridos na concepção de inclusão, sobretudo na edu- cação, na década de 1990, com a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), em seu art. 3º, que trata dos princípios os quais regem o ensino: “[...] XIV - respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva” (BRASIL, 1996, on-line). O respeito de componentes relacionados à identidade da pessoa surda, como sua língua e sua cultura, demonstra a intenção de realçar a condição de sujeito e de cidadão do surdo, com direito de participar plenamente do processo educa- tivo e das atividades sociais, atendendo a suas necessidades de forma que possa realizar seus anseios e seus objetivos. No passado, isso não acontecia, contudo é importante reconhecer que ainda há dificuldades para que, de fato, se concretize o devido respeito proposto pela referida lei, não somente no âmbito educacional, mas também no meio social, pelo fato de a sociedade, no tratamento dispensado 41 ao surdo, ser mediada pela perspectiva do ouvinte. Esta é ainda cultivada em algumas famílias, situação a qual denota o desconhecimento dos avanços legais relacionados à comunidade surda, conforme destaca a seguinte afirmação: “ Entretanto, vale lembrar que embora as conquistas dos surdos sejam legalmente reconhecidas, nem sempre são socialmente aceitas. A situa- ção do indivíduo surdo ainda é bastante peculiar, considerando que a maioria provém de famílias ouvintes que utilizam apenas a língua oral como forma de comunicação e de interação (LEANDRO, 2017, p. 15). A sociedade ouvinte nem sempre consegue superar os conceitos estabelecidos em relação à surdez, a qual é identificada por alguns como uma patologia, por desco- nhecimento do significado atribuído à cultura surda, mantendo, assim, uma postura que valoriza a oralização como principal recurso de comunicação. Nessa situação, mesmo com os avanços legais, a sociedade ouvinte coloca “[...] o surdo como pro- duto social da exclusão, sem corpo, sem vontade e sem futuro. Futuro inalcançável pelo excesso de barreiras colocadas pela sociedade ouvinte” (ROSA, 2009, p. 34). Percebemos que a problemática persistente em relação ao surdo na sociedade ou- vinte é a intenção de adequá-lo ao processo de oralização, para que ele possa seguir os modelos culturais em vigência. Esse processo considera a concepção de normalidade, ou seja, o padrão de conduta aceitável à existência da convivência harmoniosa, sendo que essa concepção relacionada ao “normal”, ao padrão imposto pela comunidade ou- vinte nas práticas educativas, não atende nem às particularidades das pessoas surdas, nem às demais pessoas que possuem alguma restrição sensorial, física ou intelectual. Por inúmeros fatores, foram feitas várias tentativas de “normalizar” os surdos, ensinando-os a oralizar e a fazer leitura labial, bem como foram feitas tentativas de criar aparelhos e tecnologias auditivas para auxiliar os surdos nesse processo. A partir de uma visão mais completa e específica, surgem, no campo educacio- nal, alguns parâmetros conceituais que compreendem as diferenças, mas é neste campo que muitas ações de discriminação de se fortalecem. Na busca de normalizar a vida dos surdos, uma nova concepção tomou conta do repertório de muitos professores, em defesa da escola ideal, porém, em mui- tosdos casos, negligenciou-se que, neste espaço, há alunos com necessidades UNICESUMAR UNIDADE 1 42 educativas especiais. Aqui, os ideais se perdem, pois o ensino passa a ser com- preendido como comum, apesar de alguns estudantes precisarem de ensino di- ferenciado. Tal cenário, certamente, se fortalece à medida que se busca enquadrar todos na mesma régua, a régua da normalidade. Tal concepção trouxe ao universo educacional profundas consequências as quais impulsionaram práticas comuns em várias escolas pelo mundo. Do ponto de vista do sistema educacional, a comunidade escolar não avalia os problemas que as escolas enfren- tam, como: a aprendiza- gem, o funcionamento da instituição, a flexibi- lidade de ensino. Assim, a escola mantém mode- los de intervenção com mais rigidez, pois, sa- bemos que, hoje, o tipo de ensino desenvolvi- do em uma instituição educacional pode ori- ginar ou intensificar as dificuldades. Assim, durante longos anos, a escola deixou de exer- cer sua principal função democrática, excluindo alunos com características deficitárias (as quais nem sempre estão relacionadas aos alunos, mas sim à escola). Este conjunto de ações demonstram, de certa forma, o despreparo das instituições escolares. Mesmo diante de um histórico de vida opressora e limitante, a passos lentos, os surdos tiveram importantes avanços no processo de inclusão social e educa- cional. É pertinente destacar que a concepção clínica da surdez não se sustenta mais, pelo fato de se caracterizar como uma restrição sensorial que ocasiona 43 dificuldades na recepção e percepção de sons, mas a qual não compromete a capacidade de aprendizagem e de socialização, tampouco a capacidade de pessoa produtora e consumidora de cultura. A percepção adequada da surdez corresponde a uma particularidade do su- jeito surdo, que não o impede de ter qualquer tipo de vivência, sobretudo pela sua capacidade de desenvolver habilidades para compensar o fato de não ouvir sons, sendo que as limitações são oriundas, na maioria das vezes, das perceptivas cultivadas pela sociedade ouvinte. Daí a importância da presente reflexão encon- trar subsídios os quais contribuam para desenvolver e conhecer, de certo modo, os caminhos e as abordagens que conceituam os aspectos históricos, culturais e legais da educação do surdo no mundo e no Brasil. Outro aspecto a ser destacado é a crescente valorização da cultura surda, um referencial que consegue mobilizar a comunidade surda e fortalecer as suas causas, na tentativa de constituir uma realidade compatível com o respeito, a dignidade e a cidadania junto à sociedade ouvinte, demarcando a combatividade dessa comunidade em constituir uma realidade mais inclusiva e que atenda aos seus anseios e direitos (BASTOS, 2013). A perspectiva cultural orienta as ações das pessoas surdas no meio social, no sentido de realçar que suas particularidades, sobretudo as linguísticas — esta, neste caso, precisa ser considerada um fator de inclusão — possibilitam uma relação com os ouvintes, enriquecendo ambos, surdos e ouvintes, pelo intercâmbio de experiên- cias. Apesar de o surdo estar inserido na sociedade ouvinte, ele não pode perder a sua identidade cultural ou se fragmentar em metade surdo e metade ouvinte. O surdo deve ser sempre surdo, não importando em que lugar ele esteja, e os ouvintes precisam aprender a se relacionar com ele, da mesma forma que os surdos precisam aprender a estabelecer um relacionamento com os ouvintes, a fim de existir verda- deira interação entre ambas as partes (SANTOS JÚNIOR, 2020). Concluímos este tópico conhecendo a importância dos pioneiros na iniciativa da educação dos surdos. Dentre os autores que tiveram representabilidade na educação dos surdos, destacamos: Pedro Ponce de Léon, Juan Pablo Bonet e John Beverly. Apesar das frequentes interferências dos pesquisadores, dos avanços e retrocessos, foi apenas após dois séculos que um religioso francês chamado Mi- chel de l’Épée criou um método de ensino às pessoas surdas na França, iniciando a prática do gestualismo. Esta prática de ensino é a que mais se aproxima da educação oferecida, na atualidade, aos estudantes surdos no Brasil e no mundo. UNICESUMAR UNIDADE 1 44 Percebemos até aqui que o estudo da história de surdos tornou-se uma fonte de prazer e novas descobertas. Após adentrarmos aos fatos apontados, conquistamos muitas descobertas e aprendemos sobre os principais acontecimentos registrados ao longo da história da humanidade. A história como fonte de estudos e pesquisa, dentre vários outros encargos, nos auxilia na compreensão de como a sociedade se organizava, trazendo informações de como as pessoas viveram no passado. Assim, entendemos este processo como fenômenos sociais dos vários territórios que provocam as transformações. No caso da história dos surdos, estudamos como as metodologias educa- cionais e práticas sociais foram percebidas pela sociedade, as principais ordens intrínsecas ao indivíduo surdo e quais foram as prioridades que determinavam a forma de organização pela sociedade, em tempos remotos. Além disso, perce- bemos que estudar o passado é importante, porque nos ajuda a compreender o contexto atual, assim, percorremos não só mesmas trilhas da história, mas, a partir das lentes escolhidas, vimos como os acontecimentos são fontes de conhecimento, aprimoramento e organização da vida em sociedade. Em conformidade com os fatos apresentados nesta unidade, daremos sequên- cia aos estudos, tendo como prioridade nos aprofundar no processo de desenvol- vimento da educação dos surdos, trazendo a você novas experiências, para extrair e reestruturar os conceitos e significações acerca da cultura e identidade surdas. NOVAS DESCOBERTAS Título: Surdez & Educação Autora: Maura Corcini Editora: Autêntica Sinopse: este livro faz parte da série Temas & Educação, voltada a educadores, pesquisadores e estudantes. Sobre a proposta deste livro, a autora diz: “Não nego a falta de audição do corpo surdo, porém desloco meu olhar para o que os próprios surdos dizem de si quando articulados e engaja- dos na luta por seus direitos de se verem e de quererem ser vistos como sujei- tos surdos, e não como sujeitos com surdez. […] Rompendo com as interpre- tações e os usos fundados em bases clínicas e em bases que a declaram uma anormalidade, a surdez, vista como presença de algo (e não a falta de algo), possibilita outras formas de significação e de representações de surdos”. 45 Cultura surda e identidade surda: conceitos e significações Para iniciarmos a discussão proposta neste subtítulo, é necessário esmiuçar o termo “identidade”, a fim de compreendermos como este conceito vem sendo discutido na teoria social e quais os processos que provocam mudanças na for- mação da identidade. A partir de múltiplas significações de pertencimento, é pertinente conhecer, de forma mais ampla, o que os autores têm discutido sobre “identidade”. Dessa forma, avançaremos para os campos sociológico, filosófico, e epistemológico bem como para os aspectos das questões contemporâneas. Culturalmente, somos reflexos e frutos das nossas experiências, a questão da identidade está relacionada com a construção do perfil. De acordo com Santos (2005, p. 124), “ o processo de identidade é um processo dinâmico de interação entre, por um lado, as características individuais, consciência e os construtos organizados do sujeito e, por outro, as estruturas físicas e sociais e os processos de influência que constituem o contexto social. Nesse sentido, a construção da identidade pessoal aparece, assim, definida como um lugar determinado, que integra as esferas psíquica e sociocultural, portan- to, a identidade é um conceito discutido pela teoria social. Nesta concepção, a identidade é resultado das relações sociais, culturais, é entendida como parte de um processo amplo de mudanças que recebe e organiza as diversas mensagens transmitidas pelos diversos contextos
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