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ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! PROFESSORA Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori Cenários Econômicos NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R. dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie M.Vilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S. de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C. da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G. Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A. Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R. Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. IORI, Carla Fabiana de Andrade Gonçalves. Cenários Econômicos. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori. Maringá - PR.: UniCesumar, 2021. Reimpresso em 2023 256 p. “Graduação - EaD”. 1. Cenários 2. Econômicos. 3. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 330.981 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-65-5615-365-0 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Coordenador(a) de Conteúdo Juliana Moraes da Silva Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Lucas Pinna Silveira Lima Design Educacional Jociane Karise Benedett Rossana Costa Giani Revisão Textual Érica Fernanda Ortega Sarah Cocato Ilustração André Azevedo Bruno Cesar Pardinho Fotos Shutterstock FICHA CATALOGRÁFICA Neste mundo globalizado e dinâmico, nós traba- lhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer educação de quali- dade, como, acima de tudo, gerar a conversão integral das pessoas ao conhecimento. Basea- mo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, te- mos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais (Ma- ringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e em mais de 500 polos de educação a distância espa- lhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenas de cursos de gradua- ção e pós-graduação. Por ano, produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 por sete anos consecutivos e estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos edu- cadores soluções inteligentes para as necessida- des de todos. Para continuar relevante, a institui- ção de educação precisa ter, pelo menos, três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodolo- gias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa missão, que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. BOAS-VINDAS MEU CURRÍCULO MINHA HISTÓRIA Aqui você pode conhecer um pouco mais sobre mim, além das informações do meu currículo. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori Meu nome é Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori. O nome é comprido pois sou casada e não renunciei ao nome de solteira, tampouco a ganhar mais um nome. Aos dezoito anos, meus dias se resumiam a trabalhar, de dia, em uma reconhecida instituição financeira e, a noite, cur- sar Ciências Econômicas. Eu me formei, fiz especialização e sonhava em ampliar meus conhecimentos dando aulas e ministrando palestras, assim canalizaria minha ener- gia ao me comunicar, pois acredito que o mundo se tor- naria melhor se soubéssemos nos comunicar com mais qualidade. Antes mesmo da colação de grau, surgiu uma proposta de aulas para cursos técnicos. Lá fui eu, feliz e contente. Realizada já aos vinte e poucos anos, trabalhan- do no banco, estudando e dando aulas. Uma hora, a vida me cobrou para avançar com projetos pessoais, no caso, a maternidade, e não seria razoável levar dois trabalhos. Decidi pela área acadêmica. Chorei… E, no dia em que me demiti, já começaram as aulas do mestrado. De lá para cá, muitos cursos, eventos, muitas orientações de monogra- fia e escrita de livros. O que me move é ser mãe de duas filhas lindas, estar casada com um marido parceiro que amo, ver meus irmãos e pais por perto, saudáveis e na luta diária. Além dessas relações com pessoas que amo, divido meus dias entre os muitos livros, preparação de aulas e materiais para ensinar Economia, planto e adubo minhas samambaias e suculentas, educo e brinco com crianças felizes, cuido das tarefas domésticas, sou filha, sou irmã e tenho amigos. Sou uma mulher, mãe, profis- sional em construção! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6799 https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6477 INICIAIS PROVOCAÇÕES O primeiro dia de trabalho, o primeiro beijo, o primeiro namorado, o primeiro filho... Começar alguma coisa é sempre um desafio. É impossível saber o que vai acontecer a partir da experiência singular do indivíduo. Gosto de imaginar que você, cara aluna, estimado aluno, está sentindo algo diferente ao começar essa caminhada de conheci- mento intitulada Cenários Econômicos. A abordagem voltada à Economia pode sugerir que falaremos de dinheiro. Este é um símbolo daquilo que outras pessoas devem a você ou daquilo que você reivindica como seu direito a determinadas quantidades dos recursos da sociedade. A força da indústria financeira, na atualidade, faz muita gente crer que Economia equivale a uma pequena parte dela, que é a Economia Financeira. Então, já dei uma dica: não é puramente de dinheiro que falaremos. O que você imagina encontrar nesse curso? Neste material? Quais são suas expectativas de aprendizado? Como a economia pode te ajudar na tomada de decisões? O tema Cenários Econômicos se revela uma ferramenta para a tomada de de- cisões. Você verá que o termo cenários remete à noção de “abrigo”. A proposta de aprendizado, então, é que a deliberação por parte do gestor, ou profissional espe- cífico, esteja sob a égide do conhecimento econômico. E se justifica de forma mais evidenciada com os acontecimentos mundiais dos últimos tempos, em que a opaci- dade econômica permeia a visão global. Sabe-se que as relações de trabalho estão pautadas pelo tempo da tecnologia, e que este é cada vez mais veloz e milimetricamente mensurado, impactando a dinâmi- ca econômica e, por conseguinte, exigindo agilidade e sensibilidade amparadas pelo conhecimento. Por fim, são exercícios de imaginação, histórias de “futuros possíveis”, ainda que incertos, e precisam ser analisados e reformulados, gerando reflexões que visam dar robustez à decisão. Gosto de pensar o início de uma disciplina como uma viagem. Ao imaginar um pas- seio, por exemplo, é bastante razoável passar por uma série de etapas até concretizar a experiência. Quer descansar? Quer aventura? É um passeio romântico? Definido o “tema” da viagem, escolhe-se o lugar, verifica-se o que tem porperto para visitar, quais pontos específicos. Enfim... Busca-se aproveitar ao máximo, afinal de contas, não po- demos perder o caro tempo que temos em passeios chatos e desnecessários. Agora, CENÁRIOS ECONÔMICOS INICIAIS PROVOCAÇÕES você está prestes a iniciar uma longa viagem. O tema não é próximo de um passeio romântico, o local da nossa jornada é a sociedade, e o nosso guia será a Economia. É preciso muita intrepidez para empreender a jornada do conhecimento acerca das questões relacionadas à sociedade, como emprego, Produto Interno Bruto, inflação, crescimento e desenvolvimento econômico. Essa busca possibilitará refletir sobre “fu- turos possíveis”, imaginados sem objetivos preditivos, mas que procuram determinar as fronteiras do razoável, ou seja, daquilo que parece verossímil para o futuro do am- biente de negócios, dado o conhecimento que temos no presente. Foi com os gregos que se estabeleceram as bases de muitos conceitos que, hoje, adotamos e continuamos a reproduzir. Para que possamos entender essa nossa jorna- da de aprendizado, é relevante saber que cenários são um desses conceitos que remon- ta ao mundo grego. É que a Skené, na estrutura espacial do teatro grego, representava uma cabana de madeira onde os atores se preparavam. Evoluiu para o latim scena, e chegamos à palavra italiana scenàrio. Portanto, cenários econômicos são um tema a ser refletido, no contexto da gestão, no mundo dos negócios ou das finanças, como um “abrigo”, ainda que temporário, para a tomada de decisão. É um pano de fundo para esse grande espetáculo que é a atividade econômica, que, dia após dia, entra em cena. Ela é dinâmica e, cada dia mais, renova-se, à medida em que a tecnologia entrega à sociedade novas formas de se relacionar. Para tanto, conhecimentos que perpassam a noção de crescimento e desenvolvimento econômico, os instrumentos de políticas econômicas, como a Política Monetária, Política Fiscal, Política Cambial, e o papel do Estado nas sociedades são paradas obrigatórias nessa jornada do conhecimento. O conhecimento sobre Economia será um suporte para você responder perguntas importantes que serão feitas enquanto exercício de cenarização: • O que pode dar errado? • E se estivermos todos enganados quanto ao futuro do ambiente empresarial? • O que pode surgir de novo? • E se alguém começar a fazer algo diferente? A atitude a partir dessas respostas é elaborar cenários alternativos, cenários de ruptura, paralelos aos cenários-base e que servem para mensurar, de forma mais clara, os riscos das decisões tomadas. Exercícios assim explicitam verdades incômodas. É improvável que alguma empresa ou profissional queira estar pior no futuro em comparação ao momento atual. Portanto, ao procurar antever o ambiente no qual es- taremos inseridos no futuro, também é preciso questionar sobre o que precisaremos ter ou fazer para atingir nossa posição desejada no futuro em diferentes cenários. IMERSÃO RECURSOS DE Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store Ao longo do livro, você será convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 11 61 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 POLÍTICA MONETÁRIA E A QUESTÃO INFLACIONÁRIA 113 POLÍTICA FISCAL E A ECONOMIA 3 4 159 ECONOMIA INTERNACIONAL E CRESCIMENTO DOS PAÍSES 5 207 O PAPEL DA REGULAÇÃO DO ESTADO 1Crescimento e Desenvolvimento Econômico Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori Oportunidades de aprendizagem: Um bom ponto de partida para o nosso trabalho é pensar que economia é um sistema formado por pessoas, portanto, mesmo a teoria é uma construção social. Dessa forma, você será apresentado ao conceito de sistema econômico e à noção da sua organicidade. E, por ser assim, vai além da noção intuitiva de dinheiro propriamente, sen- do este um mero símbolo, uma medida, um aspecto numérico para os agentes econômicos. Nossa análise perpassará a relação de quantitativo e qualitativo. Para tal, é preciso trilhar uma jornada histórica para resgatar uma perspectiva interpretativa que contribuirá no processo de tomada de decisões nos mais diversos cenários econômicos. Vamos compreender que definir e medir conceitos em economia não pode ser um exercício objetivo da mesma maneira como é na física ou na química. A diferenciação entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico constitui um conteúdo que trará subsídios para o entendimento de que a análise quantitativa como PIB e renda deve ser analisada à luz dos indicadores de desenvolvimento (qualitativo). É nessa abordagem, enquanto um sistema orgânico, em que diversos atores eco- nômicos sejam empresas, governos consumidores, famílias, investidores estão entrelaçados. Ao assumir posicionamentos diante de conjunturas adversas, você estará mais preparado para decidir em um ambiente dinâmico, no qual o próprio pensamento econômico está em constante fluxo, sujeito às interações e mudanças, próprias de um ambiente disruptivo. UNIDADE 1 12 No último trimestre de 2019, eu me peguei pensando sobre importantes decisões que precisava efetuar para possibilitar um melhor desempenho no processo de alfabetização da minha filha mais velha, uma socialização mais interessante para a caçula e, quanto a mim, era necessário cumprir o projeto de um novo espaço de trabalho para escrever, preparar aulas e empreender, enfim, executar projetos que já estavam pipocando na minha mente para acontecerem. Um pouco insegura de algumas decisões, resolvi conversar com uma amiga. Amizade bonita que começou a partir das nossas filhas no ambiente escolar, as pequenas estudavam juntas desde os três anos de idade. Ao me aconselhar com ela sobre uma possi- bilidade de transferência de escola, ela não só concordou que era uma decisão importante, como também transferiu a filha de escola. Assim, eu também mudei minhas meninas para uma nova proposta pedagógica. Esta sugeria ser mais con- sistente com relação ao conteúdo que considero que Alice Maria (a primogênita) deveria melhorar. Ela tinha que ter uma forma de aprendizado mais apropriada para a forma dela ser. Alice queria participar do curso de robótica, este, porém, esperaria um pouco mais. A Helena Maria poderia conhecer novos amigos e socializar de uma forma diferente, tendo em vista que ela é mais tímida e, por assim dizer, demora mais para construir relações. Acertei com a madrinha da Alice para me ajudar com o processo de cuidar delas na parte da manhã, e uma senhora conhecida para me ajudar parcialmente com as tarefas domésticas.Meu marido, e pai das meninas, apesar de trabalhar bastante, também tinha comprado a ideia de fazer do novo ano um tempo de trabalhar com mais concentração e dedicação para o mundo do conhecimento. Aluguei uma sala para trabalhar a UNICESUMAR 13 partir de dezembro de 2019, em fevereiro começaram as aulas das meninas e também comprei uma agenda (além da virtual) para desenhar o cronograma de 2020. Estava tudo certo para ser o ano da minha decolagem profissional. O cenário parecia perfeito. Aí já era março… pandemia. Para tudo! Pra quê agenda? A Pilha de Areia começava a desmoronar. Conto essa história, entre outros motivos, pois escrever o livro Cenários Eco- nômicos era algo pensado pela professora coordenadora Juliana há tempos idos. No entanto, quis o tempo que eu escrevesse esse material em um tempo abstruso, no mínimo atípico. Sim... a partir do vírus Sars-CoV-2, o coronavírus, tudo, tudo ficou desconfigurado. A saúde, o trabalho, a escola, a vida social… Como tomar as decisões nesse novo ambiente? Agora eu te convido a refletir comigo… e para você, caro(a) aluno(a), sentiu seus planos para o ano de 2020 serem abalados pelo cenário mundial? A opacidade dessa dimensão temporal é intrínseca à economia real. A com- preensão dos cenários econômicos passa por uma reestruturação nesse sentido. Em março do ano que cravou seus “pés na calçada da fama”, foi bem interessante no que se refere à elaboração de cenários econômicos. Para se ter uma noção de tamanha instabilidade, em termos de mercado financeiro, foram acionados seis vezes(!) o circuit breaker. Isso não aconteceu nem na crise de 2008. O mercado financeiro estava alvoroçado diante da guerra no preço do petróleo e começamos a entender o quadro de pandemia que se desenhava com a disseminação da crise causada pela pandemia do coronavírus. Circuit breaker é um recurso da bolsa de valores que objetiva a proteção para os investidores quando há muitas vendas, ocasionando quedas bruscas nos preços dos ativos negociados. Em outras palavras, é uma estratégia acionada para amortecer e rebalancear as ordens de compra e venda em momentos nos quais elas estão desequilibradas. O mecanismo atua por meio de critérios preestabelecidos, que determinam a paralisação do pregão por um tempo determinado quando a queda do dia atinge certo patamar percentual. Portanto, isso se dá quando o mercado está muito vende- dor, o que geralmente só acontece em períodos de grande incerteza para o país ou mundo como um todo – exatamente o caso da pandemia do Covid-19, em 2020. Assustados ou se antecipando ao provável cenário negativo que vem pela frente, investidores vendem suas ações e, em consequência, os índices começam a cair, o que inicia um efeito dominó. UNIDADE 1 14 É importante incluir aí nesse panorama que a economia mundial já de- monstrava “saúde debilitada” antes da pandemia. O mundo já não crescia eco- nomicamente como antes, considerando Estados Unidos e China dentro das suas peculiaridades. Havia uma guerra comercial patrocinada pelo governo Trump contra a China. As estruturas econômicas olhadas sob o aspecto espacial (geopolítica) também revelavam problemas, basta pensar no Oriente Médio, de modo particular a Síria e o Irã. A virulência e o alcance da doença fizeram reinar, soberana, a incerteza. É fato que economistas pouco entendem de saúde, somos adeptos dos modelos econômicos. E é inegável a importância dessas ferramentas fantásticas que con- tribuíram para o avanço da sociedade em diversas tomadas de decisões. Ao conceber que a economia se relaciona com a saúde (e que a pandemia nos revelou isso de forma muito evidente!) e com tantos outros aspectos que envol- vem nosso cotidiano, eu te pergunto: será que a economia é difícil de entender? Convido você a ler o livro do economista sul-coreano Ha-Joon Chang: Economia: modo de usar. Um guia básico dos principais conceitos econômicos. (2015). Essa leitura ajudará a ampliar seus horizontes. Diante dessa experiência proposta, como você entende o papel da ciência his- tórica enquanto ferramenta para a economia? Como obter a plena compreensão dos fenômenos econômicos contemporâneos? Reflita sobre e escreva sobre sua experiência. Você também pode utilizar o Diário de Bordo. Essa parte é sua para anotar todas as suas primeiras impressões até o momento. DIÁRIO DE BORDO UNICESUMAR 15 Elaborar o conteúdo para tomar decisões diante dos cenários econômicos mais do que nunca requer que saiamos do ambiente de conforto, com as respostas prontas e precisas. É fundamental entender o passado para, a partir dele, dar passagem para o questionamento de princípios que deixaram de valer. O convite, portanto, para pensarmos a problematização de como nos posicionarmos diante da economicidade do dia a dia, perpassa o desacomodar-se e desfrutarmos do prazer de pensar uma narrativa econômica inovadora, que considera os aspectos históricos para entender o presente, só assim decisões mais ajustadas e pontuais têm a chance de serem mais acertadas. Ao olharmos para o Brasil, por exemplo, será fundamental realizar um tra- balho hercúleo de entendimento que transita pelos tempos coloniais. Resgatar o memorável trabalho de Celso Furtado, a Formação Econômica do Brasil, ajuda muito, haja vista que ela nos apresentou, por meio da sua linguagem singular, nossa dependência da economia internacional. Enfim, é uma crise planetária, de proporções nunca vistas, que necessariamente afeta nossa economia, e, como disse o economista Paulo Nogueira Batista Junior, nesses tempos, a “galinha não levantará vôo” (BATISTA JUNIOR, 2020, on-line). Como crescer com desenvolvimento? Analisar cenários econômicos para o século XXI per- passa necessariamente a reflexão sobre o crescimen- to e desenvolvimento das nações. Por sua vez, a análi- se sobre aumento de produtividade junto à qualidade de vida da sociedade situa-se na tênue linha que cos- tura a política e o dinheiro. Mark Hanna, senador nor- te-americano no século XIX, observou que “há duas coisas que são importantes na política. A primeira é o dinheiro, e não consigo me lembrar da segunda” (ATKINSON, 2016, p. 404). Esse pensamento pode se aplicar na atualidade. As políticas voltadas para a me- lhoria de vida da população estão sob a tutela de lide- ranças que se elegem a partir de vultosas quantias de dinheiro. Quer entender essa delicada relação? Ouça esse podcast. Como crescer com desenvolvimento? https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6265 UNIDADE 1 16 Modelos econométricos, como nos ensina a economista Monica de Bolle (2020), servem para entender algumas partes de um problema intrincado, não linear, dinâmico e que comporta uma miríade de dúvidas, questões não respondidas e, possivelmente, outras ainda não formuladas. Essa influente economista dos tempos atuais nos apresenta que, na situação extrema imposta pela pandemia, se ater puramente à modelagem quantitativa é ser incapaz de tomar decisões em um cenário que exige uma economia forçada a pensar de forma criativa. Isso implica em desafios à comunidade científica internacional, bem como aos governos. Em síntese, são tempos estranhos, diante da combinação de um choque importante com magnitude e duração incertas com vulnerabilidades preexistentes, de ordem comercial, geopolítica e financeira. Para tanto, vale considerar que, ao ouvir um conto, uma fábula ou uma lenda, nos é dada a oportunidade de se ver na ação dos personagens. Isso contribui para a construção do conhecimento, da ética, da cidadania e tantos outros elementos fundamentais para vivermos em sociedade e tomarmos as decisões pertinentes à economicidade, que é a abordagem dessa nossa experiência de conhecimento. E por falar em conhecimento, quero aqui compartilhar a primeira forma dele: a tentativa de desvelar respostas para as questões que a natureza impõe: o mito. Adianto que não foi de forma despropositada que me ocorreu essa possibilida- UNICESUMAR 17 de. Trazer um personagemcoadjuvante da mitologia grega foi uma forma interessante que Taleb, o escritor de Arriscando a própria pele – Assimetrias ocultas no cotidiano (2017), encontrou para ensinar sobre o aprendizado tácito: aquele que perpassa a experiência, que não pode ser formalizado. Essa é a história de Anteu, um gigante que vivia na Líbia, filho de Poseidon (um dos deuses do Olimpo), o deus do mar, e de Gaia, a Mãe-Terra, dona de uma potencialidade geradora intensa. Anteu tinha uma es- tranha ocupação, que consistia em obrigar as pessoas que passavam por sua terra a lutar com ele. Sistema- ticamente tais combates terminaram com a morte do adversário. Haja vista que quanto mais o corpo de An- teu tocava a Terra, mas ele renovava seus poderes, as- sim, nunca ficava cansado e o resultado era que nunca perdia uma luta. Era do chão, do contato com sua mãe, que Anteu extraía sua força. Até que apareceu Hércules – filho de Zeus e de Alcmena (uma humana) –, que foi educado nas artes, na filosofia e na ciência. Hércules, ao atravessar a Líbia, em busca dos pomos de ouro do jardim das Hespérides, encontrou o vigoroso Anteu. O herói foi desafiado. Desconhecendo que Anteu ti- rava sua força da Mãe Gaia, lutou bravamente com ele durante muito tempo, mas em vão. Vezes e mais vezes o herói lançou-o contra o chão, e ficava cada vez pior, pois o gigante punha-se de pé num salto. Hércules esta- va intrigado com isso: como era o gigante capaz daque- las súbitas explosões de força quando, um momento antes, tinha estado perto ser derrotado, rastejando na poeira? Então, o herói se lembrou de que seu oponente era filho de Gaia. Agarrou o gigante, levantou-o bem alto no ar e não o deixou tocar na terra. Na luta deses- perada para escapar, todas as suas forças se esgotaram, e o medonho gigante encontrou seu destino. https://mitologiahelenica.wordpress.com/2015/04/22/xi-os-pomos-das-hesperides/ https://mitologiahelenica.wordpress.com/2015/04/22/xi-os-pomos-das-hesperides/ UNIDADE 1 18 Figura 1 - Vitória de Hércules sobre o Gigante Anteu, 11.º Trabalho de Hércules -- fresco na Escadaria Principal do Palácio Quintela, em Lisboa, Portugal / Fonte: Wikimedia Commons (1822, on-line). Descrição da Imagem: a Figura 1 apresenta uma obra de arte em tela, a qual representa Hércules que segura o gigante Anteu de forma suspensa em seus braços, representando a vitória. O gigante demonstra expressão de dor. Ambos estão no centro da imagem. UNICESUMAR 19 O que podemos aprender com essa vinheta gráfica? Dois pontos importantes podemos aqui refletir: 1. A feliz combinação entre estratégia e força. Hércules conhecia o ponto fraco do seu concorrente. É de extrema importância, destarte, sair da in- dividualidade e colocar-se a pensar diante da perspectiva do concorrente, imaginando sua reação e, a partir daí, tomar uma decisão. O uso da força por si só pode ser pouco. Portanto, é importante olhar para o todo, fazer o exercício de sair de si e, buscando essa neutralidade, tomar uma decisão. 2. Uma segunda lição é que não se pode separar o conhecimento do contato com o chão. É preciso ter essa proximidade. Vale trazer a noção de conhecimento tácito, apresentada pelo filósofo Michael Polanyi e va- lidada em 1966 por meio de sua obra The Tacit Dimension (POLANYI, 2009), aquele conhecimento experimentado, difícil de ser passado por meio da linguagem. É preciso ter esse “contato”. Passa pela relação de “tocar o chão”. Por isso a lição é que a realidade concreta perpassa situações difí- ceis. As feridas resultantes de tais experiências orientam a aprendizagem e a descoberta de um mecanismo de sinalização orgânica que os gregos chamavam de pathemata mathemata (“norteie seu aprendizado por meio da dor”, algo que mãe de crianças pequenas, como eu, sabem muito bem). Portanto, como explica Taleb, em grego significa que o aprendizado e a evolução vêm da dor proporcionada pelo corpo, pelo físico, pelo chão, que, se desprezada, leva ao sofrimento, ao óbito, à extinção. No mundo econômico, seja com relação ao contexto corporativo ou até mesmo nos diversos posicionamentos que temos que assumir para fazer a roda da vida girar, a velocidade das informações, a partir da tecnologia, é muito grande. Como consequência, uma infinidade de decisões deve ser tomada para jogarmos o jogo econômico, buscando posição de destaque. Quando quero comprar uma máqui- na para ampliar meu negócio, a decisão de comprar ou alugar um imóvel, com- prar um smartphone na pré-venda, exportar agora ou esperar um pouco mais, são diversas decisões que temos que tomar. E para isso, é fundamental conhecer o panorama que estamos vivenciando, para tal, a importância do conhecimento sobre o contexto econômico que perpassa a sua individualidade. UNIDADE 1 20 Daí nos servimos de Hércules, Anteu, para nos ajudar. Também a canção Divino Maravilhoso, composta por Caetano Veloso, alerta para o fato de que “é preciso estar atento e forte”. Anteu, talvez na segurança que a mãe lhe causava, chamou para a briga alguém que soube combinar conhecimento e força. Acabou mal. Tomar decisões a partir da dinâmica econômica perpassa essa moral. Não há ambiente seguro, isento de riscos. É a jornada do conhecimento, aliada à discipli- na, foco, força de vontade que possibilitará a sensibilidade sobre a influência das forças externas no desempenho das empresas, e até mesmo na nossa individua- lidade econômica. Anteu se colocou em ambiente de conforto tendo suas forças recarregadas pela mãe Gaia. No entanto, a dinâmica da vida socioeconômica, assim como o Jardim das Hespérides, é instável e cheia de aventuras, em especial ao considerarmos os impactos que todos sofremos submetidos a crises globais. Nesse ínterim, é função do profissional, seja ele executivo de alguma organiza- ção, empresário, pesquisador da área, enfim, somos responsáveis em lidar com as variáveis econômicas a partir da análise dos cenários econômicos, de modo a estabelecer as diretrizes que levarão os indivíduos e suas empresas em direção aos seus objetivos estratégicos. Hércules nos inspira pela sua força, mas ao brigar com Anteu, também nos ensina sobre a acuidade em entender a lógica da força do adversário. Ao entender que não era só força, logrou êxito. Entender economia passa pela apreensão de que ela é uma construção social, como a política. Agora… como equilibrar o conhecimento adquirido e o espírito de liderança, de dono de si mesmo, para jogar esse difícil game econômico? PENSANDO JUNTOS Aqui lembro da explicação de Celso Furtado (1959, on-line)1, sobre uma das questões econômicas primordiais: “se você não tem ideias claras e evidentes sobre a economia na sociedade, fica sempre um pouco superficial. Para entender a vida da sociedade é preciso saber como é que se mata a fome, primeiro.” EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR 21 Diante da jornada proposta, conhecedores do delicado momento histórico e econômico precisamos seguir o conselho Furtadiano e buscar o fino ajuste entre conhecimento e sensibilidade, como diz a economista Monica de Bolle (2020), “pois é fácil ceder à falsa impressão de que há leis imutáveis na economia e não perceber as mudanças.” As transformações na economia podem favorecer ou prejudicar a atuação das empresas nos mercados, bem como a geração de empregos e renda. Portanto, um pouco de história vai instrumentalizar nosso trabalho, na nossa aventura do conhecimento. E já que nesta unidade aborda- mos a mitologia, vamos usar um pouquinho mais da ferramenta histórica para uma sucinta compreensão da economia. Por longos milênios, a humanidade se compõe de grupos relativamente pe- quenos, cuja cultura técnica apenas se igualava às culturas dos mais atrasados, “selvagens” contemporâneos, ou nitidamente inferior. As sociedades civilizadas UNIDADE 1 22 e de complexa estrutura, por outro lado, não surgiram como Minerva, da cabe- ça de Júpiter, havendo chegado à sua organização atual por meio de mudanças e progressos, obviamenteexperimentados a partir dessas atrasadas aglomera- ções humanas. Se negligenciássemos o fato de que os grupos eram pequenos e que a sociedade é algo complexo, possivelmente não lograríamos compreender a dinâmica evolutiva dos processos de produção e distribuição das riquezas, cujo conhecimento constitui, precisamente, a visão global do que é a atividade econômica. Há cerca de 10 mil anos, quando os sapiens (nome científico de nossa espécie humana) começaram a dedicar quase todo o seu tempo e esforço para manipular a vida de algumas espécies de plantas e animais, apresentando, dessa forma, uma mudança radical em seu relacionamento com a natureza, temos o que Harari (2015) chama de Revolução Agrícola. Essa transforma- ção impactou totalmente a história da humanidade, pois o homem passa do caráter predatório para produtor. A existência em comunidades estáveis passa a tomar forma em detrimento do nomadismo. Em Rezende Filho (2010), te- mos o nome de Revolução Neolítica. Para nós, o relevante é perceber que foi um ponto de inflexão para a humanidade, de modo que a atividade agrícola, sobretudo, permitiu que o homem diminuísse a atividade braçal e passasse a ter a noção de trabalho coletivo e regular. Paralelamente ao controle das fontes de alimentação que possibilitaram o crescimento demográfico, deu-se a diferenciação social do trabalho que permitiu o desenvolvimento de novas técnicas (cerâmica, tecelagem, fabricação de instrumentos de pedra polida), ligando as comunidades por um sistema de trocas. Estabelece-se, aqui, nosso marco precursor da atividade comercial. Por conta de condições geoclimáticas desfavorecedoras ao desenvolvimento da agricultura, algumas civilizações se voltaram para o exterior diante do objetivo de abastecerem-se, uma vez que não conseguiam produzir em quantidade suficiente. Na intenção de maximizar as vantagens advindas da atividade comercial, as cidades fenícias estabeleciam pontos de armazenamento de produtos localizados no litoral das regiões com as quais comerciavam. Eram as feitorias. Uma dessas, fundada no século IX a.C., deu origem à cidade de Cartago, a qual, conforme Rezende Filho (2010, p. 22), “se transformou na potência econômica dominante do Mediterrâneo ocidental, até ser derrotada por Roma, após longas guerras, em finais do século III a.C”. UNICESUMAR 23 Crise do sistema escravista Instabilidade política Expansão do cristianismo Invasão dos povos germânicos (bárbaros) Com o poder enfraquecido, o Império Romano passa a ser alvo constante de invasões. O sistema de produção era dependente do trabalho escravo. Com a diminuição do número de escravos, a economia em crise. Os cristãos não aceitavam o caráter divino dos imperadores, assim o poder desses governantes era enfraquecido. Crises políticas internas levam ao enfraquecimento do poder e tornam o território vulnerável a invasões. Queda de Roma 476 a.C A queda do Império Romano impulsionou uma nova forma de organização da sociedade: o feudalismo. FEUDALISMO Servo - escravo Sociedade Estamental Economia: - Agrária e voltada à subsistência - Artesanato Igreja Medieval: - As cruzadas: expedições militares e religiosas Política: - Fragmentação do poder - Nobreza proprietária de terras Suserania e vassalagem: - Suserano concede terras e bens em troca de �delidade Figura 2 - A Queda de Roma e o Feudalismo / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a Figura 2 apresenta a partir da Queda do Império Romano que a humanidade vivenciará o período feudal. Temos uma caixa em destaque e esta apresenta o elemento “Queda de Roma 476 a.C.”. Desse quadro, saem quatro setas: a) crise do sistema escravista; b) instabilidade política; c) ex- pansão do cristianismo; e d) invasão dos povos germânicos (bárbaros). Esses elementos caracterizam a configuração do cenário romano que está enfraquecido diante do contexto. A queda de Roma se dá pela invasão dos povos bárbaros, que, por sua vez, fragiliza o império Romano. A crise do sistema escravista se dá a partir do contexto de guerras, que diminui a mão de obra escrava. Esses elementos caracterizam uma instabilidade política, que, por sua vez, leva a crises internas tornando o território ainda mais vulnerável a invasões. Outro elemento fundamental, enquanto explicativo para a queda do Império Romano, foi a expansão do cristianismo, haja vista que os romanos não tinham tradição nessa relação com o Divino. E os cristãos não aceitavam o caráter divino dos imperadores, assim, o poder desses governantes era enfraque- cido. Diante desse panorama, uma nova organização se apresenta: o feudalismo. As relações de trabalho não vão mais se sustentar, aí, em base escravocrata, e sim na mão de obra servil, na qual o servo é diferente do escravo. Dá-se uma relação de suserano e vassalo, na qual o primeiro concede terras ao segundo em troca de fidelidade. No aspecto político, apresenta-se uma nobreza detentora de terras com poder político fragmentado, ou seja, não havia Estado como conhecemos hoje. A Igreja exerceu nesse período medieval uma forte influência, contribuindo para, ao final do sistema, uma promoção do comércio. Isso se dá com a prática do movimento das Cruzadas (expedições militares e religiosas). No campo da Economia, tem-se que a organização era voltada à agricultura de subsistência, com modo de produção artesanal. UNIDADE 1 24 É possível pensar um sistema como um conjunto de elementos interligados que cumprem um objetivo final definido. Na biologia, por exemplo, quando se usam as expressões sistema respiratório, sistema vascular ou sistema nervoso, pensamos em um conjunto de órgãos de um ser vivo que se relacionam entre si para desempenhar funções vitais nesse organismo, como permitir a respiração, a nutrição e a oxige- nação das células e a transmissão dos impulsos nervosos. Trazendo essa analogia para a economia, você já pôde perceber que, ao longo do tempo, os humanos se coordenaram e foram se desenvolvendo, passando por diversos sistemas. Economia 4000 a 1000 a.C. 1000 a.C. a 500 d.C. Assíria Babilônia Egito China Abissínia Mesopotâmia Índia Grécia Roma Figura 3 - Impérios na Antiguidade / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a economia na antiguidade foi constituída por sociedades civilizadas e de complexa estrutura, por volta dos anos 4000 a 1000 antes de Nossa Era, das quais se destacam o império Assírio, Babilônico, Egípcio, Chinês, o império Etíope também conhecido como Abissínio, o Mesopotâmico e o Império da Índia. No período que antecede em 1000 anos, a contar do marco cristão até o ano 500 da Nossa Era, destaca-se a civilização greco-romana. UNICESUMAR 25 Os imperiais, como os do Antigo Egito, da Grécia, da Roma Antiga e do império Chinês, foram evoluindo para o feudalismo, que dominou a Europa entre os séculos IX e XV d.C. Tudo isso refletiu a forma pela qual os homens puderam satisfazer suas necessidades materiais em cada época, alterando-se a forma con- forme o que era “necessário” dentro de cada contexto, refletindo, também, que a vida socioeconômica se dá a partir de um sistema, uma organização, com o intuito de atender a humanidade dentro dos aspectos da sobrevivência. A partir do século XIV, avanços nos meios de navegação permitiram ultrapas- sar o estreito de Gibraltar, de modo que o comércio intraeuropeu, antes apenas terrestre, deslocou-se em parte para o Atlântico. Como efeito, houve estímulo para o desenvolvimento de centros comerciais. O mundo estava sendo descoberto! É aqui que entramos em cena. Há tempos não se falava tanto da implicação da economia na saúde e da saúde na economia. Contudo, é possível afirmar que nossa temática nasceu a partir de forte influência médica. Para apresentar essa relação, é preciso pinçar um elemento importante da história do pensamento econômico no qual John Locke (1632- 1704) e François Quesnay (1694-1774) são apenas dois, entre outros médicos, que influenciaram o pai da ciência econômica comoa conhecemos na atuali- dade: Adam Smith (1723-1790). E a intenção, aqui, não é transmitir meramente informações historiográficas, mas justificar que as políticas públicas e privadas a serem assumidas em cenário instável, como o que vivenciamos, devem transitar pela história da economia como ciência social. John Locke (1632-1704) Adam Smith (1723-1790) François Quesnay (1694-1774) UNIDADE 1 26 Pois bem, para o escocês, o Ocidente embarca em uma grande revolução antes do século XVIII, quando as socieda- des agrárias ou agrícolas se tornaram comerciais. Durante a Idade Média, as cidades se desenvolveram e aos poucos foram ligadas por estradas. As pessoas levavam mercadorias e pro- dutos agrícolas frescos para as cidades, e os mercados – com sua compra e venda – tornaram-se parte da vida. A inovação científica criou padrões de medida confiáveis, e junto com novos jeitos de fazer as coisas e da mistura de principados que pontilham a Europa formaram-se Estados centralizados. O povo usufruía uma nova liberdade e passava a trocar bens para ganho pessoal, não só para o seu senhor. Em 1776, Smith publicou sua obra An inquiry into the nature and causes of wealth of nations (A Riqueza das Nações) (SMITH, 1983), que tinha iniciado na França, dez anos antes. A obra possui o significado de manifesto de uma nova ciência. O sucesso do livro foi imediato e isso estabeleceu definitivamente o pres- tígio de Smith. Um dos aspectos históricos mais relevantes dessa obra é sua atualidade em relação à economia capitalista moderna, haja vista que a dimensão temporal revelava um momento marcado por grandes transformações econômicas e sociais impulsionadas pela primeira revolução industrial, cujo epicentro foi o Reino Unido. O texto cumpriu o singular papel de instrumento de uma ideologia triunfante no século subsequente, o liberalismo. Para o pensador, as economias de mercado geram rendi- mentos justos que podem ser gastos em bens, em um “fluxo circular” sustentável, em que o dinheiro pago em salários volta para a economia quando o trabalhador paga pelos bens e será devolvido em salários, repetindo o processo. O capital investido em instalações de produção ajuda a au- mentar a produtividade da mão de obra, o que implica os empregadores poderem arcar com salários mais altos. E, se puderem pagar mais, eles pagarão, porque têm de competir entre si pelos trabalhadores. UNICESUMAR 27 Figura 4 - Mudanças das relações sociais de trabalho ao longo da história: (a) Pintura egípcia, (b) As quatro estações, Primavera de Pieter Bruegel (1579-1638), (c) Tempos Modernos de Charlie Chaplin / Fonte: Shutterstock e Wikimedia Commons (2016, on-line). Para nosso trabalho, trataremos como sinônimo economia de mercado e ca- pitalismo, por uma questão didática. Esses termos representam uma forma de organização econômica que depende da existência de propriedade privada dos meios de produção que asseguram aos seus donos os ganhos de sua exploração. a b c Descrição da Imagem: a Figura 4 apresenta uma montagem com três formas de trabalho ao longo da história da humanidade. A Figura (a) é representada por uma pintura egípcia e faz alusão ao período de trabalho escravocrata. A Figura (b) apresenta numerosos criados que cuidam de um jardim elaborado, tratam as ovelhas, cortam as vinhas e as rosas sob os olhos vigilantes de mestres bem vestidos. Essa pintura faz parte da série Season que reúne quatro painéis de pequeno porte de Pieter Brueghel (1564- 1638), o jovem. A Figura (c) traz uma das cenas do filme Tempos Modernos, de 1936, escrito e dirigido por Charles Chaplin, em que ele está com outro homem ao lado de uma máquina, característica do novo formato de trabalho, a partir da Revolução Industrial, o trabalho assalariado. UNIDADE 1 28 Portanto, não há capitalismo quando não há garantias sobre a propriedade in- dividual. Esse sistema econômico depreende propriedade privada dos meios de produção que asseguram aos seus donos os ganhos de sua exploração. LEI FORÇA PROPRIEDADE PRIVADA E SEUS GANHOS DE EXPLORAÇÃO GARANTE GARANTE ESTADO Figura 5 - Papel do Estado nas economias de mercado / Fonte: a autora. O sistema como nos organizamos para viver, no que se refere ao ponto de vista material, está dividido entre os possuidores do capital, os capitalistas, e aqueles que não detêm o capital, os trabalhadores. Ainda que pese ser uma discussão que possibilite o calor ideológico, é a forma como nos constituímos enquanto sociedade, e podemos pensar que esse “modus vivendi” foi inaugurado com a Revolução Industrial, e cronologicamente nos situamos aqui no final do século XVIII e primeira metade do século XIX. Descrição da Imagem: a Figura 5 apresenta o papel do Estado nas economias de mercado. No alto, temos o Estado que abre duas setas, uma para direita e outra para esquerda em que ambas garantem a Lei e a Força. Estas duas sugerem que a propriedade privada requer seus ganhos de exploração. UNICESUMAR 29 CAPITALISMO NÓS MANDAMOS EM VOCÊ NÓS ENGAMOS VOCÊ NÓS ATIRAMOS EM VOCÊ NÓS COMEMOS POR VOCÊ NÓS TRABALHAMOS POR TODOS NÓS ALIMENTAMOS TODOSA PIRÂMIDE DO SISTEMA CAPITALISTA Figura 6 - A Pirâmide do Sistema Capitalista (1911) / Fonte: Wikimedia Commons (2009, on-line). Descrição da Imagem: a Figura 6 representa a pirâmide com seis degraus conhecida como a pirâmide do Sistema Capitalista (1911) dos Estados Unidos. Começando pelo topo da pirâmide, temos o saco de dinheiro, o símbolo do capitalismo. Abaixo vem os governantes e a alta burguesia com a mensagem “Nós mandamos em você”, detentora dos meios de produção e as instituições financeiras. Depois a Igreja, que continua com seu poder ideológico de controle sobre a população com a mensagem “Nós enganamos você”. No quarto degrau, são as forças militares que novamente aparecem para manutenção da ordem e estrutura de proteção contra revoltas e revoluções com a mensagem “Nós atiramos em você”. Penúltimo degrau, aparecem os pequenos burgueses desfrutando de uma boa vida e comida farta com a mensagem “Nós comemos por você” e, por último, vem a base da pirâmide sustentada pela classe trabalhadora (os proletários na base de tudo, homens, mulheres e crianças) carregando toda a pirâmide e seus dizeres “Nós trabalhamos por todos”, “Nós alimentamos todos”. UNIDADE 1 30 Contudo, nessa história toda, é muito importante diferenciar economia de capitalismo, em que pese não ser possível tratar de uma sem estar falando da outra. No que se refere à economia, vale pensar que o homem luta com o meio em que vive, desenvolvendo uma série de atividades econômicas com o fim de compatibilizar, da melhor maneira possível, as múltiplas, crescentes e ilimitadas necessidades que tem, com os recursos escassos, por meio de uma administração racional desses recursos, o que, em síntese, constitui-se no “objeto da Ciência Econômica”, ou na essência do problema econômico. O capitalismo per se é um arranjo social, que busca “resolver” esse problema econômico. Aí diante da “falta de alguma coisa que procu- ra possuir”, ou diante da sensação de ausência ou falta, o homem é convidado pela força da necessidade a buscar, a desejar. É com esse espírito que podemos, ainda que de forma muito modesta, entender o capitalismo. Nele as atividades econômicas são coordenadas pelos empresários que definem o que e quanto produzir de cada coisa de que a sociedade precisa para suprir suas necessidades. Os mercados validam os esforços dos empresários, que serão bem-sucedidos em gerar lucros na medida em que sua capacidade de produzir e vender ao preço de mercado lhes traga receitas acima de seus custos. Ferreira (2015, p. 27) nos orienta que mesmo sendo extremamente necessárias à população algumas atividades não são realizadas pelas empresas por não serem lucrativas. Diante disso, o papel do Estado se dá enquanto provedor de serviços públicos, para oferecer bens essenciais à população que não podem ser fornecidospelas empresas. Agentes econômicos são pessoas de natureza física ou jurídica que, por meio de suas ações, contribuem para o funcionamento do sistema econômico (PASSOS; NOGAMI, 2008). São constituídos pe- las famílias (ou unidades familiares), pelas empresas (ou unidades de produção) e pelo governo, conforme a Figura 7, a seguir: UNICESUMAR 31 Legenda: Fluxos reais Fluxos �naceiros Demanda: bens e serviços Gastos com consumo $ Serviços públicos Compras públicas Pagamentos de empenho $ Serviços públicos Impostos diretos $ Impostos diretos $ Recebimento de rendas $ Pagamento de rendas $ Pagamento funcionários públicos Contratação funcionários públicos Oferta: bens e serviços Receita de vendas $ Oferta: trabalho, capital e terras Demanda: trabalho, capital e terras Mercados de fatores produtivos Mercados de bens e serviços Famílias Governo Empresas Figura 7 - Fluxos de troca em um sistema econômico / Fonte: Ferreira (2015, p. 22). Descrição da Imagem: a Figura 7 apresenta os fluxos de troca em um sistema econômico. No centro está o Governo, do lado esquerdo estão as Famílias e do lado direito estão as Empresas. Em cima do Go- verno, há os Mercados de bens e serviços e, abaixo, os Mercados de fatores produtivos. Este fluxograma apresenta também as relações entre os agentes econômicos divididas em dois tipos de fluxos: os reais, demonstrados pelas ligações com a linha contínua, e os financeiros, pelas linhas pontilhadas. UNIDADE 1 32 Na Figura 7, é possível observar que os flu- xos reais são constituídos pelos fatores de produção entregues por seus proprietários ao sistema produtivo e que este transforma em bens e serviços, que se destinam a satis- fazer as necessidades individuais e coletivas, presentes e futuras da população. Por outro lado, os fluxos financeiros são as remunera- ções pagas pelo sistema produtivo aos pro- prietários dos fatores produtivos, e que estes utilizam na compra dos bens e serviços de que precisam para satisfazer suas necessida- des econômicas e sociais. Há também que se observar que do caixa das empresas dá-se o fluxo financeiro para o governo, pois as empresas também recolhem impostos embutidos nos preços dos produ- tos que vendem – são os impostos indiretos. Há um repasse desses impostos ao governo, o que também ocorre com as famílias, que pagam impostos diretos sobre a renda que recebem das empresas e sobre as proprieda- des que adquirem com essas rendas. Assim, recolhendo impostos das empresas e das fa- mílias, o governo, em todas as suas esferas (União, estados e municípios), arrecada as receitas de que necessita para ofertar os ser- viços públicos à sociedade. As transações realizadas pelos diversos agentes econômicos podem ser mensuradas por meio dos agregados macroeconômicos. A economia pode ser vista em equilíbrio quan- do a produção, a renda e a demanda agregada gerada são de iguais valores. A contabilidade nacional apresenta a identidade fundamental: UNICESUMAR 33 PRODUTO = =RENDA DESPESA = = Produto Interno Bruto (PIB) Agropecuária, a indústria, o comércio e serviços. Renda Interna Bruta (RIB) Salários, lucros, rendas da terra, Juros, aluguéis, etc. Dispêndio Interno Bruto (DIB) Bens comprados pelas famílias, pelo governo e para investimento das empresas. Figura 8 - A igualdade entre produto, geração de renda e total dos dispêndios Fonte: Ferreira (2015, p. 31). A geração de produto consiste em adicionar o valor das remunerações ao longo das cadeias produtivas a tudo o que é produzido; o valor da produção será então igual ao valor das rendas pagas aos fatores de produção; logo, produto é igual a renda. Por produção, conforme Viceconti (2010), entende-se qualquer atividade que aumente o valor de um bem ou serviço já existente. A Renda corresponde ao somatório das remunerações recebidas pelos proprietários dos fatores de produ- ção como retribuição pela utilização de seus serviços nas atividades produtivas. Com a renda obtida na produção, depois de descontados os impostos, as famílias comprarão tudo aquilo de que precisam e, com os impostos arrecadados, o gover- no comprará o restante da produção das empresas. Esse total de gastos é chamado de demanda agregada ou despesas, e é igual ao valor da renda gerada na produção. Assim, temos que o Produto Interno Bruto (PIB) de uma economia tem valor igual à Renda Interna Bruta (RIB) e ao Dispêndio Interno Bruto (DIB). Descrição da Imagem: a Figura 8 apresenta a igualdade entre a produção, a geração de renda e o total dos dispêndios (demanda agregada) na economia. Quanto mais um deles crescer, mais irão crescer igual- mente os demais; logo, é importante saber qual deles é capaz de provocar o crescimento dos demais. São três colunas e nestas constam: o produto, a renda e a despesa. Na primeira coluna, temos o Produto Interno Bruto (PIB) como, por exemplo, a agropecuária, a indústria, o comércio e os serviços. Por sua vez, na segunda coluna temos a Renda Interna Bruta (RIB) como, por exemplo, os salários, lucros, rendas da terra, juros, aluguéis etc. e, na terceira e última coluna, temos o Dispêndio Interno Bruto (DIB), que são os bens comprados pelas famílias, pelo governo e para investimento das empresas, por exemplo. UNIDADE 1 34 Essa identidade contábil infere que, quanto mais uma variável dessas cres- ce, mais crescerão igualmente os demais, implicando na relevância de observar qual desses elementos foi o propulsor do crescimento dos demais. No Brasil, a instituição responsável pelo cálculo do PIB é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Temos, então, posta a medida de crescimento econômico. É possível apreender a definição de crescimento econômico com Ferreira (2015, p. 31), a “elevação contínua da produção, da renda e dos gastos em uma economia”. Veja que é uma medida quantitativa, fica na dimensão dos números. Essa mensuração acompanha a geração da riqueza de um país, abrindo a possi- bilidade para comparar com outras nações. Se o PIB é a principal medida, não implica em afirmar como sendo a única; a renda per capita também é uma forma quantitativa de apresentar o valor da Renda Nacional dividida pelo total da popu- lação. Essa abordagem sugere avaliar a riqueza por indivíduo. A renda per capita é um importante indicador, pois revela a distribuição média da riqueza entre os habitantes do país, nos diz quanto, em média, cada cidadão deveria ter recebido se a renda fosse igualmente distribuída entre toda a população daquele grupo. UNICESUMAR 35 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 Luxemburgo Noruega Suíça Irlanda Dinamarca Catar Cingapura Suécia Austrália Estados Unidos Holanda Macau Canadá Islândia Áustria Finlândia Japão Alemanha Bélgica Andorra Brasil21 20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Figura 9 - Gráfico (a) das Maiores Rendas Per Capita do mundo, de 2019 (dólares) Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a Figura 9 apresenta um gráfico com os países de maiores rendas per capita do mundo, de 2019 (em dólares). Os países destacados em ordem crescente são Luxemburgo, Noruega, Irlanda, Suíça, Dinamarca, Catar, Singapura, Suécia, Austrália, Estados Unidos, Holanda, Macau, Canadá, Islândia, Áustria, Finlândia, Japão, Alemanha, Bélgica, Andorra e por último o Brasil. O PIB do Brasil em 2019, por exemplo, foi de R$ 7,4 trilhões. Até a elaboração desse ma- terial, os últimos dados do PIB eram referentes ao 2º trimestre de 2020: o valor foi de R$ 1.653,0 bilhões. Fonte: IBGE ([2021], on-line). EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 1 36 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 Série 1 Noruega Suíça Irlanda Dinamarca Catar Cingapura Suécia Austrália Estados Unidos Holanda Macau Canadá Islândia Áustria Finlândia Japão Alemanha Bélgica Andorra Brasil21 20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Holanda México Espanha Rússia BrasilFrança Índia Japão China Estados Unidos 0 5000 10000 15000 20000 25000 Figura 10 - Gráfico (b) dos Maiores PIBs do Mundo, de 2019 (trilhões de dólares) / Fonte: a autora. O Gráfico (a) apresenta 21 países com as maiores rendas per capita do mundo, considerando os dados dos Estados Unidos e Brasil, principalmente para efeito de análise. Note que os países dos Gráficos (a) e (b) não são os mesmos. Isso revela que a maioria dos países com altas rendas per capita são pequenos países. Luxemburgo, por exemplo, tornou-se um autêntico hub financeiro na segunda metade do século XX, especialmente por ser livre de impostos. A reputação de paraíso fiscal levou-o a conquistar inúmeras empresas, trazendo destaque para o país. O caso do Qatar é o Gás natural. O país tem as terceiras maiores reservas de gás natural do mundo e investiu de forma pesada em infraestruturas de transformação de gás em gás li- quefeito e de exportação. Conseguiu, ainda, diversificar a economia conquistando a atenção de inúmeras empresas financeiras que se deslocaram para o país. Singapura tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos, sendo para muitos a Suíça da Ásia. Tecnologia, têxteis e finanças conduziram a um PIB per capita de 56.700 dólares. É indiscutível a importância do crescimento para as economias. Analisar esses números é fundamental para perceber se as políticas econômicas estão sur- Descrição da Imagem: a Figura 10 apresenta um gráfico com os maiores PIBs do mundo, de 2019, com trilhões de dólares. Os países destacados em ordem crescente são Estados Unidos, China, Japão, Índia, França, Brasil, Rússia, Espanha, México e Holanda. UNICESUMAR 37 tindo o efeito desejado no que se refere à produção, emprego e renda do país. Uma reflexão que nasce dessa abordagem é se, a partir do crescimento econômico do país, há mais renda para a população. Principalmente se a população crescer, é fun- damental que a geração de renda cresça em uma proporção maior. Essa abordagem quantitativa nos apresenta números. Contudo, as variáveis puramente quantitativas são incapazes de vislumbrar o desenvolvimento econômico. Mas então crescer é diferente de desenvolver? Sim! O crescimento de um país pode ser pensado, em partes, como o ciclo da vida humana. A partir do nascimento, todos crescemos em altura (e peso!). O desenvolvimento está relacionado à questão de habilidades cog- nitivas, motoras etc. A estatura da criança não me diz sobre o desenvolvimento em termos cognitivo, afetivo. Na economia, é mais ou menos assim, o crescimento dela não garante que cada habitante receba parte do aumento da riqueza. Daí o conceito de desenvolvimento econômico. Ele é mais amplo e está relacionado ao aumento da capacidade produtiva do país, mas com melhorias no padrão de vida da população e com alterações fundamentais na sua estrutura. Trata-se de um fenômeno de lon- go prazo, provocando o fortalecimento da economia nacional, caracterizado por uma distribuição mais equitativa da renda, a ampliação da economia de mercado, a elevação geral da produtividade e do nível do bem-estar da população, com a preservação do meio ambiente. Trevisan e Requena (2019) apresentam que, desde a década de 60, o PIB per capita foi adotado como uma proxy da medida ideal da riqueza de um país. Essa medida, entretanto, teve sua aplicabilidade gradualmente questionada, pois não representa o caráter da distribuição da renda no país. Por conseguinte, outras medidas foram criadas para demonstrar a concentração de renda de uma nação, dentre as quais merecem destaque o Índice de Gini. O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados re- pressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares à boa parte das pessoas. (Amartya Sen) PENSANDO JUNTOS UNIDADE 1 38 Por meio do Coeficiente de Gini, é possível apreender o grau de concentração de renda na população de um país. Gini é o nome do criador desse mecanismo, o estatístico italiano Corrado Gini. O indicador desenvolvido varia de 0 a 1. 1,00 - Total concentração da renda Alta concentração da renda 0,50 - Média concentração da renda Baixa concentração da renda 0,00 - Total igualdade da renda Figura 11 - Escala do Coeficiente de Gini / Fonte: Ferreira (2015, p. 35). Descrição da Imagem: o Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Corrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). Como entender o coeficiente de Gini? O valor 0 indica que a renda é distribuída de maneira igual entre toda a população, ou seja, nenhum habitante recebe nem um centavo a mais do que outro. No lado extremo, quando o valor é igual a 1, apenas uma pessoa de toda a população detém toda a renda. Logo, os valores mais próximos a zero são preferíveis a valores próximos a 1, pois quanto mais bem distribuída a renda em uma sociedade, melhor o nível de acesso às oportunida- des de crescimento pessoal por parte dessa população. EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR 39 No Quadro 1, você observa um ranking dos países em termos de IDH e Índice de Gini em 2019. A Noruega está em primeiro lugar, apresentando um índice de desenvolvimento humano próximo a 1 (0,954). O Brasil em 2019 ocupava a 79º posição no ranking. Ranking IDH País IDH Índice Gini (x100) 1º Noruega 0,954 27,5 2º Suíça 0,946 32,3 3º Irlanda 0,942 31,8 4º Alemanha 0,939 31,7 6º Islândia 0,938 27,8 10º Países Baixos 0,933 28,2 11º Dinamarca 0,930 28,2 12º Finlândia 0,925 27,1 15º Estados Unidos 0,920 41,5 17º Bélgica 0,919 27,7 24º Eslovênia 0,902 25,4 40º Portugal 0,850 35,5 42º Chile 0,847 46,6 65º Irã 0,797 40,0 76º México 0,767 43,4 79º Brasil 0,761 53,3 85º China 0,758 38,6 Quadro 1 - Ranking mundial Índice de Gini / Fonte: Conceição (2019, p. 314). Descrição da Imagem: o Quadro 1 apresenta o ranking mundial de índice de Gini. Os três primeiros do ranking constam a Noruega em primeiro lugar com 0,954 (IDH) e 27,5 (Índice de Gini em 100x), seguido do segundo lugar a Suíça, 0,946 (IDH) e 32,3 (Índice de Gini em 100x) e, em terceiro lugar, a Irlanda com 0,942 (IDH) e 31,8 (Índice de Gini em 100x). Em quarto lugar, a Alemanha com 0,939 (IDH) e 31,7 (Índice de UNIDADE 1 40 Ferreira (2015) nos ensina que o desenvolvimento econômico é um processo que associa o crescimento da economia de um país ao progresso social de sua população; de tal forma, associa-se não apenas à melhora do PIB ou da renda per capita, mas também a outros fatores qualitativos, como a expectativa de vida ao nascer, o nível de escolaridade da população e o grau de concentração de renda. Ainda que sejam coisas diferentes, é muito difícil haver desenvolvimento sem crescimento econômico, a menos que o país tenha uma elevada renda muito concentrada e ela seja redistribuída de modo mais equitativo, enquanto ocorrem melhorias nas condições de vida da população que elevem sua longevidade e suas condições de escolaridade. Para melhorar suas condições de desenvolvimento econômico, os países devem elevar seu crescimento econômico. Este é o elemento necessário, mas não suficiente. É necessário que o crescimento seja bem melhor distribuído entre a população e impacte positivamente a expectativa de vida e o nível de escolaridade de sua população. Essa temática não fica completa se não falarmos do economista indiano Amartya Sen. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1998 por sua con- tribuição às teorias da escolha social e do bem-estar social. Publicou a obra De- senvolvimento como Liberdade, que marca as bases conceituais da construção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).Para ele: “ [...] o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberda- des humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Pro- duto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industriali- zação, avanço tecnológico ou modernização social (SEN, 2010, p. 17). Gini em 100x); em sexto lugar, vem a Islândia com 0,938 (IDH) e 27,8 (índice de Gini em 100x). Na décima posição, temos os Países Baixos com 0,933 (IDH) e 28,2 (índice de Gini em 100x), em décimo primeiro, a Dinamarca com 0,930 (IDH) e 28,2 (índice de Gini em 100x), em décimo segundo, a Finlândia com 0,925 (IDH) e 27,1 (Índice de Gini em 100x). Já em décimo quinto, os Estados Unidos com 0,920 (IDH) e 41,5 (índice de Gini em 100x) e logo em seguida com décimo sétimo lugar a Bélgica com 0,919 (IDH) e 27,7 (índice de Gini em 100x); a Eslovênia com 0,902 (IDH) e 25,4 (índice de Gini em 100x) está em vigésimo quarto lugar. Portugal encara o quadragésimo lugar com 0,850 (IDH) e 35,5 (índice de Gini em 100x); enquanto o Chile, em quadragésimo segundo lugar com 0,847 (IDH) e 46,6 (índice de Gini em 100x). O sexagésimo quinto lugar fica por conta do Irã com 0,797 (IDH) e 40,0 (índice de Gini em 100x); na septuagésima sexta posição do ranking vem o México com 0,767 (IDH) e 43,4 (índice de Gini em 100x), e logo aparece o Brasil com a septuagésima nona posição do ranking com 0,761 (IDH) e 53,3 (índice de Gini em 100x) e finalizamos com a China na octogésima quinta posição com 0,758 (IDH) e 38,6 (índice de Gini em 100x). UNICESUMAR 41 Apesar da “opulência sem precedentes” como Sen (2010, p. 9) apresenta, o mundo vive igualmente uma privação, destituição e opressão extraordinárias, em que “existem problemas novos convivendo com antigos” – a persistência da pobreza e de necessidades essenciais não satisfeitas, fomes coletivas e fome crônica muito disseminadas. Para o pensador, superar esse problema é parte central do processo de desenvolvimento. O destacado economista colaborou com o colega de profissão paquistanês Mahbub ul Haq e, em 1990, foi criado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um padrão de medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação e esperança média de vida. O modelo foi incorporado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que, a partir de 1993, pas- sou a incluí-lo no seu relatório anual. Por incrível que possa parecer, há apenas 30 anos reconhecemos que o grau de desenvolvimento dos países não cabia apenas em parâmetros econômicos, como o crescimento e o tamanho do Produto In- terno Bruto (PIB). O grandioso trabalho desenvolvido contribuiu com a ciência econômica e, por assim dizer, deixou seu legado, à medida que se trata de um indicador que serve para acompanhar a evolução do desenvolvimento de uma economia, bem como comparar esse desenvolvimento com o de outras econo- mias. O IDH é composto por três partes: 1. Renda per capita; 2. Escolaridade; 3. Longevidade. Embora o IDH apresente problemas, uma vez que tenta sistematizar em um único indicador a situação de desenvolvimento dos países e alguns aspectos não sejam capturados, como o grau de participação política, a sustentabilidade ambien- tal e o nível de satisfação ou felicidade da população, ele é o melhor indicador existente para evidenciar o nível de desenvolvimento humano de um país, bem como para direcionar políticas públicas e avaliar seus impactos para a melhoria das condições sociais. Estimada aluna, estimado aluno, aproveitando aqui a oportunidade, caso não conheça, apresento uma importante passagem do livro Economia: Modo de usar um guia dos principais conceitos econômicos (2015) escrito pelo economista sul- -coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge. Ele é conside- http://pt.wikipedia.org/wiki/Riqueza http://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o http://pt.wikipedia.org/wiki/Esperan%C3%A7a_m%C3%A9dia_de_vida http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_para_o_Desenvolvimento http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_para_o_Desenvolvimento UNIDADE 1 42 rado um dos mais proeminentes economistas heterodoxos da atualidade. Conhe- cido por ser um crítico do liberalismo econômico, Chang tem muito a nos ensinar sobre os problemas do capitalismo, em especial aqui a questão da desigualdade: “ A pobreza e a desigualdade estão presentes em toda parte, de ma- neira perturbadora. Uma em cada cinco pessoas no mundo ainda vive em pobreza absoluta. Mesmo em diversos países ricos, como Estados Unidos e Japão, uma em cada seis pessoas vive na pobreza (relativa). Exceto por um punhado de países na Europa, a desigual- dade de renda varia entre preocupante e chocante. Um número excessivo de pessoas aceita a pobreza e a desigualdade como re- sultados inevitáveis de diferenças naturais nas capacidades entre os indivíduos. Dizem que devemos conviver com essas realidades do mesmo modo como o fazemos com terremotos e vulcões. Mas, como vimos neste capítulo, isso está sujeito à intervenção humana. Dada a alta desigualdade em muitos países pobres, a pobreza ab- soluta (e a pobreza relativa) pode ser reduzida sem um aumento na produção se houver redistribuição adequada de renda. A longo prazo, porém, uma redução significativa da pobreza absoluta exige desenvolvimento econômico, como se viu na China nos últimos anos. Os países ricos podem ter se livrado virtualmente da pobreza absoluta, mas alguns deles sofrem com altas taxas de pobreza rela- tiva e de alta desigualdade. O fato de que taxas de pobreza relativas (5% a 20%) e coeficientes de Gini (0,2 a 0,5) variam de modo amplo entre esses países sugere que os mais desiguais e com maior número de pobres, como os Estados Unidos, podem reduzir de maneira sig- nificativa a desigualdade e a pobreza por meio de intervenção públi- ca. Saber quem será pobre também depende muito da intervenção pública. Até mesmo para permitir que as pessoas saiam da pobreza através de seus próprios esforços, precisamos oferecer condições mais igualitárias na infância (por meio da oferta de melhor previ- dência e educação), aprimorar o acesso a empregos para as pessoas pobres (reduzindo a discriminação e o “espírito de clube” no topo) e impedir que os ricos e poderosos fraudem mercados. Na Coreia pré-industrial costumava-se dizer que “mesmo o poderoso rei não tem como fazer nada contra a pobreza”. Isso não é mais verdade, ainda que fosse na época. O mundo hoje produz o suficiente para UNICESUMAR 43 eliminar a pobreza absoluta. Mesmo sem redistribuição mundial de renda, todos os países exceto os mais pobres também produzem o necessário para isso. A desigualdade sempre existirá, mas com políticas adequadas nós podemos viver em sociedades bastante igualitárias, como muitos noruegueses, finlandeses, suecos e dina- marqueses diriam a você (CHANG, 2015, p. 312). A abordagem de Chang não infere que o capitalismo seja um sistema que só funciona com base na ganância de todos, o funcionamento eficiente da economia capitalista, conforme Sen (2010, p. 334), depende de poderosos sistemas de va- lores e normas. Não se deve subestimar as formidáveis realizações desse sistema. No entanto, a ética capitalista, apesar da sua eficácia é, na verdade, limitada em alguns aspectos, ligados particularmente a questões de desigualdade econômica, assim como proteção ambiental e necessidade de diferentes tipos de cooperação que atuem externamente ao mercado. Realizar políticas econômicas de desenvolvimento perpassa admitir a sin- gularidade de cada país na adoção das medidas criativas em busca de alcançar o bem-estar social. Não há necessidade de estabelecer padrões de outros países, mas sim, implica em uma forma criativa de provocar impactos sobre o cresci- mento da economia, pois, para haver desenvolvimento, deve haver o crescimento econômico.É, portanto, oportunizar um conjunto de políticas para melhorar a distribuição de renda, evitando-se que o crescimento econômico se concentre em uma pequena parcela da população e impeça o desenvolvimento. Quem discute a importância de um sistema de saúde acessível, estruturado? É fato inegociável, não é mesmo? Até porque a pandemia nos revelou que, entre economia e saúde, a vida humana é soberana, portanto, a saúde é prioridade. E o papel da ciência, da pesquisa? Fundamentais! Temos visto isso nesses tempos atípicos. Dessa maneira, encaixo aqui a noção de que investir em educação, que perpassa a questão científica, é também inquestionável. Esses são exemplos de políticas de desenvolvimento, à medida que incentivam e possibilitam melhorias às condições de acesso à educação e ao sistema de saúde, permitindo avanços con- tinuados nos níveis de escolaridade e de longevidade dos habitantes de um país. Nesse sentido, a economista Monica de Bolle (2020), em seu livro Pilha de Areia, escreve abordando a Ruptura a partir do cenário econômico advindo com a pandemia. No entanto, as medidas que ela nos apresenta são políticas que mesmo sem esse panorama são urgentes para o caso brasileiro, no que diz UNIDADE 1 44 respeito aos tributos. A primeira delas é remunerar os dividendos. Para a au- tora, é fundamental essa medida para contribuir com a equidade de renda. A segunda é que, hoje, as isenções de tributação sobre dividendos e de juros sobre o capital próprio não são tratadas como renúncia fiscal, quer dizer, quando há essas isenções elas não são tratadas como um imposto que se deixou de pagar. Trata-se apenas de algo que não se paga. Então, o que precisa acontecer de ime- diato é uma reinterpretação da isenção de dividendos e das isenções de juros sobre capital próprio para que estas possam ser enquadradas como renúncia fiscal pelo artigo 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo a autora, ao enquadrá-las abre-se espaço para que o governo federal possa reduzir o escopo dessas isenções, o que significa que ele pode passar a utilizar tais recursos tam- bém no combate à pandemia, por exemplo. Ainda, ela sugere um terceiro tópico de medidas, também apresentado com outra abordagem (mundial) por Thomas Piketty na sua obra O capital no século XXI, a inversão da pirâmide tributária no Brasil. A pirâmide tributária no Brasil está desenhada na Figura 12. Na base da pirâmide, está quem é tributado mais e no topo é tributado menos. No topo, estão a renda e patrimônio; embaixo, consumo e produção. RENDA E PATRIMÔNIO PRODUÇÃO CONSUMO Figura 12 - Pirâmide tributária no Brasil atual / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a Figura 12 apresenta a pirâmide tributária no Brasil atual. Uma pirâmide que tem como base o consumo, acima a produção e na ponta dela a renda e o patrimônio. A tributação tem prejudicado, pois incide sobre a base que é o consumo. UNICESUMAR 45 Essa pirâmide tributária é extremamente prejudicial para a produtividade da economia brasileira, sobretudo nesse momento de crise. Por quê? Porque ao tributar mais consumo e produção, você está tributando os setores que hoje vão sofrer mais com a parada súbita da economia no país. Portanto, a autora nos convida a refletir sobre a inversão dessa pirâmide. Os países avançados têm uma pirâmide que é mais ou menos assim (Figura 13): RENDA + PATRIMÔNIO PRODUÇÃO CONSUMO Figura 13 - Pirâmide tributária de países avançados / Fonte: a autora. Temos a renda e o patrimônio em cima, sendo tributados um pouco menos. A produção aparece no meio, sendo tributada um pouco mais. E o consumo está em baixo, tendo a maior tributação de todas. No Brasil, o que precisamos fazer é o seguinte (Figura 14): Descrição da Imagem: a Figura 13 apresenta a Pirâmide tributária de países avançados. A base da pirâ- mide é a renda e patrimônio e o topo o consumo. Em países avançados, o consumo é menos tributado comparado à incidência de tributos na renda e patrimônio. UNIDADE 1 46 RENDA + PATRIMÔNIO CONSUMO PRODUÇÃO CONSUMO REDUZIR RENDA + PATRIMÔNIO Figura 14 - Uma alternativa de pirâmide tributária para o Brasil / Fonte: a autora. Passar a tributar muito mais a renda e patrimônio. Tributar a produção, sim. Alguns impostos são mantidos, mas a maior parte desse ônus é passada para a renda e o patrimônio, especialmente de forma progressiva, para as pessoas que têm maior renda e patrimônio. E, por fim, tributa-se o consumo. Isso re- quer, obviamente, amiga leitora, amigo leitor, uma reforma tributária. Como as políticas de desenvolvimento são de responsabilidade essencial do Estado, é por meio da justiça tributária e da eficácia na aplicação dos impostos que os governos devem procurar executá-las. Agora, tendo em vista que o crescimento econômico é um fator chave para a promoção do desenvolvimento, vamos nos concentrar no entendimento das trajetórias de crescimento das economias e nas políticas governamentais de ex- pansão econômica. As principais políticas de crescimento econômico se concen- tram na estrutura produtiva do país; são os programas públicos que estimulam o crescimento no número de empresas em determinadas atividades econômicas, promovem a elevação da qualidade da produção e traçam metas para exporta- ções. O sucesso dessas políticas possibilita que se estabeleçam setores produtivos e até mesmo uma matriz industrial completa, desde as indústrias de matérias- Descrição da Imagem: a Figura 14 apresenta uma alternativa de pirâmide tributária para o Brasil. Na base da pirâmide, está a renda e o patrimônio, indicando que esses elementos passam a ser itens de maior tributação, comparados ao topo da pirâmide que é o consumo. UNICESUMAR 47 -primas básicas, de máquinas e equipamentos, de bens de consumo duráveis e não duráveis, até uma variada gama de serviços. Segundo Rostow (1971), alguns países passaram por etapas bem definidas de crescimento econômico, partindo de um estágio de produção de subsistência sem geração de sobras para trocas, passando por um estágio em que a espe- cialização da produção gerava excedentes para as trocas e dessa especialização começaram a desenvolver as pequenas fábricas e depois a indústria, que permi- tiu o consumo de massa e gerou renda para a proliferação das mais diferentes atividades de serviços na economia. Perceba que as definidas etapas de crescimento (Quadro 2) apresentam de modo linear um processo histórico, com o ritmo do progresso econômico deter- minado em função da capacidade de produzir, poupar e direcionar os recursos poupados para novos investimentos que gerem mais produção no futuro. Classificação das etapas Descrição do processo de crescimento Economias Primitivas Nessa etapa, havia atividades de explo- ração extrativista e, por meio do desen- volvimento da agricultura, iniciou-se o processo de geração de excedentes, poupanças sob a forma de mercadorias, que permitiram o crescimento da acumu- lação de riquezas e o início das atividades de trocas. Predominante até o século V. Economias Mercantilistas As principais atividades econômicas se concentravam nas atividades que pu- dessem gerar excedentes para a comer- cialização, interna ou internacional. o processo se iniciou pela exploração de recursos naturais e bens agrícolas e, por meio do florescimento das manufaturas nas principais economias da Europa da época, cresceu com a comercialização de bens manufaturados. predominou entre os séculos VI e XVII. UNIDADE 1 48 Economias Industriais O crescimento da economia é fundamen- talmente impulsionado pela indústria em um estágio evolutivo que parte das ma- nufaturas tradicionais têxteis, de madeira e alimentos, transitando para as indús- trias de bens de consumo duráveis e, por fim, estabelecendo as indústrias pesadas de siderurgia, química e metalurgia. Economias de Serviços As economias desenvolvidas e aquelas com estágios de desenvolvimento avan- çados têm as atividades terciárias (de serviço e comércio) como aquelasque geram maior renda na economia. Atual- mente, cerca de 65% do PIB do Brasil é gerado pelos serviços e pelo comércio, cerca de 30% pelas indústrias e apenas 5% pelas atividades agropecuárias e extrativistas. Quadro 2 - Etapas clássicas do crescimento econômico Fonte: Rostow (1971 apud FERREIRA, 2015, p. 39). Descrição da Imagem: o Quadro 2 apresenta as etapas clássicas do crescimento econômico, classificadas em economias primitivas, mercantilistas, industriais e de serviços. Iniciamos com as economias primitivas: nessa etapa, havia atividades de exploração extrativista e, por meio do desenvolvimento da agricultura, iniciou-se o processo de geração de excedentes, poupanças sob a forma de mercadorias, que permitiram o crescimento da acumulação de riquezas e o início das atividades de trocas. Predominante até o século V. Depois vem as economias mercantilistas que são as principais atividades econômicas. Estas se concen- travam nas atividades que pudessem gerar excedentes para a comercialização, interna ou internacional. O processo se iniciou pela exploração de recursos naturais e bens agrícolas e, por meio do florescimento das manufaturas nas principais economias da Europa da época, cresceu com a comercialização de bens manufaturados que predominou entre os séculos VI e XVII. Logo após, temos as economias industriais: nesta etapa o crescimento da economia é fundamentalmente impulsionado pela indústria em um estágio evolutivo que parte das manufaturas tradicionais têxteis, de madeira e alimentos, transitando para as indústrias de bens de consumo duráveis e, por fim, estabelecendo as indústrias pesadas de siderurgia, química e metalurgia. E por último, as economias de serviços. Estas são as economias desenvolvidas, e aquelas com estágios de desenvolvimento avançados têm as atividades terciárias (de serviço e comércio) como aquelas que geram maior renda na economia. Atualmente, cerca de 65% do PIB do Brasil é gerado pelos serviços e pelo comércio, cerca de 30% pelas indústrias e apenas 5% pelas atividades agropecuárias e extrativistas. UNICESUMAR 49 É possível notar a cronologia do processo histórico, conferindo uma linearidade às etapas de crescimento apresentadas, com o ritmo do progresso econômico determinado em função da capacidade de produzir, poupar e direcionar os re- cursos poupados para novos investimentos que gerem mais produções futuras. Neste ponto da discussão, o papel do Estado é fundamental, haja vista as políticas de crescimento serem controversas. Muitas economias tiveram sucesso em promover o crescimento e o desenvolvimento econômico com as políticas estruturadas para implantar a industrialização e, em alguma medida, todas as eco- nomias que buscam o desenvolvimento têm no Estado o coordenador de ações diretas com o fim de promover o crescimento e por meio dele galgar padrões de desenvolvimento econômico e social. Nesse contexto, o economista alemão do século XIX Friedrich List (1789-1846) geralmente é considerado o pai do argumento da indústria nascente, ou seja, que, em face dos países desenvolvidos, os mais atrasados não conseguem desenvolver novas indústrias sem a intervenção do Estado, principalmente por meio de tarifas protecionistas. Sua obra principal, The National System of Political Economy [O sistema nacional da economia política] foi publicado pela primeira vez em 1841. List (1885 apud CHANG, 2004, p. 15) apresenta: UNIDADE 1 50 “ [T]endo atingido certo grau de desenvolvimento por meio do livre- -comércio, os grandes monarcas (da Grã-Bretanha) perceberam que não se podia obter um alto grau de civilização, poder e riqueza sem uma combinação de manufatura, comércio e agricultura. Deram-se conta de que a recém-criada indústria nacional não teria chance de sucesso em livre concorrência com as estrangeiras, estabelecidas havia muito mais tempo (as italianas, as hanseáticas, as belgas e as holandesas)... Portanto, mediante um sistema de restrições, privi- légios e incentivos, trataram de transplantar para o solo nacional a riqueza, o talento e o espírito empreendedor dos estrangeiros. Eis uma caracterização do desenvolvimento industrial inglês fundamentalmente oposta à imagem predominante da Grã-Bretanha, a de uma destemida economia de comércio e mercado livres. Pontualmente as restrições, as barreiras foram im- postas pelo Estado, na economia berço do capitalismo que gerou os tempos atuais. Para os economistas liberais, como Milton Friedman (1912-2006) e Paul Samuelson (1915-2009), o Estado deve ser apenas o agente disciplinador da conduta dos agentes econômicos, para garantir as igualdades de condições de concorrência e promover um ambiente econômico favorável ao florescimento das atividades produtivas e de distribuição da riqueza. Fonte: Wikipedia (2004, on-line) e Wikipedia (2009, on-line). Milton Friedman (1912-2006) Paul Samuelson (1915-2009) UNICESUMAR 51 Ao considerar os princípios liberais, não é recomendável ao Estado um papel ativo para promover o desenvolvimento das economias, pois os agentes pri- vados, por meio das interações nos mercados, têm capacidade para direcionar de modo mais eficiente a aplicação dos escassos recursos para satisfazer as necessidades ilimitadas da sociedade. Inicialmente, as políticas beneficiam setores intensivos em mão de obra que pro- duzem bens tradicionais, como tecidos, roupas e calçados. Dada a enorme oferta de trabalho e os baixos salários, os produtos podem ser fabricados a custos bem baixos e vendidos a preços muito competitivos nos mercados externos. Assim, rapidamente, esses países inundam os mercados externos com esses produtos. Quando o fator competitivo de trabalho começa a ficar escasso e mais custoso, o governo redireciona o estímulo para as atividades exportadoras intensivas em capital, como a metalurgia, de bens de consumo duráveis e bens de capital. Desse modo, os países começam a mudar o perfil de suas exportações para produtos com maior valor agregado que disputam mercados com similares de marcas tradicionais. Inicialmente, os produtos são reconhecidos como de qualidade duvidosa, mas, como são baratos, conseguem ser bastante vendidos em mercados nos quais o preço é fundamental para competir. Com o tempo, os produtos melhoram Então, conforme os preceitos liberais mais radicais, a intervenção do Estado não traria o desenvolvimento, mas o atraso econômico, pois distorce as razões econômicas para os investimentos privados, favorecendo o crescimento dos setores errados segundo a lógica da eficiência econômica. Os exemplos mais claros do sucesso da atuação do Estado na economia para promo- ver o crescimento econômico são a Coreia do Sul, que cresceu muito a partir dos anos 70, aumentando suas exportações, e o Brasil, que adotou na mesma época uma rota de crescimento econômico voltado para a expansão do seu mercado interno. Essas foram as duas políticas de desenvolvimento mais adotadas no mundo no século XX – o crescimento orientado para fora e o crescimento orientado para dentro. O crescimento econômico orientado para fora, que tem na Coreia do Sul e na China seus principais exemplos, é uma política de governo que direciona recursos para promover o crescimento de atividades econômicas com potencial de exportação. As políticas têm fases bem distintas até que os países sejam grandes exportadores de bens de tecnologia. EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 1 52 a qualidade aproveitando-se da curva de aprendizado e dos investimentos em melhorias de processos produtivos; com maior escala, esse aumento de qualidade permite melhorar a competitividade externa. A terceira etapa da política orientada para fora é redirecionar os incentivos para exportação de bens de tecnologia. Nessa etapa, as empresas que são benefi- ciadas pelos pacotes de incentivos são obrigadas a cumprir metas de exportação de produtos de média e de alta tecnologia para manter os benefícios dos programas. As políticas de crescimento orientado para forapermitem encurtar o tempo das etapas clássicas de Rostow (1971) e, como as diretrizes das políticas são vin- culadas a metas de exportações, obrigam as empresas a maximizar a utilização dos recursos oferecidos pelas políticas de crescimento do governo para produzir bens com alta capacidade de competição no mercado externo; logo, permitem melhorar a qualidade e baixar os custos de produção no país. Outra grande van- tagem das políticas de crescimento orientado para fora é que formam grandes empresas nacionais para atuarem nos principais ramos de atividades econômicas; evita-se, assim, a dependência do capital produtivo internacional, uma vez que o crescimento das empresas nacionais não gera crescentes remessas de lucro ao exterior para remunerar os proprietários das empresas multinacionais, e os lucros retidos no país se convertem em recursos para mais investimentos e crescimento. NOVAS DESCOBERTAS A Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou um estudo por meio da Nota Econômica, em 2019, apresentando uma relação entre Brasil e Co- reia do Sul, em termos de produtividade, nos últimos 40 anos. De acordo com o trabalho, em 1980, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil equivalia a 39% do PIB per capita dos Estados Unidos, enquanto que o da Coreia do Sul representava 17,5% do norte-americano. “Quase quatro décadas depois (38 anos), o PIB da Coreia do Sul passou a representar 66% do PIB estadunidense, enquanto que o do Brasil representa 25,8%”, diz o estudo. Outro dado pertinente é o salário real médio do trabalhador sul-coreano, que aumentou 4,3% ao ano entre 2000 e 2018, enquanto o Brasil registrou média de crescimento de apenas 0,3% no mesmo período. O trabalhador sul-co- reano, face à política econômica, teve seu salário real médio industrial mais que duplicado desde 2000, enquanto o trabalhador brasileiro teve um ínfimo crescimento. Veja o gráfico de razão entre o PIB x PPP per capita do país e o dos Estados Unidos https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6266 UNICESUMAR 53 Na avaliação da CNI (2019), o aumento da produtividade foi um dos principais fatores que contribuíram para o desempenho da economia sul-coreana e a me- lhoria do bem-estar dos seus cidadãos. Prova disso é que, entre 2000 e 2018, a produtividade do trabalho na indústria sul-coreana cresceu, em média, 4,3% ao ano, o mesmo nível de incremento dos salários naquele país. No Brasil, a pro- dutividade do trabalho na indústria cresceu 0,7% em média ao ano entre 2000 e 2018, menos de dois décimos do crescimento da produtividade na Coreia do Sul. Ferreira (2015) afirma que o ritmo do crescimento mundial é fator funda- mental para uma política de crescimento, orientado para fora, funcionar. Pois, no caso da Coreia do Sul, por exemplo, como grande parte do setor produtivo de uma economia orientada para fora emprega fatores de produção para fabricar bens para exportação, uma pequena queda das vendas externas pode gerar que- das de emprego e renda na economia, afetando o crescimento de outros setores que produzem para atender aos consumidores internos que se empregam nos setores exportadores. Alguns países, entre eles o Brasil, a Índia e a Argentina, decidiram promover um processo de crescimento orientado para o mercado interno com a capacidade de absorver uma quantidade crescente de produção nas atividades produtivas. As políticas de crescimento orientado para dentro preveem a implantação de uma matriz industrial completa, partindo das indústrias de base, como a si- derurgia e a indústria química, a partir delas a metalurgia e a indústria plástica, de corantes, solventes, passando para a indústria de máquinas e equipamentos e finalizando nas indústrias de bens de consumo duráveis e não duráveis. O processo de industrialização, por exigir elevados gastos em investimentos em novas fábricas de diversos setores, por si só geraria empregos e renda para estimular a produção interna nos setores de bens de consumo duráveis e não duráveis. Assim, o próprio mercado interno seria ampliado como resultado da política de industrialização, e o país não precisaria contar com o mercado externo para garantir compradores para dar escala de operação para as novas empresas. Países com grandes contingentes populacionais, como o Brasil e a Índia, pode- riam contar com sua população, à medida que ela se integrasse com as atividades produtivas e começasse a receber rendas, como demanda interna, pois com grandes populações o mercado interno seria grande o suficiente para garantir a viabilidade das empresas que surgiriam da política de crescimento orientado para dentro. UNIDADE 1 54 outra solução Abertura das economias para o estrangeiro. Escassez de poupança interna para fomentar as empresas nacionais privadas ou públicas Falta de capital �nanceiro para �nanciar os enormes investimentos para a implantação de tantas empresas em tantos setores diferentes Tomar de empréstimos internacionais para que o governo investisse em empresas públicas Endividamento externo por conta dos grandes empréstimos internacionais Problemas das políticas de crescimento orientado para fora. Figura 15 - Problemas do crescimento orientado para fora / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a Figura 15 apresenta um esquema das desvantagens de crescimento orientado para fora. Neste fluxograma, existe um topo onde estão os problemas das políticas de crescimento orienta- do para fora. E abrem-se duas notas. Uma nota (esquerda) que é a falta de capital financeiro para financiar os enormes investimentos para a implantação de tantas empresas em tantos setores diferentes; e a nota (direita) que é a escassez de poupança interna para fomentar as empresas nacionais privadas ou públicas. Nessa nota (esquerda), liga um losango que são as grandes tomadas de empréstimos internacionais para que o governo investisse em empresas públicas e, neste mesmo losango, abre-se uma seta que busca outra solução em outro losango como uma abertura das economias para o estrangeiro. Na nota (direita), liga outro losango e este é o endividamento externo por conta dos grandes empréstimos internacionais. UNICESUMAR 55 O fluxograma contribui para a visualização de que dois grandes pro- blemas sempre atrapalharam o processo de desenvolvimento econô- mico nos países que optaram por essa política. O primeiro foi a falta de capital financeiro para financiar os enormes investimentos para a implantação de tantas empresas em tantos setores diferentes, proble- ma que foi solucionado de duas formas. A primeira solução foi tomar grandes empréstimos internacionais para que o governo investisse em empresas públicas ou financiasse empreendimentos privados com juros baixos. A outra solução foi abrir as economias para que o capital estrangeiro investisse internamente; assim grupos multina- cionais de vários setores, principalmente setores de alta tecnologia e capital, como automotivo, material de transporte, eletroeletrônico e químico, implantaram nesses países suas filiais ou subsidiárias, au- xiliando os governos locais em suas políticas desenvolvimentistas. A solução para o outro problema, a escassez de poupança interna para fomentar as empresas nacionais privadas ou pú- blicas, foi tomar grandes empréstimos internacionais, opção que provocou graves problemas de endividamento externo aos países. Ocorre que, em momentos de crise econômica, como a ocorrida no final dos anos 70, todas as economias do mundo foram afetadas negativamente, mas mais profundamente aquelas com grandes dívidas externas e baixa capacidade de exportar para produzir saldos comerciais. Por outro lado, ao chamarem as empresas estrangeiras para implantar setores industriais inteiros, sendo eles invariavelmente os mais dinâmicos e tecnologicamente avançados da indústria, os governos impedem a formação de grupos nacionais nesses setores, gerando uma dependência tecnológica e de estratégia comercial com empresas de outros países. O ponto críticose dá quando as empresas multinacionais estabe- lecidas no país começam a ter lucros em suas operações. Inicia-se um processo contínuo de remessa de lucros ao exterior e, assim, retira-se uma parte do potencial de reinvestimentos que poderiam elevar a capacidade de produzir internamente, para melhorar a qualidade dos produtos e a capacidade de concorrer no mercado internacional. UNIDADE 1 56 Crescimento do PIB Brasil China 2018 20162016 2014 2012 2010 2008 2006 2004 2002 2000 1998 1996 1994 1992 19901990 -5 0 5 10 15 Figura 16 - Gráfico (c): Crescimento do PIB Brasil x China / Fonte: a autora. No Gráfico (c), é feito um comparativo do crescimento do PIB da China com re- lação ao Brasil. É possível perceber que a velocidade de crescimento da economia chinesa é mais significativa que a do nosso país. A estratégia de crescimento orientada para dentro tem as vantagens de isolar a economia dos movimentos mais agudos das economias do resto do mundo; logo, grandes crises externas não afetam consideravelmente o emprego, a produção e a geração de renda interna. Entretanto, essas economias mais isoladas também não conseguem aproveitar-se do crescimento do resto do mundo para estimular o próprio crescimento. Descrição da Imagem: a Figura 16 apresenta o Gráfico (c) com o Crescimento do PIB Brasil x China. O gráfico de barras compara o crescimento do PIB dos países Brasil e China. Em azul (mais à esquerda), os dados do PIB brasileiro para os anos pares no período de 1990 até 2018. Na cor laranja (à direita), o PIB chinês que cresce de forma mais robusta quando comparado ao Brasil para o mesmo período. UNICESUMAR 57 Evidencia-se a importância do crescimento econômico para o desenvolvi- mento econômico e social de um país. Contudo, crescimento per se não é sufi- ciente, pois um Produto Interno Bruto (PIB) ou uma renda per capita maior não garante sua boa distribuição entre os habitantes de um país. A literatura sobre as relações entre investimento público, infraestrutura e cresci- mento é vasta. As evidências apontam que, onde o investimento público é feito, ele aparece em geral positivamente, correlacionado com o crescimento. Não é uma relação de causalidade, isto é, não se pode dizer que investimento cause cresci- mento, mas há uma correlação, o que quer dizer que o investimento público está positivamente relacionado com o crescimento, pois onde o investimento público é implementado, observa-se um crescimento econômico. Portanto, precisamos abandonar o derrotismo, uma característica nossa como país e como sociedade e que disfarçamos sob conformismos e estereótipos. Muita coisa de fato dá errado no país, porém isso não significa que os erros sejam incontornáveis. Uma visão mais realista é a de que o país tem potencial, gente capacitada, com muito a ofe- recer. Portanto, devemos pensar um cenário, a partir da pandemia, por exemplo, orientado por políticas de saúde pública, proteção social e infraestrutura profun- damente relacionada e comprometida com uma agenda ambiental. A pandemia trouxe um quadro de rupturas e uma mudança de eixo no mundo e, neste mo- mento, não é fantasia acreditar que possa haver grande mudança no Brasil. Pode ser uma utopia, mas é válida, porque convida a agir para torná-la real. NOVAS DESCOBERTAS Não é tarefa simples entender o Brasil. Então leia Celso Furtado! Nessa obra organizada por Rosa Freire d'Aguiar, é possível aprender a partir de temas que, justapostos, possibilitam uma visão global da múltipla obra do mais importante economista brasileiro (não é só minha opi- nião! Morreu em 2004, mas sua obra está mais viva do que nunca!) O fulcro da obra dele é o subdesenvolvimento. Nosso pensador usou a história como principal fonte e instrumento para a compreensão do nosso país. Em face do complexo momento econômico internacional, esse material possibilita conhecer o pensamento desse homem que soube olhar para as nuances eco- nômicas do Brasil e revelar a dialética desenvolvimento/subdesenvolvimento. 58 AGORA É COM VOCÊ No contexto do desenvolvimento social e econômico, há uma série de fatores dinamica- mente inter-relacionados, de tal forma que alterações de um deles, ou em alguns deles simultaneamente, repercutem imediatamente sobre os demais, sendo esta repercussão mais do que um simples efeito aditivo, assumindo mesmo um caráter de autorreforço. A partir dessa contextualização, desenvolva um mapa mental que aborda a questão da saúde enquanto política de desenvolvimento econômico. Considere as palavras-chave: Indicadores qualitativos - Interdisciplinaridade - Pessoas - Crescimento econômico 59 CONFIRA SUAS RESPOSTAS O estudante deve se embasar nos conceitos econômicos e procurar estabelecer uma relação entre as palavras-chave sugeridas pela professora. O estudante poderá desenhar livremente ou também utilizar da ferramenta disponível para um mapa conceitual: www.goconqr.com Caso o estudante desenhe livremente, a orientação de resposta deve vir semelhante a este mapa mental: http://www.goconqr.com MEU ESPAÇO 2Política Monetária e a Questão Inflacionária Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A moeda exerce um papel indiscutível no nosso cotidiano. Historica- mente, você verá que ela se desloca do conceito metálico a ela ligado, perpassa as cédulas e, por assim dizer, o meio circulante de uma sociedade, até chegar à noção creditícia. É na caminhada de desen- volvimento do sistema financeiro que vamos entendê-la enquanto protagonista da economia, assumindo as mais diversas funções. As modernas atribuições da questão monetária a elevam ao posto de instrumento de política econômica para atingir objetivos macroeco- nômicos. Junto à política fiscal, está essa importante ferramenta da Economia, no intuito de ordenar o dia a dia dos agentes econômicos para proporcionar a estabilidade econômica. UNIDADE 2 62 Ensinar por meio de parábolas é, provavelmente, a metodologia mais antiga que existe e foi profusamente utilizada pelos Sábios de Israel. É fácil entender essa maneira de proporcionar o conhecimento, pois não se aprende a funcionar por abstrações. Nesse sentido, a parábola funciona a partir do mundo sensível e é, por isso, muito mais fácil de ser guardada, lembrada. É uma forma de aproximar o conhecimento (abstrato) das aplicações do dia a dia. As parábolas atribuídas a Jesus trazem luz às questões mundanas. No Evangelho de Mateus (13, 13), coloca- -se na boca de Jesus que: “é por isso que lhes falo em parábolas: porque veem sem ver, e ouvem sem ouvir nem entender”. Ouso sempre pensar que o caminho do conhecimento é, também, um salto na fé. Não se sabe o que se vai encontrar, mas, ainda assim, é feita a escolha por avançar, evoluir. Entender as questões econô- micas para tomar decisões mais acertadas é isto: sair da opacidade e buscar a luz. Assim, sustentados do artifício literário que é a parábola, aproximar-nos-emos da grande protagonista econômica que é a moeda! E aí, eu te pergunto, caro(a) estudante: você conhece a Parábola dos Talentos, em Mateus 25, 14-30? Contarei aqui, e você verá como ela se encaixa perfeitamente na nossa conversa. Você também pode conhecer a parábola por outro nome, como Parábola das Minas, e é uma das histórias mais conhecidas de Jesus. Vamos lá! Essa parábola conta a história de um homem rico que estava de partida para uma viagem e que, antes, havia entregado seus bens aos cuidados de três empregados. Você está se perguntando: “mas o que era esse talento?”. Bom, já deu para perce- ber, nessa narrativa, que um talento só poderia ser dinheiro, certo? Portanto, talento era uma unidade de peso, uma unidade monetária, como se dizia naquela época, e o valor de um talento era, mais ou menos, uns 34 quilos de ouro. Uma fortuna! Voltando à história, então o patrão concedeu cinco talentos de ouro ao pri- meiro empregado; para o segundo, ele deu dois talentos; e, ao terceiro, ele deu um. O patrão resolveu distribuir odinheiro dessa maneira porque conhecia a capacidade de cada um de seus empregados. Então, os dois primeiros emprega- dos investiram o dinheiro e conseguiram duplicar o que tinham recebido, mas o terceiro empregado cavou um buraco no chão e enterrou o ouro ali, pois tinha medo de perdê-lo. Passou-se um tempo, e o patrão voltou da viagem e foi ajustar as contas com seus empregados. O primeiro empregado mostrou como tinha duplicado seus cinco talentos, e o patrão o recompensou. O segundo mostrou como tinha dupli- cado seus dois talentos e também foi recompensado da mesma forma. O terceiro UNICESUMAR 63 empregado desenterrou seu talento de ouro e o entregou de volta ao patrão. Ele se desculpou, dizendo que não quis fazer nada porque tinha medo da braveza do patrão, mas, mesmo assim, o patrão ficou muito zangado com o empregado e dis- se a ele que deveria ter colocado o dinheiro no banco para entregá-lo com juros. É possível trazer à tona vários ensinamentos a partir desse texto. O primeiro deles é que as parábolas remontam uma perspectiva do mundo do primeiro século na Palestina, considerando a Era Cristã. Elas eram inspiradas na realidade, em si- tuações da vida. Diga-se de passagem, autores da área relatam uma sociedade mer- gulhada no aspecto agrário dentro do Império Romano. Portanto, o ensinamento, aqui, tem um caráter histórico, de um específico panorama sociológico e cultural. É necessário desconsiderar dessa história qualquer aspecto religioso ou irreligioso. A viabilidade do aprendizado se encontra presente no aspecto metafórico. O segundo ensinamento é que os talentos são “dons”. O “dom” não é transferível. Cada um tem o seu. Uma interpretação possível é a de que é Deus (lembre do senhor da história!) quem faz o dom. É Ele quem continua sendo o senhor (o homem rico da passagem bíblica). A ideia, repito, não é adentrar na religiosidade ou irreligiosidade de cada um, mas propor a reflexão sobre disponibilizar os “dons”. Não obstante, o dom que foi entregue é, por assim dizer, “perdido” se não o fizermos crescer. É importante estar “a serviço” e “multiplicar os talentos”. Cada um tem algo a oferecer para o quadro social. Contudo, podemos pensar, também, essa pas- sagem enquanto uma aproximação para o entendimento das questões econô- micas. Aqui, entende-se o poder dinâmico da multiplicação dos talentos como o poder que a moeda adquiriu ao se multiplicar no contexto capitalista, e não apenas sua característica de entesouramento — cavar um buraco no chão e enterrar, como na parábola. Imagine que o mundo funcionasse na base de trocas. Ano de 2020... Che- gou a pandemia do coronavírus. Os produtores de laranja, café, o setor auto- mobilístico, os prestadores de serviços, como os dentistas, professores, todos demandando máscaras e álcool em gel. No entanto, dar aulas, oferecer serviços dentários, os carros, o café ou a laranja não são bens que possam ser trocados facilmente pelas imprescindíveis máscaras ou álcool em gel. A moeda nos faci- litou a vida, pois realizou seu papel de intermediário de trocas. Assim, mesmo que o custo desses produtos tenha aumentado no contexto da pandemia, tive- mos (e ainda temos!) a facilidade de trocar papel-moeda para adquirir esses meios de prevenção contra o coronavírus. UNIDADE 2 64 Vamos experimentar uma história coletiva? Podemos fazer em família, com amigos... Você estipulará um tempo para a brincadeira, por exemplo, 30 minutos. Se estiver em 6 pessoas, por exemplo, pode repartir em 5 minutos para cada um. Alguém começa a elaborar um relato (aqui, nossa proposta é falar sobre as- suntos divertidos que envolvam Economia, como, por exemplo, a história de um trabalhador que guardava dinheiro em um lugar inusitado... Enfim, sua escolha), cria personagens, situações e cenários específicos. A pessoa deve abrir brecha para que a próxima continue a história, incrementando novos acontecimentos à trama. Ela pode ficar mirabolante, assustadora, engraçada, romântica e até muito divertida. O rumo que ela tomará será surpresa para todos. Será legal envolver crianças; caso ela não saiba escrever, vale desenhar. Improviso, colaboração, res- peito pela vez do outro são elementos importantes que comporão a obra final. Depois dessa experiência, o que você aprendeu com tudo isso? Veja, queri- do(a) estudante, que a moral da história na Parábola dos Talentos é que “todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas aquele que não tem, até o que tem, lhe será tirado” (Mt 25, 14-30). Deixe todas as suas primeiras anotações e impressões aqui no Diário de Bordo. Este espaço é seu, aproveite! DIÁRIO DE BORDO UNICESUMAR 65 Na Unidade 1 deste material, foi-nos dada a oportunidade de reconhecer o terri- tório econômico, a dinâmica capitalista, a relação de crescer e desenvolver a partir de um contexto que objetiva “multiplicar os talentos”. Agora, é chegada a hora de oportunizar o conhecimento sobre o papel que a moeda (talento!) tem nesse panorama. Quem é ela? Qual é a sua importância? Como podemos multiplicá-la? A moeda nos facilitou a vida, pois realizou seu papel de intermediário de trocas. Assim, mesmo que o custo desses produtos tenha aumentado no contexto da pandemia, tivemos (e ainda temos!) a facilidade de trocar papel-moeda para adquirir esses meios de prevenção contra o coronavírus. Falar sobre moeda pode, em princípio, remeter à questão metálica que está incutida na história da economia monetária. Para o entendimento, tomemos como base o período histórico do Mercantilismo no século XVII. Nesse ínterim, as transações eram realizadas com moedas feitas a partir de metais preciosos, como ouro, prata ou bronze, sendo as de ouro ou prata as mais comuns. Moedas desse tipo têm um valor intrínseco, porque o seu valor é cor- respondente à quantidade de ouro (prata ou bronze) usada em sua fabricação. O que determina o seu valor é a quantidade do metal precioso no objeto usado como moeda. Logo, uma moeda de ouro não precisa ser respaldada por nada, pois é dotada de um valor intrínseco. Ao longo do tempo, países entraram em guerra e se viram em dificuldade com as suas reservas de ouro, o que lhes diminuiu a capacidade de cunhar moedas com um determinado conteúdo de ouro. Endividados pelas guerras, esses países passaram a cunhar moedas com cada vez menos ouro, na expectativa de que fossem aceitas com o mesmo valor de antes, ainda que a quantidade de metal nelas fosse menor. No entanto, o desbastamento, como explica Bolle (2020, p. 111), consiste em: “ [...] reduzir o conteúdo de ouro que aquela moeda normalmente teria - é o correspondente inflacionário para moedas que não têm o valor intrínseco. É o mesmo que dizer que se uma moeda que possuía um valor x, porque tinha um conteúdo x de ouro, passa a ter um conteúdo y de ouro, que é menor do que x, sendo a diferença entre x e y equivalente a um tipo de inflação. Agora UNIDADE 2 66 são necessárias mais moedas com o conteúdo y para comprar o mesmo que x comprava antes. Quando se desbasta uma moeda que tem valor intrínseco, gera-se um processo inflacionário que equivale à corrosão literal dessa moeda. Portanto, faz todo sentido pensar no aspecto metálico, apesar de termos mais elementos constituintes dessa protagonista econômica. Assim, podemos vis- lumbrar que a economia capitalista se torna complexa à medida que avança. Daqui a pouco, falaremos mais da questão inflacionária, já introduzida nesse contexto metálico da moeda. Por enquanto, perceba que os nossos sistemas monetários operam, atualmente, com moedas que não têm valor intrínseco, são as chamadas moedas fiduciárias: o papel-moeda. Uma nota de R$ 2,00, por exemplo, é um papel-moeda. Todas as pessoas sabem que a civilização moderna é fortemente baseada na especialização e nas trocas e que a moeda, indispensável como medida de valor e meio de pagamento, é o instrumento que viabiliza a ordem econômica e social. A moeda, porém, é muito mais que um meio passivo quefacilita a definição de valo- res e o sistema de trocas. Muito mais do que um simples lubrificante da máquina econômica, ela tem grande importância na regulação da atividade econômica e na ordem social. A estabilidade, a eficiência e o crescimento dependem de uma equi- librada interação entre os setores real e monetário da economia (KLISE, 1964). Talvez, o seu valor inerente seja o custo da sua produção, o que equivale a um valor irrisório. No entanto, nós aceitamos a nota de R$ 2,00 por seu valor de face, pelo que está impresso nela, porque acreditamos que o governo será capaz de ressarcir aquele valor de alguma maneira. Isso significa que a moeda que não tem valor intrínseco, depende de um respaldo, de um lastro, como é comum dizer em economia. E esse lastro está pautado em um elemento fundamental na economia, que é o fator confiança. O lastro da moeda é sempre a capacidade de pagamento do governo. Talvez, você nunca tenha parado para pensar sobre essa relação pautada em CONFIAR. Embora pareça abstrata, essa confiança depende da solidez fiscal que é conquistada ao longo do tempo, ela é construída. É acredi- tar que o governo vai honrar o valor daquela nota! Bolle (2020) nos lembra que política monetária e política fiscal estão diretamente entrelaçadas. Considerando essa abordagem, nossa temática aqui é a questão monetária. E, em outro momento (Unidade 3), abordaremos a questão fiscal. UNICESUMAR 67 Encontramos, em Carvalho et al.(2000, p. 2), uma abordagem bastante con- tributiva para nos mostrar a relevância da moeda para a economia moderna: “ A moeda é um objeto que responde a uma necessidade social decor- rente da divisão social do trabalho. A divisão do trabalho característica da economia capitalista moderna especializou unidades de produção e indivíduos. Os agentes econômicos se tornaram, assim, extremamen- te interdependentes. Necessitam fazer inúmeras compras e vendas em períodos, às vezes, bastante curtos. Uma sociedade sem moeda teria uma vida econômica pouco ágil. O tempo para concretizar uma transação comercial aumentaria demasiadamente, e o desgaste físico e mental para se realizar tal operação seria, talvez, insuportável. Trata-se de um quadro social mais flexível, com muito mais possibilidades de transações. Esse é o contexto da dinâmica capitalista. Ainda na obra anteriormen- te citada, encontramos um panorama de uma economia não monetária: “ As trocas diretas somente seriam eficazes em sociedades com eco- nomias primitivas, onde os indivíduos e/ou grupos familiares fos- sem basicamente auto suficientes; isto é, onde a divisão do trabalho praticamente inexistisse: uma sociedade em que cada indivíduo produzisse o que necessita e transacionasse somente quando hou- vesse um excedente, eventual, não planejado da sua produção. Nessa sociedade, um indivíduo não necessita realizar transações para se proteger do frio, para comer, para acender o fogo. Quando (e se) a transação do seu excedente produtivo ocorrer, ele pode obter uma satisfação extra, além das suas necessidades básicas. O agente não depende da realização de uma transação para atender as suas ne- cessidades. A produção individual ou familiar garante a satisfação de necessidades. As transações, quando realizadas, gerariam satis- fação extra. Assim, no regime de trocas diretas, uma transação é, ao mesmo tempo, venda de uma mercadoria e compra de uma outra (CARVALHO et al., 2000, p. 2). UNIDADE 2 68 Figura 1 - As moedas do Brasil / Fonte: a autora. UNICESUMAR 69 Descrição da Imagem: a Figura 2 apresenta o olhar conceitual de uma linha do tempo das moedas no Brasil. Em 1500, havia os réis: essa moeda foi conhecida quando os portugueses descobriram o Brasil. Ela se chamava-se real, mas, no plural, era “réis”. Continuou com esse nome após a Independência (1822) e só mudou em 1942. No século XVI, havia o zimbo: essa moeda era usada pelos escravos. Parecia um búzio. Costumava ser dinheiro no Congo e em Angola. Em 1614,tem-se o açúcar: Constantino Menelau, governador do RJ, usou o escambo e ordenou que comerciantes aceitassem o açúcar como moeda. Na época, outros produtos, como algodão, fumo, ferro, café, cacau e cravo, já eram usados no escambo (mas não oficialmente). Em 1942, o cruzeiro substituiu os réis como moeda. Foi a primeira a utilizar os centavos no país. Imagens de figuras históricas, como D. Pedro I e Getúlio Vargas, eram usadas nas no- tas. Mil réis passam a valer um cruzeiro. Em 1967, tem-seo cruzeiro novo: moeda de transição, porque o cruzeiro começou a perder seu valor (inflação). A diferença é que as notas do cruzeiro recebiam um carimbo como os novos valores. Mil cruzeiros passaram a valer um cruzeiro novo. Em 1970, a moeda voltou a se chamar cruzeiro. As cédulas tinham valor muito alto, como as de 100 mil. O valor continuou o mesmo, sendo que um cruzeiro novo equivalia a um cruzeiro. Em 1986, há o cruzado: a inflação levou, novamente, o Brasil à mudança de moeda. Como a maioria das cédulas foi aproveitada, levou um carimbo com os novos valores. O nome “cruzado” veio de uma moeda portuguesa antiga. Mil cruzeiros passam a valer um cruzado. Em 1989, tem-se o cruzado novo: a inflação continuou desvalorizando o dinheiro brasileiro. Primeira vez em que aparece a imagem da Efígie da República, o rosto que estampa todas as notas de real hoje em dia. Um cruzado novo valia mil cruzados. Em 1990, pela terceira vez, volta o nome “cruzeiro”. Assim como aconteceu com o cruzeiro de 1970, havia notas com muitos zeros, como a de 500 mil. Em 1993, tem-se o cruzeiro real: houve reaproveitamento de cédulas antigas e emissão de novas. Um cruzeiro real era o mesmo que mil cruzeiros. Em 1994, no governo de Itamar Franco, o real entrou em vigor. Esse é o dinheiro que o Brasil tem até hoje e que passou a controlar a temível inflação. Um real passou a valer 2.750 cruzeiros. UNIDADE 2 70 A forma como nos organizamos economicamente está inexoravelmente ligada ao papel da moeda. Portanto, uma economia monetária só é possível a partir da liberdade que esse intermediário de trocas proporciona. Início: o banco solicita a impressão do dinheiroFabricante: é contratado para produzir o dinheiro Instituição de custódia: é contratada para armazenar e fazer a logística do dinheiro. Ela recolhe as cédulas que não estão em bom estado. Instituição �nanceira: recebe o dinheiro da instituição de custódia e repassa aos clientes. Dinheiro: é no banco central que o dinheiro é emitido e passa a valer Correntistas: a população também tem papel fundamental no processo de cuidar do dinheiro brasileiro e colocando as notas e moedas em circulação. Figura 2 - O caminho do dinheiro / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a Figura 3 apresenta um cifrão amarelo e se inicia com o Banco Central do Brasil, que solicita a impressão do dinheiro. Saindo do Banco, segue para o fabricante. O fabricante é contratado para produzir o dinheiro. Depois de produzido, o dinheiro segue para a instituição de custódia. A instituição de custódia é contratada para armazenar e fazer a logística do dinheiro. Ela recolhe as cédulas que não estão em bom estado. Saindo dela, vai para a instituição financeira. Essa instituição receberá o dinheiro da instituição de custódia e repassará aos clientes. Finaliza com os correntistas. Os correntistas são a população, que também tem papel fundamental no processo de cuidar do dinheiro brasileiro, colocando as notas e moedas em circulação. UNICESUMAR 71 Dicas de como cuidar bem das notas Não deixe circular notas caso estejam sujas, manchadas, rasgadas, des guradas, rabisca- das, com marcas ou dani cadas. Dicas para as moedas As moedas devem estar em circulação, pois é boa para a economia e para o meio ambiente. E a moeda não representa somente um meio de troca, é, também, uma unidade de conta. Diante da complexidade da dinâmica capitalista, principalmente, no que diz respeito à produção de mercadorias e serviços,dentro da lógica da di- visão social do trabalho, faz-se fundamental um mecanismo que coordene os participantes desse processo. Os contratos entre os trabalhadores e as firmas são estabelecidos a partir das tarefas que serão desempenhadas, número de jorna- das de trabalho, o salário monetário; os contratos entre as firmas estabelecem datas e entregas de insumos, o valor monetário dos pagamentos; os contratos entre as firmas e bancos; enfim, as relações econômicas são estabelecidas a partir de um padrão de medida, que é o papel de unidade de conta que a moe- da tem. Ainda considerando que a economia, ao longo do tempo, tornou-se uma rede de infinitas interligações que a tornam um universo de redes que se alimentam em um intrincado circuito, devemos considerar que a moeda tem a função de reserva de valor, decorrente UNIDADE 2 72 “ [...] da existência de amplos mercados futuros e à vista na econo- mia. No momento em que um agente econômico recebe recursos na forma monetária, ele ganha o direito de reter poder de compra, em tese, indefinidamente sem temer perdas. A função reserva de valor dá ao detentor de moeda a possibilidade, de reter recursos por períodos longos sem que tal atitude lhe imponha qualquer custo (de carregamento). Contrariamente, em uma economia em estado hiperinflacionário, a moeda perde essa função de reserva de valor. Reter moeda nessa economia seria uma atitude custosa ao agen- te detentor, pois a moeda perderia poder de compra ao longo do tempo. Em uma economia hiperinflacionária, riqueza em forma monetária perde poder de compra na mesma proporção da variação dos preços (CARVALHO et al., 2000, p. 4). Até aqui, focamos na questão conceitual da moeda, suas funções, bem como a sua relevância para a forma como nos relacionamos economicamente. É chegado o momento de inseri-la no contexto mais amplo, ou seja, enquanto meio de paga- mento, e, por assim dizer, tratar do sistema monetário. No Quadro 1, apresenta-se o total do meio circulante até 7 de dezembro de 2020.Em outras palavras, apre- senta-se o total de cédulas e moedas em circulação no Brasil, o qual está em posse do público e dos bancos. As informações sobre o meio circulante são atualizadas constantemente no site do Banco Central do Brasil. UNICESUMAR 73 Figura 3 - Cédulas nacionais Agora, observe, no Quadro 1, o total de cédulas disponíveis em 07/12/2020: Descrição da Imagem: o meio circulante nacional é composto por cédulas, moedas e as cédulas e moedas comemorativas. A Figura 4 apresenta as cédulas de notas de um real, dois reais, cinco reais, dez reais, vinte reais, cinquenta reais, cem reais e duzentos reais. UNIDADE 2 74 CÉDULAS Denominação Quantidade Valor 1,00 148.704.703 148.704.703,00 2,00 1.497.896.034 2.995.792.068,00 5,00 669.919.743 3.349.598.715,00 10,00 676.984.927 6.769.849.270,00 20,00 948.866.624 18.977.332.480,00 50,00 2.600.089.205 130.004.460.250,00 100,00 1.866.280.267 186.628.026.700,00 200,00 41.408.626 8.281.725.200,00 Total de Cédulas 8.450.150.129 357.155.489.386,00 MOEDAS Denominação Quantidade Valor 0,01 3.191.178.998 31.911.789,98 0,05 7.057.896.615 352.894.830,75 0,10 7.321.026.199 732.102.619,90 0,25 3.208.058.047 802.014.511,75 0,50 3.227.444.816 1.613.722.408,00 1,00 3.764.347.231 3.764.347.231,00 Total 27.769.951.906 7.296.993.391,38 UNICESUMAR 75 COMEMORATIVAS Denominação Quantidade Valor 1,00 148.704.703 148.704.703,00 2,00 1.497.896.034 2.995.792.068,00 5,00 669.919.743 3.349.598.715,00 10,00 676.984.927 6.769.849.270,00 20,00 948.866.624 18.977.332.480,00 50,00 2.600.089.205 130.004.460.250,00 100,00 1.866.280.267 186.628.026.700,00 200,00 41.408.626 8.281.725.200,00 Total de Cédulas 8.450.150.129 357.155.489.386,00 Comemorativas 967.363 3.550.474,00 Total do Meio Circulante Nacional R$ 364.456.033.251,38 Quadro 1 - Meio circulante nacional / Fonte: adaptado de Banco Central do Brasil (2020, on-line). UNIDADE 2 76 De forma mais ampla, é possível aprender com Rossetti (2008) que tratar de moeda também é falar de ativos financeiros. O autor nos apresenta que, diferente dos ativos reais (aqueles que podem proporcionar rendimentos a seus detento- res ou, então, atender à satisfação direta de necessidades materiais, individuais e sociais), eles são dotados de atributos específicos. Primeiro, eles não satisfazem a nenhuma necessidade de forma direta: são usados como meios para aquisição de bens e serviços que atenderão às necessidades a que se destinam. Segundo, eles, geralmente, têm graus de liquidez superiores a da maior parte dos ativos reais. Terceiro, embora não em sua totalidade, eles podem proporcionar rendimentos a seus detentores — e rendimentos fixos, menos expostos aos riscos e incertezas que tipificam as atividades do setor real da Economia. Por fim, uma parte dos ativos financeiros, a moeda corrente, é a própria expressão da liquidez. A totalidade de ativos financeiros possuídos pelo público vai além do pa- pel-moeda (e a moeda metálica) em poder do público (PMPP), mas isso será abordado mais adiante. Para os ativos financeiros serem considerados meios de pagamento, em seu conjunto, devem ser agregados os depósitos à vista nos bancos comerciais (DVBC): MP = PMPP + DVBC Meus caros… Agora, sim!!! Chegamos a um dos pontos altos de nosso trabalho: os bancos! As instituições responsáveis pela moeda escritural (tipo de dinheiro não físico usado como meios de pagamentos)têm um papel importantíssimo na economia. Sabe-se da percepção generalizada de todo o mundo de que os interes- ses dos bancos são contrários aos da sociedade, ao bem comum. Eles são, por isso, atores impopulares. Seriam eles os empregados que receberam cinco talentos? Bolle (2020) confirma a noção de que, no Brasil, são cometidos inúmeros excessos pelo sistema bancário: juros exorbitantes e spreads muito elevados. Entendermos, porém, como funciona essa engrenagem do sistema bancário e a sua função nas questões monetárias nos possibilitará não cair em discursos que demonizam os bancos com argumentos pouco elaborados. Uma importante fonte de referência sobre essa temática é o Banco Central do Brasil, o órgão supervisor que tem como missão garantir a estabilidade do poder de compra da moeda do país, o real, e assegurar a eficiência e o bom funcionamento do mercado financeiro local. UNICESUMAR 77 Assim, temos a oportunidade de perceber que a estabilidade financeira é um dos fatores que pode garantir a sustentabilidade do crescimento econômico e do bem-estar da sociedade. Para tanto, é preciso garantir a existência de um sistema financeiro bem organizado e fiscalizado, de forma que os depositantes se sintam protegidos, e os tomadores possam ter acesso ao crédito. Assim, o cliente dos serviços financeiros tem a confiança de que seu patrimônio está seguro e pode investir no seu futuro com mais tranquilidade. É nesse contexto que estudar sobre o papel da moeda e suas inter-relações é fundamental. Agora, é mais fácil afirmar que o sistema financeiro brasileiro é movido, prin- cipalmente, por bancos. Também, temos fundos de hedge, corretoras, gestoras de patrimônio, fundos de pensão, enfim várias instituições financeiras não bancárias, no entanto, o que estrutura todo esse sistema está concentrado nos bancos. São eles instituições que tomam depósitos da população e usam esses depósitos, ou uma parcela deles, para realizar um conjunto de operações, inclusive emprestar La Casa de Papel, lançado em 2017, é a série de língua espanhola mais popular da plata- forma de streaming Netflix. Na série, um assalto à Casa da Moeda da Espanha foi orques- trado pelo chamado Professor (Álvaro Morte) a partir de um plano dito impossível até en- tão: imprimir milhões de euros e sair ileso. Entre tantas questões econômicas levantadas no trabalho, há uma cena memorável para a didática econômica, no oitavo episódio da segunda temporada. Quando o professor fala: “- No ano de 2011, o Banco Central Europeu criou, donada, 171 bilhões de euros, do nada. Igual ao que a gente está fazendo, só que muito mais. 185 bilhões em 2012. 145 bilhões de euros em 2013. Sabe onde foi parar todo esse dinheiro? Nos bancos, direto da Casa da Moeda, para os mais ricos. Alguém disse que o Banco Central Europeu foi um ladrão? Não! Injeção de liquidez, foi o que disseram. E fizeram do nada, do nada”. Ele mostra uma nota de 50 euros para a investigadora e pergunta: “– O que é isso? Isso não é nada, é papel — e rasga a nota. — É papel, está vendo? É papel! Eu estou fazendo uma injeção de liquidez, mas não nos bancos. Eu estou fazendo aqui, na economia real”. Qual é o impacto da impressão de dinheiro na economia? Fonte: adaptado de La Casa de Papel (2017). EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 2 78 para empresas e fazer operações de tesouraria. O principal a saber, porém, é que, no passivo dos bancos, estão os depósitos, que são as nossas contas de poupança, as nossas contas correntes. Daí, uma peculiaridade dos bancos: eles têm, no seu passi- vo, os depósitos à vista, ou seja, esses depósitos podem ser sacados diretamente na boca do caixa (é assim que são chamados os caixas de banco — trabalhei por vários anos exercendo essa função e eu gostava bastante) ou no próprio caixa eletrônico. Essas instituições, donas da mágica de “fazer dinheiro”, o fazem de modo simples. Grande parte dos depósitos feitos em dinheiro em conta são transformadas em empréstimos. Essa operação de pegar o dinheiro de depósito à vista transmutada em empréstimos — dinheiro de curto prazo em dinheiro de longo prazo — rea- liza um mecanismo fundamental da engrenagem econômica: o multiplicador bancário. Galbraith e Sanvicente (1983, p. 20) demonstram até indignação com a forma simples, mas economicamente fértil de fazer moeda: “o processo pelo qual os bancos criam dinheiro é tão simples que até repugna a mente. Quando algo tão importante está envolvido, parece que seria apenas decente haver algum mistério mais profundo”. Vale a pena conceituar que: “ Banco é a instituição financeira especializada em intermediar o di- nheiro entre poupadores e aqueles que precisam de empréstimos, além de custodiar (guardar) esse dinheiro. Ele providencia serviços financeiros para os clientes (saques, empréstimos, investimentos, entre outros). O dinheiro tem três progenitores: casas da moeda, secretários de tesouro ou ministros da fazenda, sendo estes a fonte do papel - moeda; e bancos, de um tipo ou outro. Em sua reivindicação de precedência, os bancos surgiram logo depois das casas da moeda e constituem, da mesma maneira, uma ideia extremamente velha. A atividade bancária teve uma existência importante nos tempos do Império Romano, e depois declinou na Idade Média, a medida em que o comércio tornava-se mais difícil e a concessão de empréstimos entrava em choque com a objeção religiosa à usura. (John Kenneth Galbraith e Antonio Zoratto Sanvicente) PENSANDO JUNTOS UNICESUMAR 79 Os bancos são supervisionados pelo Banco Central (BC), que traba- lha para que as regras e regulações do Sistema Financeiro Nacional (SFN) sejam seguidas por eles. A manutenção da estabilidade e da solidez do SFN e, consequen- temente, da economia de um país, passa por um sistema bancário eficiente e seguidor das regras determinadas pelo regulador (BAN- CO CENTRAL DO BRASIL, [2021a], on-line). Pelo fato dos bancos poderem criar moeda sob a forma de depósitos à vista, torna-se impossível, em uma economia moderna, formular ou discutir política monetária sem examinar o comportamento bancário. Avançando para além da moeda per se, é possível pensar sobre os ativos finan- ceiros, que são os que proporcionam rendimentos considerados não monetários. Definem-se pelo estoque das aplicações dos agentes econômicos em títulos de renda fixa ou variável, de emissão do governo ou do próprio sistema financeiro, com os quais são captados recursos de agentes superavitários para o financiamen- to de operações de crédito. Os rendimentos que esses ativos proporcionam corres- pondem aos juros passivos pagos ou repassados pelos intermediários financeiros. NOVAS DESCOBERTAS Assista, aqui, a uma série de vídeos do Banco Central do Brasil. Este, em par- ticular, é um vídeo superdescontraído e de fácil compreensão sobre o que é um banco e para que serve. O lucro dos bancos, de modo geral, está no spread bancário, que é a diferença entre os juros que os bancos pagam quando você investe seu dinheiro, por exemplo, ao colocar suas economias na poupança ou aplicá-las em produtos de renda fixa, e os juros que os bancos cobram quando você faz um empréstimo ou um financiamento para quitar dívi- das ou adquirir bens. EXPLORANDO IDEIAS https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6409 UNIDADE 2 80 Além de proporcionarem rendimentos, esses ativos podem, ainda, ser dotados de alta liquidez. Alguns são facilmente transferíveis ou resgatáveis. Praticamente, são quase líquidos. Consideram-se, então, quase monetários. Essa noção de ativos que proporcionam rendimentos, bem como a percep- ção sobre a oferta monetária (quantidade de moeda disponível na economia) e sua estreita relação com os bancos nos encaminham para outra importan- te reflexão: como o governo deve coordenar as ações econômicas para que o país em questão, no nosso caso, o Brasil, possa atingir os objetivos econômicos propostos? Buscamos manter a inflação? Aumentar a tributação para que o governo tenha receita maior? Mexer no mercado de trabalho? Para atingir, portanto, o que se almeja para a nação, deve-se atuar de acordo com a política econômica que se adequa ao objetivo estabelecido. No caso brasileiro, como em outros países desenvolvidos e emergentes, desde 1999, foi adotado o regime de metas de inflação. Essa é uma forma viável e eficaz de monitorar e evitar flutuações excessivas do nível de atividade econômica. Além de que, pela história econômica do Brasil, devemos sempre zelar pela estabilidade da moeda e cuidar para não incorrer em crises, as quais quem vivenciou a década de 1980 e o começo dos anos 1990 conhece bem… Lembro-me, por exemplo, que haviam funcionários nos supermercados que exerciam a função de mudar a etiqueta de preço dos produtos a todo momento. UNICESUMAR 81 Figura 4 - O abuso de preços nos supermercados / Fonte: Wikimedia Commons (2020, on-line). Para ajudar a imaginar a gravidade da questão inflacionária, no início da década de 1990, a inflação mensal atingiu valores superiores a 80%. Na prática, isso significava que o poder de compra dos salários se reduzia quase à metade após 30 dias. Con- forme o Banco Central do Brasil, isso significava que: o dinheiro necessário para a compra de 2 kg de carne, após 30 dias, só permitia a compra de pouco mais de 1kg. O resultado dessa desvalorização acelerada da moeda era visto nos supermercados no começo de cada mês: famílias com carrinhos lotados e longas filas. A inflação funciona como um imposto sobre a posse da moeda. Isso significa que, quando a inflação aumenta, o poder de compra diminui. A elevação do custo de vida provocada pela alta de preços reduz a quantidade de bens e serviços que o salário mínimo pode com- prar, por exemplo, e esse fato explica porque a infla- ção é especialmente prejudicial para as faixas mais po- bres da população — que, geralmente, não têm como fazer investimentos para proteger seus recursos. Quer entender essa delicada relação? Ouça este podcast: “A inflação e a desigualdade social no Brasil”. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6408 UNIDADE 2 82 Dessa maneira, o sistema de metas tem possibilitado que a inflação fique sob controle em níveis relativamente baixos. A política monetária mantém, nesse sen- tido, vínculo mais estreito com o objetivo conjuntural de estabilidade monetária. De tal forma, dentre as políticas econômicas, a política monetária, que afeta a quantidade de dinheiro na economia, é a mais usada pelos governos, principal- mente, pelo fato do objetivo ser o controle dainflação. Instrumentos da política econômica Política Cambial Política FiscalPolítica Monetária Figura 5 - Política econômica / Fonte: a autora. A gestão da economia visa atender às necessidades de bens e serviços da socieda- de e atingir determinados objetivos sociais e macroeconômicos, como pleno em- prego, distribuição de riqueza, estabilidade de preços e crescimento econômico. Para tanto, o governo atua na economia por meio de políticas econômicas, iden- tificadas pela política monetária, política fiscal e política cambial, principalmente. Descrição da Imagem: a política econômica tem à sua disposição três principais instrumentos: a política monetária, a política fiscal e a política cambial. A imagem apresenta uma hierarquia por questão didática, na qual a política fiscal está acima da monetária, que, por sua vez, está acima da cambial. Contudo, a escolha de um ou outro instrumento não caracteriza que um seja mais ou menos importante que outro, é uma abordagem da autoridade econômica em atuação, embora a política monetária, normalmente, seja mais utilizada. UNICESUMAR 83 Os formuladores de políticas econômicas têm à sua disposição elementos para agir sobre a realidade, condicionando-a aos objetivos de curto ou de longo prazo estabelecidos. Eles podem ser, principalmente, analisados sob o aspecto da: ■ Política fiscal: em que se atua sobre os fluxos de receita e despesa do setor público. ■ Política cambial: na qual a atuação se dá no nível da fixação dos valores entre a moeda corrente do país e as demais divisas conversíveis; controle de operações financeiras relacionadas às transações externas. ■ Política monetária: que mexerá na oferta de moeda e na taxa de juros. Destarte, a política monetária enfatiza sua atuação sobre os meios de pagamento, títulos públicos e taxas de juros, modificando o custo e o nível de oferta do cré- dito. Ela é, geralmente, executada pelo Banco Central de cada país, o qual possui poderes e competência próprios para controlar a quantidade de moeda na eco- nomia. E, por falar em crédito, taxa de juros e títulos públicos, vale a pena investir um tempinho na visualização das instituições que devem permitir, dentro das melhores condições possíveis, a realização dos fluxos de fundos entre tomadores e poupadores de recursos na economia. UNIDADE 2 84 Órgãos normativos Moeda, crédito, capitais e câmbio Seguros privados Previdência fechada Supervisores Operadores CMN Conselho Monetário Nacional CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados CNPC Conselho Nacional de Previdência Complementar BCB Banco Central do Brasil CVM Comissão de Valores Mobiliários Susep Superintendência de Seguros Privados Previc Superintendência Nacional de Previdência Complementar Bancos e caixas econômicas Administradoras de consórcios Bolsa de valores Seguradoras e Resseguradores Entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão) Cooperativas de crédito Corretoras e distribuidoras Bolsa de mercadorias e futuros Entidades abertas de previdência Instituições de pagamento Demais instituições não bancárias Sociedades de capitalização Figura 6 - Composição do Sistema Financeiro Nacional Fonte: adaptado de Banco Central do Brasil ([2021b], on-line). O Banco Central é uma autarquia federal ligada ao Ministério da Fazenda, que tem como missão garantir a estabilidade do poder de compra da moeda do país, o real, e assegurar a eficiência e o bom funcionamento do mercado financeiro local. Descrição da Imagem: o Conselho Monetário Nacional (CMN) é o órgão superior do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito. Seu objetivo é a estabilidade da moeda e o desenvolvimento econômico e social do país. Na Figura 7, apresentamos a composição do Sistema Financeiro Nacional. A divisão é apresentada por entidades que pertencem ao SFN e estão divididas entre órgãos: normativos, entidades supervisoras e operadores. Os órgãos normativos são constituídos por instituições que estabelecem as diretrizes e normativas gerais do SFN. A principal entidade é o Conselho Monetário Nacional. As entidades supervisoras são os órgãos normativos que estabelecem as diretrizes, as entidades supervisoras regulam e fiscalizam as atividades das entidades que pretendem regular. Podem, inclusive, aplicar multas e demais sanções às entidades que não atenderem aos determinantes regulamentares. Os operadores são todas as demais entidades que fazem parte do SFN e participam da intermediação financeira. UNICESUMAR 85 A instituição é responsável por executar a estratégia estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para manter a inflação sob controle e atua como secretaria executiva deste órgão. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi criada, em 7 de dezembro de 1976, pela Lei 6.385/76, com o objetivo de fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil. Os operadores são as instituições que lidam diretamente com o público no papel de intermediário financeiro: ■ O banco é uma instituição financeira especializada em intermediar o di- nheiro entre poupadores e aqueles que precisam de empréstimos, além de custodiar (guardar) esse dinheiro. Ele providencia serviços financeiros para os clientes (saques, empréstimos, investimentos, entre outros). ■ Os bancos são supervisionados pelo Banco Central (BC), que trabalha para que as regras e regulações do Sistema Financeiro Nacional (SFN) sejam seguidas por eles. A administradora de consórcios é a pessoa jurídica, prestadora de serviços, com objeto social principal voltado à administração de grupos de consórcio, consti- tuída sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima. As Bolsas de Valores têm como atividades a criação e administração de sis- temas de negociação, compensação, liquidação, depósito e registro para todas as principais classes de ativos, desde ações e títulos de renda fixa corporativa até derivativos de moedas, operações estruturadas e taxas de juro e de commodities. As cooperativas de crédito correspondem a uma instituição financeira formada pela associação de pessoas para prestar serviços financeiros exclusivamente aos seus associados. Os cooperados são, ao mesmo tempo, donos e usuários da cooperativa, participando de sua gestão e usufruindo de seus produtos e serviços. Nas coope- rativas de crédito, os associados encontram os principais serviços disponíveis nos bancos, como conta corrente, aplicações financeiras, cartão de crédito, empréstimos e financiamentos. Os associados têm poder igual de voto, independentemente da sua cota de participação no capital social da cooperativa. O cooperativismo não visa lucros, os direitos e deveres de todos são iguais, e a adesão é livre e voluntária. As corretoras de títulos e valores mobiliários (CTVM) e as distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVM) atuam nos mercados financeiro e de http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/primeiros_passos/Entendendo_mercado_valores.html UNIDADE 2 86 capitais e no mercado cambial intermediando a negociação de títulos e valores mobiliários entre investidores e tomadores de recursos. As instituições de pagamentos (IP) representam pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos no âmbito de um arranjo de pagamento , sem a possibilidade de conceder empréstimos e financia- mentos a seus clientes. No Sistema Financeiro Nacional (SFN), os bancos e as caixas econômicas não são a única opção para clientes e consumidores acessarem serviços financeiros, as instituições não bancárias são uma alternativa. Elas são consideradas “não bancárias” pois não recebem depósitos à vista, nem podem criar moeda (por meio de operações de crédito ). Elas operam com ativos não monetários como ações, CDBs, títulos, letras de câmbio e debêntures. Ainda, existe o ramo do SFN para quem busca seguros privados, contratosde capitalização e previdência complementar aberta: ■ Mercado de seguros privados: é o mercado que oferece serviços de pro- teção contra riscos. ■ Previdência complementar aberta: é um tipo de plano para aposentadoria, poupança ou pensão. Funciona à parte do regime geral de previdência e aceita a participação do público em geral. ■ Contratos de capitalização: são os acordos em que o contratante deposita valores, podendo recebê-los de volta com juros e concorrer a prêmios. Assaf Neto (2018) nos assegura que a necessidade de conhecimento do sistema financeiro é crescente ao longo do tempo, explicada pela importância que exerce na economia o segmento empresarial de um país, como, também, pela maior complexidade que suas operações vêm apresentando. É isso que nos apresenta a Figura 7em relação à estrutura do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Por meio dele, viabiliza-se a relação entre agentes carentes de recursos para investimento e agentes capazes de gerar poupança e, consequentemente, em condições de fi- nanciar o crescimento da economia. Por agentes carentes de recursos, entende-se aqueles que assumem uma posição de tomadores no mercado, isto é, que despen- dem, em consumo e investimento, valores mais altos que suas rendas. Os agentes superavitários, por seu lado, são aqueles capazes de gastar em consumo e investi- mento menos do que a renda auferida, formando um excedente de poupança. O http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/primeiros_passos/Entendendo_mercado_valores.html UNICESUMAR 87 SFN é composto por um conjunto de instituições financeiras públicas e privadas, e seu órgão normativo máximo é o Conselho Monetário Nacional (CMN). O CMN tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito. Seu objetivo é a estabilidade da moeda e o desenvolvimento econômico e social do país. E o Banco Central (BCB), uma autarquia federal ligada ao Ministério da Fazenda, tem como missão garantir a estabilidade do poder de compra da moeda do país, o real, e assegurar a eficiência e o bom funcionamento do mercado finan- ceiro local. A instituição é responsável por executar a estratégia estabelecida pelo CMN para manter a inflação sob controle e atua como secretaria executiva deste órgão. Na imagem, é possível observar, também, a existência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão que fiscaliza, normatiza, disciplina e desenvolve o mercado de valores mobiliários no Brasil. As bolsas de valores e bolsa de merca- dorias e futuros respondem à CVM. Ainda temos um importante papel desem- penhado no sistema financeiro pelas seguradoras, sociedades de capitalização e previdência. Neste momento do nosso trabalho, centralizaremos nossa atenção para os bancos e o banco dos bancos: o Banco Central. É, portanto, por meio desse circuito de pessoas, empresas e governo — que é o Sistema Financeiro Nacional —, que circulam a maior parte dos ativos, dos pagamento de dívidas e, por conta dele, podemos realizar investimentos. Inexo- ravelmente, esse sistema está ligado à decisão entre consumo e investimento das famílias; à questão da taxa de câmbio; ao preço dos ativos; ao crédito; às expec- tativas do mercado; a questões atreladas aos preços, que, por sua vez,são afetadas pela política monetária. Essa última está absolutamente relacionada às decisões das autoridades do assunto. Por uma questão didática, portanto, trataremos do entendimento sobre a política monetária e, na sequência, relacionaremos com a questão dos preços, mais propriamente, a inflação e as metas de inflação. A política monetária é, geralmente, executada pelo Banco Central de cada país, o qual possui poderes e competência próprios para controlar a quantidade de moeda na economia. O Banco Central administra essa política por intermédio dos seguintes instrumentos clássicos de controle monetário: 1. Compra e venda de títulos públicos, também chamadas de operações de mercado aberto. 2. Alteração dos percentuais de depósitos compulsórios. 3. Alterações das taxas de juros de redesconto. UNIDADE 2 88 Examinaremos cada instrumento de política monetária para que possamos com- preender o que são, como o governo os altera e quais os impactos das mudanças sobre a oferta de moeda, sobre a taxa de juros e sobre a economia. OPERAÇÕES DE MERCADO ABERTO As operações de mercado aberto (open market) são aquelas realizadas pela au- toridade monetária para comprar ou vender títulos públicos emitidos pelo go- verno. No Brasil, é o Tesouro Nacional que emite títulos da dívida pública e é o Banco Central o responsável pelas operações de compra e venda desses títulos, praticando o que se chama de operações de mercado aberto. A função das operações de mercado aberto é controlar a quantidade de moeda em circulação por meio do aumento ou da redução das vendas de tí- tulos da dívida pública federal. Como, na maioria dos países, o governo é o agente mais endividado da economia, há uma quantidade enorme de títulos de dívida pública circulando no mercado financeiro e que foram comprados pelos credores da dívida pública. UNICESUMAR 89 O GOVERNO GASTA MAIS DO QUE ARRECADA EMISSÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA POR PARTE DOS GOVERNOS O GOVERNO PRECISA REDUZIR A QUANTIDADE DE DINHEIRO NA ECONOMIA Figura 7 - A razão da emissão de títulos por parte dos governos A razão para a emissão de títulos de dívida por parte dos governos, explica Fer- reira (2015),se dá por duas origens distintas: uma delas é cobrir os gastos acima da arrecadação. Isso se dá pois o governo não pode imprimir dinheiro para pagar suas contas, tal caminho geraria inflação causada pelo excesso de dinheiro na economia. Portanto, para pagar suas despesas, o governo conta apenas com as receitas políticas tributárias e não tributárias e, assim como qualquer empresa ou família que gasta além dos seus ganhos, deve tomar emprestado o dinheiro que falta para fechar as contas do mês; esse endividamento é feito por meio da venda de títulos públicos. A emissão e a venda de títulos para eliminar o excesso de moeda na economia têm como objetivo controlar a inflação provocada quando há, na economia, mais dinheiro que o necessário para seu bom funcionamento. Nesse caso, o governo emite títulos públicos e os vende aos investidores para retirar uma parte do di- nheiro da economia. Essa retirada de dinheiro ocorre porque os investidores ficam com os títulos que rendem juros, e o governo, com o dinheiro deles retido. Descrição da Imagem: é diante do fato de que o governo gasta mais do que arrecada ou, ainda, pela razão de redução de dinheiro na economia, que a emissão de títulos de dívida por parte dos governos é emitida. Em outras palavras, é preciso financiamento para o governo por conta dessas duas razões, e a emissão de títulos de dívida é o caminho encontrado. UNIDADE 2 90 Há uma quantidade correta de dinheiro para fazer circular a produção da economia. O governo tem de ajustar essa quantidade para não “sobrar” dinheiro. Caso isso ocorra, o dinheiro perde seu valor, ou seja, é preciso mais dinheiro para com- prar as mesmas coisas. Essa é a in�ação monetária, provocada pelo excesso de moeda. O “prêmio” para os investidores em títulos públicos é a remuneração por meio da taxa Selic. Aprofundar-nos-emos um pouquinho nesse importante tema: o BC é o administrador do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, que é a infraestrutura do mercado financeiro. Daí, o nome Selic. Mais precisamente, a taxa Selic representa o percentual médio ajustado dos financiamentos diários apurados nesse sistema. NOVAS DESCOBERTAS O sistema Selic é fundamental em possíveis casos de falência ou insolvên- cia de instituições financeiras. A liquidação em tempo real e o registro das transações com títulos públicos federais em seu banco de dados pode coibir fraudes e prevenir o contágio em outras instituições. Saiba mais no link. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6410 UNICESUMAR 91 O Banco Central do Brasil ([2021d], on-line)apresenta: “ A Selic é a taxa básica de juros da economia. É o principal instru- mento de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação. Ela influencia todas as taxas de juros do país, como as taxas de juros dos empréstimos, dos financiamentos e das aplicações financeiras. A taxa Selic refere-se à taxa de juros apurada nas operações de em- préstimos de um dia entre as instituições financeiras que utilizam títulos públicos federais como garantia. O BC opera no mercado de títulos públicos para que a taxa Selic efetiva esteja em linha com a meta da Selic definida na reunião do Comitê de Política Monetária do BC (Copom). O Selic não custodia apenas os títulos públicos do Governo Federal, mas, como esses títulos são os mais seguros do mercado, eles representam a grande maioria “Títulos públicos federais (TPFs) são promessas de pagamento emitidas pelo governo do Brasil, representado pelo Tesouro Nacional. Quando emite um título, o governo torna-se devedor; quem compra o título financia o governo”. “O Tesouro Nacional é como se fosse o caixa do governo. Ele recebe o di- nheiro arrecadado pela Receita Federal e outros órgãos e faz a gestão des- tes recursos para cumprir o orçamento público, que é um planejamento dos gastos do governo. Quem faz a gestão disso é a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão da Secretaria-Especial de Fazenda, subordinado ao Ministério da Economia. [...] É no Tesouro que são definidas as regras sobre como o dinheiro e o patri- mônio públicos devem ser contabilizados pelos entes da Federação (União, Estados e Municípios). Além disso, é ele quem contabiliza as receitas e des- pesas, bem como os ativos e passivos do Governo Federal (União )”. Fonte: Banco Central do Brasil ([2021c], on-line) e Brasil ([2021], on-line). EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 2 92 dos títulos registrados no Selic. Assim, quando o governo altera a taxa de juros que pagará aos compradores de seus títulos, altera a média das remunerações de todos os títulos do Selic, logo altera a taxa Selic. 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 06/1 996 04/1 997 02/1 998 12/1 998 10/1 999 08/2 000 06/2 001 04/2 002 02/2 003 12/2 003 10/2 004 08/2 005 06/2 006 04/2 007 02/2 008 12/2 008 10/2 009 08/2 010 06/2 011 04/2 012 02/2 013 12/2 013 10/2 014 08/2 015 06/2 016 04/2 017 02/2 018 12/2 018 10/2 019 08/2 020 45,67 26,27 18,98 13,66 11,9 14,15 4,25 2,0 Figura 8 - Planilha do Banco Central do Brasil com o histórico anual da Selic de 2000 até 2020 Fonte: adaptada de Banco Central do Brasil ([2021e], on-line). O impacto da política monetária praticada por meio das operações de mercado aberto ocorre em virtude da retirada de dinheiro da economia que se destinaria ao consumo e, também, em razão de a taxa Selic afetar a capacidade de gastos do governo. Quando este emite e vende títulos, quem comprou os títulos do governo troca o dinheiro, que é poder de compra imediato, por um título que lhe dará o direito de reaver seu investimento acrescido de juros em um momento futuro. Portanto, quem compra título público não pode usá-lo para comprar coisas. Descrição da Imagem: a figura 9 apresenta a planilha do Banco Central do Brasil com o histórico anual da Selic de 2000 até 2020. Importante frisar que o ano de 1996 representa o começo da série histórica para a taxa Selic. Nesse período, ela estava na casa dos 23,28% ao ano, aproximadamente. Em 1997, mais precisamente em julho, deflagrou-se a crise asiática; no mês de outubro do referido ano, marcam-se 45,67% ao ano de taxa Selic. Em diante, a longa trajetória será marcada por queda. Em maio e junho de 2003, tem-se 26,27%. Para o final de 2005, a taxa Selic foi de 18,98% a.a. Em 2008, 13,66%. No fim de 2011, a taxa estava em 11,9%. Ao longo de 2015, ficou em média constante de 14,15%. No começo de 2020, estava em 4,25% e, em agosto de 2020, apontava em 2%. UNICESUMAR 93 Os maiores compradores de títulos públicos são os bancos. Estes convencem o cliente a aplicar suas sobras de renda em fundos de investimentos. Os bancos utilizam parte desse dinheiro para comprar títulos públicos e para fazer a base da rentabilidade desses fundos; a outra parte das aplicações são direcionadas pelos bancos para as linhas de crédito. Ao elevar a taxa Selic, dá-se um aumento na rentabilidade dos títulos públicos. Os bancos, então, direcionam mais recursos para a compra desses títulos, que são mais seguros que emprestar dinheiro a seus clientes; assim, reduzem a quantidade de crédito em suas linhas e aumentam as taxas de juros para empréstimos nas linhas de crédito, que têm seu volume de recursos reduzido. Desse modo, quando o governo quer vender mais títulos, basta que ele au- mente a rentabilidade deles, pois, ao elevar a taxa Selic, maior será a parte dos investimentos financeiros que serão destinados à compra de títulos públicos. Logo, a política monetária de mercado aberto, que afeta a taxa de juros básica da economia, reduz o crédito na economia, afetando negativamente o consumo UNIDADE 2 94 das famílias e, por isso, a produção e as vendas das empresas, desaquecendo a economia ao reduzir a demanda de gastos privados. Por outro lado, ao elevar a taxa de juros, o governo aumentará, no futuro, os gastos com o pagamento dos juros da dívida, e isso implicará na redução das compras de produtos e serviços de fornecedores. Como o governo é o maior com- prador em uma economia, a queda de seus gastos reduz a produção e o emprego. O Tesouro Direto é um programa criado pelo Tesouro Nacional, que permite que qual- quer pessoa com um CPF possa investir em TÍTULOS PÚBLICOS, pela internet. Os títulos do Tesouro Direto são investimentos de renda fixa, que têm este nome exatamente por- que você, investidor, já conhece na hora de investir, qual será a regra de rentabilidade e como vão ser os pagamentos dos seus juros. A renda fixa é o tipo de investimento para quem procura PREVISIBILIDADE e SEGURANÇA para o seu dinheiro. [...] Uma vez cadastrado no programa, você realizará as negociações pela internet, no site da instituição financeira escolhida (caso seja agente integrado) ou diretamente do portal do Tesouro Direto e no Aplicativo Oficial do TD, sem a necessidade de intermediação. [Contudo,] quanto que é preciso para começar a investir no Tesouro Direto? O Tesouro Direto foi criado com foco no PEQUENO INVESTIDOR. Com pouco mais de 30 reais já é possível começar a investir. [...] Os títulos Tesouro Prefixado são aqueles que têm taxa de juros fixa, que você já conhece no momento do investimento. É o investimento ideal para o investidor que quer saber exatamente o valor que receberá no vencimento do título. É indicado para objetivos de médio e longo prazo, já que os títulos Tesouro Prefixado têm vencimentos superiores a dois anos . Fonte: Tesouro Direto ([2021], p. 3-5, grifos nossos). EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR 95 Investir Preços e taxas dos títulos públicos para investir Título Vencimento Taxa de rendimento (% a.a.) Valor mínimo Preço unitário Indexados ao IPCA Tesouro IPCA +2024 15/08/2024 IPCA+3,18 R$ 55,00 R$ 2.750,28 Tesouro IPCA +2035 15/05/2035 IPCA+3,81 R$ 36,21 R$ 1.810,80 Tesouro IPCA +2045 15/05/2045 IPCA+3,72 R$ 37,74 R$ 1.258,01 Tesouro IPCA +com juros se- mestrais 2026 IPCA+3,29 R$ 38,39 R$ 3.839,47 Tesouro IPCA +com juros se- mestrais 2035 IPCA+3,63 R$ 41,53 R$ 4.153,75 Tesouro IPCA +com juros se- mestrais 2050 IPCA+3,81 R$ 45,63 R$ 4.563,91 Prefixados Tesouro prefixa- do 2022 01/01/2022 6,37 R$ 34,24 R$ 856,10 Tesouro prefixa- do 2025 01/01/2025 7,22 R$ 34,05 R$ 681,15 UNIDADE 2 96 Indexados à Taxa Selic Tesouro Selic 2025 01/03/2025 Selic + 0,02 R$ 101,70 R$ 10.170,17 Quadro 2 -Títulos disponíveis para investir no Tesouro Direto / Fonte: a autora. Ao investir no Tesouro Direto, você pode escolher, dentro de uma variedade de títulos, aquele que mais se adapta às suas necessidades enquantoinvestidor(a). Assim como outros investimentos de renda fixa, ele oferece investimentos em títulos prefixados e pós-fixados, indexados à taxa Selic e ao índice de inflação IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo. Os nomes dos títu- los ajudam a compreender a regra de rentabilidade de cada um. No Quadro 2, você pôde ver uma amostra dos títulos disponíveis no site do Tesouro Direto. Os títulos podem ser diferentes quando você acessá-lo, porque novos títulos aparecem de tempos em tempos, ok? O universo monetário-financeiro tem grande relevância para a construção de cenários. É, como vimos, nesse mercado que se dá a atuação do Banco Central, fixando a taxa de juros básica, a variável que comanda o comportamento de todas as demais taxas de juros na economia e, portanto, impacta o custo de capital para as empresas e o custo de crédito para os consumidores. Portanto, a quantidade de moeda tem impactos diretos e indiretos sobre todas as atividades econômicas; logo, quando o governo faz política monetária, ele pode estimular o crescimento da economia, favorecendo o aumento da produção, a Descrição da Imagem: o primeiro título do quadro é o IPCA 2024. Esse título vence em 15/08/2024 e é indicado para aqueles que querem realizar investimentos de longo prazo. É um título pós-fixado, uma vez que parte do seu rendimento acompanha a variação da taxa de inflação. Aumenta o poder de compra do seu dinheiro, pois o rendimento é composto por uma taxa de juros mais a variação da inflação (IPCA). É mais interessante para quem pode deixar o dinheiro render até o vencimento do investimento, pois não paga juros semestrais. Em caso de resgate antecipado, o Tesouro Nacional garante sua recompra pelo seu valor de mercado. Essa lógica funciona para os títulos apresentados com diferentes datas de venci- mento e variadas taxas percentuais. O Tesouro prefixado 2022 é um título que vence em 01/01/2022 e é indicado para aqueles que querem realizar investimento de longo prazo. É um título prefixado, ou seja, no momento da compra, você já sabe exatamente quanto receberá no futuro (sempre R$ 1.000,00 por unidade de título mais o último pagamento de juros semestrais). É mais interessante para quem precisa dos seus rendimento para complementar sua renda, pois paga juros a cada semestre (cupons de juros). Em caso de resgate antecipado, o Tesouro Nacional garante sua recompra pelo seu valor de mercado. Essa informações servem como suporte para o entendimento. É imprescindível pesquisar no Tesouro Direto as opções de investimento que variam constantemente. UNICESUMAR 97 geração de emprego e a renda nas empresas, ou, ao contrário, deses- timular o crescimento; por exem- plo (vide Figura 10),ao atuar por meio de variações na riqueza dos agentes econômicos, em virtude de alterações da taxa de juros. Um suposto aumento dessa, ao desestimular a atividade econô- mica e o lucro das empresas, ten- de a diminuir o preço das ações. Essa redução do valor da riqueza financeira das famílias e empre- sas pode desestimular o consu- mo e os planos de investimento. A política monetária se utiliza das taxas de juros, destarte, para impactar as decisões de consumo e investimento. É possível, aqui, chamar de mecanismos de trans- missão da política monetária. Conforme a Figura 10, uma eleva- ção da taxa Selic sinaliza que as ta- xas de juros reais também tendem a subir. A elevação da taxa real de juros, por sua vez, pode levar à di- minuição de investimentos pelas empresas e à diminuição de con- sumo por parte das famílias — o que, por sua vez, tende a reduzir a demanda por bens e serviços da economia, contribuindo para a redução da inflação. UNIDADE 2 98 CANAIS DE TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA Tendência de aumento Tendência de queda Abaixo, cenários exempli�cativos: CANAL DO INVESTIMENTO E CONSUMO A Selic é referência para as demais taxas de juros da economia. Taxa Selic Juros na economia Juros reais Consumo e investimentos Poupança Preços CANAL DO CRÉDITO A Selic é referência para o custo dos bancos. Taxa Selic demanda por crédito Consumo Preços bancos tendem a reduzir as taxas de empréstimo CANAL DO CÂMBIO Uma redução nos juros tende a atrair menos investidores estrangeiros, diminuindo o �uxo de moeda estrangeira para o país Taxa Selic Taxa de câmbio (desvalorização do Real) Produtos importados encarecem CANAL DAS EXPECTATIVAS As taxas de juros in�uenciam as expectativas de famílias e empresas sobre atividade econômica e in�ação. Taxa Selic Expectativa de recuperação da atividade Expectativa de aumento dos preços CANAL DA RIQUEZA Taxa de juros diminui sobe valor de bens (casas, títulos, carros) cresce riqueza das pessoas aumentam os gastos das famílias e das empresas A redução nos juros aumenta o valor presente de alguns atrativos, inclusive aqueles utilizados como garantia em empréstimos por famílias e �rmas. $ % Figura 9 - Canais de transmissão da política monetária Fonte: Banco Central do Brasil ([2021f], on-line). UNICESUMAR 99 Ainda de acordo com a Figura 9, a taxa de câmbio funciona como alternativa de política monetária, principalmente, em economias abertas. Quando a taxa de juros sobe, a moeda doméstica tende a se valorizar (o dólar fica mais barato frente ao real), diminuindo o nível de preços dos bens comercializáveis inter- nacionalmente, quando expressos em moeda nacional. A taxa de câmbio afeta a inflação por dois mecanismos. O primeiro é a diminuição dos preços de bens de consumo importados e de insumos utilizados na produção de bens. O outro efeito ocorre por meio da demanda agregada. O dólar mais barato desincentiva as exportações e estimula as importações. Com isso, a demanda por bens domésti- cos cai, reduzindo a pressão sobre o nível de preços. O canal do crédito constitui, também, um mecanismo de transmissão da política monetária. Ao aumentar a taxa de juros, o Banco Central estimula que as taxas cobradas por empréstimos Descrição da Imagem: os mecanismos de transmissão da política monetária são os canais por meio dos quais mudanças na taxa Selic (o principal instrumento de política monetária à disposição do Banco Cen- tral – BC) afetam o comportamento de outras variáveis econômicas, principalmente, preços e produtos. A política monetária afeta os preços da economia por meio: (i) da decisão entre consumo e investimento das famílias e empresas; (ii) da taxa de câmbio; (iii) do preço dos ativos; (iv) do crédito; e (v) das expectativas. O canal de transmissão das taxas de juros para as decisões de consumo e investimento é o canal mais conhecido da política monetária. Quando a taxa Selic sobe, as taxas de juros reais também tendem a subir. A elevação da taxa real de juros, por sua vez, pode levar à diminuição de investimentos pelas empresas e à diminuição de consumo por parte das famílias — o que, por sua vez, tende a reduzir a demanda por bens e serviços da economia, contribuindo para a redução da inflação. Outro canal importante de transmissão da política monetária é o da taxa de câmbio, principalmente, em economias abertas. Quando a taxa de juros sobe, a moeda doméstica tende a se valorizar (o dólar fica mais barato frente ao Real), diminuindo o nível de preços dos bens comercializáveis internacionalmente quando expressos em moeda nacional. A taxa de câmbio afeta a inflação por dois mecanismos. O primeiro é a diminuição dos preços de bens de consumo importados e de insumos utilizados na produção de bens. O outro efeito ocorre por meio da de- manda agregada. O dólar mais barato desincentiva as exportações e estimula as importações. Com isso, a demanda por bens domésticos cai, reduzindo a pressão sobre o nível de preços. A política monetária atua, também, por meio de variações na riqueza dos agentes econômicos em virtude de alterações da taxa de juros. Por exemplo, um aumento nas taxas de juros, ao desestimular a atividade econômica e o lucro das empresas, tende a diminuir o preçodas ações. Essa redução do valor da riqueza financeira das famílias e empresas pode desestimular o consumo e os planos de investimento. O quarto canal de transmissão da política monetária é o canal de crédito. Ao aumentar a taxa de juros, o Banco Central estimula que as taxas cobradas por empréstimos bancários também subam, diminuindo o volume de empréstimos a pessoas e empresas, desestimulando o consumo e o investimento. Por fim, outro canal importante é o das expectati- vas. Ao alterar a taxa de juros, a ação do Banco Central pode mudar as expectativas quanto à evolução da economia. Por exemplo, ao elevar a Selic para conter pressões inflacionárias, o Banco Central sinaliza um nível de atividade mais contido não apenas no presente, mas, também, para o futuro. Com isso, famílias e empresas passam a acreditar que a inflação, no futuro, estará mais baixa. Como resultado, os preços definidos hoje já tendem a aumentar menos, pois os agentes sabem que as condições econômicas futuras não mais darão suporte a aumentos maiores de preços. Assim, choques de custos na economia tendem a se propagar de forma mais limitada na economia, reduzindo seus efeitos inflacionários. Essa propagação é chamada, na literatura econômica, de efeitos secundários ou de segunda ordem. É fundamental um elevado nível de credibilidade do banco central para que esse canal opere de forma adequada. No caso de baixa credibilidade, ocorre o oposto: choques tendem a se amplificar, gerando uma inflação maior. Uma taxa de juros menor dinamiza a economia, estimulando o empreendedorismo e, por assim dizer, o emprego e o consumo, proporcionando uma economia mais rica, em termos teóricos. UNIDADE 2 100 bancários também subam, diminuindo o volume de empréstimos a pessoas e empresas, desestimulando o consumo e o investimento. Com o Banco Central, deve ser assim… É fundamental um elevado nível de cre- dibilidade e, conseguinte, é possível operar de forma adequada pelo canal das expectativas. Ao alterar a taxa de juros, a ação do Banco Central pode mudar as expectativas quanto à evolução da economia. Por exemplo, ao elevar a Selic para conter pressões inflacionárias, o Banco Central sinaliza um nível de atividade mais contido não apenas no presente, mas também para o futuro. Com isso, famílias e empresas passam a acreditar que a inflação, no futuro, estará mais baixa. Como resultado, os preços definidos hoje já tendem a aumentar menos, pois os agentes sabem que as condições econômicas futuras não mais darão suporte a aumentos maiores de preços. Assim, choques de custos na economia tendem a se propagar de forma mais limitada na economia, reduzindo seus efeitos inflacionários. Muito bem, querida leitora, estimado leitor, percorremos, de modo amplo, o universo que permeia as operações de mercado aberto. Toda essa abordagem é fundamental, pois discorre sobre importantes elementos do mercado monetá- rio-financeiro. Agora, é chegado o momento de abordarmos os depósitos com- pulsórios, enquanto mecanismo de fazer política monetária. Os depósitos compulsórios são uma exigência que o governo faz aos bancos que recebem depósitos, seja a vista nas contas-correntes de seus clientes, seja a prazo nas aplicações financeiras deles. Uma parcela desses depósitos recebidos pelos bancos deve ser, obrigatoriamente, depositada em uma conta no Banco Central, e esse dinheiro não poderá ser usado pelo banco para alimentar suas linhas de crédito. Assim, quando o governo eleva ou abaixa os percentuais de Imagine você em uma viagem de avião. É incomum que desista de viajar por não confiar no piloto. Você, muitas vezes, não o conhece, mas confia no sistema. A regra é que o pilo- to tenha estudado numa escola de aviação homologada pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), isso passa confiança. Então, você pisa na aeronave, acredita que chegará ao seu destino, entra, procura sua poltrona, afivela os cintos e tchau. Suas expectativas são as melhores possíveis. Dentro de determinadas condições, procura fazer a melhor viagem possível, não é mesmo? PENSANDO JUNTOS UNICESUMAR 101 compulsórios sobre depósitos que devem ser recolhidos ao Banco Central, ele altera a disponibilidade de dinheiro nos bancos para operações de crédito e, com isso, afeta o consumo das famílias. Trata-se de uma ferramenta técnica, talvez por esse motivo tem uma visibi- lidade menor se comparada à taxa Selic. Fato é que esse mecanismo obrigatório, regulado pelo Banco Central, no dia a dia bancário, é balizador da capacidade de os bancos criarem moeda por meio das operações de captação de depósitos e concessão de crédito. Uma elevação dos percentuais de depósitos compulsórios reduz a quantidade de dinheiro disponível na economia, elevando a taxa de ju- ros de crédito e reduzindo, portanto, a capacidade de consumo das famílias e de financiamento das empresas. Uma redução dos compulsórios causa efeito contrário, pois aumenta a quanti- dade de dinheiro disponível nos bancos para a concessão de crédito. Com mais dinheiro, os bancos tentam convencer seus clientesa tomar mais dívidas, bai- xando os juros das linhas de crédito, o que estimula o consumo das famílias e os investimentos das empresas. Outro caminho possível para atuar na política monetária é a taxa de redes- conto, que é a taxa cobrada pelo Banco Central para emprestar dinheiro aos ban- cos quando estes ficam sem condições de saldar suas dívidas nas compensações diárias, que ocorrem quando os clientes dos bancos pagam boletos, fazem com- pras com cheques ou cartões de débitos ou fazem transferências de dinheiro de uma conta para outra. Todas essas operações diárias precisam ser compensadas para que os bancos ajustem seus créditos e débitos em função de pagamentos e recebimentos feitos pelos seus clientes. A operação de redesconto é a última opção, por ser a mais cara de todas. O Banco Central cobra uma taxa de juros tão alta por uma noite apenas que pode anular a rentabilidade de um dia inteiro de operação, por isso, os bancos evitam ter de recorrer ao Banco Central. Para isso, deixam sempre uma boa reserva técni- Antes mais usados na política monetária, os compulsórios são, cada vez mais, instrumen- to para a preservação da estabilidade financeira. PENSANDO JUNTOS UNIDADE 2 102 ca de depósito voluntário para as compensações, a qual não pode ser usada para conceder créditos aos seus clientes. Como a taxa Selic é definida pela política monetária para estimular ou desestimular a sociedade a comprar tí- tulos públicos, os bancos não têm atuação sobre o valor que baliza as remunerações dos fundos de investimentos. A política monetária afeta a base da remuneração para a captação de recursos que serão destinados às linhas de crédito. Haja vista quando a Selic sobe, os bancos sobem as rentabilidades das aplicações financeiras que oferecem. Na outra ponta, as medidas de política monetária que alteram os percentuais de depósitos compulsórios e da taxa de redesconto impactam a oferta de dinheiro disponível para crédito; portanto as medidas nesse universo monetá- rio têm efeitos diretos sobre a taxa de juros de mercado ao alterar a quantidade de dinheiro para a oferta de crédito. Nessa perspectiva, vale trazer à tona a questão da con- centração bancária no Brasil, que dificulta a competição via taxa de juros. Conforme Ferreira (2015), a baixa concorrên- cia no setor bancário brasileiro é um obstáculo adicional para um país como o nosso, que já sofre um encarecimento do dinheiro, que deve ser multiplicado inúmeras vezes para acomodar os custos de impostos (como o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras, risco de crédito e lucro dos bancos). Isso tudo torna o custo de crédito no Brasil um dos mais caros do mundo, seja para o capital de giro ou investimento das empresas. Esse panorama todo nos encaminha à percepção de que, ao praticar a política monetária, quando se alteram a taxa Selic e/ou as condições de oferta de dinheiro de mer- cado, quando semodificam os percentuais de compulsó- rios e a taxa de redesconto, o governo modifica as condi- ções de crédito em toda a economia, e isso afeta direta ou indiretamente o consumo, os investimentos e os gastos do governo, o que interfere nos níveis do emprego e da renda. UNICESUMAR 103 Discriminação 2006 2008 2010 2012 2014 2016 Países desenvolvidos Alemanha 29 27 40 38 37 35 Austrália 69 74 78 80 81 80 Bélgica 84 81 75 66 66 66 Canadá 82 80 81 83 81 81 Espanha 49 51 57 62 63 65 Estados Unidos 35 38 44 45 44 43 França - 77 81 81 81 82 Holanda 84 84 82 82 86 89 Itália 26 31 40 40 41 43 Japão 45 46 46 47 51 51 Luxemburgo 29 27 31 33 32 29 Reino Unido 50 45 53 54 51 48 Suécia 79 80 78 77 77 76 Suíça 57 55 53 49 51 53 Países emergentes Brasil 60 73 76 77 78 82 China 55 51 49 45 41 37 Coreia do Sul 61 60 61 60 59 62 Índia 40 37 35 35 35 36 México 80 78 74 70 73 70 Singapura 39 39 41 41 43 42 Tabela 1 – Razão de concentração dos cinco maiores bancos nos ativos totais Fonte: Banco Central do Brasil (2017, p. 90) UNIDADE 2 104 A Tabela 1 mostra a concentração bancária medida pela RC5 (Razão de Concen- tração dos Cinco Maiores) nos ativos totais em vários países, entre 2006 e 2016. Embora os níveis de concentração sejam relativamente persistentes, na maioria dos países, a concentração aumentou após a crise global financeira de 2008. Por essa medida, o Brasil apresentou aumento do nível de concentração no período, figurando, em 2016, no grupo de países com os sistemas bancários mais concen- trados, que inclui Austrália, Canadá, França, Holanda e Suécia. Até aqui, foi possível compreender que a política monetária é o principal instrumento de política econômica em uma economia capitalista, pois é fácil e rápida de ser adotada e, por meio dela, o governo pode afetar direta ou indire- tamente a taxa de juros de mercado, aumentando ou reduzindo a quantidade de dinheiro em uma economia. Quando tratamos de relações em uma dimensão mais ampla, tipicamente, a economia de um país como um todo, atingimos o campo da chamada macroe- conomia ou macroambiente de negócios, que é a dimensão do nosso objeto de estudo aqui, a política monetária. Nessa esfera, as ações isoladas de empresas e profissionais costumam ter impacto pequeno ou nulo, mas, ao mesmo tempo, mudanças nas variáveis macroeconômicas costumam ter grande potencial de in- terferência sobre o desempenho das organizações. Assim, por exemplo, a política monetária constitui uma série de medidas para alterar a quantidade de moeda em circulação na economia, que impacta na questão inflacionária. São, justamente, as variáveis da demanda agregada, o consumo das pessoas, os investimentos das empresas, os gastos do governo e as exportações que se relacionam à política monetária, afetando o nível geral de preços. Quando a taxa de juros aumenta, por exemplo, são reduzidos o consumo, os investimentos, os gastos do governo e as exportações. Essa redução da demanda agregada na eco- nomia diminui, também, as pressões sobre os preços, uma vez que as elevações de preços da oferta resultarão em menores vendas. Quando o governo quer reduzir a inflação, ele pratica política monetária restritiva, ou seja, aumenta a taxa Selic e/ou aumenta os percentuais sobre os depósitos compulsórios e/ou eleva a taxa de redesconto. Essas medidas, isoladas ou juntas, reduzem a quantidade de dinheiro da economia e provocam a elevação da taxa de juros de mercado. Esse cenário de alta da taxa de juros implica em consumidores comprando menos a prazo, menos investimento por parte das empresas na ampliação da UNICESUMAR 105 capacidade produtiva, maior juros da dívida pública, comprando menos de em- presas. A apreciação da taxa de câmbio também se dá em um panorama como esse, com juros mais altos, provocando queda das exportações. Todos esses efeitos reduzirão as pressões sobre a oferta de mercadorias e serviços, inibindo novas altas de preços. A apreciação do câmbio (câmbio flutuante) ainda provoca um efeito adicional, pois barateia os bens importados e pressiona, ainda mais, a queda dos preços dos similares nacionais. Contudo, se a inflação está muito baixa, o governo pode praticar política mo- netária expansionista, baixando a taxa básica de juros da economia, reduzindo os percentuais de depósitos compulsórios e diminuindo as taxas de juros de merca- do, elevando o consumo, os investimentos, os gastos do governo e as exportações. O aumento da demanda agregada provocado pela queda dos juros pressio- nará a capacidade instalada da economia, favorecendo o aumento da produção até que alguns setores que não conseguem elevar rapidamente a quantidade de produto iniciem reajustes de preços para segurar a demanda pelo preço mais alto. Geralmente, a política monetária expansionista não é praticada para pro- vocar inflação — esse é um efeito colateral dela —; a queda das taxas de juros na economia é uma política de incentivo ao crescimento da produção, do em- prego e da renda. Entretanto, os impactos por ela causados podem anular o crescimento real da economia. Em oportunidade anterior, soubemos que o regime de metas de inflação foi iniciado no Brasil, em 1999, e é uma forma de estipular um alvo para a inflação. No Brasil, a definição da meta e das margens para a inflação é feita pelo CMN, que estabelece a condução da política monetária. Note que o governo adota as políticas restritivas quando a inflação fica acima da meta e políticas expansionis- tas quando a inflação fica abaixo do centro da meta. NOVAS DESCOBERTAS O que o Copom – Comitê de Política Monetária considera em suas decisões: inflação, atividade econômica, contas públicas, cenário externo. O Copom é o órgão do Banco Central, formado pelo seu Presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia — a Selic. Entenda mais sobre o Copom acessando o QR Code. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6411 UNIDADE 2 106 O Copom se reúne mensalmente para analisar o comportamento da inflação e altera, se necessário for, a condução da política monetária para promover ajustes da taxa de juros que reconduzam a inflação para o centro da meta. Trata-se de um excelente instrumento de avaliação do cenário econômico e das possíveis políticas do governo, pois, se a inflação se eleva muito, acima do centro da meta, são esperadas políticas econômicas que forcem sua redução, sendo a mais comum a elevação da taxa Selic, por ser uma medida fácil de implantar e com rápido efeito na economia. IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IBGE Índice de referência do sistema de metas para a in�ação. Atualmente, mede o preço de uma cesta de consumo representativa para famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos, em 13 áreas geográ�cas, as quais: regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além do Distrito Federal e dos municípios de Goiânia e Campo Grande. INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor – IBGE Mede, atualmente, o preço de uma cesta de consumo representativa para famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos, nas mesmas 13 áreas geográ�cas abrangidas pelo IPCA. IGP Índice Geral de preços – FGV Índice abrangente de preços, inclui não só preços ao consumidor (IPC) mas também preços ao produtor (IPA) e custos da construção (INCC). O IGP possui três versões que diferem no período de coleta. IPC-FIPE Índice de Preços ao Consumidor – FIPE Um dos mais antigos índices de preços ao consumidor no Brasil. Mede o preço de uma cesta de consumo representa- tiva para famílias com renda de 1 a 10 salários mínimos, no município de São Paulo. Figura 10 - Índices de inflação / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a Figura 11 apresenta a caracterização para os índices de inflação IPCA, INPC, IPC-FIPE e IGP. A primeira é do IPCA, que é o índice de referência do sistema de metas para a inflação. Atualmente,mede o preço de uma cesta de consumo representativa para famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos em 13 áreas geográficas, as quais: regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além do Distrito Fede- ral e dos municípios de Goiânia e Campo Grande. A segunda é do INPC, que significa Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Este mede, atualmente, o preço de uma cesta de consumo representativa para famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos nas mesmas 13 áreas geográficas abrangidas pelo IPCA. A terceira é do IPC-FIPE, Índice de Preços ao Consumidor (FIPE). Um dos mais antigos índices de preços ao consumidor no Brasil. Mede o preço de uma cesta de consumo representativa para famílias com renda de 1 a 10 salários mínimos no município de São Paulo. E a quarta e última é do IGP, Índice Geral de Preços. É um índice abrangente de preços, inclui não só preços ao consumidor (IPC), mas também preços ao produtor (IPA) e custos da construção (INCC). O IGP possui três versões que diferem no período de coleta. UNICESUMAR 107 A soma da moeda manual com a moeda escritural de uma economia é igual aos seus meios de pagamento: ■ Moeda manual: papel-moeda (e a moeda metálica) em poder do público (PMPP). ■ Moeda escritural: depósitos à vista nos bancos comerciais (DVBC). O sistema formado pelas instituições que podem criar moeda é chamado de sis- tema monetário. O sistema monetário (ou sistema bancário) de uma economia é formado pelos seus bancos comerciais e pelo seu Banco Central. Os primeiros criam moeda escritural, o último cria moeda manual. As demais instituições financeiras não autorizadas a receber depósitos à vista, tais como bancos de de- senvolvimento, bancos de investimento, sociedades de poupança (cadernetas de poupança), formam o sistema financeiro não-monetário. Nas relações econômicas em sociedades mais primitivas, predominava a ati- vidade agrícola. A dinâmica era relativamente simples. Do resultado da colheita, separava-se uma determinada parte que era destinada ao plantio do próximo Conceitualmente, a “inflação significa um aumento generalizado dos preços” da organiza- ção econômica. Na prática, ela funciona como se fosse um termômetro da economia. Sua mensuração se dá por meio da construção de índices de preços, “que tomam uma média de diversos preços de modo a resumi-los em um único número”. “Os índices de preços podem diferir de várias maneiras, destacando-se as diferenças na cesta de bens e serviços tomada como referência. Por exem- plo, pode-se construir índices de preços ao consumidor, índices de preços ao produtor, índices de custos de produção, etc., a depender do objetivo. Mesmo índices de preços ao consumidor podem diferir entre si, pois cada família tem sua própria cesta de consumo, e um índice pode ser desenhado para refletir o custo de vida para um ou outro grupo de famílias. Pode haver, por isso, percepções distintas entre o que o cidadão vê no seu orçamento e o que aparece em um dado índice”. Fonte: adaptado de Banco Central do Brasil ([2021g], on-line). EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 2 108 ciclo produtivo. Em outras palavras, o investimento na renovação e ampliação da produção consistia em poupar parte do produto. Em economias modernas de mercado, a abordagem é mais sofisticada. Em um primeiro momento, é necessário dizer que a lógica é imutável: para que eco- nomias possam se desenvolver, é necessário que haja investimento, isto é, parte do produto gerado pela sociedade em determinado tempo deve ser disponibi- lizado à acumulação de meios de produção de forma a aumentar a capacidade produtiva por meio do investimento. A tecnologia financeira, no sentido mais amplo, permite que transações sejam feitas rotineiramente e em grande escala. O Estado, enquanto importante agente econômico, apresenta-se com um pa- pel inovador nesse ínterim. A ele, cabe fazer uso da política monetária enquanto ferramenta para estabilizar a economia por conta dos diversos cenários econô- micos possíveis. Manter a inflação ao redor da meta é o objetivo a ser buscado por meio de uma instituição que execute a política monetária: o Banco Central. A razão para buscar esse fim é que o valor do dinheiro é preservado pela estabilidade dos preços, que mantém o poder de compra da moeda. Destarte, a decisão a ser tomada diante dos cenários econômicos perpassa o entendimento do custo do dinheiro (taxa de juros) e a quantidade de dinheiro (condições de liquidez) na economia. Caro(a) aluno(a), ao tomar decisões no contexto econô- mico-financeiro, é fundamental ter conhecimento de dados e informações estru- turadas na análise do comportamento inflacionário. Vale estar constantemente informado sobre as deliberações das autoridades monetárias — o acesso ao site do Banco Central do Brasil é uma boa pedida. 109 AGORA É COM VOCÊ Caro(a) aluno(a), vimos que a política monetária é aquela que afeta, direta ou indireta- mente, a quantidade de moeda disponível para as atividades econômicas em um país e que o Banco Central é o responsável pela condução da política monetária por meio de três instrumentos: operação de mercado aberto, percentuais de depósitos compulsórios e taxas de redesconto. Também, demonstramos que a política monetária executada pelo Banco Central afeta a base da rentabilidade de juros da economia ao definir a taxa Selic, e que esta é a base das demais taxas de juros de mercado para as operações de captação e concessão de crédito. Vimos, ainda, que a taxa de juros afeta tanto o nível de atividade produtiva interna como a taxa de câmbio. Usando os termos sublinhados como palavras-chave, desenhe um mapa conceitual para aprimorar seus conhecimentos. Palavras-chave: taxa de juros; requerimentos compulsórios; taxa de redesconto; crédito; moeda; nível de preços. 110 CONFIRA SUAS RESPOSTAS O aluno terá que desenhar algo semelhante a este esquema: Fonte: a autora. MEU ESPAÇO MEU ESPAÇO 3Política Fiscal e a Economia Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori Objetos de aprendizagem: Você será apresentado(a) às duas vias da política fiscal: os gastos públicos e a arrecadação pública. A arrecada- ção de tributos diretos e indiretos e demais receitas não tributárias são apresentadas enquanto mecanismos para pagamento de fornecedo- res e serviços públicos, bem como dos juros aos detentores de títulos da dívida pública. Esses gastos não acontecem de forma leviana — em tese. Eles dependem de aprovação orçamentária prévia. UNIDADE 3 114 Você conhece algum Adam na história da economia? Vale a pena saber sobre essa história. Para conhecer o menino Adam, é preciso voltar no tempo quase três sécu- los, mais precisamente, para 1723. Imagine que ele vivia no tempo da busca inces- sante por pedras preciosas, período das Grandes Navegações, capitalismo mercantil, com reis e toda a nobreza saqueando as Américas para levar o ouro para a Europa. Adam nasceu numa cidade industrial e portuária chamada Kirkcaldy, na Escó- cia. Seu pai, fiscal da alfândega, morreu antes de seu nascimento. O menino foi ama- do e cuidado pela mãe, Margaret Douglas Smith. Morou com ela até esta vir a falecer, em 1784, aos 90 anos. Adam estudou em bons colégios, era dedicado. Com apenas 28 anos, já ocupava a cadeira de Filosofia Moral na Glasgow College. Estreitou rela- ções importantes com intelectuais da sua época e marcou história na humanidade. Esse menino se tornou um dos mais conhecidos economistas de todos os tempos: Adam Smith. Com a publicação do livro A riqueza das nações, ganhou prestígio e notoriedade. Esse trabalho é considerado a obra fundadora da ciência econômica. Publicado em 1776, o clássico gerou uma série de mudanças nas po- líticas econômicas. O livro aborda temas como o acúmulo de riqueza, divisão do trabalho, sistemas de economia e, até hoje, é grande referência entre os estudiosos de todo o mundo. Nosso pensador é consideradoo pai da ciência econômica. UNICESUMAR 115 O Iluminismo foi o período intelectual que serviu de panorama para o pensamento de Smith. Esse movimento intelectual geral da sua época se er- gueu sob dois pilares: a habilidade de raciocínio das pessoas e o conceito de ordem natural. Outra influência importante para Smith foi a dos fisiocratas. O ataque dos fisiocratas ao mercantilismo e suas propostas para remover as barreiras comerciais ganharam sua admiração. A partir desses pensadores, ele descreveu o tema da riqueza como “os bens de consumo produzidos anual- mente pelo trabalho da sociedade” (SMITH, 2017, p. 336), a desejável interfe- rência mínima do governo na economia e o conceito do processo circular de produção e distribuição. Nosso pensador quis saber como as ações de indivíduos livres resultavam em um mercado ordenado e estável, em que se pudesse fazer, comprar e vender o que quisesse. Nesse sentido, Smith ressaltou que os participantes da econo- mia tendem a ir atrás de seus interesses pessoais. Ele apresentou a questão do “egoísmo natural” na economia, pois entendia que “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar”, mas “da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse” (SMITH, 2017, p. 44). Portanto, é uma questão de vantagens. Com ele, a organização econômica rompe com o modelo mercantilista, ou seja, de Estado Forte. É tentador rotular nosso menino como um exímio defen- sor de um livre mercado, ao considerar que ele era avesso ao envolvimento do governo na economia. Ele apresentou, sim, para o Estado, funções importantes, como a proteção da sociedade ao ataque estrangeiro, o estabelecimento da ad- ministração e da justiça e, ainda, uma espécie de regulação da competitividade ao defender a elevação e manutenção dos trabalhos e instituições públicas a fim de que os empresários privados não obtivessem lucros excessivos. De modo geral, para Smith, em vez da necessidade de um poder externo coercitivo do Estado, havia, no próprio mecanismo de mercado, uma força muito mais poderosa que orientaria o egoísmo de cada indivíduo ao bem-estar geral da sociedade: o poder da “mão invisível”. Desse modo, o livre mercado, com sua oferta e demanda (mão invisível), promoveria um estado de bem-estar para toda a sociedade. Tais ideias ganharam, imediatamente, um caráter revolucionário em um contexto que predominava o poder crescente de um Estado absolutista, e a nova classe burguesa lutava e almejava mais liberdade para desenvolver novas formas de busca de riqueza: o comércio e a indústria nascentes, ou seja, a acumu- UNIDADE 3 116 lação de capital. Essas ideias eram frontalmente contrárias à defesa da intervenção do Estado na atividade econômica preconizada pelos ideais mercantilistas. Passaram-se quase 300 anos da magnum opus — expressão em latim que remete à “grande obra”, trata-se da mais popular ou renomada obra de um artista ou pensador. Da época referenciada até os tempos atuais, muita coisa mudou. E a transformação é, em boa parte, reverberação do fenômeno da Revolução Indus- trial, que era o cenário que permeou a vida do nosso pensador. Agora, pergunto: e para você? Qual é o papel do Estado na economia? Ele apresenta funções importantes? Qual é a relação dele com a economia? Como o Estado pode impactar a atividade econômica? O tema da intervenção do Estado na economia divide opiniões e é bastante polêmico. Será motivo de mais debate na Unidade 5. No mundo contemporâneo, é difícil pensar em uma economia que não sofra o impacto do Estado em diver- sas esferas. Apresentamos, aqui, duas situações que nos ajudam a refletir sobre a relação do Estado na economia: a primeira delas se trata da emissão da dívida pública federal. Aqui, tratamos da emissão pelo Tesouro Nacional para financiar déficit orçamentário do Governo Federal, ou seja, para pagar despesas que ficam acima da arrecadação com impostos e tributos. Nesse sentido, as emissões da dívida pública federal somaram R$ 173,26 bi- lhões em outubro de 2020, o que foi o maior volume da série histórica, iniciada em 2006. O nível elevado de colocações tem por objetivo suprir a necessidade de financiamento do Governo frente à pandemia, mas também garantir a manuten- ção do caixa acima do limite prudencial, de acordo com o Tesouro Nacional. Em outubro, a dívida pública subiu 2,47% e chegou a R$ 4,64 trilhões. Os quatro primeiros meses de 2021 representam um período no qual as “contas a pagar” do Governo ultrapassam R$ 650 bilhões. O coordenador de operações da dívida pública, Roberto Lobarinhas, em publicação da Agência Brasil (MÁXIMO, 2020a, on-line), afirmou que, até o final de 2020, o Tesouro terá caixa em patamar suficiente para fazer frente a esses compromissos. Esses dados apresentados nos levam a pensar sobre a relação do Estado com a economia. Outra situação interessante se passou nos Estados Unidos. No final de 2020, vivenciamos a transição da presidência dos Estados Unidos da América: de Do- nald Trump para Joe Biden. Dentro dessa temática, em março de 2018, o então presidente Donald Trump protagonizou uma situação que representou uma forte participação do Estado na economia. O episódio foi a cobrança de tributos sobre UNICESUMAR 117 a importação de aço e alumínio no país, visando proteger a indústria nacional, o que prejudicou o Brasil, um dos principais exportadores desses bens. Essa atuação na economia ocorre porque, sem a intervenção do Estado, tor- na-se mais complexa a dinâmica da reprodução e expansão da poupança e in- vestimento privados e, portanto, do próprio setor privado. Um casal que estabelece uma relação afetiva passa por diversas situações que podem suscitar o que, informalmente, chamamos de DR: discutir a relação, encontrar um caminho de se relacionar melhor com o outro e consigo mesmo. É uma boa ideia! Na economia, bem como na política, também é importante debater, discutir para encontrar um acordo, um bom caminho. Isso nem de longe implica briga ou perda de tempo. “E quem discute isso?”, você pode estar se per- guntando. É o Estado e o povo. O voto para eleger os representantes simboliza a escolha por uma corrente ou outra de pensamento. É importante dizer que defendemos que o diálogo para debater ideias, e não pessoas, é uma importante ferramenta para buscar alternativas que solu- cionem situações complicadas do dia a dia. No caso da economia, é fato que o(a) polêmico(a) Estado mínimo ou intervenção estatal tem uma importância significativa. Nesse sentido, propomos uma dinâmica para que possamos co- nhecer vários pontos de vista e buscar um denominador comum para agregar valor ao debate econômico. Peça a amigos, colegas ou alguns de seus familiares para participarem com você de uma experiência que chamaremos de “palavra do especialista”! A discus- são será sobre o agente econômico chamado Estado. Portanto, os participantes devem ter alguma afinidade com essa temática, com aquela energia boa para discutir, debater, refletir economia e política! É assim: cada participante recebe uma folha de papel, um lápis ou uma caneta. Uma parte do grupo deve escrever e defender a importância do Estado privatizar empresas. Outra parte do grupo deve escrever e defender sobre a estabilidade macroeconômica por parte do governo. Peça para que todos os participantes sejam o mais sincero possível ao escrever. Após terminarem, o grupo que escreveu sobre a estabilidade macroeconômica lerá o texto sobre a importância do Estado privatizar empresas. E vice-versa. Após a leitura, as dificuldades, facilidades, diferenças de pontos de vista e outros aspectos poderão ser temas para uma calorosa e saudável discussão. Os temas econômicos, assim como tantos aspectos que envolvem nosso cotidiano, são complexos e repletos de diversas abordagens. Isso não significa que haja uma UNIDADE 3 118 verdade absoluta. O fundamental é discutir no sentido etimológico da palavra, que é examinar, buscar detalhes.Boa experiência! Adam Smith defendia a ideia de que a intervenção do Estado nos assuntos econômicos e no mercado em geral deveria ser a menor possível. De tal forma, não haveria necessidade da intervenção do governo nos mercados, seja como influenciador ou manipulador. Contudo, defendia a intervenção do Estado no mercado quando os indivíduos violavam as leis e a justiça e quando iam em busca de seus próprios interesses a qualquer custo. Veja que um dos grandes pensadores do liberalismo também pensou sobre a relevância do Estado enquanto agente que atua na relação com os direitos de propriedade privada. Desfrute do Diário de Bordo e realize suas anotações! DIÁRIO DE BORDO UNICESUMAR 119 À medida em que o homem tomou conhecimento do funcionamento dos pa- drões da natureza, ele pôde sair da condição de nômade e passar ao sedentarismo, fixando-se em pontos específicos do globo terrestre. Esse fenômeno possibilitou um aumento populacional, tornando a sociedade mais complexa. Considerando o ponto de vista econômico, por exemplo, numa economia de mercado, seu funcionamento se dá por meio do escambo (sem moeda) se houver apenas dois trocadores. Caso haja mais pessoas, a questão se complica. Veja, Sin- ger (1983) nos apresenta o exemplo de duas tribos, em que uma fabrica cerâmica, e a outra pesca. Apenas isso: só se troca cerâmica por peixe, não é preciso ter moeda. Esse é um ponto! Contudo, no mercado, existem muitas mercadorias e muitas pessoas. Cada uma leva o seu produto, desejando, em troca da sua merca- doria, outra ou várias outras muito específicas. Não existe um equivalente geral, uma mercadoria que serve só para trocar as outras. A organização dessas trocas, então, fica praticamente impossível. Diante dessa complexidade, numerosas economias de mercado surgiram na Europa, na África, na Ásia e na América, e se verificou que, depois de algum tem- po, com o desenvolvimento da divisão social do trabalho, com a multiplicação dos produtos que são levados ao mercado, de uma maneira ou de outra, surge uma mercadoria, de modo geral, a que mais frequentemente se produz e se troca, que passa a ser aceita, não para ser consumida, mas para ser, por sua vez, trocada novamente, conforme afirmam Galbraith e Sanvicente (1983). Quem atua no mercado de carros sabe bem que alguns veículos são comprados pela “liquidez” que possuem, não necessariamente por atenderem ao perfil de seus motoristas e, sim, por ter aceitação ampla no mercado. É fácil de ser vendido! UNIDADE 3 120 Isto posto, trata-se, então, da primeira forma histórica da moeda, chamada moeda-mercadoria, isto é, uma moe- da que, na realidade, é uma merca- doria com funções de dinheiro, com funções de meio de troca. Multiplica- ram-se, então, os mercados, cada um com seu dinheiro específico. Quase tudo já serviu como moeda: o gado (e, por isso, temos, em português, a palavra “pecuniário”, que vem de pe- cus, que é latim e quer dizer “gado”), o sal (a nossa palavra “salário” vem de sal, pois pagava-se o trabalho com sal, sal era moeda) etc. Enfim, é impossível imaginar algum tipo de mercadoria que, em algum momento, em algum lugar, não tenha servido de intermediário de trocas. À medida que diferentes economias de mercado começaram a se comunicar, porém, estabeleceram trocas entre si. Se, num mercado, a mercadoria-moeda era, por exemplo, o gado e, no outro, era o sal, criava-se um problema de câmbio. Quer dizer, o preço, em um mercado, era medido em cabeças de gado e, no outro, em baldes de sal. Para haver intercâmbio, era preciso fazer a conversão, e nem sempre a moeda de um mercado era aceita como moeda no outro. Além disso, muitas moedas apresentavam uma série de dificuldades. Por exemplo, eram perecíveis. Uma coisa importante na mercadoria-moeda é poder guardá-la para que se possa vender sem precisar comprar imediatamente. Nessa altura de nossa viagem histórica, o tempo não era o mesmo “tempo” de hoje. As coisas aconteciam numa velocidade diferente. Nosso vendedor levaria a moeda “gado” para casa. Somente depois (sabe-se lá quanto tempo!), voltaria para gastá-la. E se a negociação envolvesse muitos bois? Era o suficiente para se tornar complexo levar esse boi para casa, alimentá-lo para, depois, voltar a negociá-lo. Portanto, se a receita monetária tem a forma de uma manada, há que se alimentar os animais, que podem morrer ou ficar doentes. Assim, guardar moedas desse tipo implica despesas e riscos. Isso em qualquer período histórico! UNICESUMAR 121 Diante desse cenário, a moeda-mercadoria mais interessante era a que fosse pouco perecível. Além disso, é interessante que ela pudesse ser dividida homo- geneamente. Pense no gado… Como dar troco para uma transação dita “fracio- nária”? Uma boa moeda-mercadoria é, portanto, aquela que seja não perecível, durável, que seja divisível homogeneamente e, além disso, de fácil transporte. O sal, por exemplo, costuma ser muito barato. Quem quisesse fazer uma compra grande, precisava levar uma carroça e encher de sal. Isso custa muito dinheiro, ao passo que uma moeda-mercadoria que concentra valor em pequeno volume e peso pode facilmente ser levada ao mercado para os pagamentos. Dadas essas condições que tornam, em função da prática, uma moeda-mer- cadoria mais adequada do que outra, formou-se uma espécie de consenso geral, ao longo da história — e isso levou séculos e séculos —, em quase todo o mundo, de que a moeda-mercadoria deveria ser de metal precioso, basicamente, ouro e prata. Utilizam-se como moeda, também, outros metais, como o cobre — hoje, a palavra cobre é sinônimo de dinheiro — e o níquel — que também é sinônimo de moeda. Enfim, houve moedas de todo tipo de materiais, de metais e ligas de metal, mas a principal moeda-mercadoria que se conhece e que prevaleceu, por muitos séculos, até hoje, foi o ouro ou a prata, algumas vezes, juntamente, outras vezes, predominando mais a prata ou o ouro, como atualmente (SINGER, 1983). Mas a moeda, ou o dinheiro, não é só um intermediário de trocas. À medida que a sociedade se tornou mais complexa, as trocas foram acompanhando essas transformações. Aí, o dinheiro, ou moeda, passa a desempenhar outra função que, em uma economia de escambo, não seria possível: passa-se a usar moeda para fazer pagamentos e, com isso, pode-se separar, no tempo, a transação comercial e a sua liquidação. Quer dizer, compra-se a prazo, inclusive, a força de trabalho: o empregado, em geral, trabalha por mês e, só no fim desse período, recebe o salário. Considerando um salto histórico, na era pós-industrial, um construto social se apresenta em termos de história da moeda: o crédito! Habitualmente, realiza- mos compras a prazo. Destarte, a existência da moeda abre caminho para o surgi- mento do crédito. Este, como se vê, é crença e fé no devedor. Em outras palavras, o credor que empresta o dinheiro ou adianta a mercadoria acredita no devedor, que ele vá, realmente, no prazo convencionado, pagar, e, assim, estabelece-se o crédito. Para que essa crença não seja só subjetiva, o credor pode exigir garantias. Singer (1983) afirma que, ainda em uma economia de escambo, em princípio, UNIDADE 3 122 também podia haver crédito. Alguém podia entregar uvas e, depois de um mês, receber outra coisa em pagamento, mas a contabilização disso era um tanto quan- to complicada. Ao passo que, com a moeda-mercadoria, a concessão de crédito se torna não apenas muito mais fácil, mas transferível. Essa característica de por- tabilidade representa um grande avanço no mundo financeiro. O risco, a incerteza e a complexidade, enquanto características do modelo econômico, político e social, reverberam na função creditícia. O crédito, geral- mente, é implementado por meio de um instrumento de crédito, que é um papel em que o devedor declara a sua dívida e assina embaixo. Suponhamos que nosso personagem que queria comprar uvas faça, ao vendedor de uvas, uma declara- ção, por escrito e assinada, de que lhe deve“x” moedas, que pagará no dia 31 de dezembro. Isso seria uma letra de câmbio ou uma nota promissória. Quando a dívida é feita em moeda, o credor pode, por sua vez, usar esse papel para pedir dinheiro ou mercadorias adiantadas de um terceiro. O devedor, em vez de pagar a quem lhe vendeu as uvas, pagará a um outro, que vendeu, digamos, frango ao credor original. Então, o crédito circula, isto é, o instrumento de crédito circula pelo endosso, quando é nominal, ou quando é feito ao portador, pela simples transferência do papel. UNICESUMAR 123 A partir da possibilidade de expandir o crédito, ocorre uma série de desen- volvimentos importantes. Com o surgimento da moeda feita com metal precioso, que é fácil de transportar, surge também o perigo de a moeda ser perdida ou roubada. Durante muito tempo, o comércio se fazia a longa distância. Os merca- dores, geralmente, deslocavam-se em caravanas e, para se protegerem, tinham de contratar guardas, o que era bastante caro. Quanto maior era a caravana, maior era a segurança, mais atraía a atenção dos assaltantes, os quais eram não só bandidos, mas também senhores feudais que viviam de assaltar mercadores. Para evitar esse tipo de perda, o crédito permite que se substitua a moeda-mercadoria por instrumentos de crédito (SINGER, 1983). Nesse ponto, é importante resgatar o importante papel histórico da Liga Han- seática enquanto um eixo relevante para o comércio, a qual surgiu no final do século XII. Essa organização criou e organizou um sistema de leis marítimas e comerciais, as quais influenciaram, diretamente, o sistema econômico europeu da época, sendo propiciada pelo desenvolvimento do comércio e das cidades (Renascimento Urbano-Comercial), abertura e surgimento de novas rotas co- merciais. Seus membros constituíam-se, principalmente, por comerciantes e estavam pautados no sistema de monopólio comercial, da mesma forma que compartilhavam interesses em comum, além de todos os privilégios mercantis, desde os direitos de entradas e saída de mercadorias até segurança. Outro eixo era o mediterrânico, que era controlado pelas cidades italianas de Gênova e Veneza. Entre ambos eixos, havia um longo caminho, que atravessava rios e monta- nhas, com uma porção de castelos de senhores feudais que, quando não cobravam tributos de passagem, assaltavam as caravanas. Para evitar levar ouro em grande quantidade, com chance de perdê-lo ou de ter de pagar um pequeno exército para Keynes (s.d. apud CARVALHO et al., 2000) escreveu que a construção de um sistema de contratos em moeda, pelos quais se transferem recursos de um agente para outro e se definem as obrigações de cada parte, é o que separa a civilização moderna de formas mais primitivas e menos eficientes do ponto de vista produtivo de organização social. PENSANDO JUNTOS UNIDADE 3 124 protegê-lo, o comerciante que saía de Veneza, levando mercadorias, as vendia em Hamburgo (pertencente à Liga Hanseática), mas, em vez de cobrar em ouro, recebia uma letra de câmbio, quer dizer, uma confissão da dívida contraída pelo comprador de Hamburgo. Se a letra de câmbio caísse em mãos de assaltantes, eles não teriam meios de convertê-la em moeda. Quando, mais tarde, mercadores de Hamburgo vinham vender seus produtos em Veneza, o comerciante lhes pagava com a letra de câmbio, e eles retornavam à sua cidade, onde o devedor convertia a sua letra de câmbio em ouro, ou seja, a resgatava. Em suma, o papel passa a cir- cular no lugar do ouro. Desta maneira, cria-se uma segunda moeda, que é uma representação da primeira, uma moeda-símbolo. Destarte, o desenvolvimento comercial impulsionou a utilização de moedas e, por conveniência, o crédito, enquanto resultado do desenvolvimento do co- mércio, bem como de uma classe social que passou a rivalizar com a nobreza: a burguesia! O enriquecimento dessa classe levou os comerciantes a terem cada vez mais influência sobre as regiões onde estavam instalados. Os burgueses passaram, gradativamente, a influenciar as cidades e até os reinos europeus. Além da abordagem do crédito enquanto medida relativa à conveniência, outra coisa importante era o fato de que as moedas de metal precioso tendiam a ser falsificadas. É essencial lembrar isso, pois essa informação nos remete ao aspecto inflacionário, abordado na Unidade 2. Numa época, por exemplo, tran- sacionava-se com barras de ouro, que eram medidas por peso. Ora, uma forma bastante esperta de enganar os outros era tirar o ouro do meio da barra, deixando só uma camada fina e superficial e enchê-la de chumbo. Chumbo é muito mais barato e muito mais pesado do que o ouro. Quando a camada externa do ouro se desgastava, o seu possuidor descobria que a alma da barra não era de ouro, mas de chumbo. Para evitar isso, as barras eram cortadas em rodelinhas, daí a forma da moeda atual. Mesmo assim, ainda era possível falsificar moedas de ouro, que tinham grande valor: os mais espertos e engenhosos cortavam a moeda bem no meio, raspavam o ouro de dentro e a enchiam de chumbo. Para tornar mais difícil esse tipo de falsificação, o governo passou a cunhar as moedas e passou a fazer o “dentadinho” no contorno, que você ainda encontra em moedas mais antigas. Costumava-se, também, morder a moeda para verificar se ela não era falsificada. UNICESUMAR 125 Travava-se, pois, uma grande luta pelo uso da moeda e contra a sua falsificação, o que não é interessante apenas por ser uma curiosidade para explicar a forma da moeda, mas, principalmente, porque, a partir de um certo momento, a moeda passa a ser protegida pelo Estado por meio da sua cunhagem. E, aqui, vamos nos aproximando de nossa temática de forma mais objetiva: a relação do Estado com a moeda. A política fiscal! Ainda, porém, é necessário estarmos juntos nessa via- gem histórica para deixar bem clara a complexidade desse assunto na atualidade. Em épocas diferentes, nos vários países, o rei, o imperador ou o príncipe cria- ram uma fundição real, para onde as pessoas levavam o ouro a ser transformado em moeda, ostentando, em um lado, o selo real e, no outro, a efígie do soberano. Esses símbolos constituíam uma garantia de que aquela moeda tinha, ou deveria ter, tantos gramas de ouro ou de prata. Quando a cunhagem se torna obrigatória, a emissão da moeda passa a ser um monopólio do Estado. Inicialmente, a cunha- gem era optativa: quem queria levava o ouro para essa fundição, recebia de volta as moedas cunhadas, pagava uma taxa e tinha um tipo de moeda que merecia mais confiança, porque tinha o selo do rei. Depois, o Estado a tornou obrigatória: quem quisesse pagar as dívidas tinha de fazê-lo em moedas cunhadas pelo Estado. 126 UNIDADE 3 Convém recordar que, quando o devedor deixa de pagar, o credor recorre aos tribunais, que se encarregam de cobrar a dívida. Isso quer dizer que o Estado tem como uma das suas funções mais importantes, em uma economia de mercado (sobretudo, na capitalista), impor o cumprimento das obri- gações assumidas em contratos privados. Em virtude disso, porém, ele também tem o direito de especificar em que moe- da as dívidas devem ser pagas, conferindo a certas moedas curso forçado. Esse conceito é fundamental para se entender como funciona o sistema monetário. No Brasil, o Governo confere “curso forçado” ao real. Você pode contrair dívidas em euros ou dólares, por exemplo, mas, se o devedor deixar de pagar essa dívida, é levado às barras de um tribunal, o qual converterá a dívida em reais, e o credor terá de aceitar os reais como pagamento. Isso garante, ao governo, ao Estado, o monopólio da emissão de moeda, quer dizer, ele constitui a única entidade que pode criar moeda. A economista Monica de Bolle (2020) nos lembra que o lastro da moeda é sempre a capacidade de pagamento do go- verno, entendendo-se por lastro a confiança que essa moeda gera. Se houver razões para se duvidar da capacidade do go- verno de ressarcir o valor impresso na nota, isso naturalmente gerará um repúdio à moeda, eesse repúdio pode levar a um processo inflacionário. No entanto, se houver razões para se confiar que aquele valor impresso será ressarcido, implicita- mente se acredita na capacidade de pagamento do governo, vale dizer, no respaldo fiscal, no lastro fiscal daquela moeda. A confiança é algo concreto, não nasce do ar, sobretudo ao tratar de moeda fiduciária, que não tem valor intrínseco. Sem valor intrínseco, a confiança tem que vir de algum lugar, depende do lastro fiscal, da solidez fiscal de longo prazo ou da percepção de solidez, da confiança das pessoas na capacidade do governo de honrar o valor daquela nota. É por isso que a po- lítica monetária e a política fiscal estão diretamente entrelaça- das. De uma forma ou de outra, elas estão sempre interligadas. UNICESUMAR 127 O Estado começou a emitir moeda e precisava arrecadar impostos para cobrir os custos e despesas que uma instituição dessa ordem realiza. Daí o fato de as políticas monetária e fiscal andarem juntas. Relacionar o Estado com as políticas econômicas parece coisa pronta, mas essa viagem histórica foi proposital para dirimir a noção do Estado na Economia. Um olhar atento à história permitirá a compreensão de que o Estado está en- redado num contexto capitalista, no qual, à medida que o panorama financeiro Os Estados Nacionais surgiram, primeiramente, com as Cidades-Estado italianas, como Florença, Gênova e Veneza, que detinham monopólio de poder para garantir o comércio, imprimir moeda e recolher impostos para financiar as guerras. O conceito clássico de Estado-Nação, porém, apareceu em 1948, com a assinatura do Tratado de Westfália, que determina que um Estado, para ser considerado como tal, deve ter território, população e governo (soberania) enquanto atributos. EXPLORANDO IDEIAS Reunir ferramentas importantes como a política fis- cal e monetária oferece robustez às decisões econô- micas complexas como as que estamos vivenciando a partir do contexto da pandemia! Ao invés de focar ex- clusivamente na política orçamentária, é importante viabilizar financiamentos considerando os aspectos orçamentários. Um jogo difícil de jogar, em que os mais estrategistas e dedicados participantes encaminham a sociedade como um todo a ganhar. O texto de Roberta Costa, economista e coordenadora de mercados internacionais para o Jornal Valor Econômico, nos agrega conhecimento ao trazer a fala de Christine Lagarde, no plenário do Parlamento Europeu. Uma mulher que lida diretamente com a tomada de decisões em diferentes cenários econômicos, ao presidir o Banco Central Europeu, afirma essa ideia de que entrelaçar as duas ferramentas econômicas para atingir o objetivo de bem-estar social será importan- te e possibilitará a recuperação da economia europeia nos níveis pré-pandemia. Portanto, a temática que conecta política fiscal, monetária e o papel das mulheres na economia é o que você terá a oportunidade de ouvir neste podcast. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6535 UNIDADE 3 128 global se complexificou, a relação política e econômica se tornou cada vez mais intrincada. Quanto mais se expande o capitalismo, mais atividades a serem de- sempenhadas podem ser realizadas por esse agente econômico. Isso porque o mercado não funciona de modo perfeito e automático. Essas falhas justificam o papel do Estado. As funções do Estado podem ser pensadas diante de três funções clássicas: função alocativa, função estabilizadora e função distributiva. O mecanismo de preços do mercado atua razoavelmente e assegura a oferta de uma série de produtos no mercado. Contudo, esse mecanismo de mercado não é capaz de alocar eficientemente todos recursos da economia, havendo, portanto, a necessidade da intervenção governamental, a fim de que se obtenha a mais eficiente alocação dos recursos. A alocação dos recursos por parte do governo tem como objetivo principal a oferta de bens e serviços necessários e desejados pela sociedade e que não são providos pelo sistema privado. Assim, o governo, utilizando os recursos e os ins- trumentos de políticas a ele disponíveis, alocará recursos visando à complemen- tação dos bens não disponibilizados pelo setor privado ou de acesso excludente. Esse conjunto de bens se refere aos “bens públicos puros”, “bens sociais ou quase públicos” e/ou, também, “bens econômicos”. A alocação dos recursos na oferta dos “bens públicos puros” só ocorrerá por meio da interferência governamental. A característica da indivisibilidade desses bens inviabiliza sua oferta pelo setor privado, que seguramente não conseguiria vendê-los no mercado. Dessa forma, sendo eles necessários e de- sejados pela sociedade, sua oferta poderá ser viabilizada com a oferta direta do governo ou por meio de mecanismos de incentivos à alocação dos recursos na sua oferta pelo setor privado. A função de estabilização do governo utiliza instrumentos macroeconômicos para manter certo nível de utilização de recursos e estabilizar o valor da moeda. Assim, essa função surge para assegurar um desejável nível de pleno emprego e estabilidade dos preços, que não são automaticamente controlados pelo sistema de mercado. Assim, quando a economia está num período de desemprego e/ou inflação, a função de estabilização do governo atua no sentido de minimizar esses problemas, procurando manter um nível tolerável de emprego e de estabilidade nos níveis de preços. UNICESUMAR 129 Quando o desemprego prevalece, o governo aumenta o nível de demanda no mercado, elevando seus gastos ou diminuindo seus tributos, recolocando a pro- dução no pleno emprego. Por outro lado, se há inflação, o governo poder reduzir o nível da demanda no mercado, ajustando seus gastos e tributos, reduzindo, assim, o nível da demanda e os preços. Fatores como oportunidade educacional, mobilidade social, habilidade indivi- dual, mercado de trabalho, propriedades dos fatores de produção etc. levam, dentro de uma economia de livre mercado, a desigualdades na apropriação da renda e da riqueza gerada pelo sistema econômico. Assim, uma vez mais, o governo poderá utilizar seus diversos instrumentos para interferir nesse processo, melhorando a distribuição da renda e da riqueza e criando oportunidade de ascensão social. De maneira geral, os instrumentos de política fiscal são mais apropriados para tratarem dessa questão de forma mais eficaz. Contribuem para melhoria na apropriação da renda um sistema de tributação com cargas mais elevadas para as camadas mais ricas da sociedade, um mecanismo adequado de transferências de renda pessoal e regional, subsídios e incentivos que diminuem o custo de acesso a certos bens e serviços, leis regulatórias de proteção a um salário mínimo de subsistência, proteção tarifária, além dos gastos públicos em atividades que per- NOVAS DESCOBERTAS O Estado é mais novo que a economia. Na verdade, como o conhece- mos hoje, não foi sempre assim. Contudo, a economia moderna, ou melhor, a partir do capitalismo comercial, Estado e economia passa- ram a interagir constantemente. Em alguns momentos da história, mais, em outros, menos. A economia é filha do seu tempo. Portanto, tornou-se mais complexa diante da mudança das relações sociais, políticas etc. Independentemente do debate acerca da intervenção estatal ser boa ou não para a economia, o Estado cumpre uma função importante de agente econômico. Entre suas várias funções, ele é o ator preponderante na econo- mia nas atividades fiscais, relacionadas à captação de recursos para efetuar gastos públicos, como as despesas associadas à educação, à saúde, à segu- rança pública etc. Para você saber mais sobre essa temática, a sugestão é a leitura do livro Economia do Setor Público: uma análise crítica, da doutora em Políticas Públicas Ludmila Andrzejewski Culpi . 130 UNIDADE 3 mitam a utilização dos bens e serviços por uma camada da sociedade carente de recursos para obter esses bens no mer- cado privado. O mercado funcio- nando livremente, sem a interferênciado gover- no, não se preocupará com a concentração da renda e da riqueza, uma vez que as atividades econômicas alcancem seus objetivos, atingin- do frações segmentadas da sociedade, deten- toras de recursos para suas compras. Assim, a possibilidade espontâ- nea da desconcentração da renda se torna ilu- sória. Dessa forma, um melhor ajustamento na distribuição da renda e da riqueza na socieda- de só poderia ser feito por intermédio da par- ticipação do governo, já que somente ele pode compulsoriamente es- tabelecer mecanismos que, de maneira efetiva, contribuam para o com- bate às desigualdades. UNICESUMAR 131 Figura 1 - Funções clássicas do Estado / Fonte: a autora. Na Figura 1, é possível verificar que a função alocativa está associada à necessidade de oferecer ao mercado determinados serviços e produtos que o setor privado, por algum motivo, não consegue garantir. Portanto, o Estado desempenha seu papel de alocador, oferecendo a quantidade necessária desses serviços e mercadorias para atender à demanda de uma sociedade. A função estabilizadora se refere tanto às políticas de incentivo ao crescimento quanto ao controle de preços da economia, Descrição da Imagem: a Figura 1 apresenta três imagens com seus significados. A primeira imagem é a função alocativa do Estado. Com a transposição do Rio São Francisco como exemplo, a ideia é apresentar que essa função visa a assegurar o necessário ajustamento da alocação dos recursos no mercado. Ela oferta bens e serviços que não são oferecidos pelo setor privado. Na segunda imagem, tem-se o desenho de um homem se equilibrando sobre uma roda, que, no caso, representa o dinheiro, a função estabilizadora que concentra seus esforços na manutenção de um alto nível de utilização de recursos e de um valor estável da moeda. Consiste na promoção do crescimento econômico sustentado, com baixo desemprego e estabilidade de preço, como, por exemplo, as políticas econômicas adotadas nas décadas de 1980 e 1990. E, por último, na terceira imagem, com a logo do Programa Bolsa Família — a qual consiste em uma casa sobre o mapa do Brasil, ambos na cor verde, com a ilustração de uma família (pai, mãe e três filhos) na frente —, refere- -se à função distributiva, que é voltada para a necessidade do governo em intervir na economia, visando à correção da desigualdade existente na distribuição da renda nacional que, normalmente, não é igualitária, como, por exemplo, o programa Bolsa Família e os recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). UNIDADE 3 132 evitando altos índices de inflação. Para desempenhar esse papel de estabilizador de preços e promotor do crescimento econômico, o Estado deve adotar mecanismos de política econômica. A função distributiva é uma função central, já que garante que as pessoas terão melhor condição de atender às suas necessidades mais básicas. Nessa perspectiva, a contribuição de Culpi (2019) é relevante ao esclarecer que a renda de uma pessoa depende das oportunidades que existem nas na- ções, ou seja, se uma economia está em crescimento e consegue oferecer salários médios a altos, a maioria da população terá boas condições de vida. Contudo, algumas economias têm desigualdade social mais acentuada que outras ou outros problemas econômicos graves, então o governo deve cumprir a função de redis- tribuir a renda gerada na economia entre os diversos setores, visando à redução das disparidades e à promoção da equidade. Sabe-se que o papel do gestor é tomar decisões em ambiente complexo. Do ponto de vista econômico, o posicionamento do profissional ao deliberar é ter em mente que o Estado está cada vez mais imbricado no contexto econômico. Diante do amadurecimento do sistema capitalista ao longo do tempo, a história nos revelou que essa relação é factual e de extrema importância diante dos pro- pósitos da gestão financeira. Essa ideia se confirma à medida que passamos a perceber que, na atualidade, a função estabilizadora do Governo se revela pela manipulação dos agregados macroeconômicos, tais como juros, dívida pública, emprego, inflação e investi- mento público. O caminho posto para administrar essas variáveis complexas é por meio do orçamento público. Esse instrumento de planejamento, diante da utilização do dinheiro arrecadado com os tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, entre outros), é essencial para oferecer serviços públicos adequados, além de especificar gastos e investimentos que foram priorizados pelos poderes (funções do Governo), portanto, conforme Culpi (2019), é uma ferramenta cen- tral para assegurar o impacto do Estado sobre a economia. Diante do orçamento público, as autoridades econômicas podem usar as políticas econômicas de formas diversas. Em cenários de desemprego, deve-se expandir os gastos e aumentar a demanda da economia por meio de transferência de renda, redução de impostos, entre outras medidas — ações expansionistas. Por outro lado, quando existe inflação na economia, o Estado deve reduzir gastos e conter a demanda mediante aumento dos juros para expandir a poupança e limitar o crédito na economia — ações restritivas. UNICESUMAR 133 Figura 2 – Fluxo do orçamento da receita / Fonte: Brasil ([2021a], on-line). É na busca por assegurar a estabilidade econômica e promover o crescimento econômico, bem como o controle de preços que o Estado adota várias medidas de política econômica, utilizando instrumentos de política fiscal, monetária, cambial, de comércio exterior, políticas setoriais e de rendas, entre outros. Uma vez que conversamos sobre política monetária na Unidade 2 e que as questões de comércio internacional serão abordadas na Unidade 4, nos é, agora, oportunizado tratar do funcionamento da política fiscal. Entender sua função na Descrição da Imagem: os indivíduos são membros de um Estado. Dessa maneira, usufruem de direitos civis e políticos garantidos por este. Por sua vez, aqueles devem cumprir com seus deveres, como o paga- mento de impostos, por exemplo. O Governo Federal, a partir da receita adquirida pelos cidadãos, oferecerá serviços públicos para a sociedade. UNIDADE 3 134 economia e de que forma ela interfere na capacidade de consumo das famílias, de investimento e crescimento das empresas e gastos do governo. O gestor financeiro é aquele que elabora relatórios analíticos para acompa- nhamento dos resultados financeiros das empresas; elabora indicadores quanti- tativos para tomada de decisões; coleta, organiza e analisa informações gerenciais para construção de orçamento empresarial. Agora, imagine isso ao gerir uma instituição com mais de 200 milhões de habitantes! Se já é difícil planejar e con- trolar os gastos em nossa casa, imagine a complexidade de planejar as prioridades de um país do tamanho do Brasil. É por essa (e outras!) que o governo é o principal agente econômico indi- vidual de uma economia e, também, o mais influente. Suas decisões de gastos e de arrecadação impactam todas as famílias e as empresas do país. As funções desse agente, apresentadas anteriormente, iniciam um conceito importante para o entendimento das políticas fiscais do governo, a saber: o orçamento público. Você sabe o que é orçamento público? Como todo orçamento, é uma rela- ção de gastos que o governo pretende fazer em determinado ano com base nas previsões de receitas a serem arrecadadas naquele ano. O orçamento faz parte do planejamento das contas do governo, que precisa antecipar os gastos orça- mentários que serão executados. Isso possibilita a obtenção de transparência e maior controle das contas públicas, seja por parte dos gestores públicos, seja por parte da sociedade. Ferreira (2015) nos apresenta o orçamento público no Bra- sil em três principais abordagens: orçamento fiscal, orçamen- to de investimentos de estatais e orçamento da seguridade social. Essa divisão direciona a gestão dos recursos, seja por fonte de arrecadação, seja por função social do Estado. No orçamento fiscal,são definidos os gastos com a administração pública, como saúde, educação, seguran- ça, defesa, justiça, entre outras funções do Estado, bem como os gastos das autarquias públicas, como os ins- titutos, as fundações e as agências de regulação. São autarquias: UNICESUMAR 135 o Banco Central do Brasil (BCB), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a Agência Nacional de Teleco- municações (Anatel), entre outras. Os gastos comprometidos no orçamento fiscal devem ser feitos com os recur- sos do Tesouro Nacional, das Secretarias de Fazenda Estaduais e das Secretarias Municipais de Finanças; logo, são receitas tributárias e não tributárias recolhidas pelas três esferas administrativas, com a arrecadação de impostos, as cobranças de taxas por serviços, as receitas de lucros em participações de empresas públicas ou de capital misto, as vendas de títulos públicos e/ou os recebimentos de doações. No orçamento de investimento das empresas estatais, como estas são empre- sas, o objetivo é expor o plano de investimentos para expansão da organização e da oferta de produtos ou serviços ao longo do tempo. A fonte de recursos para os investimentos das empresas estatais é sua receita operacional obtida com as vendas de seus produtos ou serviços no mercado, com suas receitas financeiras obtidas de aplicações de sobras de caixa ou de participações em outros empreen- dimentos, com suas dívidas contratadas com o sistema financeiro ou por meio da venda de títulos privados de dívida, como as debêntures. Em 2019, segundo dados da Controladoria Geral da União, havia 46 empresas das quais o Governo Federal do Brasil detinha controle direto ou que eram to- talmente públicas. Debêntures são títulos de crédito, representativos de um empréstimo que uma compa- nhia realiza junto a terceiros e que assegura a seus detentores direito contra a emisso- ra, estabelecidos na escritura de emissão. Consiste em um instrumento de captação de recursos no mercado de capitais, os quais as empresas (públicas e/ou privadas) utilizam para financiar seus projetos. Os debenturistas são credores da empresa e esperam re- ceber juros periódicos e pagamento do principal — correspondente ao valor unitário da debênture. É uma forma, também, de melhor gerenciar suas dívidas. Em alguns aspectos, seu funcionamento lembra o dos títulos públicos negociados no Tesouro Direto. Só que, em vez de financiar o governo, quem compra debêntures empresta dinheiro para uma empresa construir uma nova fábrica, expandir as operações no exterior ou fazer qualquer outro grande investimento. EXPLORANDO IDEIAS 136 UNIDADE 3 Empresas Estatais Federais - Controle Acionário Direto e Indireto. Número de subsidiárias: Dependentes do Tesouro Nacional Não dependentes do tesouro Nacional GRUPO 69 49 26 5 2 19 27 42 subsidiárias sediadas no exterior 151 Controle indireto 197 EMPRESAS ESTATAIS FEDERAIS 46 Controle direto Figura 3- Empresas públicas / Fonte: adaptada de Brasil (2020a). Descrição da Imagem: a imagem apresenta o título Empresas Estatais Federais — Controle Acionário Direto e Indireto. Embaixo, segue um fluxograma que apresenta um círculo maior, cuja borda representa um gráfico de pizza nas cores verde clara e escura. No círculo, insere-se a inscrição: 197 empresas estatais federais. Ao lado, indicando a porção mais escura do gráfico, segue um traço e outro círculo, no qual está inscrito 46 empresas de controle direto (veja o Quadro 1). Embaixo, indica-se uma subdivisão com dois losangos. Em um, está inscrito o número 19 e, abaixo, o texto “Dependentes do Tesouro Nacional”, e, no outro, o número 27 e, abaixo, o texto “Não dependentes do Tesouro Nacional”. Do círculo maior, segue um outro menor, fazendo referência à parte clara do gráfico de pizza, indicando 151 empresas de controle indireto. Ao lado direito, indica-se um texto referente ao número 151: o número de subsidiárias, que são 69 subsidiárias da Eletrobras, 49 da Petrobras, 26 subsidiárias do Banco do Brasil (empresas como a BB Seguros exemplificam esse número), 5 subsidiárias da Caixa Econômica Federal e 2 relativas ao BNDES. Do lado esquerdo, um círculo menor apresenta a inscrição 42 subsidiárias sediadas no exterior. UNICESUMAR 137 EMPRESAS ESTATAIS ABGF Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garan- tias S.A. EPE Empresa de Pesquisa Energética AMAZUL Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. EPL Empresa de Planejamento e Logística S.A. BASA Banco da Amazônia S.A. FINEP Financiadora de Estudos e Projetos BB Banco do Brasil S.A. Banco do Nordeste do Brasil S.A. GHC Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A. BNB Banco do Nordeste do Brasil S.A. HCPA Hospital de Clínicas de Porto Alegre BNDES Banco Nacional de Desenvolvi- mento Econômico e Social HEMO- BRAS Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotec- nologia CBTU Companhia Brasileira de Trens Urbanos IMBEL Indústria de Material Bélico do Brasil CDC Companhia Docas do Ceará INB Indústrias Nucleares do Brasil S.A. CDP Companhia Docas do Pará INFRAERO Empresa Brasileira de In- fraestrutura Aeroportuária CDRJ Companhia Docas do Rio de Janeiro NUCLEP Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. Você sabe quais empresas são públicas no Brasil? A seguir, uma relação delas. Vale a pena conhecer, pesquisar e entender sobre cada uma delas. É inviável apresentar cada uma, mas fica o convite para que você busque saber mais. É muito importante lembrarmos que as empresas estatais federais são patrimônio dos cidadãos brasileiros. Observe o quadro 1. Ainda vale destacar que tratamos, aqui, da esfera federal. Poderíamos pesquisar as em- presas pertencentes aos governos estaduais. É um trabalho interessante. Por ora, temos que pensar sobre os aspectos sociais. EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 3 138 CEAGESP Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo PETRO- BRAS Petróleo Brasileiro S.A. CEASA- MINAS Centrais de Abastecimento de Minas Gerais S.A. PPSA Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A. CEF Caixa Econômica Federal SERPRO Serviço Federal de Proces- samento de Dados CEITEC Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. SPA Santos Port Authority (Codesp) CMB Casa da Moeda do Brasil TELEBRAS Telecomunicações Brasilei- ras S.A. CODEBA Companhia das Docas do Esta- do da Bahia TREN- SURB Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. CODERN Companhia Docas do Rio Gran- de do Norte VALEC Engenharia, Construções E Ferrovias S.A. CODESA Companhia Docas do Espírito Santo EBC Empresa Brasil de Comuni- cação S.A. CODE- VASF Companhia de Desenvolvimen- to dos Vales do São Francisco e do Parnaíba EBSERH Empresa Brasileira de Servi- ços Hospitalares CONAB Companhia Nacional de Abaste- cimento ECT Empresa Brasileira de Cor- reios e Telégrafos CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais ELETRO- BRAS Centrais Elétricas Brasilei- ras S.A. DATA- PREV Empresa de Tecnologia e Infor- mações da Previdência Social EMBRAPA Empresa Brasileira de Pes- quisa Agropecuária EMGE- PRON Empresa Gerencial de Projetos Navais EMGEA Empresa Gestora de Ativos Quadro 1 - Empresas estatais / Fonte: adaptado de Brasil (2020a). UNICESUMAR 139 Nesse panorama, apresenta-se o orçamento da seguridade social. Ele detalha tantos os gastos como as despesas vinculadas à saúde, à previdência e à assistência social. Seu financiamento é realizado conjuntamente pelo governo, empregadores e empregados. O legislador constituinte atribuiu à sociedade em geral o finan- ciamento da seguridade social, conforme previsto no art. 195 da Constituição Federal, o qual determina que ela será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Dis- trito Federal, dos Municípios e das contribuições sociais (BRASIL, 1988). Inicialmente,é dever da União suprir as insuficiências financeiras no paga- mento dos benefícios de prestação continuada a cargo da Previdência Social na forma de lei orçamentária anual. O Governo obtém, também, receitas associadas às contribuições sociais, como a contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) das empresas e as receitas orçamentárias dos órgãos de governos responsáveis pela saúde e assistência social. Da mesma forma, o Tesouro Nacional deve repassar, mensalmente, os recursos provenientes das contribuições inci- dentes sobre o faturamento e o lucro das empresas (CSLL – Contribuição sobre o Lucro Líquido) e sobre a arrecadação feita pela Receita Federal por meio de concursos de prognósticos (loterias etc.). É uma forma indireta de contribuição, na hipótese dos recursos por fonte própria serem insuficientes para a cobertura necessária (BARROS, 2018). A contribuição social dos empregadores urbanos incide sobre a folha de pa- gamentos, o faturamento e o lucro das empresas. Salvo algumas exceções, na contribuição sobre a folha de salários, será cobrado 20% sobre todas as remune- rações pagas a qualquer título, no decorrer do mês, a todos que prestem serviços remunerados. Na contribuição sobre o faturamento, chamada de COFINS, o percentual de 2% é cobrado sobre a receita bruta de qualquer natureza. Ressalto que há INSS patronal superior a 20% e, também, inferior a 20%. O acompanhamento das contas de receita e despesas da Seguridade Social se transfor- mou em um poderoso instrumento articulador do debate e uma arma importante para os movimentos sociais, pesquisadores e todos aqueles que defendem o modelo criado pelo constituinte de 1988. PENSANDO JUNTOS UNIDADE 3 140 De acordo com o enquadramento tributário, a contribuição social sobre o lucro pode ser cobrada no percentual de 8% para as empresas e em 18% para as instituições financeiras. Ressalta-se o fato de que, não havendo lucro, não há como exigir essa contribuição, portanto entidades sem fins lucrativos estão isentas dela. Não podemos deixar de citar o empregador rural, pessoa física que pagará 2,5% da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, mais 0,1% sobre a mesma base de cálculo para o financiamento das prestações de acidente de trabalho. Do mesmo modo, o empregador doméstico paga 12% do salário de contribuição, independentemente do valor do salário pago ao doméstico. Cabe frisar que existem algumas contribuições cobradas conforme risco de acidente de trabalho e gênero de atividade da empresa empregadora Por fim, a contribuição do empregado é calculada sobre o salário de contri- buição que serve como base de incidência das alíquotas. É utilizado para o traba- lhador urbano, rural, temporário, doméstico e avulso. O salário de contribuição é compreendido pela totalidade dos rendimentos ganhos, devidos ou creditados, a qualquer título pelo empregado durante o mês, incluindo-se gorjetas, comissões, diárias, abonos e gratificações, conforme determina a Lei nº 8.212/90 em seu artigo 28, incisos I a III (BRASIL, 1990). A contribuição do empregado está dividida em faixas de alíquotas variáveis da seguinte maneira: Salário-Contribuição Alíquota Até um salário mínimo (R$ 1.045,00 ) 7,5% De R$ 1.045,01 a R$ 2.089,60 9% De R$ 2.089, 61 a R$ 3.134, 40 12% De R$ 31134, 41 a R$ 6.101, 06 14% Fonte: Oliveira (2020, on-line). Conforme Verdélio (2020, on-line), a arrecadação de impostos federais em 2019 totalizou R$ 1,537 trilhão, um crescimento real de 1,69% em comparação ao ano anterior. Corrigido pela inflação, o valor chegou a R$ 1,568 trilhão, o maior volume desde 2014, de R$ 1,598 trilhão. UNICESUMAR 141 Você viu que o Governo precisa gastar para cumprir suas funções so- ciais, sejam as prioritárias, como pro- ver saúde, educação, segurança, justiça e defesa nacional, sejam todas as demais, as quais ele assume em função de op- ções políticas ou de necessidade social. Agora, vejamos a origem e os tipos de receitas públicas, bem como a forma como o governo gasta suas receitas para obter a melhor relação entre o custo e o benefício social. Já vimos que o governo é o respon- sável pela oferta de serviços públicos à sociedade, mas ninguém trabalha ou fornece produtos e serviços ao Go- verno de graça. Para prestar serviços públicos, o governo deve remunerar os funcionários públicos, pagar pelos produtos e serviços que compra das empresas, como materiais hospitalares, livros didáticos, equipamentos para as polícias, entre tantas outras compras que o governo realiza para cumprir as funções de Estado. Para obter os recursos necessários, o governo conta com as receitas públicas, formadas pelos montantes arrecadados pelos governos em determinado período de duas fontes distintas: as receitas tribu- tárias e as receitas não tributárias. As receitas tributárias são aquelas recebidas pelo Estado em função do pa- gamento dos impostos que a sociedade UNIDADE 3 142 paga. Elas podem ser classificadas conforme o tipo de tributo; os tributos diretos ge- ram receitas tributárias diretas, e os tributos indiretos, as receitas tributárias indiretas. Os tributos diretos são todos aqueles que incidem sobre a renda e a proprieda- de. Os principais tributos diretos são o Imposto de Renda (IR), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automo- tores (IPVA) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). A tributação direta reduz diretamente a disponibilidade de renda das pessoas a consumir, mas têm a vantagem de ser progressiva, ou seja, quanto mais renda e propriedade as pessoas tiverem, mais impostos pagarão, mesmo que as alíquotas não sejam dis- tintas entre as rendas ou as propriedades dos mais ricos e dos mais pobres. Os tributos indiretos são todos aqueles que incidem sobre as atividades econômicas e oneram os custos dos produtos e dos serviços. Os mais impor- tantes são o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e o Imposto sobre Importação (II). A tributação direta incide ao longo da cadeia produtiva, que, a cada etapa de produção, agrega os impostos incidentes aos custos, encarecendo os produtos que chegam aos consumidores. Logo, todos os produtos e serviços consumidos pelas famílias têm, em seus preços, uma parcela de custo, que são os tributos indiretos. Em alguns casos, como os combustíveis, mais da metade do preço do produto é imposto. Os tributos indiretos atingem indiscriminadamente todos os produtos e ser- viços, os consumidos pelos ricos e pelos pobres, encarecendo-os. A tributação indireta, ao deixar os produtos mais caros, reduz o poder de compra da renda das famílias. Esse consumo menor representa menor produção nas empresas, menor geração de emprego e renda na economia. Além disso, os tributos indiretos, ao encarecerem os preços de produtos nacionais, provocam a perda de competitivi- dade do produto nacional diante dos produtos importados, reduzindo ainda mais a capacidade de elevar a produção, como a geração de emprego e renda no país. As receitas não tributárias que o governo obtém para fazer compor o total das receitas públicas são todas aquelas que não têm origem nas cobranças de impostos. São diversas fontes de receitas não tributárias que um governo pode arrecadar, entre as quais estão, principalmente: UNICESUMAR 143 As contribuições compulsórias são quase como tributos, pois são recolhidas das empresas e das famílias como uma obrigatoriedade e, ao contrário dos tributos, não sofrem a partilha federativa, ou seja, a esfera de Governo (Federal, Estadual ou Municipal) que a impõe não precisa dividir a arrecadação com as demais. As principais contribuições compulsórias são: a) Ao instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). b) Aos programas de Integração Social e de Formação doPatrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP). c) À Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (CO- FINS). d) À Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). e) À Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). ������������� ������������ �� ����� �� ���� ��������� ���������� �������� �������� ������������ ���������� ��������� �������� ������� �������� ����� ��� UNIDADE 3 144 Impostos Aumentam ou diminuem o consumo e a renda da população Incentivam ou desestimulam a atividade das empresas Aumentam ou reduzem as importações ou as exportações Qualquer de�nição sobre o sistema tributário impactará os indicadores macroeconômicos da economia de modo geral (in�ação, PIB, juros, câmbio, emprego, etc.) e poderá contribuir para o crescimento da economia ou, ao contrário, para agravar a sua recessão Figura 4 - O impacto do aumento ou diminuição dos impostos / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: a imagem representa uma série de círculos espiralados que indicam os efeitos do termo central: impostos. Segue uma flecha para o texto: aumentam ou diminuem o consumo e a renda da população, que se refere a um aumento de impostos, que impacta negativamente na renda da população e, por conseguinte, desestimula o consumo, bem como a oferta de produtos e serviços. A segunda flecha indica um nível superior e se refere ao texto: incentivam ou desestimulam a atividade das empresas. A terceira flecha indica que o aumento de impostos pode reduzir ou aumentar as exportações e importações. A quarta flecha indica o texto: qualquer definição sobre o sistema tributário impactará os indicadores ma- croeconômicos da economia de modo geral (inflação, PIB, juros, câmbio, emprego etc.) e poderá contribuir para o crescimento da economia ou, ao contrário, para agravar a sua recessão. UNICESUMAR 145 Portanto, um aumento de impostos é, pois, uma medida restritiva de política eco- nômica, já que incide negativamente sobre o gasto agregado e sobre a produção. Uma redução de impostos, ao contrário, constitui uma medida reativadora, pois aumenta a renda disponível e desloca para cima a função de consumo e o gasto total, além de aumentar a renda de equilíbrio. Definitivamente, a possibilidade de alterar os impostos constitui um instrumento de controle do gasto agregado quase tão poderoso quanto uma mudança nos gastos do setor público. Dentro desse contexto do setor público e de orçamento, permita-me com- partilhar uma vivência... Tive a feliz experiência de atuar, por quase 10 anos, em uma instituição financeira. Era um trabalho muito dinâmico, o qual me trouxe muito aprendizado sobre o mercado financeiro (e outros tantos!). Era a época do governo Fernando Henrique Cardoso, ano de 2002, e eu atuava como caixa de banco no extinto HSBC Bank Brasil S.A. O assunto de recursos para saúde e custeio social estava em pauta no Brasil, e, a partir dessa justificativa, FHC prorrogou a Contribuição Provisória sobre Movi- mentação Financeira (CPMF), criada (com outro nome à época) em 1993. O fato é que a CPMF ganhou o apelido de “imposto do cheque”. Na época, as transações com cartão, ou meios de pagamento virtuais, eram diferentes dos dias atuais, em que a internet está disseminada. O Wi-Fi nem existia na região em que eu atuava. Portanto, o uso de talão de cheques como forma de pagamento era elevado. A alíquota adotada era de 0,38%. A cobrança incidia sobre todas as movimentações bancárias — exceto nas negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade. Então, um prestador de serviço, por exemplo, recebia um pagamento em cheque; ao descontar essa ordem de pagamento, tinha de pagar 0,38% sobre o valor de emissão do documento enquanto contribuição. Na prática bancária, havia muito trabalho com cheques depositados e de- volvidos por erro formal (motivo 31, cheque com irregularidade — sem data de emissão, com o mês grafado numericamente, ausência de assinatura ou não registro do valor por extenso), no qual não havia data. Eram vários desse tipo no dia a dia. Uma das razões recorrentes era a de que esse documento, que, em teoria, era uma ordem de pagamento à vista, era emitido sem apresentar a data diante da prática de repassá-lo adiante como forma de pagamento para outrem, por tentar escapar da movimentação bancária e ter que honrar com a incidência de 0,38% do valor em questão. UNIDADE 3 146 Imagine, caro(a) aluno(a), que você, ao comprar uma casa no valor de R$ 500.000,00, teria de pagar o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI — varia, conforme a localidade, entre 2% a 3%) recolhido pela prefeitura. E, ain- da, teria de contribuir com R$ 1.900,00, no caso citado, de CPMF. Digamos que até seria razoável, caso a motivação inicial para essa contribuição se realizasse. Contudo, ao longo dos 11 anos que vigorou, essa “grana” toda não foi destinada à saúde como deveria, conforme nos informa o Senado Notícias (BRASIL, [2021b], on-line). De 1997 a 2007, a CPMF arrecadou R$ 223 bilhões. Em 2007, último ano de vigência da contribuição, foram recolhidos R$ 37,2 bilhões, segundo balanço divulgado pela Receita Federal. O crescimento da receita gerada pela CPMF, entre 1998 e 2006, foi de 216,1%, enquanto o montante de tributos administrados pela Receita Federal evoluiu 78,4% no mesmo período, em termos reais. Apesar de ter sido criada para financiar a saúde, não havia essa obrigação na lei, e R$ 33,5 bilhões foram usados para financiar outros setores. Figura 5 - Arrecadação e destinação dos recursos da CPMF / Fonte: Brasil ([2021b], on-line). Descrição da Imagem: no gráfico apresentado, para os anos de 1997 a 2007, período em que vigorou a CPMF, pode ser observado o destino planejado para os recursos arrecadados por meio do imposto. Não se atingiu, como deveria, o objetivo proposto para a área da saúde. No ano de 1997, com uma alíquota de 0,20%, os recursos foram, em sua grande maioria, para a área da saúde (em vermelho), sendo que uma pequena parte foi destinada ao Caixa do Tesouro Nacional (em azul). Em 1999, observa-se parte do montante sendo destinada à Previdência Socias (em verde escuro), e outra parte, à saúde. No começo da década de 2000, a parte destinada à saúde perde a vez para a Previdência Social e para o fundo de combate e erradicação da pobreza (em azul marinho). No ano de 2007, de um valor que ultrapassa 35 bilhões, apenas 15 bilhões foram destinados ao objetivo inicialmente proposto. UNICESUMAR 147 Pois bem! Ainda que análises criteriosas devam ser reali- zadas, as taxas cobradas pelo Governo, na administração direta ou em autarquias, destinam-se ao custeio das ativi- dades específicas de Estado relacionadas a uma prestação direta ao cidadão. Embora sejam muitas as taxas cobradas por serviços públicos, as principais estão relacionadas às seguintes atividades: ■ Emissão de documentos públicos (carteira de iden- tidade, passaporte, carteira de motorista, alvará de funcionamento etc.). ■ Inscrições em concursos públicos. ■ Iluminação pública. ■ Limpeza pública e coleta de lixo. ■ Fiscalização (Defesa Sanitária, Corpo de Bombeiros). Outra fonte de receita não tributária é o lucro das empresas estatais, que pertencem ao seu dono, o Estado, que tem o direito a uma parte dos lucros dessas organizações, como Petrobras, Infraero, Eletrobras e Caixa Econômica Federal. Perceba que esses lucros podem ser reinvestidos nas pró- prias empresas ou retirados pelo Governo para compor as receitas que ajudarão a pagar as contas públicas. Algumas instituições públicas recebem doações, que podem ser de pessoas físicas, jurídicas e até mesmo de estrangeiros. Essas doações também são consideradas receitas públicas não tributárias. É considerada receita pública não tributária o dinheiro obtido pelo governo com a emissão e venda de títulos públicos. As receitas de venda de títulos da dívida pública servem paracobrir os pagamentos acima das receitas, assim como acontece em uma empresa e em uma família. Quando falta dinheiro para pagar todas as contas, toma-se dinheiro emprestado, mas, no caso do governo, emitem-se e vendem-se títulos públicos (FERREIRA, 2015). 148 UNIDADE 3 Figura 6 - Carga Tributária Bruta por esfera de governo no Brasil — Anual — % do PIB — de 2010 a 2019 / Fonte: Brasil (2020b, on-line). Os impostos têm impacto direto sobre a economia, principalmente, sobre o con- sumo das famílias, pois os impostos retiram poder de compra das pessoas, seja diretamente, quando incidem sobre a renda e a propriedade, seja indiretamente, quando incidem sobre a produção e circulação de mercadorias e serviços. Perceba que os impactos dos tributos diretos e indiretos são diferentes sobre o consumo, mas ambos os tipos de tributação afetam igualmente a quantidade de coisas que as famílias podem comprar. Descrição da Imagem: na imagem, temos que, em 2019, a Carga Tributária Bruta (CTB) do Governo geral (Governo central, Estados e Municípios) alcançou 33,17% do PIB, permanecendo praticamente estável em relação a 2018, com aumento de 0,02 pontos percentuais do PIB. Na decomposição por esfera de governo, a CTB dos Governos Estaduais apresentou crescimento de 0,15 p.p. do PIB; dos Governos Municipais, houve aumento de 0,08 p.p. do PIB; e do Governo Central, houve redução de 0,20 p.p. do PIB. UNICESUMAR 149 Figura 7 - Estrutura da Carga Tributária Bruta — Governo Geral — Brasil — Anual — % do PIB — de 2010 a 2019 / Fonte: Brasil (2020b, on-line). Para ficar mais evidente o impacto fiscal na economia, considere que o governo resolva arrecadar mais receitas públicas e eleve os impostos sobre a renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI), deixando as alíquotas dos demais impostos inalteradas. A elevação do IR reduzirá a renda disponível para o consumo, pois uma parte maior dela agora será repassada para os cofres do Tesouro Nacional. Descrição da Imagem: a estrutura tributária brasileira é uma das que mais se apoia na tributação sobre o consumo (bens e serviços), a qual alcançou 14,25% do PIB em 2019. Os impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital atingiram 7,41% do PIB. Os impostos sobre propriedade atingiram o ínfimo de 1,62% do PIB. Demais impostos ficaram em 1,21%, e as contribuições sociais representaram, para o referido ano, o percentual de 8,68 do PIB. Essa trajetória sofreu poucas alterações ao longo dos anos de 2010 a 2019. UNIDADE 3 150 Com menos renda, as famílias comprarão uma quantidade menor de mercado- rias e serviços. Quanto ao aumento do IPI, observe que isso elevará os custos de produção dos produtos industrializados, logo as empresas repassarão essa elevação de custos para os preços finais dos produtos industrializados, o que também resultará em redução de consumo, pois as famílias com a mesma renda terão de comprar quantidades menores ou excluirão alguns bens do orçamento. Assim, uma política tributária que eleve a carga tributária na economia tem como impacto esperado a redução do consumo das famílias e, quando nós compra- mos menos, forçamos uma redução da produção das empresas e das importações. A redução da produção nacional, dependendo da intensidade, pode provocar a eleva- ção do desemprego, e, com menos pessoas empregadas, estas também reduzirão o seu consumo, ampliando ainda mais a queda da produção e da geração de empregos. A queda nas importações causada pela redução da renda disponível das em- presas provoca uma queda na demanda por dólares; consequentemente, há uma sobra de dólares no mercado nacional — a moeda estrangeira fica mais barata, e a nacional, mais cara. No Brasil, o real ficaria apreciado, e todos os produtos nacionais exportados ficariam mais caros em dólares, gerando perda de compe- titividade das empresas brasileiras e redução das exportações. Perceba que a política tributária restritiva eleva a carga tributária, mesmo que não atinja diretamente os produtos exportados, mas pode provocar impactos negativos sobre as atividades exportadoras, ao apreciar a taxa de câmbio, e até desemprego nessas atividades. Quando o Governo reduz os impostos, ele aumenta a renda disponível das famílias, que podem comprar mais produtos e serviços; logo, aumenta o ritmo da produção nacional e das importações. O aumento da produção nas empresas para dar conta do crescimento do consumo aumenta emprego e renda; com mais gente empregada e mais renda gerada, o consumo aumenta novamente, provocando um ciclo virtuoso de crescimento. A elevação das importações eleva a demanda por dólares e deprecia o real, o que estimula a competitividade do produto nacional no exterior e eleva a produção para exportação, aumentando os níveis de emprego e renda nas atividades de exportação. Agora, você deve estar se perguntando: por que o Governo não reduz os im- postos sempre? Por dois motivos, basicamente: primeiro, porque estimular muito a demanda pode esbarrar na capacidade de produzir e ofertar das empresas, e isso UNICESUMAR 151 provocaria inflação; segundo, porque o Governo precisa manter uma arrecadação compatível com sua necessidade de gastos para a oferta de serviços públicos. Figura 8 - Política fiscal contracionista e expansionista / Fonte: a autora. Descrição da Imagem: o aumento dos impostos restringe o poder de compra dos consumidores, impac- tando em queda da renda disponível. A consequência direta é a redução do consumo das famílias. Por sua vez, reduz a produção nacional e, também, as importações. Por fim, reduz o emprego da renda e consumo da população, valorizando o câmbio e refletindo em queda das exportações. Já uma política econômica expansionista com vistas à redução dos impostos eleva a renda disponível, gerando aumento do consumo das famílias. Eleva a produção nacional, aumentando, também, as importações. Dá-se o crescimento do emprego, da renda e do consumo, bem como a desvalorização do câmbio e elevação das exportações. UNIDADE 3 152 A segunda forma de praticar política fiscal é por meio dos gastos públicos (do Governo), que é a soma das despesas dos Municípios, dos Estados e da União. São considerados os maiores gastos em uma economia. Nenhuma empresa ou família isoladamente compra tantos produtos e serviços; portanto, os gastos públicos po- dem afetar direta ou indiretamente a produção e a geração de rendas em um país. Quando o Governo eleva ou reduz seus gastos na economia, ele altera a quan- tidade de produtos e serviços que compra das empresas que fornecem ao Estado; logo, as elevações dos gastos do Governo provocam um efeito positivo sobre a produção das empresas, que, para elevarem a produção e darem conta das vendas para o setor público, contratam mais e pagam mais salários. A elevação da produção, do emprego e da renda nas atividades que vendem para o Governo estimula o consumo das famílias por produtos de outros seto- res, provocando, também, uma elevação da produção e da renda em diferentes setores da economia que não foram inicialmente afetados com a elevação das compras governamentais. Perceba que esse forte impacto sobre a economia também ocorre quando o governo resolve reduzir seus gastos. Nesse caso, a redução das compras de produtos e serviços de milhares de empresas pode gerar desemprego e queda da renda de milhões de famílias, as quais se obrigarão a diminuir seu consumo, o que afetará as vendas de milhares de outras empresas, que também reduzirão sua produção e o emprego, deprimindo ainda mais a demanda agregada da economia. Por que o Governo não aumenta os gastos sempre e continuadamente, uma vez que isso é bom para a geração de emprego e renda? Os gastos públicos pre- cisam ser comedidos para não ultrapassarem a arrecadação do Estado. Se forem maiores que as receitas públicas, provocarão o aumento da dívida pública, e, no futuro, o Governo terá mais juros para pagar, o que reduzirá sua capacidade de gastar com a oferta de serviços públicos. Casoo Governo resolva elevar a carga tributária para manter crescente seus gastos, esse crescimento dos impostos reduzirá a renda disponível das famílias, que consumirão menos, e isso impactará negativamente a produção das empresas e a geração de emprego e renda. O efeito do aumento dos impostos pode causar até recessão na economia e queda na arrecadação de impostos mais à frente, pois, com produção e renda menores, as empresas e as pessoas pagarão menos impostos. UNICESUMAR 153 Então, quando a elevação dos gastos do Governo é benéfica à economia? Ge- ralmente, quando ocorre o crescimento econômico e a arrecadação se eleva em função do aumento da produção e da renda na economia, pois, nesse caso, há receitas extras para o crescimento dos gastos públicos. Também, é benéfico elevar os gastos públicos, embora temporariamente, quando a economia sofre uma grave crise. Nesse caso, as empresas perdem compradores privados muito rapidamente, e a redução das vendas gera redução da produção nas empresas; além disso, para produzir menos, é necessária uma quantidade menor de pessoas empregadas. Dessa forma, ao elevar os gastos em um momento de crise, o Governo ga- rante uma parte das vendas das empresas para ele, e isso pode evitar uma parte das demissões, o que reduz os riscos de uma forte crise com graves impactos sobre o emprego e a renda. No caso de crises econômicas, a política de gastos pode, também, ser reforçada pela baixa dos impostos e pela redução das taxas de juros. Esse conjunto de políticas foi usado no Brasil no final de 2008, após a grande crise financeira mundial, e foi capaz de evitar uma grave crise econô- mica no Brasil em 2009. Ao considerar o ponto de vista metodológico, vale apresentar que a relação dívida-PIB é um indicador de capacidade financeira do Governo, pois as receitas públicas são arrecadadas em função da geração do PIB. Quando não há variação das alíquotas de impostos que alterem o nível da carga tributária na economia, a variação da arrecadação do Governo acompanha a variação do PIB. Quando o PIB aumenta, a arrecadação aumenta, e quando o PIB cai, a arrecadação cai. A elevação da dívida pública em um ritmo maior que o crescimento do PIB revela que o Governo compromete, no futuro, uma parcela maior do orçamento público para o pagamento de juros da dívida. Como é o mesmo orçamento que paga os fornecedores do Estado, os funcionários públicos e os juros da dívida pú- blica, quando a relação dívida-PIB aumentar, o Governo deverá optar por reduzir os gastos ou deixar de pagar os juros da dívida, o que significa declarar moratória. Quanto maior a relação dívida-PIB, maior o risco de calote da dívida pública; é por isso que esse indicador é muito importante para o risco-país. Conforme Máximo (2020b), o país passa por um desafio histórico diante da pandemia do SarsCOV2, o coronavírus. Os gastos extras para o enfrentamento da doença levarão a um desafio fiscal para os próximos anos. UNIDADE 3 154 “ A dívida bruta do governo geral (DBGG), principal indicador usado nas comparações internacionais, encerrará 2020, em 96% do Produ- to Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos no país), divulgou hoje (30) a Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia. Isso representa crescimento de 20,2 pontos percentuais em rela- ção a 2019, quando a DBGG encerrou o ano em 75,8% do PIB. O endividamento também aumentou em relação à projeção anterior, divulgada no fim de setembro, quando a equipe econômica previa que a dívida bruta terminaria 2020 em 93,9% do PIB (MÁXIMO, 2020b, on-line). A DBGG é o principal indicador usado nas comparações internacionais de en- dividamento. A Secretaria Especial de Fazenda afirma que o Brasil pode encerrar o ano de 2020 com dívida bruta próxima da Argentina (98,1% do PIB), que tem nota CCC+ atribuída pelas agências de classificação de risco. Entre países de economia média, o Brasil está mais endividado que a África do Sul, que deverá encerrar 2020 com dívida bruta de 82,8% do PIB. Os dois países têm nota BB- das agências de classificação de risco e estão enquadrados numa categoria melhor que a Argentina (MÁXIMO, 2020b). As projeções para a dívida pública levaram em conta as estimativas das insti- tuições financeiras. Um encolhimento de 5% do PIB neste ano, inflação de 2,6% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e déficit primário de 12,7% do PIB em 2020. A taxa Selic (juros básicos da economia) começaria 2021 em 2% ao ano e subiria, gradualmente, para 6% ao ano até 2024. Por meio da dívida pública, o Governo pega dinheiro emprestado dos in- vestidores para honrar compromissos. Em troca, compromete-se a devolver, no UNICESUMAR 155 vencimento dos títulos, o dinheiro com alguma correção, que pode seguir os juros básicos, a inflação, o câmbio ou ser prefixada. Por conta da pandemia, o Governo aumentou as emissões de títulos públicos para fazer frente a gastos como o auxílio emergencial e o pacote de ajuda aos estados e municípios. Eu e você percorremos uma intrigante trajetória para entender o Governo como principal comprador de uma economia. Portanto, um importante agente econômico. Logo, é merecido que uma significativa parte do nosso trabalho seja dedicado a ele, haja vista sua influência na tomada de decisões nos cenários eco- nômicos pelos quais o gestor financeiro se depara. O papel do Estado é representativo no contexto econômico. Diante da tra- jetória que eu e você percorremos, tivemos a oportunidade de perceber que ele e a economia estão imbricados numa relação complexa e necessária. O Estado precisa da economia e vice-versa. De forma alguma essa afirmativa implica na polêmica discussão sobre a intervenção do Estado. Adentrar nessa seara é como discutir religião, time de futebol ou, de fato, política. É absolutamente válido pensar que o Estado tem um papel relevante no as- pecto econômico e que pode influenciar a economia, bem como é igualmente viável pensar num Estado que deixe a economia andar com autonomia, haja vista quanto mais desenvolvida e rica for uma nação, menos “trabalho” o Estado tem que executar. Contudo, essa discussão pode não levar muito longe no quesito tomada de decisões. É fundamental que o(a) gestor(a) compreenda essa relação e se posicione de forma a possibilitar a maximização de resultado a partir da configuração pública dada. Não obstante, o(a) gestor(a) pode objetivar uma eficiência social mais ade- quada para o seu negócio, ampliando o debate e as discussões necessárias, mas sem perder de vista o impacto fiscal que ele revela na economia. 156 AGORA É COM VOCÊ 1. O Governo é o principal comprador de uma economia; logo sua capacidade de gastar afeta diretamente a capacidade de produzir das empresas, pois suas compras fazem parte da demanda agregada. Por outro lado, o Governo também é o maior emprega- dor, e a massa de salários paga e os benefícios que repassa à sociedade compõem uma parte da Renda Nacional para o consumo. Por fim, os investimentos do governo têm papel fundamental para ampliar e melhorar o provimento de serviços públicos à sociedade. Explique de que forma o Governo obtém recursos para realizar seus gastos. 2. “No que tange à gestão das finanças públicas, ou seja, às várias categorias de receitas e de dispêndios das diferentes esferas de governo. As receitas dos governos provêm de tributos que incidem sobre diferentes fatos econômicos: a produção e a circu- lação de mercadorias, a geração de rendas, as transferências de propriedades, as heranças, as operações financeiras e as transações internacionais. As despesas são com custeio da máquina burocrática, investimentos em infra-estrutura econômica e social, subsídios e transferências de renda à sociedade. Efetivamente, cada uma dessas categorias de receitas e despesas exercem diferentes efeitos sobre cada um dos objetivos da política econômica”. ROSSETI, J. P. Introdução à Economia. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 84. O fragmentoapresenta uma forma de política econômica a partir de elementos como os gastos, arrecadação e orçamento do governo. Portanto, é possível afirmar que o texto em questão trata da política: a) Fiscal. b) Cambial. c) Monetária. d) Inflacionária. e) Orçamentária. 157 AGORA É COM VOCÊ 3. A diferença entre as receitas não financeiras e os gastos não financeiros representam o déficit ou superávit primário. Se o Governo gastou mais do que arrecadou, ele tem déficit, e se ele gastou menos do que arrecadou, ele tem superávit. Esse resultado reflete a condução da política fiscal executada pelo Governo. Adaptado de: BOECHAT, A. M. da F. Economia e sociedade. Maringá: Unicesumar, 2018. Considerando a informação anterior, concernente à política fiscal, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I - Quando o Governo tem superávit em suas contas, significa que ele arrecadou mais do que gastou, e, embora pareça estranho, isso pode ser chamado de política contracionista. PORQUE II - Ao receber mais impostos e taxas da população, o Governo está arrecadando mais dinheiro do que gastando. Isso implica em menor rotatividade de dinheiro na economia, gerando menos emprego e crescimento. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta. a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. e) As asserções I e II são proposições falsas. 158 CONFIRA SUAS RESPOSTAS 1. Para atender às necessidades da sociedade, o Governo precisa prestar serviços e rea- lizar obras — o que exige gastos. Receita pública é o dinheiro que o Governo dispõe para manter sua estrutura e oferecer bens e serviços à sociedade, como hospitais, escolas, iluminação, saneamento etc. Para poder fazer isso, o Governo precisa arreca- dar dinheiro e faz isso de diversas maneiras. Essa arrecadação vem de impostos, de aluguéis e venda de bens, prestação de alguns serviços, venda de títulos do Tesouro Nacional, recebimento de indenizações. 2. A. A temática que envolve orçamento e arrecadação está relacionada à política fiscal. 3. A. Quando o Governo tem superávit em suas contas, significa que ele arrecadou mais do que gastou, e, embora pareça estranho, isso pode ser chamado de política contracionista, devido ao recebimento excedente de impostos e taxas da população. Assim, o Governo está arrecadando mais dinheiro do que gastando. Isso implica em menor rotatividade de dinheiro na economia, gerando menos emprego e crescimento. 4Economia Internacional e Crescimento dos Países Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori A ampliação de mercado e o comércio entre as nações são dinâmicas tão antigas quanto o próprio comércio doméstico. Contudo, a econo- mia internacional, propriamente, em termos teórico e prático, como conheceremos nesta unidade, coincide com a era do capitalismo in- dustrial e se estende até a atualidade, obedecendo as particularidades de cada tempo. A partir do século XVIII, o sucesso da máquina diante do sistema artesão, apoiado pelo laissez-faire (expressão francesa para liberalismo econômico) britânico, comprovou superioridade das políticas de mercado livre e de livre-comércio. Nossa aventura será realizar uma breve análise econômica, mostrando quem se beneficia e quem perde com as ações governamentais voltadas às regras da política de comércio internacional, como as quotas sobre as impor- tações e subsídios às exportações. 160 UNIDADE 4 Encontraram-se na estrada Um cão e um lobo. E este disse: “Que sorte amaldiçoada! Feliz seria, se um ida Como te vejo me visse. Andas gordo e bem tratado, Vendes saúde e alegria: Ando triste e arrepiado, Sem ter onde cair morto! Gozas de todo o conforto, E estás cada vez mais moço; E eu, para matar a fome, Nem acho às vezes um osso! Esta vida me consome... Dize-me tu, companheiro: Onde achas tanto dinheiro?” Disse-lhe o cão: “Lobo amigo! Serás feliz, se quiseres Deixar tudo e vir comigo; Vives assim porque queres... Terás comida à vontade, Terás afeto e carinho, Mimos e felicidade, Na boa casa em que vivo!” Foram-se os dois. em caminho, UNICESUMAR 161 Disse o lobo, interessado: “Que é isto? Por que motivo Tens o pescoço esfolado” “É que, às vezes, amarrado Me deixam durante o dia...” “Amarrado? Adeus amigo! (Disse o lobo) Não te sigo! Muito bem me parecia Que era demais a riqueza... Adeus! inveja não sinto: Quero viver como vivo! Deixa-me, com a pobreza! — Antes livre, mas faminto, Do que gordo, mas cativo!” (ESOPO, [2021] apud HEIDEMANN, 2009, p. 19-20). Depois de ler essa narrativa atribuída a Esopo, é possível se perguntar sobre o custo da liberdade. Você deve estar se perguntando o motivo dessa narrativa. Bom, cada nação soberana é livre para escolher suas próprias políticas econômicas, certo? A economia mundial, ao exercer a integração, depara-se com políticas econômicas divergentes, por razões óbvias: cada nação tem suas particularidades. As ações go- vernamentais conjecturadas para cada país implicam em afetar outros países. O comércio internacional é essencial, especialmente, para países em desenvolvimento, mas qual é o custo da liberdade comercial? Quais são os obstáculos para a liberdade comercial? Onde, porém, chegaremos com tais questionamentos? A atribuição das autoridades econômicas de decidir as políticas pertinentes para atingir o bem-estar social, claramente, não é uma tarefa fácil! Dependendo da estratégia a ser implementada, para proteger a indústria nacional da concor- rência internacional, os governos podem imporlimites às importações.Esse dis- positivo pode obstruir o chamado livre-comércio. Portanto, o custo da liberdade de comercializar entre as nações pode ser o mercado interno, entre outras razões. Quotas, subsídios, tarifas, barreiras não tarifárias são alguns dos instrumentos de política comercial que sustentam o intervencionismo. Vamos a um caso real. Certamente, você pode ter acompanhado pelas mídias, recentemente, a in- vasão,por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, ao Capitólio dos Estados UNIDADE 4 162 Unidos da América, enquanto forma de protesto diante da derrota de Trump para Joe Biden. Um episódio e tanto, que revela a instabilidade dos ânimos na socie- dade. No caso, na sociedade americana, mas o mundo todo está muito abalado com os eventos recentes, de ordem da saúde e, também, da economia, que, por sua vez, estão impreterivelmente relacionados com a pandemia atual. Joe Biden é a maior autoridade do país que, ainda, representa a maior economia mundial. Digo ainda pois, também, é instável o cenário das diversas economias do mundo. Os EUA continuarão sendo a maior? Não arrisco afirmar. A Primeira Guerra Mundial deslocou o poderio econômico da Europa para os EUA. A pandemia, também, pode transformar a configuração econômica mundial.A palavra incerteza é a moda agora. A partir da pandemia, a economia internacional sofre grandes modificações, e não é possível contar uma história concreta diante do fenômeno que o mundo está vivenciando. É um cenário tão maluco que é impossível pensar como estará o mundo, caro(a) aluno(a), no mo- mento em que você ler este material. Como está a dinâmica da vacinação? Acabou a pandemia? Muito difícil conjecturar o seu momento atual. Trabalhamos com fatos, então: o ex-presidente americano, Donald Trump, por várias vezes, foi acusado de ser protecionista, inclusive, alguns economistas o trataram por mercantilista, sem hesitar em remontar ao século XVII para en- contrar as influências de sua política econômica. “Do ponto de vista comercial, sim, sua visão é mercantilista, mas um mercantilismo recondicionado”, explica à AFP (2017, on-line, tradução nossa) James Galbraith,professor de Economia da Universidade do Texas, referindo-se à ambição de Trump de reequilibrar a balança comercial de seu país.O protecionismo é contrário ao livre-comércio. Não é possível saber, ainda, como Joe Biden tratará efetivamente a maior potência mundial. É fato, também, que a política externa adotada por Trump deixou os EUA fora do maior e mais novo bloco comercial do mundo: a Parceria Econômica Global Abrangente (RCEP – Regional Comprehensive Economic Partnership). A proposta que nos acompanhará nesta parte de nossa jornada é a de analisar as interações concomitantes entre o político e o econômico, de tal forma que essa noção coadune com o nacional e o internacional, para conhecer o grau de diversificação e sofisticação das exportações que um país pode ter. Se não fosse a pandemia, quanto tempo mais demoraria um tipo de negociação tão importante? Pensar no custo da liberdade exige cuidadosa análise. UNICESUMAR 163 A história do cão e do lobo revela a força da liberdade. No sentido mais amplo que se possa ter, na historinha, ela custa um preço. Se os dois personagens entras- sem em um acordo, seria uma boa opção, concorda, cara aluna, caro aluno? À luz do cão e do lobo, dá para se pensar que o melhor comércio internacional — ou seja, do mundo ideal — encontra-se na coordenação das políticas de comércio por meio de acordos internacionais e que tais acordos possam, de fato, fazer a diferença. As parcerias podem fortalecer todos os envolvidos. O sistema atual de comércio internacional está construído ao redor de uma série de acordos inter- nacionais. Contudo, no mundo real, existem muitos países e muitas gradações de política de comércio entre o livre-comércio e a proteção total contra impor- tações. O mundo real e o mundo ideal entram em conflito ao buscar sobreviver no mercado internacional?Como realizar bons acordos? Como tomar decisões ao conjecturar guerras comerciais destrutivas? Agarre-sea essa oportunidade de reflexão e utilize seu Diário de Bordo. DIÁRIO DE BORDO UNIDADE 4 164 É necessário realizar uma caracterização adequada do ambiente atual para apreendermos o impacto das tendências em curso, dos elementos de ruptura e a dinâmica inerente à construção de cenários. Essa tarefa inclui a preocupação com as relações econômicas entre as nações. Em outras palavras, tomar decisões financeiras requer, indiscutivelmente, a análise de cenários econômicos. Essa, por sua vez, perpassa a técnica e, além disso, requer habilidade e sensibilidade de percepção sobre a dinâmica mundial. É fundamental, portanto, entender sobre economia internacional. A RCEP – Regional Comprehensive Economic Partnership (Parceria Econô- mica Global Abrangente), citada anteriormente, é um acordo de livre-comércio entre 15 países da região Ásia-Pacífico: 1. Austrália. 2. Brunei. 3. Camboja. 4. China. 5. Cingapura. 6. Coréia do Sul. 7. Filipinas. https://www.fazcomex.com.br/blog/exportacoes-para-cingapura/ https://www.fazcomex.com.br/blog/importacoes-da-coreia-do-sul/ UNICESUMAR 165 8. Indonésia. 9. Japão. 10. Laos. 11. Malásia. 12. Myanmar. 13. Nova Zelândia. 14. Tailândia. 15. Vietnã. Esse novo bloco econômico corresponde a mais de 30% do PIB mundial e quase 1/3 da população do planeta. O objetivo do acordo é trazer novas oportunida- des mercadológicas a partir da ampliação e do aprimoramento das disposições e obrigações cobertas pelo Asean Plus (que incorpora os países-membros da Asean: China, Japão e Coreia do Sul). De modo diferente, a RCEP inclui capítulos específicos para as compras governamentais, a facilitação comercial nas fronteiras e o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas a partir da inova- ção. Esses itens complementam os compromissos de integração entre os países asiáticos, impulsionam as cadeias de valor regional e aumentam a complexidade competitiva de forma sustentável e construtiva. Após mais de trinta rodadas de negociações, iniciadas no final de 2011, quando foi introduzida a ideia da RCEP, o acordo foi finalmente assinado em 15 de novem- bro de 2020, por meio de uma videoconferência baseada em Hanói, no Vietnã. A RCEP é vista como um aumento da influência da China na região e visa à redução progressiva das tarifas de importação entre os países nos próximos anos. E quanto ao Brasil? Imagina-se que ele não será muito afetado, haja vista que os benefícios do acordo que colocam os países da RCEPem vantagem não afetam diretamente as exportações brasileiras. É possível afirmar, com razoável segurança, que a pandemia de Covid-19 e seu abalo na economia mundial colaboraram decisivamente para que as negociações fossem finalmente concluídas após quase dez anos. O novo bloco de livre-co- mércio será maior do que o acordo EUA-México-Canadá e a União Europeia. https://www.fazcomex.com.br/blog/importacoes-do-japao/ https://www.fazcomex.com.br/blog/importacoes-da-malasia/ https://www.fazcomex.com.br/blog/importacoes-da-tailandia/ https://www.fazcomex.com.br/blog/exportacoes-para-o-vietna/ https://www.fazcomex.com.br/blog/brasil-e-uniao-europeia-exportacao-e-importacao/ 166 UNIDADE 4 Reinventar-se é o caminho a ser realizado desde os primórdios.Na história pri- mitiva, toda invenção tinha de ser refeita diariamente e em cada lugar, de modo independente. A permanência das forças produtivas, para Karl Marx(2010), obti- das dessa forma, só foi assegurada a partir do momento em que o comércio, tendo como base a grande indústria, tornou-se mundial, com todos os países entrando no conflito concorrencial. Para o autor, foi a manufaturaque estimulou a relação de concorrência entre as diversas nações: “ Com a manufatura, as diversas nações entraram em relação de concorrência, deram início a lutas comerciais por meio de guerras, direitos alfandegários protecionistas e proibições, ao contrário do que se dava anteriormente quando as nações estabeleciam relações inofensivas de trocas. A partir daí, comércio passa a ter uma signi- ficação política (MARX, 2010, p. 90). UNICESUMAR 167 O aspecto histórico foge ao escopo deste trabalho, contudo é inegável sua rele- vância para entender que, concomitante ao capitalismo industrial, a economia internacional se desenvolverá dentro dos moldes da teoria econômica, como a conhecemos na atualidade. Explico: nesse ínterim, a escola clássica da economia rejeitava qualquer tentativa do governo de restringir o livre-comércio, por exem- plo, por meio de protecionismo ou regulamentação. O mundo estava superando o mercantilismo — do qual já falamos sobre em outras unidades. A discussão sobre a importância do comércio externo para o crescimento e desenvolvimento econômico existe desde o século XVII, quando Adam Smith publicou seu livro Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, em 1776. Nesse livro, que orientou a política econômica por quase um século após seu lançamento, Smith aponta que o comércio exterior permite que os ganhos de produtividade, decorrente da especialização das economias, sejam convertidos em renda, a qual pode ser usada para comprar de outros países aquilo de não se produz ou que se produz em menor quantidade. Depois de Adam Smith, o comércio começou a ser considerado uma fonte de melhoria das condições de competitividade dos países, que poderiam se dedicar à produção de coisas em quefossem mais competitivos e comprar do exterior aquelas em que tivessem baixa produtividade. A competitividade entre os países, então, definiria os fluxos de trocas. Então, David Ricardo (1772-1823)desenvolveu uma nova teoria do comércio internacional, conhecida como Teoria da Vantagem Comparativa, fortalecen- do ainda mais o argumento em prol do livre-comércio. Atente-se para a nova palavra! É que Adam Smith já havia tratado das vantagens absolutas. UNIDADE 4 168 MERCANTILISTAS Os mercantilistas acreditavam que uma nação somente pode ganhar com o comércio a custa das outras. Essa doutrina econômica defendia as restrições a importações,incentivos a exportações e rigorosa regulamentação do governo. ADAM SMITH Quando uma nação se especializa na produção de uma commodity e troca pela produção da qual tem desvantagem absoluta bene�cia a ambas uma vez que ambas tendem a consumir mais. Portanto, para o pensador escocês o comércio se baseia em vantagens absolutas e bene�cia ambas as nações. DAVID RICARDO A nação menos e�ciente deve se especializar na exportação na qual a sua desvantagem absoluta for menor. Base para um comércio mutuamente bené�co - lei das vantagens comparativas. Figura 1 - Lei das Vantagens / Fonte: a autora. Para David Ricardo, a maximização de resultados por meio do comércio entre dois países acontecia mesmo quando um país não era capaz de produzir uma mercadoria mais barata que o outro. Era, portanto, o livre-comércio entre as na- ções, por meio da especialização de cada país ao exportar produtos, que conferia vantagem comparativa. O aspecto crucial da Teoria das Vantagens Comparativas repousa sobre a quantidade relativa de horas de trabalho para a produção das mercadorias, objeto do comércio.Nas palavras de Ricardo (1982, p. 98): Descrição da Imagem: a Figura 1 apresenta as Leis das Vantagens Absolutas pelos mercantilistas, Adam Smith e David Ricardo. De baixo para cima, apresentamos David Ricardo, que acreditava que a nação que fosse menos eficientedeveria se especializar na exportação em que a sua desvantagem absoluta fosse menor, mais base para um comércio mutuamente benéfico —Lei das Vantagens Comparativas. Na segun- da linha,tem-se Adam Smith, que acreditava que, quando uma nação se especializa na produção de uma commodity e a troca pela produção daquela em que tem desvantagem absoluta, beneficiam-se ambas, uma vez que as duas tendem a consumir mais. Portanto, para o pensador escocês, o comércio se baseia em vantagens absolutas e benefício para ambas nações. E, por último, os mercantilistas, que acreditavam que uma nação somente poderia ganhar com o comércio à custa das outras. Essa doutrina econômica de- fendia as restrições a importações, os incentivos às exportações e a rigorosa regulamentação do governo. UNICESUMAR 169 “ [...] em Portugal, a produção de vinho pode requerer somente o trabalho de 80 homens por ano, enquanto a fabricação de tecido necessita do emprego de 90 homens durante o mesmo tempo. Será, portanto, vantajoso para Portugal exportar vinho em troca de te- cidos. Essa troca poderia ocorrer mesmo que a mercadoria impor- tada pelos portugueses fosse produzida em seu país com menor quantidade de trabalho que na Inglaterra. Embora Portugal pudesse fabricar tecidos com o trabalho de 90 homens, deveria ainda assim importá-los de um país onde fosse necessário o emprego de 100 homens, porque lhe seria mais vantajoso aplicar seu capital na pro- dução de vinho, pelo qual poderia obter mais tecido da Inglaterra do que se desviasse parte de seu capital do cultivo da uva para a manufatura daquele produto. A teoria de Ricardo (1982) sobre vantagem comparativa, para Chang (2015), ainda que limitada, por ser uma teoria estática que considera como um dado fixo as tecnologias de determinado país, continua como uma das melhores teorias de comércio internacional. Para o autor, é mais realista que a versão neoclássica, conhecida como teoria de Heckscher-Ohlin-Samuelson (portanto, HOS), hoje, a versão predominante. “ Na HOS presume-se que todos os países têm capacidade tecnoló- gica e organizacional para produzir tudo. Eles optam por especia- lizar-se em produtos diferentes apenas porque diferentes produtos usam diferentes combinações de capital e trabalho, cuja distribuição relativa difere entre os vários países. esse pressuposto leva a conclu- sões irrealistas: se a Guatemala não está produzindo coisas como BMWs, não é porque ela não pode, mas porque não é econômico fazê-lo, já que a produção desse carro utiliza muito capital e pouco trabalho, quando a Guatemala tem muita mão de obra e pouco ca- pital (CHANG, 2015, p. 114). Ficou evidente, até aqui, que as relações entre países são tão antigas quanto o comércio de modo geral. Contudo, a Revolução Industrial provocou substancial modificação nos fluxos do comércio internacional. As trocas entre países, até o UNIDADE 4 170 século XV, comportavam o velho comércio de especiarias com o Oriente, ao qual se acrescentou, conforme Saes e Saes (2013), o comércio com a América (por exemplo, açúcar, fumo, couros, peles) e o tráfico de escravos (sim! O escravo, até pouco tempo, era uma mercadoria importante na economia internacional da épo- ca). Além disso, havia o comércio intra-europeu, em que predominavam as ma- nufaturas, em especial, os tecidos, além de algumas matérias-primas e alimentos. A Revolução Industrial exigiu novos fluxos comerciais pela própria natureza de sua produção; paralelamente, o aumento populacional ampliou a demanda por alimentos de modo a alterar as formas tradicionais de suprimento desses bens. Em suma, ao longo do século XIX, o comércio internacional sofreu profundas mudanças tanto em relação às principais mercadorias que o compunham como em relação aos países ou regiões produtoras envolvidas nesse comércio. Na elaboração de cenários econômicos, a abordagem teórica que rege a eco- nomia internacional é importante, pois permite a percepção da relevância do setor externo para o sistema capitalista, bem como as estratégias que permitem que as empresas e os países cresçam por meio da intensificação das relações econômicas com outros países. Nos últimos tempos, é também válidoressaltar a relevância dos blocos econômicos para fortalecer mercados regionais e en- frentar a competição global. UNICESUMAR 171 Foi com o fim da Segunda Guerra Mundial que surgiu a questão da formação de blocos econômicos. Na oportunidade, os EUA se tornaram uma grande potên- cia mundial (ainda, é indiscutível sua força econômica!). Mais precisamente com o fim da Guerra Fria, novos blocos econômicos foram criados para enfrentar a competitividade do que passou a ser chamado de globalização. Cada perspectiva temporal renova essa configuração dos blocos. Competitividade! Palavra forte que teve grande destaque nos livros dos últi- mos tempos sobre gestão de todas as ordens e que deve constar neste texto mais de trinta vezes!E, ao suscitar essa abordagem, Krugman, Obstfeld e Melitz (2015) apresentamvários temas da economia internacional que se entrelaçam para que seja possível ordenar o conhecimento e possibilitar uma tomada de decisão mais fundamentada, são eles: ganhos decorrentes do comércio internacional, padrão de comércio, protecionismo, equilíbrio dos pagamentos, determinação da taxa de câmbio, coordenação da política internacional e mercado de capitais interna- cional. Vamos juntos para o cenário internacional? É por meio das relações comerciais e financeiras entre países, principalmen- te, que paira a capacidade de ampliação e crescimento das economias. Ferreira (2015) afirma que o crescimento econômico depende muito da intensidade do comércio externo de um país. É óbvio, mas importante afirmar que a relação entre ospaíses é benéfica, contudo a variedade de circunstâncias em que o comércio internacional é positivo é muito mais ampla do que se possa imaginar. Para tanto, ainda que de forma sucinta, abordaremos os temas apresentados no intuito de apreender que as vantagens do comércio internacional não se limitam ao comér- cio de bens tangíveis. A contribuição de Krugman, Obstfeld e Melitz (2015) será importante ao longo dessa temática, haja vista ser um material que constitui base teórica para a maior parte conceitual desse aprendizado. Se você já teve a oportunidade de ler as unidades anteriores,possivelmente, percebeu que tratamos de partes da teoria econômicaque envolvem a busca por crescimento e desenvolvimento, moeda, as questões fiscais, enfim as relações de indivíduos enquanto agentes econômicos, empresas e governo. A economia internacional faz uso dos métodosfundamentais de análise, bem como outros ramos da economia pelo simples motivo de que o comportamento dos indivíduos é o mesmo nos negócios internacionais se comparados às transações domésticas. O comércio exterior é fundamental para qualquer país, pois nenhuma so- ciedade é autossuficiente em todas as suas necessidades de alimentos, minérios, UNIDADE 4 172 tecnologias, conhecimentos e tantas outras. Logo, aquilo que falta a um país, por meio do comércio externo, pode ser obtido ao se comprar de outros, e aquilo que é abundantepode ser vendido. No entanto, para mensurar, é difícil deter- minar, de forma absoluta, o número de países que há no mundo. Cada país tem sua singularidade, contudo é possível generalizar a ideia de que todas as nações buscam o crescimento e o desenvolvimento econômico como estruturante para o bem-estar social de seus povos. Até aqui, é possível que já esteja convencido(a) da importância do setor ex- terno enquanto valioso agente econômico e da questão teórica que abarca nosso assunto. Afinal, como quase todos os países não dispõem, em seu território, de todos os produtos dos quais precisam, seja porque os recursos naturais estão desigualmente distribuídos entre os países, seja porque não detêm as tecnologias de produção, a escassez ou a inexistência de certos produtos e serviços pode pre- judicar seu crescimento econômico. Por isso, o comércio exterior é fundamental para que os países obtenham aquilo que não podem produzir ou aquilo que é mais caro produzir internamente. Ainda que os dados do comércio exterior sejam bastante dinâmicos, a se- guir,tem-se a última atualização, de 2018, para o Brasil, obtidos pelo Atlas de Complexidade Econômica.Para o caso brasileiro por exemplo, soja em grão ou farelo, carne de frango e boi, açúcar e minério são alguns dos principais produtos exportados pelo Brasil. UNICESUMAR 173 Viagens, turismo: 2,20 % Transportes: 2,18 % Seguros e �nanças: 0,49 % Materiais têxteis como algodão cru, calçados: 0,56 % Agricultura: 11,71% Pedras preciosas, �bras de vidro: 0,98 % Minerais como petróleo cru: 8,99 % Ferro e outros: 8,07 % Metais como ligas de ferro: 1,13 % Produtos químicos como óxido de alumínio: 16,75 % Veículos: 1,96 % Máquinas como escavadeiras e rolos compactadores: 0,78 % Eletrônicos como motores elétricos e geradores: 0,16 % Outros: 1,90 % Figura 2 - O que o Brasil exportou em 2018? Fonte: adaptada de Atlas of Economic Complexity ([2021], on-line)¹. Conforme a descrição da Figura 2, o setor amarelo, referente à agricultura, é o “carro-chefe” da pauta de exportações brasileira. São os indicadores percen- tuais do que foi exportado, considerando os produtos. Só para destacar alguns (produção bruta): ■ Grão de soja: 11,71%. ■ Celulose química: 3,09%. ■ Aves: 2,14%. ■ Carne congelada: 1,62%. ■ Milho: 1,53%. ■ Cana e sacarose: 2,35%. Para o caso dos minerais, o destaque vai para o petróleo cru, com 8,99%, e miné- rios de ouro e concentrados, com 8,07%. Observe na Figura 3 a seguir: Descrição da Imagem: a Figura 2 apresenta o que o Brasil exportou e sua porcentagem em 2018. Os produtos e serviços são apresentados com cores: na cor púrpura, são os serviços como viagens, turismo (2,20%), transportes (2,18%), seguros e finanças(0,49%); na cor verde, são os materiais têxteis como algo- dão cru, calçados(0,56%); na cor amarela, agricultura(11,71%); na cor bege, pedras preciosas, fibras de vi- dro(0,98%); na cor marrom, os minerais como petróleo cru(8,99%), ferro e outros(8,07%); na cor vermelha, metais como ligas de ferro(1,13%); na cor lilás, produtos químicos como óxido de alumínio(16,75%); na cor roxa, veículos(1,96%); na cor azul-claro,máquinas como escavadeiras e rolos compactadores(0,78%); na cor verde-claro, eletrônicos como motores elétricos e geradores (0,16%); e, na cor verde-escuro, outros: 1,90%. UNIDADE 4 174 Itens não especi�cados: 11,20 % Serviços como viagens, turismo: 7,39 % Transportes: 4,87 % Serviços de tecnologia da informação e comunicação: 3,33 % Commodities sem identi�cação especí�ca: 4,39 % Óleos de petróleo re�nados: 4,34 % Partes de veículos motorizados: 2,66 % Carros: 1,45 % Circuitos integrados eletrônicos: 1,56 %Medicamentos embalados: 1,24 % Figura 3 - O que o Brasil importou em 2018? Fonte: adaptada de Atlas of Economic Complexity ([2021], on-line)². Para o caso das importações realizadas, é possível verificar claramente que a im- portação no Brasil, em 2018, em maior parte, deu-se de forma diversa no setor de serviços, no campo dos medicamentos embalados, inseticidas, enfim no campo da indústria química. Na sequência desse ranking, estão os eletrônicos. Esses dados nos abrem uma série de possibilidades para análises diversas, como, por exemplo, verificar que há diversificação, há mudança para a fabrica- ção de produtos próximos, entre outras.O desígnio do nosso trabalho é suscitar pontos principais relativos à economia internacional, portanto fica a sugestão para adentrar nesse importante universo que é a complexidade econômica como instrumental para a tomada de decisões. Descrição da Imagem: a Figura 3 apresenta as importações do Brasil em 2018. Os produtos e serviços são apresentados com cores: na cor púrpura, são os itens não especificados (11,20%), serviços como viagens, turismo (7,39%), transportes (4,87%) e serviços de tecnologia da informação e comunicação (3,33%); na cor verde-escuro, as commodities sem identificação específica (4,39%); na cor marrom, os óleos de pe- tróleo refinados representam 4,34% da pauta de importação em 2018; na cor roxo, as partes de veículos motorizados (2,66%) e carros (1,45%); na cor verde-claro, os circuitos integrados eletrônicos (1,56%); na cor lilás, os medicamentos embalados representaram 1,24% da importação; entre outros itens diversos que podem ser consultados direto na fonte. UNICESUMAR 175 Aqueles países que têm disponibilidade de recursos para produzir além das suas necessidades e a preços competitivos em relação a outras economias podem ex- plorar as atividades mais produtivas para gerar receitas no comércio internacio- nal, que permitem comprar de outros países aquilo de que precisam, seja porque não podem produzir, seja porque, internamente, é mais custoso. Aqui, podemos tratar dos ganhos da negociação apresentados por Krugman, Obstfeld e Melitz (2015) e que se referem a um ponto de destaque na nossa análise. É possível que o comércio internacional possa prejudicar grupos específicos dentro das nações — em outras palavras, esse comércio internacional terá fortes efeitos sobre a distribuição de renda. “ Os efeitos do comércio sobre a distribuição de renda são há muito tempo uma preocupação dos teóricos de comércio internacional, que enfatizam que: O comércio internacional pode afetar adver- samente os proprietários de recursos que são “específicos” de in- dústrias que competem com importações, ou seja, não podem Os países apresentam divergências nos seus níveis de renda. A estrutura produtiva de um país é um objeto explicativo para essa questão. Por isso, a ideia de complexidade econômica. Essa é uma abordagem que, no Brasil, encontra grande contribuição do eco- nomista Paulo Gala (FGV/EESP) com a discussão do projeto desenvolvido em conjunto entre pesquisadores da universidade de Harvard e do MIT, com destaque para os pro- fessores Ricardo Hausmann (HAUSMANN; HWANG; RODRIK, 2007) e César Hidalgo. Eles desenvolveram uma medida de sofisticação da estrutura produtiva de um país. Trata-se de um método de comparabilidade entre países em uma parceria entre o Media Lab do MIT e a Kennedy School de Harvard (http://atlas.media.mit.edu/). A partir da análise da pauta exportadora de um determinado país, são capazes de medir, de forma indireta, a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo ou sua “complexidade econômica”. EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 4 176 “Não existe almoço grátis” Milton Friedman, em1975 PENSANDO JUNTOS encontrar emprego alternativo em outras indústrias. Os exemplos incluem os maquinários especializados, como os teares manuais que se tornaram menos valiosos por causa das importações de te- cidos, e os trabalhadores com habilidades especializadas, como os pescadores que têm o valor de sua pesca reduzido pelos frutos do mar importados. O comércio também pode alterar a distribuição de renda entre grupos amplos, como os trabalhadores e os donos do capital. (KRUGMAN; OBSTFELD; MELITZ, 2015, p.4). Essa abordagem nos traz luz à reflexão do custo da liberdade de comércio. Afi- nal, vale a máxima de Robert A. Heinlein (1966, [s.p.], tradução nossa), popu- larizada pelo economista Milton Friedman em 1975: “não existe almoço grátis”. Há ganhos na negociação, mas um certo impacto deve ser avaliado dentro das singularidades de cada país. No que se refere ao padrão de comércio, vale a abordagem teórica que fize- mos anteriormente (David Ricardo e HOS). Afinal, os economistas não podem discutir os efeitos do comércio internacional ou recomendar mudanças nas políticas governamentais dirigidas ao comércio com alguma confiança, a me- nos que eles saibam que sua teoria é boa o suficiente para explicar o comércio internacional que é observado na realidade. Como resultado, tentativas para explicar o padrão de comércio internacional — quem vende o que para quem — têm sido uma preocupação maior dos economistas internacionais. Certo da noção dos ganhos de comércio e de que há um fundamento teórico para a elaboração de estratégias governamentais diante das tomadas de decisões relacionadas ao setor externo, o aparente eterno debate sobre protecionismo ou não, quanto de comércio deve ser permitido, é o aspecto político mais importante. https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_A._Heinlein UNICESUMAR 177 Desde os tempos mercantilistas, os governos têm se preocupado com o efeito da competição internacional sobre a prosperidade das indústrias domésticas e têm tentado proteger as indústrias da competição estrangeira, colocando limites nas importações ou tentando ajudá-las na competição global, subsidiando as exportações. Lembre-se de que a proposta dos mercantilistas era de que a balan- ça comercial (exportações menos importações) fosse sempre a mais favorável possível. Isso porque, para eles, exportar mais que importar representaria uma compensação em ouro e prata.Essa doutrina econômicaprevaleceu até o início do século XVII, quando ocorreu uma reação contra os excessos absolutistas e as regulamentações. Portanto, foram justamente esses excessos que promoveram a forte ideia da escola clássica, objetivando o livre-comércio. Para Krugman, Obstfeld e Melitz (2015), a única missão mais consistente da economia internacional tem sido analisar os efeitos dessas, assim chamadas, políticas protecionistas — e, geralmente, embora nem sempre, criticar o prote- cionismo e mostrar as vantagens do comércio internacional mais livre. “ O debate sobre quanto comércio deve ser permitido levou a uma nova orientação nos anos 1990. Após a Segunda Guerra Mundial, as democracias avançadas, conduzidas pelos Estados Unidos, ado- taram uma ampla política de remover barreiras para o comércio internacional; essa política refletia a visão de que o livre comércio era uma força não apenas para a prosperidade, mas também para promover a paz mundial. Na primeira metade dos anos 1990, foram negociados vários acordos importantes de livre comércio. O mais notável foi o Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (NAFTA, do termo em inglês North American Free Trade Agreement) entre Estados Unidos, Canadá e México, aprovado em 1993, e o acordo chamado de Rodada do Uruguai, que estabeleceu a Organização Mundial de Comércio, em 1994. Desde aquela época, contudo, um movimento político internacional opondo-se à globalização ob- teve muitas adesões. O movimento ganhou notoriedade em 1999, quando expositores representando uma mistura de protecionistas UNIDADE 4 178 tradicionais e novas ideologias perturbaram um importante encon- tro internacional de comércio em Seattle. Se não por mais nada, o movimento antiglobalização forçou os defensores do livre comércio a procurarem novos caminhos para explicar seus pontos de vista (KRUGMAN; OBSTFELD; MELITZ, 2015, p. 5). Cerca de um quarto da obra de Krugman, Obstfeld e Melitz (2015) é dedicada às questões do protecionismo. Haja vista que, no decorrer dos anos, os economis- tas internacionais desenvolveram um quadro analítico simples, mas poderoso para determinar os efeitos das políticas governamentais que afetam o comércio internacional. Esse quadro ajuda a predizer os efeitos das políticas de comércio — embora, também, permita a análise custo-benefício e critérios definitórios — para determinar quando a intervenção do governo é boa para a economia. Lembro, aqui, de Nicholas Taleb (2018), na sua obra Arriscando a própria pele, que realiza um destaque para a relação prática e teoria, em que não dá para confundir o conjunto pela agregação linear de seus componentes — isto é, o mundo real é bem mais complexo que o teórico (e esse é o grande desafio do profissional!). Portanto, os governos não necessariamente fazem o que a análise custo-benefício dos economistas dizem. Contudo, por favor, que eu me faça com- preender: isso não significa que a análise é inútil. A análise econômica pode ajudar a dar sentido às regras da política de comércio internacional, mostrando quem se beneficia e quem perde com tais ações governamentais, como quotas sobre as importações e subsídios às exportações. “A principal reflexão dessa análise é que os conflitos de interesse dentro das nações são geralmente mais importantes na determinação da política de comércio do que os conflitos de interesse entre as nações” (KRUGMAN;OBSTFELD; MELITZ, 2015, p. 27). Por outro lado, é por meio das trocas internacionais que os países podem ampliar os mercados para seus produtos, exportando aquilo que têm mais competência para produzir e, ao exportarem, produzem mais, geram mais em- pregos e renda para a economia. A China entendeu que, para crescer utilizando o mercado externo como fonte de demanda para seus produtos, precisava também importar, principalmente, aquilo de que não dispunha internamente. Assim, o país tornou- se o maior exportador do mundo e o segundo maior importador. Inclusive, aFazcomexapresentou, em janeiro de 2021, a lista dos maiores exportadores mundiais: UNICESUMAR 179 1. China; 2. Estados Unidos; 3. Alemanha; 4. Japão; 5. Coreia do Sul; 6. Holanda; 7. Hong Kong; 8. França; 9. Itália; e 10. Reino Unido (BUENO, 2021, on-line). Com pequenas alterações na lista, os maiores exportadores também compõem a lista dos maiores importadores do mundo. Outro elemento que deve ser analisado, economicamente, é o balanço de pagamentos. Ele surge em uma variedade de contextos específicos: ao discutir investimento direto externo pelas corporações multinacionais, ao relatar transa- ções internacionais para uma contabilidade de renda nacional e ao discutir vir- tualmente cada aspecto da política monetária internacional. Krugman, Obstfeld e Melitz (2015) destacam que a balança de pagamentos se tornou questão central para ser discutida, assim como a questão do protecionismo: “ Em setembro de 2010, o então ministro da fazendo do Brasil, Gui- do Mantega, ganhou as manchetes dos jornais ao declarar que o mundo estava no “meio de uma guerra cambial internacional”. A ocasião para seus comentários foi um forte aumento no valor da moeda do Brasil, o real, que valia menos de centavos de dólar no iní- cio de 2009, mas tinha aumentado para quase 60 centavos quando ele fez essa declaração ( e aumentaria para 65 centavos durante os próximos meses). Mantega acusou os países ricos - os Estados Uni- dos em particular - de engendrar esse aumento, que foi devastador aos exportadores brasileiros. Contudo, o aumento de valor do real mostrou vida curta, a moeda começoua cair no meio de 2011, e até o verão de 2013 ela tinha voltado a somente 45 centavos de dólar (KRUGMAN; OBSTFELD; MELITZ,, 2015, p. 27). UNIDADE 4 180 Trata-se de um método, portanto, de contabilidade nacional, que tem por intuito evidenciar o comércio entre a nação e outros países com os quais se estabelece uma relação comercial.Esse registro é feito pela autoridade monetária do país em transações em que há trocas entre residentes e não residentes da nação em um certo período de tempo. O balanço de pagamentos é utilizado para analisar a economia como um todo quando o assunto é a capacidade de um país fazer comércio com o resto do mundo. Além do mais,pode auxiliar o Banco Central do Brasil quando é preciso intervir nas taxas de câmbio, por exemplo. Segue sua composição: a) BALANÇA COMERCIAL ■ Importações FOB (free on board) (débito). ■ Exportações FOB (crédito). b) SERVIÇOS (Balanço de Serviços) ■ Serviços de manufatura. ■ Serviços de manutenção e reparo. ■ Transportes (fretes). ■ Viagens internacionais (turismo, negócios). ■ Construção. ■ Seguros. ■ Serviços financeiros. ■ Serviços de propriedade intelectual. ■ Telecomunicação, computação e informações. ■ Aluguel de equipamento. ■ Outros serviços de negócio. ■ Serviços culturais, pessoais e recreativos. ■ Serviços governamentais. c) RENDA PRIMÁRIA ■ Remuneração de trabalhadores. ■ Renda do investimento. ■ Investimento direto. ■ Lucros e dividendos. ■ Juros. UNICESUMAR 181 ■ Investimento em carteira. ■ Outros ativos. ■ Ativos de reserva. d) RENDA SECUNDÁRIA (TRANSFERÊNCIAS UNILATERAIS CORRENTES) e) TRANSAÇÕES CORRENTES (ou SALDO EM CONTA CORREN- TE DO BALANÇO DE PAGAMENTOS) (Resultado líquido de A + B + C+D) f) CONTA CAPITAL (operacional) ■ Conta capitais autônomos (conta capital e financeira). g) CONTA CAPITAL ■ Transferências de capital. h) CONTA FINANCEIRA ■ Investimento direto no exterior. ■ Participação no capital e cotas em fundos. ■ Investimento em carteiras — ativos. ■ Ações e cotas em fundos. ■ Títulos de renda fixa. ■ Investimento em carteira — passivos. ■ Títulos de renda fixa. ■ Derivativos — ativos. ■ Derivativos — passivo. ■ Outros investimentos — passivos. ■ Moedas e depósitos. ■ Empréstimos. ■ Créditos comerciais e adiantamentos. ■ Demais. ■ Ativos de reservas. Saldo da conta de capital (G+H) UNIDADE 4 182 i) ERROS E OMISSÕES j) SALDO DO BALANÇO DE PAGAMENTOS (resultado líquido de E + F + I) É por singularidades da história que a taxa de câmbio é assunto relativamen- te recente na economia internacional. A determinação da taxa de câmbio, em grande período da história moderna, era fixada por ação governamental. O ouro era o lastro (padrão-ouro). Depois da Segunda Guerra Mundial, os valores das principais moedas passaram a ser atrelados ao dólar americano. No que diz respeito à coordenação da política internacional, é preciso dizer que as na- ções soberanas são livres para escolher suas políticas econômicas. Contudo, uma decisão afeta a outra nação. É quase como pensar em uma família: se a pessoa que provém a casa com mais recursos financeiros decide pedir demissão, por exemplo, impacta no restante da família que faz uso desse dinheiro, ou seja, a decisão de um impacta na vida do outro. Por fim, mas não menos importante para essa macroanálise da economia internacional, vale trazer à tona a questão do mercado de capitais internacional. Tratamos, aqui, do conjunto de ambientes de troca de valores, como as ações, moedas e mercadorias. Diante da sofisticação do setor financeiro com a tecno- logia, esse contexto requer cada vez mais atenção diante da tomada de decisões. Agora, já fica mais claro que as empresas de uma nação, ao promover o comér- cio com outros países, protagonizam o comércio internacional. Para que esse pa- norama seja próspero, a chave do sucesso é ser competitivo, seja produzindo mais barato, seja produzindo produ- tos melhores ou exclusivos. As- sim, as pautas de importação e exportação dos países, formadas pelos itens que podem exportar e pelos que precisam importar, são definidas pela competitivi- dade relativa entre países. Ven- de-se ao exterior aquilo que pode ser oferecido a um preço igual ou inferior ao de produtos similares aos de seus concorren- tes internacionais. UNICESUMAR 183 Logo, a competitividade entre os países é o elemento-chave para o suces- so de uma estratégia de crescimento das exportações, e esse sucesso também produz efeitos sobre o crescimento da renda e do emprego internamente. Na sequência, analisaremos o que determina a competitividade externa de um país no comércio exterior. Note que limitar o comércio externo, embora, muitas vezes, pareça lógico para proteger os mercados e os empregos em um país, no longo prazo, impacta negativamente, pois, quando as compras no exterior são limitadas ou proibidas, a oferta de muitos produtos internamente será prejudicada, elevando preços e prejudicando a evolução tecnológica pela falta de concorrência entre os melhores produtos importados e os similares nacionais. Por outro lado, quando os produtos proibidos para importação são insu- mos que, externamente, são mais baratos que os similares nacionais, a utilização do insumo nacional mais caro para abastecer as cadeias produtivas encarece os produtos finais e reduz a competitividade desses produtos, tanto no mercado nacional como no externo. Quando a limitação ou a proibição ocorre sobre as exportações, ao ficarem restritas ao mercado interno, as empresas investem menos, produzem menos do que poderiam e, portanto, geram menos empregos e renda para a economia. A limitação das exportações é uma medida correta, por tempo limitado, quando houver ameaça à segurança alimentar de uma população por escassez de produ- ção interna de alimentos ou por esforços de guerra. É importante observar que a competitividade de um país no comércio exte- rior depende da capacidade de produzir mercadorias e serviços a preços iguais ou menores que os produzidos em outros países, logo podemos concluir que não é o país que é competitivo — são as empresas desses países que competem com as empresas de outros países. Ferreira (2015) alerta que, entre os fatores essenciais para determinar a com- petitividade, está a disponibilidade de recursos produtivos, que pode favorecer um país na oferta de certos produtos, enquanto o desfavorece na produção de outros. Esses recursos podem ser naturais, como no caso do Brasil, ou podem ser capital e tecnologia, como no caso do Japão, ou podem, ainda, ser recursos humanos, como na China. Perceba que a competitividade das empresas de um país no comércio in- ternacional pode ter origem na disponibilidade de recursos naturais ou em 184 UNIDADE 4 decorrência do tamanho de sua população, porém é possível construir estru- turalmente fontes de competitividade duradouras, como aquelas derivadas da tecnologia e do conhecimento. Outra fonte de competitividade externa, mas que não tem fundamento nas condições estruturais de uma economia, é a taxa de câmbio. O governo de um país pode manter um câmbio fixo e depreciado para baratear em moeda estran- geira suas exportações e conseguir vender produtos no mercado externo que, em condições de câmbio normal, não seriam competitivos. A competitividade obtida artificialmente por meio da depreciação do câm- bio, também chamada competitividade espúria, é extremamente danosa aos concorrentes externos que perdem mercado, mesmo tendo melhores condições estruturais de competitividade. Entretanto, também é prejudicial aos países que implantam a depreciação do câmbio como política competitiva, uma vez que ba- rateiam, em moeda internacional, suas importações, mas encarecem, em moeda nacional, suas importações. UNICESUMAR 185 Assim, os países que decidirem por pesquisa e desenvolvimento enquanto política econômica, ou seja, quando os demais países continuam a investir para melhorar a produtividade, a fim de elevar a qualidadedos produtos e/ou reduzir seus custos de produção, um dia, terão preços mais competitivos que aqueles que apenas usaram o câmbio e não investiram para melhorar a produtividade. Podemos concluir, então, que o país que confiou toda a sua competitividade no câmbio perderá o mercado conquistado quando for forçado a mudar a política de câmbio depreciado e, talvez, esteja tecnologicamente tão atrasado que jamais venha a reconquistar seus mercados. É a competitividade de um país, logo a competitividade das empresas; de tal forma, os fatores que impactaram a competitividade das empresas são aqueles que proporcionarão ao país a possibilidade de competir com vantagem no co- mércio exterior, e as principais fontes de competitividade são aquelas que afetam os custos ou a diferenciação dos produtos. Nesse sentido, Ferreira (2015) afirma que, para conquistar uma posição de liderança em custos no comércio internacional, na venda de certos produtos ou serviços, o país deve direcionar os esforços para reunir as condições necessárias para alcançar o barateamento dos custos ao longo de suas cadeias produtivas. Essa estratégia pode ficar restrita às cadeias produtivas para a exportação, contudo os ganhos de competitividade são maiores quando afetam todos os custos da eco- nomia. Entre os principais custos que incidem sobre os processos produtivos e que podem ser alvos de estratégias para redução, estão os custos do trabalho, de transporte, de energia, tributários e financeiros. A abundância de fatores de produção pode representar um ponto de partida para a exploração da competitividade em custos, uma vez que a abundância de recursos torna sua exploração menos dispendiosa, assim podemos pensar que um país com grandes jazidas de minério de ferro teria custos menores de exploração que países com poucas reservas. O caso da China, destacado por Ferreira (2015), é revelador: um país com mais de 1,5 bilhão de habitantes tem uma abundância de trabalhadores e, em sua maioria, com bom nível de educação. A China pode, portanto, praticar baixos salários médios e obter vantagens competitivas em uma grande variedade de produtos fabricados com o uso intensivo de trabalho. Contudo, perceba que a abundância de um tipo de fator produtivo não ga- rante baixos preços dos bens exportáveis e vantagens de custos no comércio UNIDADE 4 186 externo. Isso porque as condições internas de produção, como custos de salários, de transporte, de tributação e de financiamento das atividades produtivas, podem ser mais elevadas que em outros países e reduzir ou eliminar as vantagens naturais de abundância de recursos. Ao aliar a abundância de fatores de produção aos investimentos para redu- zir os custos indiretos de logística, tributação e financiamento, os países podem obter vantagens competitivas estruturais no comércio exterior e são capazes de impor preços muito baixos aos concorrentes e ganhar grandes fatias de mercado. Os baixos custos de produção elevam a participação no mercado mundial, e, globalmente, aumenta-se a escala de operação das empresas exportadoras, pro- porcionando-lhes economias de escala, o que favorece ainda mais a queda dos custos de produção e a redução dos preços no mercado internacional. Ao olhar para a competitividade em diferenciação, é de muita valia a con- tribuição do autor Michael Porter, professor da Harvard Business School, autor do livro A vantagem competitiva das nações. O título da obra é uma alusão ao conceito clássico de David Ricardo, referente às vantagens comparativas. O autor afirma que, em todo o mundo, as empresas que conquistaram a liderança interna- cional adotam estratégias que diferem entre si sob todos os aspectos, ou seja, cada um percorre seu caminho, que é único. Ainda que toda empresa bem-sucedida siga a própria estratégia específica, os modos de operação subjacentes — sua natureza e trajetória — são fundamentalmente idênticos. “ As empresas atingem a vantagem competitiva através das iniciativas de inovação. Elas abordam a inovação no seu sentido mais amplo, abrangendo novas tecnologias e novas maneiras de fazer as coisas. Elas percebem uma nova base para a competição ou encontram melhores meios para competir à moda antiga. A inovação se ma- nifesta no novo desenho do produto, no novo processo de produ- ção, na nova abordagem de marketing ou nos novos métodos de treinamento. Boa parte das inovações são triviais e incrementais, dependendo mais da acumulação de pequenos insights e melhorias do que de um único e grande avanço tecnológico revolucionário (PORTER, 1999, p. 174). Porter (1999) sugere que a inovação e a mudança tecem uma trama inextricá- vel. As empresas bem-sucedidas são capazes de suplantar as grandes barreiras UNICESUMAR 187 à mudança e à inovação. Elas buscam, com obstinação, a melhoria constante, procurando fontes cada vez mais sofisticadas de vantagem competitiva. Daí o célebre modelo do “Diamante de Porter”. Existem quatro amplos atributos de um país que, para Porter, lapidam o “dia- mante” da vantagem nacional. Cada ponto, de forma sistêmica, contribui para o sucesso competitivo internacional. São eles: Casualidade / Oportunidades Condições de fatores: A posição do país quanto aos fatores de produção, como mão-de-obra quali�cada e infra-estrutura, necessários para competir num determinado setor. Setores correlatos e de apoio: A presença ou ausência, no país, de setores fornecedores e outros correlatos, que sejam internacionalmente competitivos. Condições da demanda: A natureza da demanda do mercado interno para os produtos ou serviços do setor. Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas: As condições predominantes no país, que determinam como as empresas são constituídas, organizadas e gerenciadas, assim como a natureza da rivalidade no mercado interno. Governo 1 2 3 4 Figura 4 - Fluxograma do diamante de Porter / Fonte: a autora. Esses determinantes constituem o ambiente nacional em que as empresas nascem e aprendem a competir. Destarte, ao possibilitar e apoiar a acumulação mais rápi- da de ativos e habilidades especializadas, como políticas de governo, promove-se a vantagem competitiva. É, portanto, a reunião de elementos-chave, como inves- Descrição da Imagem: a Figura 4 apresenta um fluxograma do diamante de Porter. A figura contém quatro contribuições para o sucesso competitivo internacional. São eles:no número 1, na cor vermelha, as condições de fatores — a posição do país quanto aos fatores de produção, como mão-de-obra qualificada e infraestrutura, necessários para competir num determinado setor. No número 2, na cor amarela, os setores correlatos e de apoio — a presença ou ausência, no país, de setores fornecedores e outros corre- latos que sejam internacionalmente competitivos. Na cor verde,no número 3, com a estratégia, estrutura e rivalidade das empresas — as condições predominantes no país que determinam como as empresas são constituídas, organizadas e gerenciadas, assim como a natureza da rivalidade no mercado interno. E, no número 4, em azul, as condições da demanda — a natureza da demanda do mercado interno para os produtos ou serviços do setor. Todos as quatros contribuições têm setas que vão e voltam, formando um losango, que lembra um diamante. 188 UNIDADE 4 timento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em educação para elevar a qualificação da população e, podemos colocar aqui, o próprio investimento em marketing para desenvolver marcas e grifes. Quando analisamos a pauta de exportação dos países de alto desenvolvimento humano, percebe- mos que esses países orientam suas exportações para produtos de alto valor agregado, logo não dependem de abundância de recursos naturais nem de políticas de câmbio depreciado para promover a competitivi- dade externa de seus países. Como a competição por diferenciação pressupõe altos investimentos em P&D, as empresas desses países competem pela liderança tecnológica. Os custos de produção eos preços baratos não são determinantes do sucesso nos mercados ex- ternos, mas sim a capacidade de vender produtos tec- nologicamente avançados que poucos países podem oferecer. Note que as empresas desses países incorrem em altos custos de desenvolvimento de novas tecno- logias, mas o resultado desses investimentos em pro- dutos inovadores e que poucas (ou nenhuma outra) conseguem produzir confere a elas uma capacidade competitiva segura, consistente e de longo prazo. Vejamos o caso dos Estados Unidos da América na Figura 5: O diamante de Porter, referido como a Teoria do Diaman- te de Porter da Vantagem Nacional, é um modelo proje- tado para ajudar a compreender a vantagem competiti- va das nações e explicar como os governos podem agir como catalisadores para melhorar a posição de um país em um ambiente econômico globalmente competitivo. EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR 189 Serviços como viagens, turismo: 8,64 %, Itens não especi�cados: 8,41 % Serviços de tecnologia da informação e comunicação: 7,28 % Seguros e �nanças: 5,21% Transportes: 3,74 % commodities sem identi�cação especí�ca: 6,43 % Óleos de petróleo re�nados representando 3,78 % Carros: 1,97 % outros itens Figura 5 - O que os Estados Unidos da América exportaram em 2018? Fonte: adaptada de Atlas of Economic Complexity ([2021], on-line)³. Reunindo as ideias apresentadas até aqui, é notável que inovação, mudança, am- bientecom condição de fatores, como qualificação de mão de obra, podem ser vistos no cenário americano. Em 2018, eles exportaram serviços (turismo, viagens, serviços de comunicação), máquinas (computadores, turbinas de gás etc.), indús- tria química (medicamentos, tampas de embalagens), enfim uma diversificação Descrição da Imagem: a Figura 5 apresenta os produtos que os EUA exportaram em 2018. Os produtos e serviços são apresentados com cores: na cor púrpura, serviços como viagens, turismo (8,64%),itens não especificados(8,41%), serviços de tecnologia da informação e comunicação(7,28%), seguros e finan- ças(5,21%), transportes(3,74%). Na cor verde-escuro, commodities sem identificação específica(6,43%); na cor marrom, óleos de petróleo refinados representam 3,78% da pauta exportadora em 2018; na cor roxa, os carros(1,97%); entre outros itens. NOVAS DESCOBERTAS Uma informação interessante sobre os EUA é que o país que recebeu o maior volume de exportação deles foi o Canadá, com 17,93%, e ,em segundo lugar, o México com 15,98%. Na sequência, os países asiáticos: China, com 7,27%; depois, Japão, recebendo 4,52% do volume exportado pelos americanos; e Coreia do Sul(3,41%). A Inglaterra, nesse ranking, recebeu 3,95% da exportação america- na, e a Alemanha, 3,5%.O Brasil, para constar, está com 2,36% dessa lista, superando os vizinhos da América do Sul. Vale a pena consultar a fonte. Você certamente obterá dados relevantes para o seu conhecimento da complexidade econômica. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6606 UNIDADE 4 190 produtiva baseada em inovação tecnológica. A imagem corrobora a noção de que a complexidade econômica, ou seja, a densidade da estrutura produtiva confirma a diferença entre um país dito rico e um país em desenvolvimento, como o caso brasileiro (compare com as Figuras 2 e 3). Muitos países são reconhecidos por dominar tecnologias em alguns ramos de atividades, como é o caso da Suíça na fabricação de equipamentos de precisão, sendo seus relógios os mais famosos; dos alemães, na química e na mecânica; dos italianos,no design e nos carros superesportivos; dos franceses,na alta costura e nos vinhos finos; e dos norte-americanos,na informática e na indústria aeroespacial. Serviços de tecnologia da informação e comunicação 7,74 % Itens não especi�cados: 7,29 % Seguros e �nanças: 6,77 % Serviços como viagens, turismo: 3,95 % Transportes: 3,05 % Medicamentos embalados: 9,59 % Soros e vacinas: 5,22 % Ouro: 13,99 % Relógios: 3,17 % Figura 6 - O que a Suíça exportou em 2018? Fonte: adaptada de Atlas of Economic Complexity ([2021], on-line)⁴. A Alemanha, China e França, respectivamente, em 2018, foram os parceiros co- merciais mais representativos para um país altamente competitivo, graças ao setor de serviços, como é o caso da economia suíça (Figura 6).Assim, afirmamos que a base da competitividade em diferenciação é a educação. Perceba que os Descrição da Imagem: a Figura 6 apresenta os produtos que a Suíça exportou em 2018. Os produtos e serviços são apresentados com cores: na cor púrpura, serviços de tecnologia da informação e comuni- cação(7,74%), os itens não especificados(7,29%), seguros e finanças (6,77%) (aqui, os dados evidenciam a historinha famosa das contas na Suíça, né?!), serviços como viagens, turismo(3,95%), transportes(3,05%). Na cor roxa, os medicamentos embalados com 9,59%, os soros e vacinas representados por 5,22%do volume exportado. Os dados referentes ao ouro são 13,99% na cor dourada e corroboram as informações da força da indústria relojoeira suíça,bem como os relógios, com 3,17%, na cor azul. UNICESUMAR 191 países que investiram para elevar o nível geral da educação de sua população e desenvolver conhecimento científico de ponta foram capazes de, em longo prazo, constituir empresas sustentadas em inovações, e grandes marcas e foram capazes de se diferenciar no mercado internacional. Logo, investir em educação é uma estratégia para aumentar a competitividade externa. Países como Japão e Coréia do Sul fizeram isso e mudaram o perfil de suas economias —são economias direcionadas para a exportação de produtos de alto valor agregado e sustentadas por marcas fortes, tais como Sony ©, Honda ©, Toyota ©, Samsung ©, LG © e Hyundai ©. Vimos que o comércio externo favorece o crescimento econômico pelas duas vias, seja pela importação de produtos necessários aos processos produtivos in- ternos ou para o abastecimento do mercado interno naquilo que é inviável pro- duzir internamente, seja pela via das exportações, ao permitir que as vantagens de custos e de diferenciação ampliem o potencial de crescimento das empresas nacionais, gerando emprego e renda internamente. Não há respostas prontas e objetivas para países mais ricos e mais pobres. É preciso considerar a singularidade de cada nação em análise. De modo geral, contudo, os países mais ricos são aqueles com as maiores rendas per capita, são os países com maior grau de abertura econômica e com menores restrições à entrada de produtos estrangeiros para competir internamente com os produtores nacio- nais.Isso porque a concorrência externa força os produtores internos a melhorar tanto em custos como em diferenciação para enfrentar os competidores de fora. Essa concorrência prepara as empresas do país para enfrentar seus concorrentes no mercado mundial. É fácil pensar que os países com menor abertura econômica protegem suas empresas, as quais, protegidas da concorrência externa, não terão motivação para aumentar a competitividade em custo ou diferenciação, impondo aos consumido- res nacionais produtos mais caros e de qualidade inferior àquela oferecida no resto do mundo. É uma simplificação da realidade, mas podemos pensar nesses termos. A abertura comercial é, portanto, um mecanismo eficiente para preparar um país para crescer sobre bases sustentáveis no longo prazo, pois impõe, aos sistemas produtivos nacionais, a lógica da competição de mercado, forçando as empresas a investirem para desenvolver produtos melhores e mais baratos. Essa lógica de concorrência exige trabalhadores com alta qualificação e, em contrapartida, re- sulta em uma população mais bem formada e remunerada. Se pudéssemos tirar UNIDADE 4 192 uma exclusiva conclusão, seria que investimento em educação, em conhecimento, em tecnologia é o caminho certo, inconteste. Outro aspecto relevante no contexto mundial é o fluxo financeiro entre países. É a oportunidade que o mercado financeiro internacional oferece aos que buscam oportunidadesde ganhos de lucros, sejam os que almejam rentabilidade de juros ou ganhos de capital nesse ambiente. Há dois tipos de fluxos internacionais de capital: ■ Fluxos de investimentos produtivos. ■ Fluxos de investimentos financeiros. Eles trazem vantagens e desvantagens aos países. Por isso, saber como usar os recursos externos é fundamental para fomentar o crescimento dos países. Há três formas de rentabilizar o capital, aqui, entendido como as sobras de recursos de pessoas e empresas. A primeira forma é investi-lo em capacidade produtiva para gerar um produto ou serviço que será vendido ao mercado; com a receita das vendas, cobrem-se os custos, e apura-se o lucro, o qual faz o patri- mônio dos empresários crescer. A segunda forma é emprestar esse capital a outras pessoas, empresas ou governos que dele precisem. No futuro, o tomador do empréstimo devolve ao dono do capital o total emprestado acrescido de juros. Logo, o patrimônio dos rentistas aumenta ao somar os ganhos de juros ao capital inicial. Por último, a terceira forma é comprar algo por um preço e, em algum momento depois, vendê-lo por um preço maior, apurando um ganho de capital. Da mesma forma, o ganho de capital, que é a diferença positiva entre o preço de venda e o de compra, representa o próprio aumento de patrimônio. Essas três formas de rentabilizar o capital (lucros, juros e ganhos de capital) também podem ser realizadas em âmbito mundial, por meio da alo- cação de capital entre diversas economias mundo afora. Examinaremos esses fluxos de investimentos, os fatores que os atraem e os benefícios e prejuízos que provocam nas economias. O Investimento Externo Direto (IED) é aquele capital que ingressa nas economias com o objetivo de gerar lucros, ou seja, os donos desses capitais, ao UNICESUMAR 193 decidirem onde realizarão seus investimentos, visam às oportunidades de mon- tar novas unidades de produção ou comprar empresas já estabelecidas.Esse tipo de investimento é de longo prazo, pois constituir negócios em um país, ganhar mercado e obter faturamento que cubra os custos e que gere lucros demora muito tempo — leva-se anos ou até décadas para que o investimento dê retorno. Você pode concluir, portanto, que, para esse tipo de capital entrar em um país, deve haver um ambiente social, político e econômico confiável e estável. Além de boas oportunidades de negócios, para atraírem IED, os países devem proporcionar segurança institucional, leis e instituições que garantam a proprie- dade privada e seus ganhos. Obviamente, nenhuma empresa estrangeira investirá para constituir filiais ou subsidiárias em países que não lhe ofereçam a garantia sobre a propriedade do capital investido em terrenos, edifícios, máquinas, equi- pamentos e recursos financeiros. Logo, os países com melhores chances de atrair empresas estrangeiras são aqueles com sistemas políticos consolidados, com um sistema legal e jurídico eficiente, capazes de garantir a propriedade privada independentemente dos go- vernos ao longo do tempo. Todas as melhorias nas leis e instituições que ampliem a segurança jurídica dos investimentos produtivos são benéficas para atrair esse tipo de capital para o país. UNIDADE 4 194 Por outro lado, os fluxos de IED são menores ou até inexistentes naquelas eco- nomias com sistemas políticos frágeis, sujeitos a intervenções diretas do governo sobre a propriedade privada e sobre as regras de mercado, pois, nessas economias, há elevados riscos de perda dos investimentos, com a estatização de empresas ou com a perda ou redução dos lucros esperados nas operações. Quando uma empresa estrangeira se instala em um país, leva, para ele, tecnologias de produção e conhecimentos técnicos e tecnológicos que, talvez, as empresas nacionais não tivessem. Esses conhecimentos se disseminarão por entre os tra- balhadores das empresas estrangeiras e, em pouco tempo, serão disseminados, também, para outras empresas de mesmo ramo ou de ramo diferente. O IED é, então, importante para irradiar novas tecnologias de produção e de gestão de empresas, bem como para forçar as empresas nacionais a competirem e melho- rarem seus produtos e seus preços. A questão que você deve ter feito é: qual é a vantagem de atrair o capital estrangeiro para investir produtivamente no país? Muitos acreditam que as empresas estrangeiras são um problema para as economias, não uma solução; contudo, assim como é importante que os países abram seus mercados para impor às empresas nacionais uma competição acir- rada com as empresas estrangeiras, também é importante que elas possam adentrar o país para competir com empresas nacionais nele instaladas. PENSANDO JUNTOS Recentemente, a empresa Ford, aquela que pôs o mundo sobre rodas e revolucionou a indústria, deci- diu interromper os ciclos de investimentos no Brasil. A pandemia, a desvalorização cambial, a reestruturação impulsionada por novas e emergentes tecnologias em serviços conectados, eletrificação e veículos autôno- mos são possíveis elementos que contribuíram para essa decisão. Sindicatos estimam que cinco mil profis- sionais perderão o emprego. Essa notícia nos revela o impacto dos investimentos estrangeiros diretos en- quanto propulsor de uma cadeia produtiva. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6536 UNICESUMAR 195 Perceba que, em alguns casos, as empresas estrangeiras se instalam em países nos quais não existem similares dos produtos e serviços que serão produzidos e ofertados. Nesse caso, o capital produtivo de fora proporcionará a oferta inter- na de produtos que só seriam obtidos mediante importações, e isso economiza recursos para o país. Ao mesmo tempo, serão gerados empregos e renda para produzi-los internamente. Veja que as vantagens de atrair o capital externo para produzir internamente estão associadas à geração de emprego e renda no país, à fabricação de produ- tos que, anteriormente,só eram feitos no exterior, bem como à intensificação da concorrência interna, que pressiona as empresas nacionais a reduzirem preços e aumentarem a qualidade de seus produtos ou serviços. Por outro lado, observe que, produzindo, vendendo e lucrando internamente, as empresas estrangeiras têm direito a repatriar, parcial ou integralmente, os lucros aos países de origem dos investimentos. Caso haja uma parcela grande da estrutura produtiva de um país composta por capital estrangeiro, haverá muita saída de lucros do país, e esses lucros que saem não formam a poupança interna que sustenta maiores níveis de investimentos para o crescimento do país. Portanto, as vantagens da entrada de IED podem ser neutralizadas e, até mes- mo, converter-se em desvantagens, caso o país dependa demais desse tipo de capital para gerar seu PIB (Produto Interno Bruto). Em virtude disso, gera um crescente fluxo de remessa de lucros ao exterior que inviabilize ampliação dos investimentos para o crescimento do país. Sobre os investimentos em carteira, enquanto elemento relevante no mercado financeiro internacional, são aplicações financeiras que instituições financeiras de um país fazem em outros países. Esses investimentos visam aos ganhos com juros e ganhos de capital; logo, são direcionados para a compra de títulos públicos ou privados de dívida ou para fundos de investimentos em renda fixa. Os países com maior capacidade de atrair esse tipo de capital financeiro são aqueles que apresentam a melhor relação entre risco e retorno. Os riscos estão associados às garantias do direito à propriedade privada, mas também se associam aos riscos do mercado que podem impor aos investidores perdas de rentabilidade do capital investido ou, até mesmo, perdas de capital por depreciação de ativos. As vantagens de atrair o capital financeiro de curto prazo para o país estão associadas ao aumento da oferta de capitais no sistema financeiro. Isso permite re- duzir os custos do financiamento às empresas e ao governo, bem como aumentar 196 UNIDADE 4 os recursos que podem ser utilizadospara elevar a oferta de crédito ao consumo. Perceba que o capital de investimento em carteira, que ingressa no país para fi- nanciar a custos mais baixos o investimento produtivo, será pago com o retorno das atividades produtivas financiadas, mas aquele capital que entra para financiar a dívida pública do governo será pago com os impostos recolhidos pelo Estado. A desvantagem da entrada de capitais especulativos que buscam apenas a rentabilidade de juros ou o simples ganho de capital em suas operações é que, para atraírem esses capitais, os países devem oferecer uma taxa de juros superior à média das taxas pagas em países que oferecem o mesmo risco. Contudo,se orisco do paísfor maior,ataxa dejuros deverá,consequentemente, ser maior. Você pode concluir que um país que paga taxas de juros anuais, cinco ou seis vezes superio- res à média das taxas de juros dos países desenvolvidos, é capaz de atrair muito capital especulativo se o risco desse país for duas ou três vezes maior que o risco dos países desenvolvidos. Entretanto, quanto mais alta a taxa de juros e maior a quantidade de capital estrangeiro aplicada para ganhar juros em um país, maior a quantidade de juros que o país pagará aos investidores. A entrada de grandes quantias de capital em carteira também produz impac- tos sobre a taxa de câmbio do país, pois aumenta a oferta de moeda estrangeira no mercado de câmbio, e, se a demanda não aumentar também, haverá um ex- cesso de oferta de divisas estrangeiras, causando a depreciação da moeda externa e a apreciação da moeda nacional, que prejudicam as exportações do país. O investimento em carteira é um capital de curto prazo que reage muito rápido às variações nas condições de risco que possam gerar perdas de capitais. Assim, quando ocorrem distúrbios internos ou externos, de natureza política, econômica ou social, que elevem as condições de risco, esse é o primeiro tipo de capital a sair do país. A saída rápida, em grandes volumes, de investimentos em carteira, nas situações de aumento de riscos e incerteza, acontece em virtude da sua natureza puramente financeira. Esse capital tem rápida reconversão em moeda estrangeira, e sua saída não implica perda de participações de mercados, como é o caso dos investimentos externos diretos. Outro ponto estratégico do nosso trabalho é a taxa de câmbio. Uma rela- ção de troca entre duas moedas; logo, é um preço de uma moeda cotada em outra moeda. Quando falamos que a taxa de câmbio reais por dólares é 2,00, UNICESUMAR 197 estamos dizendo que um dólar tem o preço de dois reais (US$ 1,00 = R$ 2,00). Note que a taxa de câmbio quase sempre é divulgada entre a moeda nacional e poucas outras; no caso do Brasil, entre o real e o dólar ou entre o real e o euro. Contudo, há uma relação de troca entre todas as moedas negociadas no mundo, e, quase sempre, essas taxas de câmbio não são feitas diretamente, mas por meio do dólar ou do euro. Podemos fazer uma taxa de câmbio entre o real e o iene japonês, utilizando as taxas de câmbio entre o dólar, possível para as duas moedas. Considere que o preço de um dólar em real seja de R$ 2,30 e que, para comprar um dólar, os japoneses gastam 105 ienes. Logo, a taxa de câmbio R$/US$ é 2,30, e a taxa de iene/US$ é 105. Dividindo as duas taxas, chegaremos à do R$/iene (2,30 / 105), que é de R$ 0,022 para cada iene japonês. 198 UNIDADE 4 Atualmente, existem muitos portais de internet que disponibilizam as cota- ções entre moedas do mundo todo, bastando, para isso, que se escolham as duas moedas. Poucas dessas cotações entre moedas são feitas diretamente; a maioria é feita por meio de uma divisa internacional como referência de preço para as demais. As divisas internacionais, atualmente, são o dólar ou o euro. São consi- deradas divisas porque são mundialmente aceitas nos pagamentos de transações comerciais e financeiras entre os países. Antes da existência de moedas nacionais como divisas internacionais, os países utilizavam o ouro. A máxima histórica da taxa de câmbio (R$/US$) no Brasil, desde a implantação do Plano Real, ocorreu no mês de outubro de 2002, no auge das intenções de votos de Luiz Inácio Lula da Silva para as eleições do ano de 2003. A estabiliza- ção das condições políticas, econômicas e sociais após a eleição de Lula apreciou paulatinamente a taxa de câmbio, até que, em 2008, às vésperas da crise financeira mundial, chegou a 1,59 e, com a eclosão da crise em outubro, saltou para 2,39 já no mês de dezembro. Sob o regime de câmbio, foi registrado, no mês de julho de 2011, quando a taxa chegou a 1,56. Contudo, taxas de câmbio tão baixas quanto as registradas em 2011 (de 1,56) representam uma depreciação do real perante o dólar de apenas 56% desde 1995, mas a inflação brasileira para o período todo superou os 350%. Logo, essa diferença tão grande entre a depreciação do câmbio e a inflação interna provoca, na economia brasileira, os mesmos efeitos de uma apreciação cambial, reduzindo a competitividade das exportações brasileiras e aumentando as compras de produtos importados. O regime de taxa de câmbio flutuante é aquele no qual o preço das moedas es- trangeiras é definido no mercado de câmbio, mediante as interações entre as forças As reservas internacionais são os ativos do Brasil em moeda estrangeira e funcionam como uma espécie de seguro para o país fazer frente às suas obrigações no exterior e a choques de natureza externa, tais como crises cambiais e interrupções nos fluxos de capital para o país. Esse colchão de segurança ajuda a manter a funcionalidade do mercado de câmbio de forma a atenuar oscilações bruscas da moeda local — o real — perante o dólar, dando maior previsibilidade e segurança para os agentes do mercado. EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR 199 de oferta e de demanda por moeda estrangeira. Logo, nesse regime, o preço das moedas estran- geiras é livre. Note, então, que, para entender a formação da taxa de câmbio num regime de livre flutuação das moedas estrangeiras, é fundamen- tal compreender o que determina a demanda por divisas internacionais e, também, os deter- minantes da sua oferta. A demanda por moeda estrangeira depende da necessidade de fazer pa- gamentos ao exterior, uma vez que, fora do país, a moeda nacional da maioria dos países, incluindo o Brasil, não é aceita como divisa internacional. As empresas, as famílias e o governo dos países se obrigam a comprar divisas internacionais para realizar pagamentos ao exterior. Ao entendermos quais são os pagamentos que os países fazem ao exterior e os motivos para a saída de capital, podemos compreender as pressões de compra de divisas no merca- do de câmbio e, assim, entendemos o lado da demanda do mercado. Estudante, conheça, aqui, os principais motivos para a compra de divisas internacionais: a) Pagamentos de importações. b) Pagamentos de juros, lucros, aluguéis e outras rendas por trabalho ou serviços prestados por estrangeiros. c) Pagamentos de amortizações de em- préstimos tomados no exterior. d) Saída do país de aplicações de estran- geiros. e) Saída de capitais nacionais para investir produtivamente ou aplicar no mercado financeiro de outros países. 200 UNIDADE 4 f) Concessão de empréstimos de instituições financeiras nacionais a gover- nos, empresas ou famílias de outros países. g) Saída do país de doações a pessoas ou organizações estrangeiras. Perceba que são muitos os motivos para a compra de moeda estrangeira, desde o pagamento por bens importados, passando pelo pagamento de rendas e ser- viços, amortizações de empréstimos internacionais, concessões de empréstimos, aplicações ou investimentos no exterior e doações. Quando um ou mais desses pagamentos ou saídas de capital aumentam, há um aumento na demanda por divisas no mercado de câmbio; e, quando a demanda aumenta e os níveis de oferta permanecem constantes, ocorre a elevação do preço de mercado, nesse caso, da taxa de câmbio. Uma elevação da taxa de câmbio sinaliza quea divisa internacio- nal está mais cara para ser comprada com moeda nacional. Logo, precisa de mais moeda nacional para comprar a mesma quantidade de divisas internacionais, o que leva à depreciação. Há o movimento contrário: quando o total dos pagamentos em moeda es- trangeira cai, a demanda por divisas internacionais cai também, e, mantida a mesma quantidade de oferta no mercado de câmbio, haverá uma queda no preço das divisas internacionais, o que levará a uma apreciação da moeda nacional. O outro lado do mercado de câmbio é a oferta de divisas internacionais, dependente de recebimento de vendas, recebimentos de rendas ou doações ou aplicações de recursos estrangeiros no país. O ponto de vista econômico que considera o setor externo é muito vasto e requer minuciosa análise nas diversas tomadas de decisão. Neste material, por uma questão didática, fizemos uma abordagem simplificada na engenhosa e in- trincada rede de variáveis que envolvem a relação com o setor estrangeiro. UNICESUMAR 201 Com início no meio da década de 1980, diversos países em desenvolvimento passaram para taxas de tarifa menores, suprimiram quotas de importação, entre outras restrições no comércio. Essa mudança dos países em desenvolvimento em direção a um comércio mais livre é a grande história da política de comércio dos últimos tempos. A história, porém, é dinâmica, e somos produto dela! Escrevo isso em 11 de fevereiro de 2021, quando a humanidade perdeu 2.351.972 vidas. Tempo triste, indiscutivelmente, é um cenário instável que dificulta a noção de qual caminho tomará a economia internacional. O con- texto da pandemia do coronavírus ainda protagoniza o assunto mundial de tal forma que ele não desafia apenas o comércio internacional, mas também expõe as realidades das economias mais vulneráveis. Ainda assim, há indícios que apostam num futuro direcionado a uma geopolítica de produção por meio da nacionalização e regionalização, contudo é uma suposição! Ainda estamos no centro dos acontecimentos! Na tentativa de delinear uma dinâmica para a tomada de decisões nas di- versas conjunturas, é preciso buscar informações estruturadas. A Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais – Sain é um órgão singular do Ministério da Economia, subordinado à Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, bem como ao Ministro de Estado da Economia, para tratar de questões envolvendo a economia brasileira no seu relacionamento com os demais países, blocos econômicos e organismos internacionais. A Sain presta assessoria técnica especializada em assuntos relativos à eco- nomia internacional com o objetivo de defender os interesses econômicos e financeiros do Brasil, fortalecendo sua participação nos processos decisórios internacionais, de forma a contribuir para o desenvolvimento sustentável do País. 202 AGORA É COM VOCÊ 1. Em uma economia aberta, os agentes econômicos residentes em um determinado país realizam, cotidianamente, um amplo conjunto de transações com nãoresidentes que estão localizados em outros países. Uma parcela crescente da renda das econo- mias nacionais está diretamente vinculada ao comércio internacional e às operações financeiras internacionais. Por conta disso, é de suma importância saber avaliar a magnitude dessas transações e os seus impactos sobre a economia doméstica. Sobre a estrutura das contas externas e a análise das relações entre essas e a con- tabilidade nacional, analise as afirmativas a seguir. I - O Balanço de Pagamentos, por se tratar de agregação das contas nacionais, não considera as relações comerciais com o resto do mundo. Dessa maneira, não são considerados os bens que são exportados e importados. II - A Balança Comercial registra o comércio internacional de mercadorias, que são os bens tangíveis. As vendas externas (exportações) geram lançamentos em crédito, ao passo que as compras externas (importações) produzem débitos. III - Os registros contábeis do balanço de pagamentos seguem o método das partidas dobradas, em que toda e qualquer transação entre dois agentes é registrada como dois fluxos em sentidos contrários (crédito e débito). Enquanto um registro representa a natureza econômica da transação, o outro expressa sua contrapar- tida monetária ou financeira. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 203 AGORA É COM VOCÊ 2. Os pagamentos internacionais são liquidados em termos monetários. Como os países possuem “moedas diferentes”, a liquidação dos contratos depende da taxa de conver- são entre elas. Neste contexto, a taxa de câmbio nada mais é do que o valor de con- versão entre duas moedas distintas. Sobre a taxa de câmbio, analise as afirmativas. I - No regime de câmbio fixo, o Banco do Brasil fixa, antecipadamente, a taxa de câmbio, com a qual o mercado deve operar. Pelas regras fixadas pelo sistema financeiro internacional, se um país fixa sua taxa de câmbio, ele se obriga a disponibilizar as reservas para o mercado quando requisitadas (seja pelos ex- portadores, turistas ou saídas de capital financeiro). II - No regime de câmbio flutuante (flexível), a taxa de câmbio é determinada pelo mercado de divisas, ou seja, pela oferta e demanda de moeda estrangeira. Dife- rentemente do sistema de câmbio fixo, o Banco Central não é obrigado a dispo- nibilizar suas reservas cambiais. III - Diz-se que houve uma depreciação cambial ou desvalorização cambial quando se necessita mais unidades da moeda nacional para adquirir uma unidade da divisa de referência. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 204 AGORA É COM VOCÊ 3. Quando um turista brasileiro viaja para o exterior e precisa de moeda estrangeira, o agente autorizado pelo Banco Central a operar no mercado de câmbio recebe do turista brasileiro a moeda nacional e lhe entrega (vende) a moeda estrangeira. Quando um turista estrangeiro quer converter moeda estrangeira em reais, o agente autorizado a operar no mercado de câmbio compra a moeda estrangeira do turista estrangeiro, entregando-lhe os reais correspondentes. Essa troca de moeda de um país pela moeda de outro país se refere a uma operação de câmbio. Sobre o setor externo, analise as afirmativas a seguir: I - O Banco Central é a instituição responsável pela definição do regime cambial no Brasil, de suas metas e de sua gestão. II - No regime de câmbio flutuante (flexível), a taxa de câmbio é determinada pelo mercado de divisas, ou seja, pela oferta e demanda de moeda estrangeira. Dife- rentemente do sistema de câmbio fixo, o Banco Central não é obrigado a dispo- nibilizar suas reservas cambiais. III - O Banco Central executa a política cambial definida pelo Conselho Monetário Nacional. Para tanto, regulamenta o mercado de câmbio e autoriza as instituições que nele operam. Além disso, o Banco Central pode atuar diretamente no mer- cado, comprando e vendendo moeda estrangeira de forma ocasional e limitada, com o objetivo de conter movimentos desordenados da taxa de câmbio. É correto o que se afirma em: a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 205 CONFIRA SUAS RESPOSTAS 1. D. I. É incorreto afirmar que, no balanço de pagamentos, não se consideram as relações comerciais com o resto do mundo. E, no balanço, são consideradas todas as operações internas e externas. A balança comercial obedece à seguinte composição: Balança Comercial • Importações FOB (free on board) (débito). • Exportações FOB (crédito). Portanto, considera exportações e importações. O feedback da alternativa I é válido para a alternativa II,em que II. A balança comercial obedece à seguinte composição: Balança Comercial • Importações FOB (free on board) (débito). • Exportações FOB (crédito). Portanto, considera exportações e importações. III. É verdade que os registros contábeis do balanço de pagamentosseguem o método das partidas dobradas, em que toda e qualquer transação entre dois agentes é regis- trada como dois fluxos em sentidos contrários (crédito e débito). Enquanto um registro representa a natureza econômica da transação, o outro expressa sua contrapartida monetária ou financeira. 2. D. A afirmativa I está incorreta ao afirmar que o Banco do Brasil fixa o câmbio. É o Banco Central do Brasil.É verdade que, no regime de câmbio flutuante (flexível), a taxa de câmbio é determinada pelo mercado de divisas, ou seja, pela oferta e demanda de moeda estrangeira. Diferentemente do sistema de câmbio fixo, o Banco Central não é obrigado a disponibilizar suas reservas cambiais.É fato,como demonstrado no texto, que uma elevação da taxa de câmbio sinaliza que a divisa internacional está mais cara para ser comprada com moeda nacional. Logo, é preciso mais moeda nacional para comprar a mesma quantidade de divisas internacionais, o que leva à depreciação. 3. E. Quando um brasileiro viaja ao exterior e adquire dinheiro para usar no seu destino — por exemplo, o dólar, no caso dos Estados Unidos, e o iene, no caso do Japão —, essa aquisição é uma operação de câmbio. Da mesma forma, importadores brasileiros realizam operações de câmbio para trocar reais pela moeda do seu parceiro comer- cial a fim de pagar pelos itens que adquiriram.Essas trocas de moedas acontecem no mercado de câmbio, portanto, de forma livre, não é o governo que define. São as forças de oferta e demanda por divisas.Nele, turistas, comerciantes, empresas e insti- tuições financeiras compram e vendem moeda estrangeira (divisas) sob a regulação e supervisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central (BC).Portanto, as alternativas I, II e III estão corretas. MEU ESPAÇO 5O Papel da Regulação do Estado Me. Carla Fabiana de Andrade Gonçalves Iori O Estado pode ser visto como um conjunto de instituições jurídicas com poder coercitivo sobre a sociedade, bem como um aparelho ou organização que formula políticas, aprova leis e as executa. Nesta oportunidade de trabalho, veremos que o governo pode utilizar o seu poder de coerção de forma contínua para afetar o processo de decisão de agentes econômicos em setores diversos, caracterizados por estruturas de mercado nas quais esses agentes possuem poder de mercado significativo. UNIDADE 5 208 A empresa SIM SA é uma loja especializada em artigos de marcenaria, como chapas de MDF, compensados para fabricação de móveis, fitas de borda, perfis decorati- vos, corrediças, trilhos, rodízios, roldanas, aramados, dobradiças, fechos, trincos, suportes, vernizes, thinners, seladoras, lacas, tingidores, tintas, portas de alumínio, portas de vidro, entre outros. A empresa começou em uma garagem, na cidade de Maringá, no estado do Paraná, abrigando algumas chapas de compensado de madeira. Hoje, a empresa tem mais de 10.000 funcionários. Muitas das pessoas que lá trabalham são estranhas umas às outras. Esses estranhos cooperam de maneira eficaz e contribuem na cadeia produtiva de móveis da região de forma significativa. Como é possível afirmar que a empresa SIM existe? Há um estoque amplo de chapas, fitas, aramados, puxadores, mas os produtos não constituem a empresa. Se um incêndio acometesse a estrutura de 12.000 m2, inclusive as máquinas que oferecem plano de corte, SIM ainda existiria. Com uma boa estratégia, a direção reconduziria as negociações, com empréstimos, uma reconstrução e avante. Logo, a SIM se reconfiguraria! A empresa possui várias lojas, caminhões, showrooms, máquinas, secretários, vendedores, analistas de crédito, mas tudo isso junto não constitui o empreendimento. A empresa é uma SA, possui gestores e acionistas, mas eles também não constituem a empresa. Todos os gestores poderiam ser demitidos, e todas as suas ações, vendidas; mas a empresa propriamente dita permaneceria intacta. Além da questão tangível, o que poderia fazê-la funcio- nar? Seria a SIM SA imortal, algo incólume? Há, unicamente, um fato que faria desaparecer a SIM. Qual seria? Se um juiz (funcionário revestido da qualidade de administrador da justiça do Estado) ordenasse a dissolução da empresa, neste caso, as lojas, caminhões, showrooms, máquinas permaneceriam de pé, secretários, vendedores, analistas de crédito continuariam a viver — mas a empresa SIM desapareceria imediatamente. Nesse sentido, a empresa é um produto do que vem a ser a ficção jurídica. Não se trata de um objeto físico, mas uma entidade jurídica. Você e eu estamos submeti- dos às leis que o Brasil nos coloca. As pessoas físicas e jurídicas são subordinadas à legislação que vigora em seus países. A organização SIM possui contas bancárias, é proprietária de uma frota de caminhões e imóveis, paga impostos diversos e pode ser processada, indepen- dente de seus donos ou das pessoas que trabalham para ela. Trata-se de uma particularidade da empresa em questão. Ela pertence à ficção jurídica chamada “empresas de responsabilidade limitada”. Essa dinâmica atribui uma característica UNICESUMAR 209 de independência das pessoas que fundam a empresa, das que investem dinheiro ou, até, das que gerenciam as obrigações referentes, propriamente, à empresa. Pois bem, todo esse processo jurídico é possível por conta da existência do Estado. Ele é o ente político soberano. Organização que detém o poder de legis- lar e tributar a respectiva sociedade. É nessa qualidade que o Estado moderno desempenha o papel econômico fundamental de institucionalizar os mercados e, mais amplamente, de promover o desenvolvimento econômico do país e a segurança econômica de cada um de seus cidadãos. O Estado é, portanto, uma organização com poder extroverso sobre a sociedade, que lhe dá origem e legi- timidade, e o sistema jurídico dotado de coercibilidade sobre todos os membros desse Estado nacional. O Estado é o instrumento de ação coletiva por excelência da sociedade. É a forma pela qual a sociedade busca alcançar seus objetivos políticos fundamentais: a ordem ou estabilidade social, a liberdade, o bem-estar e a justiça social. Dos qua- tro objetivos políticos das sociedades modernas citados, o desenvolvimento eco- nômico ou a busca do bem-estar material é o objetivo econômico a ser atingido. A partir da Revolução Industrial, o investimento e o reinvestimento, incor- porando progresso técnico, tornaram-se uma condição de sobrevivência dos empresários, de modo a promover o desenvolvimento econômico. Sabendo que a economia de uma nação é composta pelas suas empresas e que, em uma socie- dade democrática, cuja ordem econômica é baseada na livre iniciativa, a liber- dade de empreender é um direito da cidadania, escreva, pelo menos, três causas possíveis para que o Estado utilize o seu poder coercitivo de forma a limitar o processo de escolha dos agentes econômicos. O Ocidente criou uma estrutura engenhosa de pessoas jurídicas adaptadas, especificamente, a captar recursos ociosos e transformá-los em atividades lucra- tivas e geradoras de empregos: as sociedades empresárias. Entre elas, destacam-se, no Brasil, as sociedades limitadas e as sociedades anônimas; cada uma delas se mostra mais adequada a determinados tipos de atividade empresarial. No caso das sociedades anônimas abertas, naturalmente, gera-se a necessidade de um mercado de capitais que precisa ser fiscalizado para evitar prejuízos aos investi- dores e consumidores. Portanto, a prerrogativa de empreender é do setor privado; ao Estado, cabe proteger os consumidores, os investidores e a livre concorrência. Por meio dessa oportunidade, registre, aqui, a relação do empreendedor com o poder regulador do Estado. UNIDADE 5 210 Boas instituições e políticas econômicas que promovam o desenvolvimento são sinal de que temos um bom Estado. São sinais, também, de que a nação e seu Estado contam, provavelmente, com um bom governo, ou seja, com um grupo de políticos, altos servidores públicos e representantes informais da sociedadecivil que os dirigem com competência. Aqui, vale refletir que o Estado-nação (ou país, ou Estado nacional, ou nação) é a instituição soberana que serve de base para o Sistema Global em que vivemos. Dentro de cada Estado-nação, te- mos sempre uma sociedade, um Estado, inclusive, suas instituições com poder coercivo e o respectivo território. É preciso, portanto, não confundir o Estado- -nação com o Estado. Perceba que o Estado é uma instituição capaz de promo- ver a estratégia do desenvolvimento, esta, por sua vez, quase invariavelmente, é fruto de uma estratégia nacional. Anote, aqui, como você analisa essa diferença para o caso da nação brasileira. DIÁRIO DE BORDO UNICESUMAR 211 Escrevo essas páginas em 2021! Passou o ano que não passará nunca. O ano de 2020 cravou sua marca na história econômica por conta da crise advinda da pandemia da Covid-19. O gasto público dos países estourou no ano do corona! Governos em todo o mundo saíram correndo para socorrer empresas e empre- gos. Desigualdades se exacerbaram, e o debate em torno do papel do Estado na economia, como acontece de tempos em tempos, foi ressuscitado. “Nunca foi tão importante quanto atualmente questionar o papel do Estado na economia” (MAZZUCATO, 2014, p. 23): é o que afirma a economista Mariana Mazzucato, autora do livro O Estado empreendedor. Uma pandemia é, por definição, um fenômeno global. E só pode ser superada globalmente, como afirma António Guterres, secretário geral das Nações Unidas: “ Estamos todos juntos nesta situação [...] Mais do que nunca, os go- vernos devem cooperar para revitalizar as economias... expandir o investimento público... impulsionar o comércio... e garantir apoio direcionado às pessoas e grupos mais afetados pela doença ou mais vulneráveis aos impactos econômicos negativos - incluindo mulhe- res que frequentemente suportam um fardo desproporcional de trabalho assistencial (ANTÓNIO..., 2020, on-line). “Nossa sociedade é o que fazemos dela”, afirmou o economista Milton Friedman (FRIEDMAN; FRIEDMAN, 2019, p. 68). Os autores ainda sustentam que nada UNIDADE 5 212 nos impede, enquanto sociedade, de nos construirmos fundamentados “essen- cialmente na cooperação voluntária para organizar tanto a atividade econômica quanto outras atividades, uma sociedade que preserva a liberdade humana [...]” (FRIEDMAN; FRIEDMAN, 2019, p. 69). A cooperação voluntária que move as cadeias produtivas para o pensador é questão central na discussão do papel do Estado na economia. Expoente da Escola Econômica de Chicago, Milton Fried- man (1912-2006) questionou o papel do Estado, entre outras análises, ao longo do seu trabalho. Extemporâneo da economista Mariana Mazzucato, ambos refletem os limites do Estado. Figura 1 - O real e a real / Fonte: André Azevedo ([2021], on-line)¹. Descrição da Imagem: a Figura 1 apresenta uma charge com dois quadros, em que podemos observar, à esquerda, um rapaz falando sobre a situação econômica e sobre um ano expressivo para a nossa moeda. À direita, a efígie (que está representada em todas as notas de real) está com uma expressão assustada, com a mão na boca e com uma gota de suor escorrendo, simbolizando um susto ao ouvir a notícia. Na parte superior dos quadrinhos, está escrito “O real” e “A real”, indicando a diferença entre a notícia e a realidade. UNICESUMAR 213 Estimada aluna, caro aluno, você percebeu, ao longo desse material, que a política, bem como o Estado, é agente econômico de fundamental importância. Essa afir- mativa não significa uma defesa da autora, em termos de intervenção pública, da “mão invisível” do mercado. A retórica está voltada ao fato da imbricada relação entre economia e política que o mundo tem vivenciado, principalmente, após as crises econômicas capitalistas. Assim, assimilar a atribuição do Estado, na pers- pectiva econômica, envolve a compreensão filosófica e histórica, considerando a interdependência e interconexão de fenômenos sociais, não simplesmente a li- nearidade dos fatos. Explico: para refletir o liberalismo versus o intervencionismo estatal, é fundamental analisar os diversos aspectos que conduziram a história econômica para o momento atual. E já fizemos isso insistentemente ao longo deste material didático. Até porque o envolvimento do Estado com a economia nem sempre foi organizado da forma como está atualmente. E, ao tratar de polí- tica monetária, política fiscal e economia entre as nações, apresentamos facetas ou prismas do papel governamental. É chegada a hora de olhar de frente para ele. Você já sabe que é dentro dos moldes do sistema capitalista que nosso objeto de estudo se encontra. Pelo simples fato de o planeta inteiro operar segundo os mesmos princípios econômicos — produção organizada com vistas ao lucro, ao uso de mão de obra assalariada livre, ao capital majoritariamente privado, à coordenação descentralizada. De tal forma, foge ao nosso propósito tratar das atribuições de Governo relacionadas a sistemas econômicos diversos. O caso da China, por exemplo, é chamado por Branko Milanović (2020) de Capitalismo Político, haja vista que o país opera nessa configuração capitalista. Pergunto: como é o Estado no século XXI? Trata-se de um importante agente econômico que, entre várias funções, é ator preponderante nas despesas rela- cionadas à saúde, educação, segurança pública, emissão de dinheiro e controle da inflação. Nenhuma grande novidade até aqui, não é mesmo? A Unidade 3 é bastante contributiva para a compreensão inicial do nosso objeto de estudo. Ela direciona a questão para os aspectos fiscais, ou seja, a relação da arrecadação e gastos por parte do Governo. Você verá que ampliaremos nossa análise! É importante resgatar que, ainda que a história, sob o ponto de vista crono- lógico, seja linear, o entendimento sobre o processo social é dinâmico. Vários fatores se interconectam para explicar nossa proposta. Para não fugir do escopo do material, começamos pela contribuição de Culpi (2019), que afirma ter sido a primeira função econômica do Estado, ao longo da história, a questão das guer- UNIDADE 5 214 ras. Em razão do monopólio do uso da força, os gastos para esse fim passaram a exigir que os agentes públicos arrecadassem tributos para financiar as despesas com armamentos e exércitos. A escola clássica apresenta como marco o ano de 1776, quando Adam Smith publicou seu trabalho Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações (amplamente conhecido como A Riqueza das Nações). Isso você já viu, é verdade! Também viu que isso se deu a partir do Iluminismo… Figura 2 – O Iluminismo / Fonte: a autora. Fato é que essa perspectiva de pensamento econômico “termina” em 1871, quando W. Stanley Jevons, Carl Menger e Leon Walras publicaram, independentemente, Descrição da Imagem: a figura apresenta um quadro antigo e, dentro, a frase: “O Iluminismo foi um mo- vimento intelectual, também conhecido como Século das Luzes, iniciado no século XVIII, e que se ergueu sobre dois pilares: a habilidade de raciocínio das pessoas e o conceito de ordem natural”. UNICESUMAR 215 trabalhos expondo as teorias neoclássicas: era a Revolução Marginalista. É Walras que nos ajudará com a questão do equi- líbrio geral. Oferta e demanda apresentam uma situação de equilíbrio geral. O processo e o grau de in- terferência do setor público na geração de bens e serviços poderiam ser residuais, caso existisse uma perfeita aloca- ção dos recursos na economia. Denomina-se Teoria do Equi- líbrio Geral a situação na qual os bens e os recursos são aloca- dos perfeitamente, obtendo-se, como consequência, a situação ótima do mercado, com os in- divíduos tendo todas as suas necessidades e desejos satisfei- tos e conciliados por meio da oferta e demanda. A teoria era baseada no conceito marginalista e no conceito de utilidade: “ A ideia de margem surgiu como uma tentativa de resolver questões que a análise da utilidade deixava indefinida, como o problemada satisfação do agente econômico. Margem é o ponto no qual a utili- dade se transmuta em desutilidade, ou o ponto onde o lucro passa a ser prejuízo. Os valores são positivos num dos lados do ponto ou da linha, sendo negativos do outro lado. A análise marginalista estuda o último item consumido ou o último item produzido antes que essa linha seja cruzada; esse último item parece claro e determinado (BROCKWAY, 1995, p. 305). Descrição da Imagem: a Figura 3 apresenta uma foto preta e branca do perfil do sociólogo e economista italia- no Vilfredo Pareto, um senhor na faixa etária de 50 anos. É calvo na testa, com cabelos brancos e barba. Está vestin- do terno escuro, com camisa clara e uma gravata escura. Figura 3 - O sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) / Fonte: Wikimedia ([2021a], on-line). 216 UNIDADE 5 Mais tarde, Vilfredo Pareto (1848-1923) desenvolveu o modelo do equilíbrio geral, considerando os pressupostos da concorrência perfeita, cujos principais pontos são: a) Muitos compradores e muitos vendedores na indústria, seja no mercado de fatores ou de produtos. b) Perfeito conhecimento do mercado por parte dos compradores e dos ven- dedores no que se refere ao mercado de produtos e de fatores. c) Perfeita mobilidade dos recursos produtivos. d) Busca da maximização do lucro por parte das firmas e da maximização da utilidade por parte dos consumidores. O conceito ótimo de Pareto e do equilíbrio geral são desenvolvidos por meio de alguns pressupostos lógicos embutidos dentro do modelo de mercado perfeito, no qual curvas de indiferença, taxas marginais de substituição, máxima utilidade e curva de possibilidade de produção são termos microeconômicos que ajudam a explanar a sua matemática. É inviável expor nesse contexto, mas é válido contar que é quando a Matemática e Estatística se tornam ferramentas indissociáveis do economista para se fazer uma análise consistente. Voltando ao “modelinho”, o que se tem por trás do estabelecimento do equilíbrio geral é uma situação na qual se obtém o máximo de produção, satisfazendo às demandas e às necessidades dos consumidores a fim de que eles maximizem seu bem-estar. Muitas críticas vieram, bem como o tempo passou. Até 1930, o Governo tinha uma participação residual nas atividades econômicas. O desenvolvimento do sistema capitalista e suas crises encaminharam para um cenário de incapacidade, por parte da iniciativa privada, de atender aos interesses coletivos da sociedade, gerando “falhas” no sistema de mercado, cujas caracte- rísticas mostram a possibilidade de correção ou de minimização de seus efeitos negativos por meio de ações e interferência do Estado (RIANI, 2016). NOVAS DESCOBERTAS Estudante, leia este artigo de Tiago Reis, o qual mostra as eficiências dos mercados em relação ao conceito macroeconômico de ótimo de Pareto. Como esse conceito pode beneficiar um agente desse mercado? Leia mais sobre assunto https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6612 UNICESUMAR 217 No mundo real, existem características que dificultariam ou, até mesmo, impos- sibilitariam a obtenção da produção ótima por meio do setor privado. O governo emerge como um elemento capaz de intervir na alocação de recursos e atua para- lelamente ao setor privado, procurando estabelecer a produção ótima dos bens e serviços que satisfaçam às necessidades da sociedade. É oportuno apresentar que o processo de mercado é tema que marca as obras de grande parte dos autores da escola austríaca. Sendo o desígnio do nosso trabalho reconhecer os cenários econô- micos, é apropriado entender que a economia recorre a diversas formas de pensar. E, ao tratar das questões da economia de mercado e da economia como um todo, é profícuo, estimada aluna, estimado aluno, recorrer “aos ombros de gigantes”, como Ronald Coase, Douglas North, Oliver Williamson, Geoffrey Hodgson, Joseph Alois Schumpeter, Friedrich Hayek, Paul Krugman, Amartya Sen — não houve qualquer ordem para apresentar esses nomes —, entre outros tantos nomes relevantes que não estão citados aqui, mas que não são menos importantes. Joseph Schumpeter (1883-1950) Friedrich Hayek (1899-1992) Ronald Coase (1910-2013) Douglass North (1920-2015) Oliver Williamson (1932-2020) Amartya Sen (1933) Geo�rey Hodgson (1946) Paul Krugman (1953) Figura 4 - Grandes economistas / Fonte: adaptada de Wikipédia ([2021a]; [2021b]; [2021c]; [2021d]; [2021e]; [2021f]; [2021g], on-line) e Wikimedia ([2021b], on-line). Descrição da Imagem: a Figura 4 apresenta um quadro com oito fotografias dos grandes nomes da economia mundial. Da direita para a esquerda, são eles Joseph Schumpeter (1883-1950), Friedrich Ha- yek (1899-1992), Ronald Coase (1910-2013), Douglass North (1920-2015), Oliver Williamson (1932-2020), Amartya Sen (1933), Geoffrey Hodgson (1946), Paul Krugman (1953). UNIDADE 5 218 Riani (2016) elenca quatro pontos que podem ser considerados como falhas do mecanismo de mercado para atender às necessidades da sociedade. Observe, a seguir, na Figura 5: FALHAS DO SISTEMA DE MERCADO INVISIBILIDADE DO PRODUTO EXTERNALIDADES CUSTOS DE PRODUÇÃO DECRESCENTES E MERCADOS IMPERFEITOS RISCOS E INCERTEZAS NA OFERTA DE BENS Figura 5 - Falhas do Sistema de Mercado / Fonte: a autora. 1. Indivisibilidade do produto: os bens indivisíveis são aqueles cujos benefícios não podem ser individualizados, tornando ineficaz o esta- belecimento dos preços via sistema de mercado. Esses bens têm como características principais a não exclusividade e a não rivalidade. A defesa nacional é um exemplo. É indiscutível a necessidade de o país ter um apa- rato bélico que dê segurança à sua população e mantenha a sua soberania. Para esse serviço, porém, não haveria a possibilidade de serem estabele- cidos preços no mercado, porque, com a universalização do benefício, parte da população poderia não estar disposta a pagar por ele, embora usufruísse do seu benefício. Descrição da Imagem: a Figura 5 apresenta as quatro falhas do sistema de mercado: da direita para a esquerda, a invisibilidade do produto, as externalidades, os custos de produção decrescentes e mercados imperfeitos e os riscos e as incertezas na oferta de bens. UNICESUMAR 219 2. Externalidades: as ações de determinada unidade poderão acusar perdas ou ganhos nas ações de outras unidades. Esses são os efeitos externos que podem existir tanto nas unidades de consumo quanto na de produção e podem ser negativos ou positivos. Um exemplo clássico é a poluição. Embora a externalidade possa surgir em termos de perdas ou ganhos, no caso da poluição, seu efeito sobre o consumo é frequentemente negativo. O governo poderá, também, por meio dos mecanismos de incentivo e de gasto, contribuir para a diminuição das externalidades negativas e criar um grupo de atividades que propicie à sociedade uma série de externa- lidades positivas. Investimentos feitos, por exemplo, na área de educação trarão à sociedade, como um todo, maiores benefícios, que, por sua vez, causarão externalidades positivas à medida que se tem uma sociedade mais educada, instruída e com melhores opções de emprego. 3. Custos de produção decrescentes e mercados imperfeitos: a partici- pação do governo no sentido de prover à sociedade aqueles bens desejá- veis que as empresas privadas não seriam capazes de oferecer lucrativa- mente já era defendida há tempos pelos economistas. Esses tipos de bens são, por natureza, essencialmente de custos decrescentes. O alto nível tec- nológico associado à especialização e à divisibilidade produz economias de grande escala de produção em muitas firmas. Esse desenvolvimento tecnológico traz consigo a concentração de mercado com algumas fir- mas, dominando alguns mercados regionais e nacionais. Assim, tem-se que o alto nível tecnológico causa economias de escala que, por sua vez, trazem o decréscimo do custo de produção, tendo como consequência a concentração do mercado. Isso causa uma situação de imperfeição nomercado, que será composto por poucos vendedores, quebrando, assim, uma das condições básicas do mercado de concorrência perfeita e, por conseguinte, o equilíbrio geral. 4. Riscos e incertezas na oferta de bens: a falta de conhecimento perfeito por parte dos vendedores e dos compradores relacionada com os riscos do mercado, a falta da perfeita mobilidade dos recursos, a incerteza quanto à maximização dos lucros por parte das firmas e a escassez de determinados recursos produtivos, particularmente, os recursos naturais são caracte- UNIDADE 5 220 rísticas do mundo real que mostram a inviabilidade do atendimento de alguns dos pressupostos requeridos para se atingir a produção ótima de todos os bens econômicos necessários e desejados pela sociedade. A falta de conhecimento perfeito do mercado poderia fazer com que um bem econômico (necessário e desejado) não fosse produzido pelo mercado; o risco e a incerteza poderiam resultar na inexistência de determinadas atividades, embora elas fossem necessárias e desejáveis. A incerteza sobre a lucratividade de determinadas atividades é uma forma de revelar o não perfeito conhecimento do mercado e, por conseguinte, a dificuldade de se obter alocação ótima de acordo com as preferências da sociedade e os interesses dos produtores. Em outros casos, os investimentos necessários envolvem volumosos montantes financeiros não disponíveis ao setor privado, e há situações nas quais são longos os períodos de maturação do projeto. Existem determinadas atividades que são indispensáveis ao desenvolvimento do País ou ao bem-estar da sociedade, que, pelas ra- zões apresentadas anteriormente, não seriam oferecidas no mercado se não houvesse a intervenção do governo. Isso não significa que somente o governo deve produzir esses recursos diretamente, já que, por meio de outros mecanismos, tais como incentivos, subsídios etc., ele pode fazer com que recursos privados sejam alocados nessas atividades, a fim de que haja uma melhora no bem-estar da sociedade. Assim, os riscos e as incertezas são características que violam os pressupostos da concorrência perfeita, justificando, portanto, a participação do governo na alocação dos recursos na economia ou na sociedade. Você pode estar lendo este material de forma sequencial ou lendo por uma ordem escolhida de forma personalizada para o seu melhor aproveitamento. Não fará diferença no resultado final, que é o conhecimento para tomar decisões diante dos cenários econômicos. Fato é que, nesse ponto, você interliga as outras uni- dades ao perceber que política monetária, política fiscal e política cambial são instrumentos utilizados pelas autoridades do país para encarar esses obstáculos que surgem a partir da forma como nos organizamos economicamente. As falhas descritas anteriormente constituem, destarte, as principais barreiras à obtenção da alocação ótima dos recursos por intermédio do sistema de mercado, justifi- cando, portanto, a intervenção do governo. UNICESUMAR 221 Para contextualizar a política fiscal no nosso aprendizado, na Unidade 3, já antecipamos as funções que podem ser exercidas pelo Estado no intuito de cor- rigir ou minimizar as falhas ocorridas no sistema de mercado, buscando atender, de forma mais universalizada, às demandas que compõem o conjunto de bens e serviços da sociedade. São elas: A alocação dos recursos por parte do governo tem como objetivo principal a oferta de bens e serviços necessários e desejados pela sociedade e que não são providos pelo sistema privado. O ajustamento na distribuição da renda e da riqueza traz fatores como oportunidade educacional, mobilidade social, habilidade individual, mercado de trabalho, propriedades dos fatores de produção etc. levam, dentro de uma economia de livre mercado, à desigualdade na apropriação da renda e da riqueza gerada pelo sistema econômico. A função de estabilização do governo utiliza instrumentos macroeconômicos para manter certo nível de utilização de recursos e estabilizar o valor da moeda. Figura 6 - Elementos que compõem o conjunto de bens e sociedade / Fonte: a autora. Caso o mundo pudesse ser completamente descrito pelas hipóteses do modelo de concorrência perfeita, não haveria nenhum motivo para que o governo utilizasse o seu poder coercitivo de forma a limitar o universo de escolha dos agentes. Os teo- remas do bem-estar garantiriam que a ação dos agentes econômicos geraria uma situação em que seria impossível elevar o bem-estar de um agente sem reduzir o bem-estar de outro, situação conhecida como ótimo de Pareto. A alocação dos recur- sos, o ajustamento na distribuição da renda e da riqueza, bem como a estabilização Descrição da Imagem: a Figura 6 apresenta três elementos que compõem o conjunto de bens e socieda- de. São eles: alocação dos recursos, ajustamento na distribuição da renda e da riqueza e estabilização do governo. Da esquerda para a direita, iniciemos com a alocação dos recursos por parte do governo, que tem como objetivo principal a oferta de bens e serviços necessários e desejados pela sociedade e que não são providos pelo sistema privado. Depois, vem o ajustamento na distribuição da renda e da riqueza, o qual traz fatores como oportunidade educacional, mobilidade social, habilidade individual, mercado de trabalho, propriedades dos fatores de produção etc., que levam, dentro de uma economia de livre mercado, à desigualdade na apropriação da renda e da riqueza gerada pelo sistema econômico. E, por último, a função de estabilização do governo, que utiliza instrumentos macroeconômicos para manter certo nível de utilização de recursos e estabilizar o valor da moeda. UNIDADE 5 222 do governo são as funções atribuídas ao governo, visando corrigir ou minimizar as falhas ocorridas no sistema de mercado, buscando atender, de forma mais univer- salizada, às demandas que compõem o conjunto de bens e serviços da sociedade. Barrionuevo Filho e Lucinda (2004) assinalam que, em uma sociedade de- mocrática, cuja ordem econômica é baseada na livre iniciativa, é um direito da cidadania a liberdade de empreender. Consequentemente, o Estado só deve li- mitar esse direito tendo em vista outros imperativos. Nesse sentido, a perspectiva econômica se dá sobre a regulação enquanto preventiva para o abuso de poder econômico, em setores nos quais características técnico-econômicas dificultam a existência de concorrência, seja ela efetiva, de outras empresas já estabelecidas ou, mesmo, potencial, de empresas que poderiam entrar no mercado. Assim, para evitar que a situação de domínio de mercado propicie o abuso contra o direito de outros, seja de consumidores, seja de empreendedores que gos- tariam de prestar esses serviços, o Estado intervém. Colocado esse fundamento básico da regulação, discute-se, agora, a visão econômica da regulação. O papel regulador dos mercados, por meio do Estado, que, por sua vez, se dá pelas leis, órgãos fiscalizadores e das agências reguladoras, deve melhorar as condições de oferta de bens e serviços aos consumidores e assegurar condições justas de concorrência às empresas. Trilharemos, cara aluna, caro aluno, pelos mercados em que há poucas empresas concorrendo, em que é alto o risco da ocorrência de acordos ilegais entre os pro- dutores que desfavorecem as condições de qualidade e preço, os chamados cartéis. UNICESUMAR 223 Verificaremos se os mercados bem regulados oferecem mais segurança para os investimentos das empresas. Refletiremos, também, se mercados mais seguros para os investimentos crescem mais, geram mais empregos, mais renda e tributos de forma contributiva para o crescimento da economia como um todo. Você sabia que não é em todos os mercados que pode haver concorrência e que, em alguns, é bem melhor que existam poucos produtores oferecendo um produto ou um serviço do que milhares de ofertantes? Isso acontece porque a eficiência na operação de certas atividades eleva a produtividade, faz cairos pre- ços e só ocorre com uma escala mínima de operação; em alguns casos, essa escala mínima eficiente só acontece com uma empresa, por isso, duas ou mais empresas tornariam os produtos mais caros do que apenas uma. Quando a escala mínima de operação é muito grande e o mercado comprador não é tão grande assim, mais de um ofertante gera perda de eficiência operacional e eleva os custos médios de produção, causando um aumento no preço de venda dos produtos para garantir margens mínimas de lucros que deem viabilidade econômi- ca à produção. Perceba, então, que a concorrência nem sempre é vantajosa em todos os mercados, pois alguns deles exigem grandes estruturas produtivas para atingir escalas mínimas de produção. Logo, a existência de mercados com uma, duas ou três empresas produzindo para abastecer o mercado não é rara, e, em alguns casos, é preferível a muitas empresas pequenas, pois reduz os preços de oferta. Quando ocorre uma alta concentração da oferta em uma ou poucas empresas e, principalmente, quando os produtos ou serviços são essenciais à população, ocorre a necessidade de regulação desses mercados concentrados. Assim, cabe ao Estado o papel de protetor dos interesses dos compradores, garantindo preços compatíveis com os custos de produção e qualidade compatível com os padrões mínimos estabelecidos. Existe, no mundo, desde 1960, o Cartel da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) para negociar, em grupo, diante dos grandes compradores mundiais do produ- to e evitar pressões para a queda de preços por parte dos compradores. Seus membros atuam em conjunto para definir a quantidade de petróleo que deve ser produzida e, em virtude da grande participação na produção de petróleo consumido no mundo, definem, também, o preço de mercado para o mundo. EXPLORANDO IDEIAS UNIDADE 5 224 Repare que o Estado tem um papel fundamental para a regulação dos merca- dos e para a garantia de condições eficientes de concorrência e, para isso, deve constituir uma estrutura de regulação e fiscalização da concorrência. No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e as agências de regulação setorial são os principais responsáveis por definir normas concorrenciais, execu- tar a legislação e punir as empresas que infringem as leis e normas que regulam a atuação delas no mercado. “ É antiga e célebre a noção segundo a qual todo poder deve ser limita- do nas sociedades democráticas. O Estado de Direito e a separação de poderes se constroem com base nessa premissa, em lógica normativa que se estende também às relações econômicas (BRASIL, 2013, p. 13). Em uma economia cada vez mais aberta e dinâmica, as autoridades de defesa da concorrência precisam ser ágeis para regular os mercados. Ferreira (2015) sinaliza o mercado como uma instituição econômica formada pela existência de oferta e de demanda por um produto ou serviço. Para o estabelecimento de um mercado, é necessário, portanto, que algo exista e que seja útil para satisfazer as necessidades de alguma pessoa. É dentro da perspectiva da utilidade — lembre-se da revolução marginalista — do bem a ser ofertado que se gera um fluxo de demanda compatível com o preço que os ofertantes desejam receber para vende-lo, e esse preço está associado ao custo de produzi-lo e aos lucros esperados com sua venda. Logo, o preço de mercado é aquele que satisfaz os interesses de lucros dos ofertantes e as necessidades dos com- pradores. Assim, quando é definido no mercado, o preço estabelece um equilíbrio de interesses entre os vendedores e os compradores em relação às quantidades de oferta e de demanda. Contudo, quando só existe um vendedor de um produto essencial, ele não poderia abusar do seu poder de mercado para obter vantagens indevidas? NOVAS DESCOBERTAS Estudante, conheça o site do Conselho Administrativo de Defesa Econômi- ca (Cade) e explore, pelo menu de acesso, várias informações que constam nessa página. Sei que você terá muito interesse para conhecer um pouco mais sobre esse conselho. Acesse o QR Code. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6478 UNICESUMAR 225 Sim, os monopólios, que são os únicos ofertantes em um mercado, geralmente, estabelecem preços que favorecem maiores lucros para as empresas, causando prejuízos econômicos aos compradores. Perceba que nem mesmo em mercados com muitos ofertantes o preço de mercado representa um equilíbrio justo de forças, pois podem ocorrer acordos entre os produtores para determinar o preço mínimo que estes devem praticar para garantir margens maiores para todos. Esses acordos são chamados cartéis e são ilegais, mas sua prática geralmente se disfarça em associações ou organizações. Assim, perceba que o livre mercado permite que compradores e vendedores confrontem seus interesses, ou seja, há uma interação entre oferta e demanda. Essa relação estabelecida no mercado é formadora do preço. Contudo, essa di- NOVAS DESCOBERTAS No final do ano de 2020, procuradores de dez estados norte-americanos entraram com uma ação contra o Google por abuso de monopólio em anún- cios on-line. A coalizão multiestadual alega que a gigante de tecnologia su- perfaturou anúncios e “derrotou” rivais que tentaram desafiar o domínio da empresa. Veja a matéria na íntegra. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/6480 UNIDADE 5 226 nâmica muda para cada estrutura de mercado. Caso não haja um desequilíbrio de forças, o preço de mercado será o preço mais justo para ambas as partes. Con- tudo, quando há um desequilíbrio de forças entre compradores e vendedores, o preço de mercado não reflete justiça e gera um ganho exagerado para um lado do mercado à custa de prejuízos ao outro lado. Algumas estruturas de mercado favorecem a concorrência e reduzem as si- tuações de abuso de poder econômico; ao contrário, outras mais concentradas favorecem o exercício do poder de controlar preços e condições de oferta. Como se dá essa correlação de forças entre o poder econômico dos vendedores em cada uma dessas estruturas? É possível definir estrutura de mercado, a partir de Mendes (2009, p. 103), como “as características organizacionais de um mercado, ou seja: grau de concen- tração, grau de diferenciação do produto, grau de dificuldade ou barreira à entra- da”. Estrutura de mercado, portanto, é como chamamos a formação da oferta e da demanda no mercado. A oferta pode ser formada por um vendedor, por grupos de vendedores ou até milhares de pequenas empresas. Para cada mercado, haverá, então, uma estrutura diferente, seja porque existem diferentes quantidades de ofertantes, seja porque a participação de mercado de cada um é diferente também. São três as estruturas básicas de mercado: concorrência perfeita, mono- pólio e oligopólio. No entanto, existem outras! Essas estruturas refletem uma diferença na quantidade de vendedores no mercado, com implicações, também, no nível de concorrência en- tre as empresas que vendem produtos iguais ou parecidos e na capacidade de controle ou manipulação do preço por parte das empresas que detêm maiores participações no mercado. Especificaremos, primei- ramente, a concorrência perfeita. UNICESUMAR 227 Trata-se da estrutura mercadológica na qual existem tantos vendedores e compradores que nenhum pode afetar o preço do mercado. É um ideal econômi- co basicamente para fins didáticos, uma vez que são tantos os fatores de igualdade a serem respeitados para que realmente exista a concorrência perfeita que os casos reais de mercado mais se caracterizam como a concorrência competitiva. Os parâmetros dessa igualdade de condições entre compradores e vendedores da concorrência perfeita permitem entender como a perda ou redução no nível de um deles reduz a concorrência no mercado. a) Grande número de vendedores e de compradores: nenhum deles deve ter a capacidade de alterar os preços do mercado ao alterar seus níveis de oferta ou de demanda. b) O produto ou serviço ofertado no mercado deve ser idêntico para