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TEORIA GERAL DO DIREITO PENAL I Profa. Titular Ana Elisa Liberatore Silva Bechara SEMINÁRIO 02. Bem jurídico-penal O caso Ana Clara e Juliana mantêm um relacionamento há quase dezesseis anos. Desde que se conheceram, ainda quando cursavam direito, compartilham o desejo de ter filhos, pretendendo, para isso, recorrer às técnicas de reprodução assistida. Ao longo dos anos, ambas cogitaram em diversos momentos colocar em prática esse plano, mas as circunstâncias sempre acabavam as desencorajando: recém- formadas, se consideraram muito novas para tamanha responsabilidade; depois, julgavam melhor aguardar suas carreiras deslancharem; em 2016, Juliana sofreu um acidente de carro e permaneceu por mais de um ano com dificuldades de mobilidade; e assim por diante. Em meados de 2021, de comum acordo, ambas decidiram que o plano de ter filhos não podia mais esperar. Chegaram à conclusão de que o momento ideal nunca chegaria; além disso, ambas se aproximavam dos quarenta anos de idade, de modo que, a cada ano, as chances de um procedimento bem-sucedido diminuíam. O procedimento, elas sabiam, era extremamente custoso. Há alguns anos, Ana Clara pediu demissão do escritório onde trabalhava e passou a se dedicar exclusivamente ao estudo para concursos, já que pretendia se tornar juíza. Ainda assim, Juliana recebia um excelente salário e possuía algumas economias, de modo que imaginava conseguir arcar com o procedimento sem maiores problemas. Ana Clara e Juliana chegaram a consultar algumas clínicas especializadas, mas, no final de 2021, tiveram mais um revés: como um reflexo tardio da economia, Juliana acabou demitida em um corte generalizado de pessoal realizado pela empresa na qual trabalhava, comprometendo a capacidade financeira do casal em arcar com o procedimento. Ao mesmo tempo, sem nenhuma fonte de renda estável, ambas consideravam irresponsável “queimar” todas as economias com a fertilização. Juliana sentiu-se particularmente responsável pelo impasse, já que havia sido ela quem se comprometera a garantir financeiramente tanto o procedimento quanto sua futura família, e sabia que elas não podiam mais se dar ao luxo de esperar. Foi nesse contexto que, em janeiro de 2022, certo dia Juliana deparou-se com um grupo de Facebook que anunciava a chamada “inseminação caseira”. Interessada, ela descobriu que o homem responsável, Marcos, cobrava apenas R$ 300,00 (trezentos reais) para realizar o que ele chamava de “tentativa”. Esse dinheiro, como ele mesmo esclarecia no grupo, não era destinado a obter qualquer tipo de lucro, mas sim cobrir as despesas com material e acomodação daquelas que o procuravam. Ele recebia as interessadas em sua casa e, na prática, “alugava” um de seus quartos para elas, que, após realizar a tentativa, pernoitavam. Juliana levou a ideia até Ana Clara, que concordou. Todas as tratativas foram realizadas pela internet e, no dia marcado, ambas se dirigiram até o endereço que Marcos havia fornecido. Chegando lá, ele as levou até o quarto designado, para que se acomodassem, e mostrou a elas seu mais recente exame, datado de apenas três dias antes, no qual constava que Marcos não possuía qualquer doença sexualmente transmissível. Também explicou que, para preservar a privacidade do casal, entregaria o esperma a Ana Clara que, com o auxílio de uma seringa e uma cânula que ele havia adaptado especialmente para este fim, faria a inseminação em Juliana. Na sequência, ele foi até outro quarto e, após ejacular, pediu que sua esposa levasse o recipiente, a seringa e a cânula até Ana Clara. Ambas passaram a noite na casa de Marcos e, no dia seguinte, o pagaram e foram embora. Ocorre que os vizinhos de Marcos há tempos notavam uma movimentação estranha na residência. Não foi difícil, após uma rápida busca na internet, encontrar o grupo de Facebook que Marcos gerenciava e descobrir do que se tratava. Suspeitando que na prática poderia residir algum ilícito, os vizinhos se dirigiram até a delegacia mais próxima e relataram o que sabiam à autoridade policial, que imediatamente instaurou um inquérito. No curso da investigação, foi autorizada a busca e apreensão na residência, onde os policiais encontraram diversos materiais que Marcos utilizava para a inseminação. A polícia também localizou cerca de uma dúzia de mulheres que haviam engravidado em decorrência da inseminação caseira realizada com auxílio de Marcos. Uma vez concluídas as diligências policiais, Marcos foi denunciado pelos crimes de exercício ilegal da medicina (art. 282), infração de medida sanitária preventiva (art. 268) e adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 272). Em face do exposto, os grupos de acusação e defesa devem elaborar memoriais e preparar-se para sustentação oral em relação à denúncia exclusivamente pelo crime de infração de medida sanitária preventiva oferecida em desfavor de Marcos. O grupo de acusação deverá pleitear a condenação, enquanto o grupo da defesa deverá buscar a absolvição. Posteriormente, os juízes e as juízas devem elaborar suas sentenças à vista da descrição do caso e dos argumentos apresentados pelas partes. Observações As partes deverão elaborar as teses de acusação e defesa a partir dos fatos descritos, sem modificá-los ou agregar-lhes novas informações. Os argumentos deverão ser elaborados a partir do conteúdo do respectivo ponto da disciplina. Neste caso, portanto, a formulação das teses deve ser desenvolvida a partir dos estudos sobre a teoria do bem jurídico. As teses devem ser fundamentadas no conteúdo apresentado em sala de aula, bem como nos textos indicados pelos monitores, sem prejuízo de outras fontes que podem ser agregadas pelo grupo, desde que pertinentes ao tema em discussão. Os Monitores estarão à disposição para a retirada de dúvidas e prestação de auxílio à elaboração da linha argumentativa. Bibliografia BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas do direito penal. Lineamentos de uma teoria do bem jurídico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 5, jan-mar/1994, p. 5-24. BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. Bem Jurídico-Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 221-237. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Princípio da precaução, direito penal e sociedade de risco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 61, jul-ago/2006, p. 44-121.
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