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INTRODUÇÃO À RADIOLOGIA AULA 1 Profª Amanda Posnik 2 CONVERSA INICIAL Nesta etapa, vamos explorar a história da radiologia desde sua descoberta, falaremos sobre os raios X e sua produção, os fundamentos da radiologia convencional e as práticas de proteção radiológica. TEMA 1 – HISTÓRIA DA RADIOLOGIA Quando uma pessoa busca um atendimento médico, independentemente da situação, sabe-se quase que intrinsecamente quais procedimentos básicos serão realizados. Retirando os processos burocráticos de cadastro e avaliação, primeiramente teremos uma consulta com um médico, que avalia sinais e sintomas, seguido de um ou várias solicitações de exames. Depois de realizados, variando o tempo conforme a urgência, há o retorno ao médico para um possível diagnóstico, seguido de tratamento. Essas etapas são tão esperadas, que quando anuladas, causa grande estranheza e desconfiança por parte do paciente. Afinal, como se pode chegar a um diagnóstico preciso sem realizar nenhum exame antes? Contudo, devemos recordar que para a história da medicina os exames de imagem são um acontecimento “recente”, e que anteriormente os médicos não possuíam nenhum método ou equipamento que possibilitasse uma visualização do interior do corpo humano. Por causa dessa "carência", casos de patologias internas, perfuração por objetos e traumas eram raramente diagnosticados corretamente, sendo que, em situações gravíssimas, os pacientes eram submetidos a cirurgias observatórias. Ressaltando que essas cirurgias eram arcaicas, comparadas com a metodologia atual, e existia pouco ou nenhum cuidado para evitar hemorragias ou infecções resultantes pela falta de higienização, que resultava na amputação e no óbito do paciente. A história da radiologia se inicia com Wilhelm Conrad Roentgen, nascido em 27 de março de 1845, na Alemanha, filho de comerciantes em Lennep. Apesar de ter tido um início conturbado na sua carreira escolar, Roentgen conquistou o diploma de engenheiro mecânico pela Universidade de Zurique. Decidiu seguir carreira acadêmica aceitando o cargo de assistente de seu antigo professor, que, em 1874, foi transferido para a Universidade de Estrasburgo, levando-o consigo. 3 Sua linha de estudo sempre esteve vinculada com pesquisas e aplicações de diferentes temperaturas em diversos materiais, mesmo trocando novamente de instituição em função de cargos melhores. Retornou à Universidade de Wurzburg, em 1888, como professor de física, pois possibilitava melhores condições de pesquisa devido a seus laboratórios amplamente equipados, sendo nomeado reitor da instituição em 1894. Em 8 de novembro de 1895, Roentgen estava em seu laboratório realizando estudos, reproduzindo as pesquisas anteriores sobre os raios catódicos, quando tentou observar se os raios saiam de dentro da ampola de Crookes (Figura 1), onde eram produzidos. Ao cobrir a ampola com um cartão preto no laboratório escuro, observou que uma placa de platinocianureto de bário brilhava ao longe, toda vez que a corrente elétrica era ligada na ampola. Figura 1 – Wilhelm Conrad Roentgen e a Ampola de Crookes Crédito: Sergey Kohl/Adobe Stock/Sergey Merkulov/Shutterstock. Roentgen repetiu o feito diversas vezes, incluindo diversos materiais e obstáculos entre a placa e a ampola de Crookes; contudo, todas as vezes a placa brilhou, exceto para platina e chumbo. Em uma das trocas de materiais, o físico observou que o contorno dos seus ossos da mão aparecia na placa. Crente que havia descoberto uma nova forma de luz, iniciou novos testes com campos elétricos e magnéticos, aprofundando a investigação por sete semanas. No dia 22 de dezembro de 1895, Anna Bertha Roentgen, esposa do professor, participou do estudo a pedido do marido, posicionando sua mão esquerda sobre uma placa fotográfica. Por aproximadamente 15 minutos 4 Roentgen expôs a mão de Anna aos raios misteriosos, sendo ao final observável na placa os ossos de sua mão e a sombra do anel que usava, realizando, assim, a primeira imagem “interna” do corpo humano. Com o objetivo de nomear o fenômeno posteriormente, depois de mais estudos, batizou os raios com a incógnita matemática X, porém, quando divulgou sua pesquisa provisória para a Universidade de Wurzburg e seu trabalho ganhou destaque, o nome se popularizou e ficou conhecido como raios X. A comunidade médica ficou tão impressionada que a descoberta se alastrou pela Europa como pólvora, sendo propagada para o resto do mundo por telégrafo a partir de Londres. Roentgen realizou diversas “radiografias” em público nos meses seguintes. Não patenteou a descoberta, mas ganhou diversos prêmios e condecorações, sendo o mais importante o Nobel de física, em 1901, doando o dinheiro para a universidade em que era reitor. Faleceu no dia 10 de fevereiro de 1923, em Munique, onde foi cremado juntamente a seus objetos pessoais, comparecendo à cerimônia diversos cientistas e estudiosos da Europa. A popularização dos raios X permitiu novas vertentes de pesquisa, alguns estudos foram direcionados a novos diagnósticos, outros para tratamentos de neoplasia das mamas e feridas na pele. Um ano após sua descoberta, já eram amplamente incorporados na rotina de atendimento médico, sendo construídos "laboratórios de raios X” em hospitais que atualmente seriam o setor de radiologia e imaginológicos das instituições. Em terras brasileiras, os raios X chegaram formalmente um ano após a sua descoberta, sendo relatado em uma tese de doutorado em medicina no Rio de Janeiro apresentada por Adolpho Carlos Lindenberg. Contudo, contrariando a linha de desenvolvimento no Brasil, o primeiro equipamento de radiologia foi instalado em Minas Gerais, na cidade de Formiga. O equipamento da Siemens foi comprado pelo médico brasileiro José Carlos Ferreira Pires, em 1897, e instalado no hospital da cidade que não possuía rede elétrica; desse modo, o equipamento teve que ser adaptado a um sistema de gerador a gasolina para operar. Esse fato revela uma gigante desvantagem dos equipamentos à época, a rede elétrica precária afetava diretamente o tempo de exame, sendo que levava aproximadamente 30 minutos para uma radiografia de tórax. 5 Um dos grandes destaques na radiologia no Brasil foi o médico Manoel Dias de Abreu, que auxiliou no combate à tuberculose, doença que assolou o país dos anos 1930 a 1940, com alta mortalidade, por meio da criação de um equipamento de radiografia que permitia exames em massa da população, ficando conhecida com abreugrafia. Os profissionais que operavam os equipamentos de radiologia sempre foram ensinados na prática, com pouco ou nenhum conhecimento além da boca a boca da rotina de atendimento. Para realizar o trabalho era somente necessário o equivalente ao ensino fundamental atual, e o "técnico" atual ensinava a profissão. Já a especialização médica foi formalizada nos anos 1950, engajada principalmente pelo médico Nicola Casal Caminha que realizava aulas semanalmente em seu consultório para alunos e médicos iniciantes (Francisco, 2016). TEMA 2 – RAIOS X Os raios X são uma forma de radiação eletromagnética de alta energia, não sendo percebidos por nenhum sentido humano, pois são propagados além da nossa capacidade de observação. Essa radiação possui comprimentos de onda entre 0,01 e 10 nanômetros (Figura 2) e frequências superiores às radiações ultravioleta, ou seja, acima de 1018 Hertz. Figura 2 – Espectro das radiações Fonte: Polina Kudelkina/Shutterstock. 6 Essas características trazem às radiações eletromagnéticas e, por consequência, aos raios X, algumas propriedades únicas: • não possuem massa ou peso, pois são constituídos de energia; • não possuem carga elétrica, positiva ou negativa; desse modo, não interagem com campos elétricos ou magnéticos; • propagam-se no vácuo na velocidadeda luz (300.000 Km/ s), porém em qualquer outro meio ocorre a perda de energia variando conforme a espessura e o peso atômico do meio; • propagam-se em toda e qualquer direção, contudo, sempre em trajetória reta, sem curvas; • possuem comportamento e propriedades de onda e partículas, sendo difratados como ondas, mas também podem ser detectados como partículas individuais (fótons); • apresentam a capacidade de ionizar átomos, ou seja, podem remover elétrons de um átomo criando íons, sendo assim chamadas de radiação ionizante; • podem causar danos aos sistemas biológicos, alterando o metabolismo celular e promovendo quebras cromossômicas; • são capazes de tornar alguns materiais fluorescentes e provocar alterações químicas em outras, formando imagens; • conseguem penetrar em corpos opacos à luz, podendo ser absorvidos de diferentes formas de acordo com o material, essa característica possibilita a formação de imagens radiográficas. TEMA 3 – RADIOLOGIA CONVENCIONAL A mais antiga das modalidades da radiologia que emprega raios X obtém imagens do corpo humano por meio da atenuação da radiação, sendo um procedimento rápido e de baixo custo, indicado para avaliação de diversas patologias, como fraturas ósseas, luxações, artroses, doenças pulmonares, tumores, entre outras. Esse exame consiste no posicionamento do paciente entre uma fonte de raios X e um detector de imagens, sendo necessário que o feixe de radiação penetre e atravesse a região estudada chegando ao detector. Desse modo, os raios X interagem com os tecidos internos do corpo sendo atenuados de 7 diferentes formas, o detector capta os sinais distintos e os transforma em uma imagem bidimensional em tons de cinza (Bontrager; Lampignano, 2015). 3.1 Equipamento de radiologia convencional fixo Diariamente o equipamento fixo de raios X é um dos mais empregados na rotina médica para diagnóstico devido à sua qualidade de imagem, rapidez e baixo custo. São por conceito instalados em uma sala de exames (Figura 3), específica e preparada, para sua utilização com segurança e o máximo de mobilidade possível. O equipamento fixo é o que possui mais componentes, quando comparado com os outros aparelhos de radiografia convencional. Todas as peças funcionam em conjunto para oferecer maior mobilidade, para facilitar a realização de exames em todas as regiões do corpo humano em diferentes posições. Independentemente da marca ou modelo do equipamento, todos possuem uma variação básica dos componentes que serão descritos a seguir (Bontrager; Lampignano, 2015). • Ampola de raios X: localizada dentro da cúpula do equipamento, é fabricada em vidro temperado, resistente a altas temperaturas, e fechada a vácuo. Contém em seu interior dois eletrodos: o cátodo e o ânodo, responsáveis pela geração de radiação; • Cúpula: estrutura de chumbo que barra parte da radiação gerada dentro da ampola e auxilia no resfriamento dos componentes. Em sua parte inferior, possui uma janela de vidro para a passagem do feixe de radiação e seu direcionamento; • Colimadores: acoplado perto da janela de saída está o sistema de colimação que limita o feixe de radiação para uma área específica do corpo ou objeto sendo examinado. Isso ajuda a reduzir a exposição desnecessária à radiação; • Estativa: estrutura metálica que possibilita a movimentação da cúpula e da ampola de raios X, em diferentes direções; • Gerador de alta tensão: dispositivo responsável por alimentar e controlar a tensão necessária para gerar radiação; 8 • Mesa: local que permite posicionar e alinhar o paciente em exames realizados em decúbito (deitado); • Mural (bucky): possui as mesmas funções que a mesa, porém em exames em ortostase (em pé); • Painel de comando: permite a seleção dos parâmetros básicos de controle e acionamento da radiação. É instalado longe do equipamento, tendo sempre uma barreira de blindagem para proteger o profissional da radiação; • Detector de radiação: variando conforme o tipo de sistema de formação de imagem, esse componente é responsável por detectar a radiação incidente e transformá-la em sinais elétricos para produzir a imagem; • Computador/software: processam os sinais elétricos enviados pelos detectores, produzindo uma imagem radiográfica da estrutura ou objeto a que foi exposto à radiação. Figura 3 – Equipamento fixo em uma sala de exames Legenda: 1 – Cúpula; 2 – Colimadores; 3 – Estativa; 4 -Mesa; 5 – Mural; 6 – Painel de comando e biombo de proteção. Crédito: Tyler Olson/Shutterstock. 3 1 2 6 4 5 9 3.2 Equipamento de radiologia convencional móvel Existe também um equipamento de raios X móvel (Figura 4) empregado quando o paciente se encontra em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) ou em leitos hospitalares, e que devido à sua condição clínica não pode ser transportado até o setor de radiologia. Equipado somente com a fonte de radiação e detector de imagem, é movimentado por meio de um sistema de rodas, juntamente a uma carcaça metálica leve. Figura 4 – Equipamento de raios X móvel Crédito: BigTunaOnline/Shutterstock. Por apresentar elementos básicos para a geração de uma imagem radiográfica, o equipamento móvel produz um exame de qualidade inferior quando comparado a um equipamento fixo de sala. Desse modo, mesmo sendo um aparelho de menor custo por lei, ele não pode substituir o equipamento fixo. 3.3 Equipamento de radiologia convencional portátil No mercado de equipamentos radiológicos existe também o equipamento de raios X portátil (Figura 5), que possui, aproximadamente, 9 a 12 kg, e o tamanho de uma valise. Apresenta baixa capacidade de produção de radiação, 10 normalmente com até 100 mA de corrente elétrica. Devido ao seu tamanho muito menor e mais leve, de fácil transporte, pode ser levado para qualquer lugar, podendo ser utilizado em situações de urgência em locais de difícil acesso, onde não há energia elétrica. Contudo, é amplamente empregado na radiologia veterinária nas regiões da cabeça, pescoço e membros de grandes animais, e para qualquer parte nos animais pequenos. Figura 5 – Equipamento de raios X portátil Crédito: Ivan Babydov/Shutterstock. TEMA 4 – PRODUÇÃO DE RAIOS X Para entender como são produzidos os raios X, precisamos relembrar como é a estrutura e o funcionamento de um átomo. Qualquer coisa que ocupe um lugar no espaço, independentemente de tamanho ou de estado físico, é considerada matéria; e se é matéria, é constituída por átomos, sendo sempre o átomo a menor parte que compõe a matéria. O átomo é composto por um núcleo central, que contém prótons e nêutrons, cercado por elétrons que orbitam em torno do núcleo (eletrosfera). Os prótons são partículas com carga positiva (+), enquanto os elétrons têm carga negativa (-) e os nêutrons não têm carga elétrica. A carga positiva do núcleo é 11 equilibrada pela carga negativa dos elétrons, o que mantém o átomo neutro (Nouailhetas, 2012). O número de prótons determina o número atômico do elemento, que, por sua vez, determina as suas propriedades químicas. O número de nêutrons pode variar dentro de um mesmo elemento, gerando isótopos diferentes com propriedades físicas distintas para um mesmo elemento. Já o número de elétrons varia, podendo ganhar ou perder conforme o meio e as reações ao redor, contudo, se o número de elétrons for diferente do de prótons, o átomo não será mais eletricamente neutro. Na eletrosfera de um átomo, os elétrons orbitam em torno do núcleo devido à atração da força eletromagnética, mas também são repelidos pelas cargas negativas de outros elétrons que ocupam as mesmas camadas de orbitais. Os elétrons podem ocupar sete camada distintas (K, L, M, N, O, P e Q) que correspondem à energia que cada elétron tem, sempre que, quanto mais externa for a camada, mais energia os elétrons presentestêm (Okuno; Yoshimura, 2010). Se um elétron absorve energia suficiente, ele pode saltar para uma camada de maior energia, ficando em um estado excitado. No entanto, esse estado é instável, e o elétron tende a voltar para o seu estado original, liberando energia na forma de luz ou calor. Os raios X se originam na eletrosfera a partir de dois fenômenos físicos fundamentais, a radiação característica e a radiação de freamento, que veremos a seguir. 4.1 Radiação característica A radiação característica (Figura 6) é gerada quando uma fonte externa de energia interage com um elétron de um dos orbitais mais internos do átomo (camada K), que, por sua vez, é ejetado, deixando um “buraco” na camada eletrônica. Para preencher essa lacuna, e estabilizar o átomo, um elétron de uma camada mais externa ocupa esse espaço, liberando energia na forma de um fóton de radiação eletromagnética. 12 Figura 6 – Ilustração demonstrando os raios X característicos Crédito: KarinR/Adobe Stock. Esse fóton liberado tem uma energia igual à diferença entre as energias dos orbitais inicial e final. A energia dos fótons de radiação característica é específica para cada elemento químico, o que significa que a radiação pode ser usada para identificar o elemento que a emitiu; além disso, a intensidade da radiação é proporcional ao número de átomos que emite radiação característica, permitindo a quantificação de determinado elemento presente em uma amostra (Okuno; Yoshimura, 2010). 4.2 Radiação de freamento A radiação de Bremsstrahlung ou freamento (Figura 7), ou também chamada de radiação de frenagem, ocorre quando um elétron (-) passa próximo a um núcleo atômico, ele é atraído pelo campo elétrico positivo do núcleo. Isso faz com que o elétron mude sua trajetória, desacelerando e perdendo energia cinética. De acordo com a lei da conservação da energia, esta energia perdida pelo elétron deve ser emitida na forma de radiação eletromagnética. A energia da radiação emitida é diretamente proporcional à energia cinética perdida pelo elétron. Portanto, elétrons que são desacelerados com maior intensidade (ou seja, que perdem mais energia cinética) emitem fótons com energias maiores. O elétron que sofreu alteração continuará em uma nova trajetória, podendo sofrer outras interações atômicas, gerando outros fótons até perder totalmente sua energia inicial. 13 Figura 7 – Raios X de freamento Crédito: KarinR/Adobe Stock. 4.3 Produção de raios X dentro do equipamento Todos os equipamentos eletrônicos que tenham como finalidade produzir raios X, independentemente de sua finalidade, geram essa radiação ionizante sempre da mesma maneira. Dentro desses aparelhos encontra-se uma ampola, ou também chamada tubo de raios X, gera radiação a partir do processo de emissão de elétrons. A ampola (Figura 8) contém um filamento (cátodo) de tungstênio aquecido, que libera elétrons quando uma corrente elétrica é aplicada. Esses elétrons são acelerados por meio de uma diferença de potencial (d.d.p) em direção a um alvo (ânodo) de metal pesado, como o tungstênio ou o molibdênio. Quando esses elétrons atingem o alvo, eles são desacelerados abruptamente, o que resulta na emissão de fótons de alta energia, ou raios X. 14 Figura 8 – Ampola de raios X Crédito: ScientificStock/Adobe Stock. Para produzir raios X de diferentes energias, é possível ajustar a tensão aplicada à ampola (kV) e à corrente elétrica (mAs), além de ser possível adicionar filtros para remover a radiação de baixa energia para melhorar a qualidade da imagem. No entanto, a produção de radiação gera calor excessivo, já que no impacto dos elétrons com o ânodo 1% da energia é transformada em raios X e 99% gera calor. Todo equipamento é fabricado com materiais resistentes a altas temperaturas, sendo que ao redor do tubo de raios X existe um sistema de refrigeração, geralmente composto de óleo mineral que barra a radiação de fuga e auxilia no resfriamento da ampola, suportando temperaturas superiores a 1200°C evitando danos. Os raios X são emitidos em todas as direções a partir do alvo, mas apenas aqueles que passam por meio de uma janela de saída na ampola podem ser utilizados, mantendo a segurança do operador e melhorando a capacidade do equipamento. 15 TEMA 5 – PROTEÇÃO RADIOLÓGICA Os benefícios e aplicações dos raios X eram tão abundantes para a medicina que os envolvidos nas suas práticas possuíam dificuldade para entender seus riscos. Em 1896, Elihu Thompson acabou induzindo uma queimadura por radiação em seus dedos da mão; em 1904, Clarence Dally morreu devido a uma série de complicações causadas por amputações e queimaduras. Com o tempo, jornais e folhetins divulgavam cada vez mais a morte dos profissionais pioneiros da manipulação dos raios X; contudo, a comunidade ainda era bem descrente de seus malefícios. Somente em 1928, com a criação da Comissão Internacional de Proteção Radiológica – ICRP (International Commission on Radiological Protection), foram estabelecidos os primeiros padrões de proteção contra a radiação, sendo ainda responsável pelas pesquisas e desenvolvimento que baseiam grande parte das normativas e leis internacionais até hoje. Foi durante a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento de bombas atômicas e a explosão em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945, que a população mundial percebeu o potencial de destruição da radiação e os perigos que traziam aos seres humanos. Desse modo, intensificou-se a necessidade de compreender e controlar os efeitos da radiação, para que ainda pudéssemos aproveitar seus benefícios. É a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), criada em 1956, que mantém no Brasil as diretrizes e normas sobre o uso de materiais radioativos e de equipamentos emissores de radiação ionizante; porém, é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvissa) que regulariza e fiscaliza a proteção radiológica em serviços de radiodiagnóstico médico e odontológico, bem como em outros setores que lidam com radiações ionizantes. Entre as principais medidas de proteção radiológica, destacam-se o uso adequado dos equipamentos de radiodiagnóstico, a otimização da dose de radiação recebida pelos pacientes e profissionais envolvidos, a qualificação dos profissionais responsáveis pelos procedimentos radiológicos, a adoção de medidas de segurança para prevenir a exposição acidental ou ocupacional à radiação e a implementação de medidas de gestão e controle de qualidade em radiodiagnóstico. 16 Além disso, a normativa da Anvisa determina que os serviços de radiodiagnóstico devem possuir um Plano de Proteção Radiológica, que contempla medidas de proteção radiológica para pacientes, profissionais e ambiente, bem como ações de gerenciamento de resíduos radioativos e de emergências radiológicas. Estabelece critérios para a dosimetria individual dos profissionais expostos à radiação e para o registro e monitoramento das doses de radiação recebidas pelos pacientes submetidos a procedimentos radiológicos. Atualmente, a proteção radiológica é cientificamente estabelecida com o objetivo de proteger os seres humanos e o meio ambiente dos efeitos nocivos das radiações ionizantes, sem perder suas vantagens. Ela se baseia em três principais princípios fundadores: • justificação: qualquer exposição à radiação ionizante deve possuir um benefício maior que equivale aos riscos que ela gera; • otimização: todas as exposições devem ser realizadas mantendo as doses de radiação menores possíveis sem prejudicar os resultados, seguindo o princípio Alara: As Low As Reasonably Achievable; • limitação de dose: a dose de radiação não deve exceder os limites recomendados pelas normativas, excluindo-se as exposições médicas de pacientes. Que a radiação ionizante causa danos aos seres humanos, todosjá sabem, mas como isso acontece? Toda vez que uma pessoa é exposta a alguma forma de radiação ionizante, a primeira interação é sempre no nível atômico, pois a energia dos raios X pode excitar os elétrons presentes nos átomos do corpo humano, provocando a quebra de moléculas importantes para o funcionamento das células. Nos seres vivos, as células executam funções específicas de forma organizada, quando uma molécula danificada pela radiação atua, a função celular é prejudicada, podendo funcionar incorretamente ou parar de funcionar, resultando em desajustes funcionais ou na morte daquela célula. Mesmo que o organismo humano possua diversos tipos de células, a grande maioria compartilha os mesmos componentes celulares, como núcleo, citoplasma, membrana plasmática e organelas. A parte mais importante da célula é o núcleo, 17 pois é nele que se concentra o DNA, responsável por toda informação hereditária (Okuno; Yoshimura, 2010). Quando necessário, a célula entra em processo de divisão celular, o DNA presente em seu núcleo fica mais exposto; se nesse momento ocorrer exposição à radiação, o DNA, que é uma molécula, pode não transferir corretamente o material genético dessa célula, causando um erro genético. A probabilidade de lesão é muito baixa, porém os erros podem se concentrar em diversas células sem nenhuma função prejudicada ou sintoma imediato. Entretanto, se o erro genético não for corrigido pelo organismo, ele se perpetua nas gerações celulares seguintes podendo prejudicar seu funcionamento, sendo essa a primeira etapa para a formação de um câncer. Diversos estudos comprovam que hábitos de vida influenciam muito mais no desenvolvimento de uma neoplasia, mas observa-se que a probabilidade de uma célula irradiada desenvolver câncer é maior que o de uma célula não irradiada (Okuno; Yoshimura, 2010). As células do corpo humano têm diferentes sensibilidades à radiação, com as células mais sensíveis sendo aquelas que se dividem com mais frequência, como as células do sangue, do trato gastrointestinal e dos folículos pilosos. Não são todas as mutações radioinduzidas que evoluem automaticamente para câncer. O corpo humano possui, graças ao processo evolutivo, um sistema enzimático responsável pela análise e reparo das moléculas do DNA; desse modo, nem todas as alterações introduzidas pela ação das radiações progridem para um dano biológico no corpo exposto. Os efeitos biológicos que um ser humano desenvolve após ser exposto à radiação ionizante podem ser classificados diferentemente dependendo de alguns fatores. Se a dose de radiação ionizante variar, podemos classificar em efeitos determinísticos e estocásticos. Os determinísticos são causados por altas doses de radiação em pouco tempo, sempre aumentando a gravidade e levando à morte celular. São exemplos: eritema, descamação, bolhas e necrose. Já os estocásticos são criados por pequenas doses de radiação, conforme mais exposições o indivíduo sofre maior é a chance de ele desenvolver algum efeito, destacando-se o câncer. Podemos classificar também pelo tempo que o organismo vai demonstrar sinais ou sintomas depois de uma exposição à radiação. Efeitos imediatos ocorrem após altas doses de radiação, sendo a manifestação depois de horas 18 ou dias, são exemplos radiodermite e alopecia. Efeitos tardio demoram anos a aparecer e são gerados por baixas doses, um exemplo é o câncer. A classificação em função de nível de dano varia conforme o tipo de célula exposto à radiação. Sendo somáticos, os efeitos gerados por danos provocados a quaisquer células do organismo, manifestando-se no indivíduo que recebeu a radiação. Alguns exemplos desse efeito são o câncer e a catarata. E os efeitos genéticos são aqueles provocados nas células germinativas (óvulos ou espermatozoides). Nesse caso, o efeito atinge os descendentes (filhos) do indivíduo irradiado. Os principais exemplos são as mutações genéticas e as malformações. Deve ser ressaltado que mesmo que duas pessoas recebam a mesma dose de radiação, não vão apresentar os mesmos efeitos, pois a idade, o sexo e o estado físico do indivíduo influenciam da reparação biológica dos tecidos do corpo humano. Claro que se o indivíduo não se expor desnecessariamente, seguir as regras e normativas e utilizar corretamente os equipamentos de proteção não há motivos para temer a radiação ionizante. NA PRÁTICA Dos muitos exames realizados na rotina hospitalar a radiografia de tórax tem seu destaque, pois possibilita um amplo diagnóstico e um acompanhamento da evolução clínica do paciente. Porém, quando um paciente da UTI não pode ser movido até o setor de radiologia com segurança, ele não realiza o exame? Nessa situação, o profissional de radiologia se descola até a UTI e realiza o exame no paciente utilizando o equipamento de raios X móvel do setor. FINALIZANDO A utilização dos raios X na medicina foi um marco para o diagnóstico e tratamento de diversas patologias desde 1895 até hoje, pois revolucionou o modo de ver o corpo humano. Atualmente, é uma ferramenta tão fundamental para a tomada de decisões médicas que é inconcebível não utilizá-la no dia a dia de atendimento. 19 REFERÊNCIAS BONTRAGER, K. L.; LAMPIGNANO, J. P. Tratado de Posicionamento Radiográfico e Anatomia Associada. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. BUSHONG, S. Ciência Radiológica: Física. Biologia e Proteção. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. FRANCISCO, F. C. et al. História da radiologia no Brasil. Revista Imagem, v. 28, n. 1, p. 63-66, 2006. Disponível em: <http://www.imaginologia.com.br/dow/upload%20historia/A-Hist%C3%B3ria-da- Radiologia-Brasileira.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2023. FRANCISCO, F. C. et al. Radiologia: 110 anos de história. Revista Imagem, v. 27, n. 4, p. 281-286, 2005. Disponível em: <http://www.imaginologia.com.br/dow/upload%20historia/Radiologia-110-anos- de-Historia.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2023. JUNIOR. A. C. Posicionamento Radiográfico. São Paulo: Rideel, 2012. MOURÃO, A. P. Fundamentos da Radiologia e Imagem. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2009. NOUAILHETAS, Y. et al. Radiações Ionizantes e a vida. 1. ed. Rio de Janeiro: CNEN, 2012. OKUNO, E; YOSHIMURA, E. M. Física das radiações. São Paulo: Oficina de Textos, 2010. SPR. Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. História da Radiologia. 2020. Disponível em: <https://www.spr.org.br/a-spr/historia-da- radiologia>. Acesso em: 23 mar. 2023. Conversa inicial TEMA 2 – RAIOS X TEMA 3 – RADIOLOGIA CONVENCIONAL 3.1 Equipamento de radiologia convencional fixo 3.2 Equipamento de radiologia convencional móvel 3.3 Equipamento de radiologia convencional portátil 4.1 Radiação característica 4.2 Radiação de freamento 4.3 Produção de raios X dentro do equipamento Na prática FINALIZANDO