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PSICOBIOLOGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir emoções. > Mapear as bases neurais das emoções. > Descrever a teoria de James-Lange sobre sensações corporais e emoções. Introdução Desde as suas raízes, como escola de formação científica, a psicologia estuda os processos mentais e, especificamente no campo da psicobiologia, as bases biológicas e neurais desses processos, a fim de estabelecer relações com o comportamento ou com o agir humano. De modo geral, as emoções podem ser compreendidas como processos mentais complexos que envolvem a percepção de sensações e a motivação para um comportamento reativo em um dado momento. Por isso, afirma-se que as emoções estão diretamente associadas às motivações e ao comportamento. Dentro do campo de estudo e pesquisa das emoções, existem diversas abor- dagens controversas a respeito do que primeiro desencadeia as emoções: se são os instintos internos e inatos ou se são os estímulos externos, oriundos do contato dos seres vivos com o ambiente em que vivem. Essa discussão é antiga e parece longe de terminar, apesar da adoção de novas tecnologias e dos avanços científicos de mapeamento cerebral, que servem de apoio e comprovação para hipóteses e formulações de novas teorias. Bases biológicas da emoção Fernanda E. Barbosa Neste capítulo, você vai revisar os conceitos de emoção à luz de teorias que discutem essa propriedade comportamental do ponto de vista fisiológico, cognitivo e social. Além disso, vai conhecer as bases neurais que influenciam as emoções e verificar a teoria de James-Lange, assim como a relação que esses autores afirmam existir entre as emoções e as sensações corporais a partir do conceito de experiência visceral. Emoções, motivações e instintos Como campo científico, a psicologia estuda os processos mentais, entre os quais podemos citar: percepção, memória, pensamento, linguagem, motivação e emoção. No entanto, esses processos não ocorrem de modo isolado; ao contrário, eles influenciam uns aos outros. Com frequência, há estudos em que as emoções são estudadas em conjunto com as motivações e até mesmo com os instintos (FELDMAN, 2015; PINEL, 2005) Barreto e Silva (2010) apontam que a origem da palavra “emoções” provém do latim movere, ou seja, “pôr em movimento”. Para os autores: “É essencial compreender que a emoção é um movimento de dentro para fora, um modo de comunicar os nossos mais importantes estados e necessidades internas” (BARRETO; SILVA, 2010, p. 387). Nesse sentido, Feldman (2015) explica que as emoções estão diretamente associadas à motivação, que apresenta aspectos tanto biológicos quanto cognitivos e sociais. A motivação é compreendida como uma energia que guia o comportamento, sendo considerada, na área da psicobiologia, a causa ime- diata para o agir. No princípio dos estudos de psicologia, a motivação estava intimamente associada aos instintos, ligados à sobrevivência e à manutenção da vida (FELDMAN, 2015). Os instintos são considerados, aqui, como padrões inatos do comportamento; ou seja, são determinados biologicamente. A partir deles, surgiu o conceito de impulso, que separou os instintos em primários e secundários. Os instintos primários servem para a manutenção da vida, ao passo que os instintos secundários não servem apenas a esse propósito, mas também a outros, como o instinto para o prazer ou para o desejo. A partir dos estudos dos instintos, também surgiu uma variedade de hipóteses sobre o caráter inato ou adquirido dos processos mentais, que pode ser estudado de diversas formas de acordo com a abordagem psicológica (FELDMAN, 2015). O que se deve refletir sobre esses aspectos é que, independentemente da base biológica dos instintos ou impulsos e da característica reguladora das tensões sentidas no corpo que buscam o equilíbrio (homeostase), às vezes o ser humano busca atividades emocionais fora desse padrão. Em outras Bases biológicas da emoção2 palavras, em vez de amenizar a excitação, o ser humano busca ampliar esse sentimento. Por isso, a motivação e, como consequência, a emoção não podem estar atreladas apenas ao conceito de impulso ou homeostase, como preconizam algumas correntes psicológicas, como as de neurociências e as de base psicodinâmica (FELDMAN, 2015). Segundo Feldman (2015), todos experimentamos sentimentos fortes que podem estar acompanhados tanto de experiências muito agradáveis (positivas) quanto de experiências muito desagradáveis (negativas). Para exemplificar isso, o autor cita a situação da perda de uma pessoa querida como uma experiência desagradável; já como exemplo de experiência agradável, ele cita a sensação de júbilo ao estarmos apaixonados. Além desses sentimentos fortes, experimentamos sentimentos menos intensos, como, por exemplo, quando quebramos um objeto e ficamos chateados, ou quando encontramos um amigo e ficamos animados. De acordo com Miguel (2015), a emoção pode parecer óbvia à primeira vista ou se considerarmos o senso comum, pois o utilizamos com frequência em nosso cotidiano. Todavia, para a ciência, definir emoção é algo mais complexo. Embora a origem do pensamento científico esteja atrelada ao positivismo e à dicotomia razão e emoção, a partir da filosofia cartesiana, atualmente, busca-se compreender a emoção como um processo que envolve múltiplas variáveis, abandonando, assim, uma causa única como forma de explicar os comportamentos emotivos. Nesse sentido, a emoção poderia ser definida como: [...] uma condição complexa e momentânea que surge em experiências de caráter afetivo, provocando alterações em várias áreas do funcionamento psicológico e fisiológico, preparando o indivíduo para a ação (MIGUEL, 2015, p. 153). Com isso, Feldman (2015) entende que os sentimentos representam as emoções, ou seja, a definição de emoção está associada à de sentimentos que apresentam elementos fisiológicos e cognitivos e influenciam o com- portamento humano. Mas por que o autor usou os termos “fisiológicos” e” cognitivos”? Porque podemos identificar traços fisiológicos e mudanças neu- roquímicas corporais quando sentimos alguma emoção. Em outras palavras, quando estamos diante de uma situação excitante, nosso batimento cardíaco aumenta, nossas pupilas dilatam e nossa respiração fica entrecortada, de modo que reconhecemos essas mudanças homeostáticas como indícios de certo tipo de emoção. Desse modo, além das reações corporais, temos o reconhecimento ou a compreensão de que aquela situação é excitante ou alarmante, portanto a emoção também está ligada à nossa capacidade cognitiva. Bases biológicas da emoção 3 Uma das principais e primeiras teorias sobre as emoções foi a de James, que afirmava que os seres humanos primeiro recebem o estímulo, ao qual reagem organicamente a partir de uma percepção visceral, considerada o real sentimento (JAMES, 1994). Com a adição das pesquisas de Lange, originou-se a teoria de James-Lange, que se tornou muito popular na primeira metade do século XX. Essa teoria foi incentivada pelo behaviorismo de Skinner (2003), em virtude de confirmar que os comportamentos não têm origem interna, mas sim externa e observável (MIGUEL, 2015). No entanto, a dicotomia percebida em estudos e pesquisas em psicologia, principalmente nas correntes associadas a neurociências comportamentais, como neuroanatomia e fisiologia, neurofarmacologia, psicologia clínica, psicologia comportamental e psicologia cognitiva, promoveu um embate epistemológico que ainda não foi resolvido (FELDMAN, 2015; PINEL, 2005). Algumas correntes defendem que a cognição associada à emoção vem antes da reação física, ao passo que outras afirmam que são as reações físicas que desencadeiam o reconhecimento de uma emoção. As avançadas técnicas atuais de exames por imagem tentam dar conta desses embates acerca da natureza das emoções. Para Miguel (2015), a maioria dos modelos teóricos atuais busca definir os componentes da emoção, como: reações musculares internas, comportamento expresso,impressão afetiva e subjetiva e cognição. O autor afirma, ainda, que os aspectos subjetivos e cognitivos foram negligenciados entre 1930 e 1960 devido à popularidade do behaviorismo. Conforme Pinel (2005), o primeiro evento importante no estudo de psico- biologia da emoção foi o trabalho de Darwin (1872), por meio da publicação do livro A expressão das emoções no homem e nos animais. Nesse livro, Darwin afirmou que determinadas respostas emocionais, como as expressões faciais, tendem a acompanhar os mesmos estados emocionais e que esse comportamento observável também é fruto da evolução, motivo pelo qual ele comparou as respostas emocionais entre diferentes espécies. Para Pinel (2005, p. 451): [...] a teoria de Darwin explica a evolução de demonstrações de ameaça. Originalmen- te, enfrentar o inimigo, erguer-se e expor as próprias armas eram os componentes dos primeiros estágios de combate. Porém, à medida que os inimigos começaram a reconhecer tais comportamentos como sinais de agressão iminente, houve uma vantagem para a sobrevivência para os atacantes que conseguissem comunicar a sua agressão de forma mais eficaz e intimidar suas vítimas sem lutar de verdade. Bases biológicas da emoção4 De acordo com Feldman (2015), existem três principais funções das emoções para os organismos vivos e, principalmente, para os seres humanos, são elas: emoções que preparam o indivíduo para uma ação; emoções que moldam o nosso comportamento futuro (promovendo aprendizado); e emoções que nos ajudam a interagir com os outros. As emoções também podem ser classificadas em básicas e especializadas, porém isso depende da vertente teórica que as estuda. Para Feldman (2015), as emoções básicas são: felicidade, raiva, medo, tristeza e descontentamento. As menos básicas são: surpresa, desprezo, culpa e alegria. As emoções tam- bém podem ser classificadas em positivas e negativas, conforme a Figura 1. Figura 1. Pirâmide hierárquica das emoções. Fonte: Adaptada de Feldman (2015). Emoções básicas Emoções secundárias Segundo Miguel (2015), há várias teorias sobre o funcionamento emocional, porém as principais são: jamesianas, psicoevolucionistas, cognitivas e sociais. Dessa forma, os campos da psicologia que estudam as emoções têm de buscar integrar propostas que desenvolvam um modelo cognitivo para avaliar o efeito eliciador (motivador) das emoções e das reações corporais: as impressões subjetivas, o comportamento expressivo e as alterações fisiológicas. O modelo integrador deve buscar caracterizar as expressões das emoções básicas, que, para o autor, são: alegria, medo, surpreza, tristeza, nojo e raiva. A seguir, confira quais bases neurais estão associadas aos processos emocionais. Bases biológicas da emoção 5 Bases neurais das emoções Conforme Feldman (2015), as raízes das emoções estão relacionadas com os sintomas físicos associados a uma experiência particular e precisamos da linguagem para descrevê-las. Assim, as bases das emoções estão no sistema neural, mais precisamente no sistema nervoso autônomo (SNA), responsável pela alteração automática e inconsciente das reações corporais associadas a um tipo de experiência. Barreto e Silva (2010) afirmam que existe uma profunda integração entre os processos relacionados às emoções e os processos cognitivos e homeos- táticos, com base em diferentes resultados de pesquisas para compreender respostas fisiológicas diante das mais variadas situações enfrentadas pelo indivíduo. Segundo os autores, as emoções são acompanhadas por respostas autônomas, endócrinas e motoras, que dependem de áreas subcorticais do sistema nervoso como um todo. Para Pinel (2005), a pesquisa biopsicológicas da emoção concentra-se prin- cipalmente nos comportamentos de medo e de defesa. Uma razão para esse foco é o importante papel que os efeitos estressantes provocados pelo medo crônico desempenham no desenvolvimento de algumas doenças psíquicas. O medo é a reação emocional à ameaça (força motriz dos comportamentos defensivos), ao passo que os comportamentos defensivos são aqueles cuja principal função é proteger o organismo de ameaças ou perigos. Segundo Feldman (2015), o medo é desencadeado diante de uma situação incerta, que ativa o SNA e, a partir dele, produz alterações corporais: altera o ritmo da respiração, acelera os batimentos cardíacos, promove a dilata- ção das pupilas, a secura na boca e o suor e dá indícios de que algo não é encarado de forma normal. Em geral, a pessoa associa essas sensações a um sentimento de medo. Com base nisso, podemos nos perguntar: como direcionar o papel desem- penhado pelas respostas fisiológicas a algum tipo de situação na experiência das emoções? São as reações corporais que promovem a experiência de uma emoção particular ou são as reações corporais que resultam de uma experiência emocional? Para responder a essas questões, é preciso integrar concepções diver- sas para poder compreender melhor os estudos das emoções e suas bases neurológicas, que não se resumem a um processo físico-anatômico nem psicoquímico e regulatório, pois são influenciadas por questões biológicas, cognitivas e sociais (MIGUEL, 2015). Bases biológicas da emoção6 De acordo com Pinel (2005), as pesquisas biopsicológicas da influência do SNA nas emoções concentram-se em duas questões: qual é o grau do padrão de atividade do SNA quando associado a certas emoções? Quais medidas indicadas pelo SNA diante do polígrafo (conhecido como detector de mentiras) são eficazes? De acordo com Pinel (2005), o polígrafo é um método de inter- rogação que emprega índices de emoção do SNA para inferir a veracidade das respostas de um sujeito. Os testes com o polígrafo, quando administrados por examinadores hábeis, podem ser componentes valiosos para os procedimentos de interrogação normais, porém não são infalíveis (PATRICK; IACONO, 1989). Existem duas teorias principais utilizadas para detectar padrões de ativi- dade do SNA (PINEL, 2005): a teoria de James-Lange e a teoria de Cannon-Bard. De acordo com a teoria de James-Lange, estímulos emocionais diferentes induzem padrões diferentes no SNA. Já na teoria de Cannon-Bard, os estí- mulos emocionais produzem o mesmo padrão geral de ativação simpática, preparando o organismo para a ação. É importante ressaltar que existem evidências comprovadas para ambas as teorias. Segundo Pinel (2005), raramente é possível avaliar a eficácia do polígrafo em situações da vida real. Para aproximar as pesquisas com polígrafo de uma situação real, muitos estudos empregaram o procedimento do crime simulado, em que voluntários participam de um crime simulado e são submetidos ao teste com o polígrafo por um examinador que não sabe se eles são “culpados” ou “inocentes”. Assim, a resposta fisiológica para a questão “Você roubou a bolsa?” é comparada com as respostas fisiológicas para questões-controle. Presume-se que a mentira estará associada a uma maior ativação simpática. A taxa média de sucesso em vários estudos com crimes simulados com a técnica da questão-controle é de cerca de 80% (PINEL, 2005). Esperidião-Antonio et al. (2008), defendem que o avanço das neurociências possibilitou a construção de hipóteses para explicar as emoções, conside- rando principalmente os estudos envolvendo o sistema límbico (Figura 2). Nesse sentido, Barreto e Silva (2010) apontam que a compreensão das bases neurais em relação aos processos associados à emoção obteve avanço no final do século XX, devido à neurofisiologia e aos avanços das pesquisas e das tecnologias por imagem (p. ex., ressonância magnética encefálica). Com isso, foram descobertas novas conexões do sistema límbico (SL), sendo este considerado um “[...] órgão subcortical com áreas corticais cerebrais, atuando Bases biológicas da emoção 7 sobre o hipotálamo e o tronco encefálico” (BARRETO; SILVA, 2010, p. 386). Os autores consideram que a capacidade de falar e escrever está estritamente conectada com a emoção. Há três maneirasbásicas de se estudar o sistema nervoso central (SNC) do ponto de vista anatômico: de forma espacial, filogenética ou ontogenética (BARRETO; SILVA, 2010). Em 1877, Broca descreveu o sistema límbico de acordo com a sua estrutura anatômica, adotando o termo a partir da palavra em latim limbus (anel, orla). Essa estrutura está presente em todos os mamíferos, situada no tronco encefálico. A amígdala estendida, ou corpo amigdaloide, também faz parte desse sistema, sendo composta pelas partes basolateral, olfatória e centromedial, com diferentes funções e conexos com o tronco encefálico e o hipotálamo. A amígdala tem um papel relevante nas emoções e interfere no comportamento, pois toda a amígdala estendida exerce influência sobre as áreas neurais que geram os componentes autonômicos, endócrinos e somatomotores das experiências emocionais, que regulam as atividades básicas de beber e comer e do comportamento sexual (BARRETO; SILVA, 2010). De acordo com Feldman (2015), por meio de suas conexões com o hipo- campo e o córtex cerebral, as amígdalas permeiam as expressões autônomas das emoções. Figura 2. Sistema límbico e expressões de emoção. Fonte: Feldman (2015, p. 319). Segundo Pinel (2005), outros estudos importantes acerca das bases neurais das emoções são os de expressão facial (EKMAN; LEVENSON; FRIESEN, 1983), Bases biológicas da emoção8 em que foram observados centenas de filmes e fotografias associadas a re- presentações faciais de emoções. No entanto, esses experimentos utilizaram modelos que foram orientados a se expressar, e não pessoas em situações genuínas (EKMAN; LEVENSON; FRIESEN, 1983). Darwin (2009) também defendia os traços expressivos de emoções como algo universal, e vários estudos empíricos mostraram que indivíduos de di- ferentes culturas têm expressões faciais semelhantes em situações similares e que eles conseguem identificar corretamente o significado emocional das expressões faciais apresentadas por pessoas de outras culturas (PINEL, 2005). Dessa forma, foram identificadas expressões faciais associadas a emoções primárias, ou seja, comuns em várias culturas: surpresa, raiva, tristeza, nojo, medo e felicidade. Para Pinel (2005), a maioria das hipóteses comprova a universalidade das reações físicas corporais expressas na face em resposta às emoções sentidas, que ele chama de feedback facial. Rutledge e Hupka (1985) instruíram sujeitos a adotar um padrão de contração facial enquanto alguém passava slides diante deles. Os sujeitos se sentiram mais ou menos felizes de acordo com o que foi instruído diante de determinado slide e disseram que a emoção sentida correspondia à expressão facial proposta; aqui, tem-se um exemplo de experimento de feedback facial. Nos estudos do estresse, as bases neurais das emoções são amplamente estudadas. De acordo com Pinel (2005), o estresse está relacionado, inclusive, com o desenvolvimento de úlceras gástricas, lesões dolorosas no revestimento do estômago e do duodeno que, em casos extremos, podem ser fatais. Hans Selye (1950) foi o primeiro pesquisador a descrever a resposta de estresse, reconhecendo sua natureza dual: a curto prazo, produz mudanças adaptati- vas para que o animal possa responder ao estressor; porém, a longo prazo, produz mudanças mal-adaptativas, como o aumento das glândulas suprar- renais (PINEL, 2005). Ele também associou a resposta de estresse à ativação do sistema córtex suprarrenal-adeno-hipófise, concluindo que as emoções estimulam a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), que, por sua vez, desencadeia a liberação de glicocorticoides do córtex suprarrenal. No entanto, Selye (1950) ignorou as contribuições do sistema nervoso sim- pático, que também é ativado pelos estressores, aumentando a quantidade de epinefrina e norepinefrina liberadas pela medula suprarrenal. Assim, os estudos atuais consideram os dois sistemas, pois o indivíduo adota estratégias diversas para enfrentar o agente estressor. Portanto, pode-se afirmar que as bases neurais das emoções estão rela- cionadas com um complexo sistema de emoções. A seguir, confira as principais Bases biológicas da emoção 9 emoções desse sistema, de acordo com pesquisas de Esperidião-Antonio et al. (2008), Barreto e Silva (2010) e Miguel (2015). Sistema de prazer e recompensa Nesse sistema, as emoções mais primitivas e bem-estudadas pelos neurofi- siologistas são consideradas para estabelecer relações com o funcionamento cerebral (prazer, satisfação, desgosto, aversão). Essas emoções estão carac- terizadas em circuitos encefálicos específicos: no “centro de recompensa”, relacionado ao feixe prosencefálico medial, aos núcleos lateral e ventromedial do hipotálamo, que estão conectados com o septo, a amígdala, algumas áreas do tálamo e os gânglios da base; e no “centro de punição”, localizado na área cinzenta central que rodeia o aqueduto cerebral de Sylvius, no mesencéfalo, estendendo-se às zonas periventriculares do hipotálamo e do tálamo, à amígdala e ao hipocampo, bem como às porções mediais do hipotálamo e às porções laterais da área tegmental do mesencéfalo. Para alguns pesquisadores, a sensação de prazer pode ser distinguida pelas expressões faciais e atitudes do animal após a sua exposição a um estímulo hedônico (de prazer) mesmo em indivíduos anencefálicos, o que sugere que o centro de recompensa estende até o tronco cerebral. Acredita-se que emissões aferentes do núcleo accumbens em direção ao hipotálamo lateral e ventral, ao globo pálido e às estruturas conectadas nessa mesma região cerebral estejam envolvidas nos circuitos cerebrais do prazer. Em experimentos com ratos, observou-se que estímulos na área septal acarretavam deflagração recorrente do estímulo, indicando uma correlação com o desencadeamento de prazer. Estudos posteriores com símios demonstraram a participação do feixe prosencefálico medial nos estímulos apetitivos, sendo possível caracterizar uma expectativa de prazer. Alegria A base da alegria está na indução ou resposta à identificação de expressões faciais de felicidade, à visualização de imagens agradáveis e/ou à indução de recordações de felicidade, prazer sexual e estimulação competitiva bem- -sucedida, que provocam a ativação dos gânglios basais, incluindo o estriado ventral e o putâmen. Além disso, os gânglios basais recebem uma rica iner- vação de neurônios dopaminérgicos do sistema mesolímbico, intimamente relacionado com a geração do prazer, e do sistema dopaminérgico do núcleo estriado ventral. A dopamina age de modo independente, utilizando receptores Bases biológicas da emoção10 opioides e gabaérgicos no estriado ventral, na amígdala e no córtex orbito- frontal, estando relacionada a estados afetivos (prazer sensorial). Outros neuropeptídeos estão envolvidos na geração da sensação de satisfação por meio de mecanismos homeostáticos. Descrições neuroanatômicas de lesões das vias cerebropontocerebelares em indivíduos com riso e choro patológicos sugerem que o cerebelo seja uma estrutura envolvida na associação entre a execução do riso e do choro e o contexto cognitivo e situacional em questão. Quando essa estrutura está lesionada, há transição incompleta das informações, provocando compor- tamento inadequado ao contexto. Medo Já falamos um pouco sobre o medo quando tratamos das relações entre amígdala e hipotálamo associadas às sensações de medo e raiva. A amígdala é responsável pela detecção, geração e manutenção das emoções relaciona- das com medo, pelo reconhecimento de expressões faciais de medo e pela coordenação de respostas apropriadas à ameaça ou perigo. Uma lesão na amígdala em seres humanos produz redução da emotividade e da capacidade de reconhecer o medo. Em contrapartida, a estimulação da amígdala pode levar a um estado de vigilância ou atenção aumentado, com presença de ansiedade e medo. Desde as descrições iniciais do sistema límbico, acreditava-se que o hipo- tálamo exercia um papel crucial entre as estruturassubcorticais envolvidas no processamento das emoções. Contudo, atualmente, se reconhece que projeções da amígdala para o córtex contribuem para o reconhecimento da vivência do medo e de outros aspectos cognitivos do processo emocional. Assim, a amígdala é uma estrutura que exerce ligação essencial entre as áreas do córtex cerebral, recebendo informações de todos os sistemas sensoriais e permitindo a integração das informações provenientes das diversas áreas cerebrais por meio de conexões excitatórias e inibitórias a partir de vias corticais e subcorticais. Os núcleos basolaterais, as principais portas de entrada da amígdala, recebem informações sensoriais e auditivas. Já a via amigdalofugal ventral e a estria terminal estabelecem conexão com o hipotálamo, permitindo o desencadeamento do medo. A estria terminal está relacionada com a liberação dos hormônios de estresse das glândulas hipófise e suprarrenal durante o condicionamento. Para o aprendizado do condicionamento do medo, as vias que transmitem a informação do estímulo convergem no núcleo lateral da Bases biológicas da emoção 11 amígdala, de onde parte a informação para o núcleo central, que, por sua vez, estabelece conexão com o hipotálamo e a substância cinzenta periaquedutal no tronco cefálico, evocando, por fim, respostas motoras somáticas. Raiva Uma das primeiras estruturas associadas à raiva foi o hipotálamo, em decor- rência de estudos realizados na década de 1920 que descreveram manifes- tações de raiva em situações não condizentes após a revisão, ou seja, após a estimulação dessas vias na substância cinzenta periaquedutal. De modo concomitante, após o processamento de todas as informações, o córtex motor (áreas frontais) comanda a ativação de vias corticobulbares na me- dula (núcleos primários dos pares cranianos V, VII, IX, X e XI), que ativam os componentes somatomotor (músculos da face e da cabeça) e visceromotor (coração, árvore brônquica) dos mecanismos fisiológicos para o contato social. Em contrapartida, toda vez que a pessoa percebe algo “ameaçador”, a amígdala pode desencadear estímulos excitatórios sobre a região lateral e dorsolateral da substância cinzenta periaquedutal, estimulando as vias do trato piramidal, produzindo, assim, respostas de luta ou fuga. Além disso, há casos em que a pessoa paralisa, devido à estimulação da região ventrolateral ao aqueduto cerebral de Sylvius, que também estimula as vias neurais do trato corticoespinal lateral (piramidal). É importante ressaltar que essas reações ocorrem paralelamente a uma resposta autonômica simpática. Em situações de luta ou fuga, ocorre elevação da frequência cardíaca e da pressão arterial. Já nas situações de imobilização, ocorre intensa bradicardia e queda da pressão arterial. Exames de tomografia por emissão de pósitrons (PET) podem levar à conclusão de que o hipotálamo posterior está envolvido com a expressão de raiva e agressividade, ao passo que o telencéfalo está envolvido com os efeitos inibitórios desse comporta- mento. Conforme Barreto e Silva (2010, p. 391): No século XX, Flynn (1960) identificou que esses comportamentos agressivos eram provocados pela estimulação de áreas específicas do hipotálamo localizadas no hipotálamo lateral e medial, respectivamente. A raiva, assim como o medo, é uma emoção relacionada às funções da amígdala, em decorrência de conexões com o hipotálamo e outras estruturas. Bases biológicas da emoção12 Tristeza A tristeza e a depressão podem ser vistas como o mesmo processo, em que a primeira é considerada “fisiológica”, e a segunda, “patológica”, porém ambas estão relacionadas em termos neurofisiológicos. É cada vez mais frequente a descrição da correlação entre disfunções emocionais e prejuízos das funções neurocognitivas. De fato, a depressão está associada a déficits em regiões límbicas, e fatores emocionais relacionados com determinantes biológicos podem alterar o sistema imunológico. Estudos recentes demonstraram que a realização de atividades que evocam esse sentimento está relacionada com a ativação de áreas centrais, como giros occipitais inferior e medial, giro fusiforme, giro lingual, giros temporais posteromedial e superior e amíg- dala dorsal, ressaltando-se, também, a participação do córtex pré-frontal dorsomedial. Reações de luta ou fuga A conexão direta entre hipotálamo e SNA se dá, possivelmente, mediante projeções hipotalâmicas para regiões do tronco encefálico, destacando-se o núcleo do trato solitário. Além dessas vias eferentes, o nervo craniano vago, o décimo par craniano (X) e um dos principais elementos do SNA (da porção parassimpática), representa um importante componente aferente, uma vez que ativa áreas cerebrais superiores, cujas projeções ascendem ao prosen- céfalo através do núcleo parabraquial e do locus ceruleus, conectando-se diretamente com todos os níveis do prosencéfalo (hipotálamo, amígdala e regiões talâmicas que controlam a ínsula e o córtex orbitofrontal e pré-frontal). O SNA está diretamente envolvido nas denominadas “situações de luta ou fuga” e imobilização. Tais ocorrências estão intrinsecamente relacionadas com um mecanismo de neurocepção, que caracteriza a capacidade de o indivíduo agir conforme a sua percepção de segurança ou ameaça no meio em que se encontra. Essa percepção pode ser dada, por exemplo, pelo tom de voz ou pelos movimentos e pelas expressões faciais da pessoa ou do animal com quem ele interage. Toda vez que o indivíduo percebe o meio como “seguro”, ele dispõe de mecanismos inibitórios que atuam sobre as estruturas límbicas, controlando os comportamentos de luta ou fuga, como as regiões lateral e dorsomedial da substância cinzenta periaquedutal, de forma que a amígdala não exerce seu papel normal. Ambos — o SNA e a amígdala — contribuem para a tomada de decisões, apesar de utilizarem mecanismos distintos. Embora a amígdala não estabeleça conexão direta com o córtex pré-frontal lateral, Bases biológicas da emoção 13 ela se comunica com o córtex cingulado anterior e o córtex orbital, os quais estão envolvidos nos circuitos da memória. Isso torna possível que a amíg- dala participe na modulação da memória e na integração de informações emocionais e cognitivas, possivelmente atribuindo-lhes carga emocional, o que possibilita a transformação de experiências subjetivas em experiências emocionais. Outra estrutura importante na integração emoção/razão é a ínsula, que é ativada durante a indução de recordações de momentos vividos por um indivíduo, que provocam uma sensação específica, seja de felicidade, tristeza, prazer ou raiva. Com base no exposto até aqui, é possível considerar que a função básica das emoções seja a tomada de decisões, ou que o comportamento está associado ao estado emocional ao vivenciarmos determinadas situações cotidianas, desencadeando respostas motoras e autonômicas. As respostas autonômicas são diretamente influenciadas pelo hipotálamo, que, por sua vez, age mediante o processamento de todas as informações que chegam ao cérebro. James-Lange e a experiência visceral das emoções A teoria de James-Lange, uma das primeiras propostas de estudo sobre a natureza das emoções, acredita que as reações viscerais são equivalentes às emoções (FELDMAN, 2015). A teoria foi desenvolvida por William James (1842–1910) e influenciada pelas pesquisas da natureza das emoções do médico dinamarquês Carl Lange (1834–1900), motivo pelo qual a teoria ficou conhecida como teoria das emoções de James-Lange (JAMES, 1967). Nessa vertente, acreditava-se que cada emoção que apresentamos está acompa- nhada de uma reação fisiológica visceral, e é a experiência visceral que nos leva a nomear a experiência emocional; ou seja, as experiências emocionais são interpretações cerebrais das emoções. Para exemplificar essa concepção, Feldman (2015, p. 318) cita uma frase famosa de James (1890): “[...] sentimos tristeza porque choramos, raiva porque atacamos, medo porque trememos”.Segundo o autor, a teoria de James-Lange se baseia na “[...] crença de que a experiência emocional é uma reação a eventos corporais que ocorrem como resultado de uma situação externa” (FELDMAN, 2015, p. 318). A partir daí, pode-se reconhecer que a teoria de James-Lange defende a primazia dos eventos corporais que foram estimulados por alguma situação no meio externo, chamados de emoções e sentimentos. Bases biológicas da emoção14 Willian James tinha formação em medicina, porém tornou-se professor das cadeiras de filosofia e de psicologia, pois a psicologia crescia muito à época, tornando-se uma ciência propriamente dita. A proposta de James é funcionalista, porém há controvérsias entre pesquisadores atuais, pois alguns acreditam que a sua frase foi incompreendida com relação à influência das bases biológicas sobre o comportamento e as emoções. Contudo, algumas limitações da teoria de James-Lange foram apontadas. Segundo Feldman (2015), na prática científica, já foi experenciado que algumas emoções parecem emergir automaticamente, de modo imediato, antes mesmo que as reações corporais ocorram. O autor afirma, ainda, que as mudanças viscerais ocorrem, porém por si só não são suficientes para produzir uma emoção. Os órgãos internos produzem sensações, e muitas emoções estão associadas a tipos semelhantes de alterações fisiológicas. Atualmente, a neurociência da emoção está voltada para as pesquisas que apontam que as respostas fisiológicas associadas às emoções são diferenciadas, pois apresentam padrões específicos de excitação biológica. Feldman (2015) apresenta os conceitos da teoria de James-Lange em con- traponto com outras duas teorias: a de Cannon-Bard (1927) e a de Schachter- -Singer (1962), conforme a Figura 3. Figura 3. Modelos de três teorias das emoções. Fonte: Adaptada de Feldman (2015). Para Feldman (2015), a teoria de Cannon-Bard (1927) oferece uma visão alternativa à de James-Lange, rejeitando a ideia de que uma excitação fisio- lógica isolada define ou leva à percepção de uma emoção. Tal definição se Bases biológicas da emoção 15 baseia na hipótese de que o tálamo está associado à resposta emocional, porém pesquisas recentes demonstraram que o campo neural de base para essa emoção é o hipotálamo e o sistema límbico. Essa confusão conceitual abriu caminho para a teoria de Schachter-Singer (1962), que defende que as emoções são determinadas por um tipo específico de excitação fisiológica, e sua interpretação, em conjunto com as situações ambientais, apoia uma visão cognitiva das emoções. Conforme Pinel (2005), a teoria de James-Lange defende que os estímulos sensoriais que induzem as emoções são interpretados pelo córtex cerebral, produzindo mudanças nos órgãos viscerais, devido ao SNA, com a reação expressa pelo sistema nervoso somático através dos músculos esqueléticos. Dessa forma, são esses sistemas que desencadeiam as emoções no cérebro. Portanto, a teoria de James-Lange afirma que a atividade autônoma e o de- sencadeamento de um comportamento pela reatividade emocional visceral (interna), como aceleração dos batimentos cardíacos e comportamento de fuga, produzem o sentimento da emoção. Em contrapartida, a teoria de Cannon-Bard (1927) defende que a experiência emocional e os estímulos emocionais são processos paralelos sem relação causal direta entre eles, ou seja, a experiência emocional é independente dos estímulos (PINEL, 2005). Feldman (2015) ressalta que, apesar das inovações desses modelos e das restrições feitas a eles devido aos recursos tecnológicos disponíveis na época, perspectivas contemporâneas das ciências do comportamento apontam para um retorno e para a revisão das teorias anteriores, devido à confirmação de que as respostas fisiológicas das emoções são indiferenciadas e de que padrões específicos de excitação têm uma resposta pessoalizada. Segundo o autor, o estudo das emoções é tão controverso porque não é um fenômeno simples, uma vez que está associado a outros fenômenos mentais, como motivação, cognição, memória, percepção e linguagem. Por isso, as emoções são tema de estudos e pesquisas de diversas correntes psicológicas. De acordo com Miguel (2015), muitas teorias criticaram o modelo de James- -Lange após 1960, entre elas a de Cannon (1927), considerando que: as emoções distintas têm reações viscerais semelhantes (FELDMAN, 2015); pessoas com paralisias apresentam experiência emocional subjetiva (LOWE; CAROL, 1985 apud MIGUEL, 2015); e estados emocionais podem ser gerados apenas por meio do pensamento, sem realmente uma ação no plano físico (MAYER; SALOVEY, 1999 apud MIGUEL, 2015). Dessa forma, a teoria de James-Lange não é mais aceita como formulada originalmente, tendo sido adaptada e incorporada a novas contribuições e modelos teóricos. Confira, a seguir, as abordagens Bases biológicas da emoção16 psicoevolucionistas, cognitivas e sociais como disciplinas que reformularam o modelo de pesquisa sobre a natureza das emoções (FELDMAN, 2015). Teorias evolucionistas ou psicoevolucionistas Essas teorias propõem que os estados emocionais são reflexo da evolução das espécies, como se fossem respostas adaptativas a situações enfrentadas diante do meio em que as espécies vivem. As teorias evolucionistas ou psico- evolucionistas se baseiam na teoria de A origem das espécies, publicada por Darwin em 1859, e consideram que existem expressões, principalmente faciais, que são inatas, sobretudo em seres humanos e nos grandes primatas. Em praticamente todas as culturas, a alegria é expressa com sorriso, e a tristeza, com choro, sejam as pessoas cegas de nascença ou não; por isso, considera-se como algo inato, pois não é aprendido. A partir dessa teoria, considerou-se a existência de emoções básicas ou primárias, conforme visto anteriormente. Supõe-se que as emoções humanas teriam evoluído de um conjunto finito de estados emocionais com funcionalidade e expressão particular. Segundo os autores dessa teoria (EKMAN; LEVENSON; FRIESEN, 1983; PLUTCHIK, 2002; etc.), indivíduos que, ao longo da evolução, conseguiram comunicar a presença de ameaça ao resto do grupo, permitindo preparo ou fuga, apresentaram uma vantagem evolutiva e foram selecionados, diante de uma emoção que hoje denominamos medo. Teorias cognitivistas Apesar de não discordarem totalmente da origem evolutiva das emoções e não negarem as influências das experiências viscerais das emoções de James- -Lange, as teorias cognitivistas destacam que o indivíduo avalia a situação para expressar a sua emoção. A avaliação é considerada uma atividade cognitiva, da qual pode-se ter consciência ou não, e ocorre de forma muito rápida (ATKINSON; ADOLPHS, 2005; SCHACHTER; SINGER, 1962). Assim, se um indivíduo recebe a notícia de sua demissão do emprego, ele pode tentar entender a situação de várias formas, mas pode não estar preparado e sentir-se triste por ter falhado, ou com raiva por ter sido injustiçado, por exemplo. Teorias sociais Na maioria das teorias sociais, descarta-se a influência dos aspectos bioló- gicos, mas não se negam os aspectos cognitivos da emoção. O valor social Bases biológicas da emoção 17 da emoção é construído pela cultura, ao mesmo tempo que a influencia e altera. Acredita-se que, nas interações sociais, as pessoas estão sempre avaliando e interpretando suas próprias reações emocionais e as dos outros, com frequência de maneira não consciente. Autores desse campo, como Niedenthal, Krauth-Gruber e Ric (2006) e Strongman (2003), por exemplo, consideram que os efeitos da cultura estariam presentes em diversas áreas da vivência emocional. Por exemplo, um sujeito insatisfeito devido a pressão social, falta de emprego, falta de valorização do seu trabalho e muitas contas a pagar poderia acabar participando de uma briga de trânsito e apresentar reações muito agressivas, em decorrência de suas vivências de frustrações, como perda de sua autonomia e bem-estar. Vários estudos confirmaram a incidênciada influência cultural nas emo- ções. Blais et al. (2008) perceberam que culturas diferentes focam regiões distintas do rosto para reconhecer a expressão emocional. Já Scollon et al. (2004) compararam expressões e vivências de povos descendentes de europeus, asiáticos, indianos e hispânicos, que são diferentes, pois esses povos têm formas distintas de compartilhar as emoções. Na vertente social, as expressões corporais não são diretamente associadas à experiência sub- jetiva, pois a pessoa pode controlar uma reação corporal de acordo com o ambiente ou a situação em que ela ocorre. Vygotsky (1896–1934) foi um importante psicólogo e teórico da ver- tente social. Ele escreveu o livro intitulado A teoria das emoções (1998), sendo considerado o pioneiro nos estudos sobre o desenvolvimento intelectual das crianças em função das interações sociais e das condições de vida. Embora não tenha alcançado o seu objetivo de produzir uma teoria materialista-dialética das emoções, Vigotsky inovou ao buscar integrar arte, ética e ciência em sua análise. Para saber mais sobre o trabalho crítico de Vigotsky, leia a análise de Costa e Pacual (2012), intitulada “Análise sobre as emoções no livro Teoria de las Emociones (Vigotski)”. Para concluir, a teoria funcionalista de James (1994) sobre os aspectos viscerais (biológicos) e sua influência sobre as expressões das emoções tem fundamentos e pode ser comprovada como muitas outras (FELDMAN, 2015). Como pioneira nos estudos das emoções e como corrente antagônica ao estruturalismo, essa teoria serviu de modelo para as demais teorias e os estudos acerca da natureza das emoções e dos comportamentos emocionais. Vale ressaltar que as emoções são fenômenos complexos que estão in- terligados a muitos outros processos mentais, principalmente cognitivos, Bases biológicas da emoção18 motivacionais e de linguagem. Sendo assim, é importante, para fins de estudo, aprofundar os conhecimentos tanto dos aspectos relacionados com as bases neurológicas que influenciam as reações emocionais quanto dos estímulos do meio. Além disso, deve-se conhecer os aspectos universais das expres- sões das emoções, como as faciais e as não verbais, que não se resumem a demonstrações no rosto, uma vez que abrangem gestos, pausas e silêncios, e os aspectos culturais e sociais, que influenciam muito a personalidade e a subjetividade de cada indivíduo. Portanto, como visto, a integração de discipli- nas e conhecimentos amplia as descobertas e possibilita o desenvolvimento de novas teorias e tecnologias para descrever e compreender os fenômenos neurais e os comportamentos. Referências ATKINSON, A. P.; ADOLPHS, R. Visual emotion perception: mechanisms and processes. In: BARRETT, L. F.; NIEDENTHAL, P. M.; WINKIELMAN, P. (ed.). Emotion and consciousness. New York: Guilford, 2005. p. 150-182. BARRETO, J. E. F.; SILVA, L. P. Sistema límbico e as emoções: uma revisão anatômica. Revista Neurociências, v. 18, n. 3, p. 386–394, 2010. Disponível em: https://periodicos. unifesp.br/index.php/neurociencias/article/view/8466/6000. Acesso em: 25 ago. 2021. BLAIS, C. et al. Culture shapes how we look at faces. PLoS One, v. 3, n. 8, não paginado, Aug. 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0003022. Acesso em: 25 ago. 2021. BROCA, P. Sur la circonvolution limbique et la scissure limbique. 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