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RESUMO PARA ETP 1 Abaixo estão alguns trechos dos textos utilizados durante o primeiro semestre da disciplina de Psicodiagnóstico, com os destaques em amarelo evidenciando o que foi considerado importante, além do uso de fontes e cores diferentes para os comentários, transcrições e observações feitas em aula. Leitura do capítulo 1 do livro “Diagnóstico Psicológico – A Prática Clínica” CONTEXTO GERAL DO DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO Marília Ancona-Lopez O termo “diagnóstico” - Sentido amplo e restrito A palavra diagnóstico origina-se do grego diagnõztikôe e significa discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de. Compreendido dessa forma, o diagnóstico é inevitável, pois, sempre que explicitamos nossa compreensão sobre um fenômeno, realizamos um de seus possíveis diagnósticos, isto é, discernimos nele aspectos, características e relações que compõem um todo, o qual chamamos de conhecimento do fenómeno. Para chegarmos a esse conhecimento, utilizamos processos de observações, de avaliações e de interpretações que se baseiam em nossas percepções, experiências, informações adquiridas e formas de pensamento. É nesse sentido amplo que a compreensão de um fenômeno se confunde com o diagnóstico do mesmo. Em sentido mais restrito, utiliza-se o termo diagnóstico para referir-se à possibilidade de conhecimento que vai além daquela que o senso comum pode dar, ou seja, à possibilidade de significar a realidade que faz uso de conceitos, noções e teorias científicas. Quando procuramos ler determinado fato a partir de conhecimentos específicos, estamos realizando um diagnóstico no campo da ciência ao qual esses conhecimentos se referem. Neste livro trataremos do diagnóstico psicológico, O diagnóstico psicológico busca uma forma de compreensão situada no âmbito da Psicologia. Em nosso País, é uma das funções exclusivas do psicólogo garantidas por lei (Lei n.° 4119 de 27-8-1962, que dispõe sobre 2a formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo). PSICODIAGNÓSTICO Outras funções exclusivas são a orientação e seleção profissional, orientação psicopedagógica, solução de problemas de ajustamento, direção de serviços de Psicologia, ensino e supervisão profissional, assessoria e perícias sobre assuntos de Psicologia. Quando nos dispomos a realizar um psicodiagnóstico, presumimos possuir conhecimentos teóricos, dominar procedimentos e técnicas psicológicas. Como são muitas as teorias existentes, e nem sempre convergentes, a atuação do psicólogo em diagnóstico, assim como nas outras funções privativas da profissão, varia consideravelmente. Em outras palavras, é porque a atuação profissional depende de uma forma de conhecimento, método de estudo e procedimentos utilizados — considerando que na Psicologia estes são muitas vezes incipientes —, que se encontram muitas concepções e estruturações diferentes do diagnóstico psicológico. O próprio uso do termo varia, de acordo com essas concepções. Encontra-se, muitas vezes, ao invés de “diagnóstico psicológico”, a utilização dos termos “psicodiagnóstico”, “diagnóstico da personalidade”, “estudo de caso” ou “avaliação psicológica”, Cada um desses termos é utilizado preferencialmente por grupos de profissionais posicionados de formas diferentes diante da Psicologia. Assim, antes de nos propormos a atuar profissionalmente, será interessante explicitarmos sobre que fenômenos pretendemos atuar, quais serão os referenciais teóricos, os métodos e procedimentos a utilizar. A PSICOLOGIA CLÍNICA E AS ABORDAGENS PSICODIAGNÓSTICAS O termo Psicologia Clínica foi utilizado, pela primeira vez, eu 1896, referindo-se a procedimentos diagnósticos utilizados junto à clínica médica, com crianças deficientes físicas e mentais. O interesse por esse diagnóstico surgiu a partir do momento em que as doenças mentais foram consideradas semelhantes às doenças físicas. Passaram, então, a fazer parte do universo de estudo da ciência, e não mais da religião, como anteriormente, quando eram consideradas castigos divinos ou possessões. Pareadas com as doenças físicas, foi necessário observar as doenças mentais, verificar sua existência como entidades específicas, descrevê-las e classificá-las. Dessa forma, a par da Psiquiatria, atividade médica destinada a combater a doença mental, desenvolveu-se a Psicopatologia, ou seja, o ramo da ciência voltado ao estudo do comportamento anormal, definindo-o, compreendendo seus aspectos subjacentes, sua etiologia, classificação e aspectos sociais. Do mesmo modo, a par do desenvolvimento da Psicologia, isto é, do estudo sintomático da vida psíquica em geral, desenvolveu-se a Psicologia Clínica, como atividade voltada à prevenção e ao alívio do sofrimento psíquico, A BUSCA DE UM CONHECIMENTO OBJETIVO A forma de atuação inicial em psicodiagnóstico refletir a postura predominante, na época, entre os cientistas. Estes consideravam possível chegar-se ao conhecimento objetivo de um fenômeno, utilizando uma metodologia baseada em observação imparcial e experimentação. Esta postura, na qual a confirmação de hipóteses se baseia em marcos referenciais externos, conhecida em sentido amplo como postura positivista, predominou principalmente no continente americano, Dentro dessa orientação, desenvolveram-se o modelo médico de psicodiagnóstico, o modelo psicométrico e o modelo behaviorista. O MODELO MÉDICO O trabalho em diagnóstico psicológico junto aos médicos marcou o início da atuação profissional. Houve uma transposição do modelo médico para o modelo psicológico. Este adquiriu algumas características: enfatizou os aspectos patológicos do indivíduo, usando como quadros referenciais as nosologias psicopatológicas e enfatizou uso de instrumentos de medidas de determinadas características do indivíduo. As dificuldades encontradas nessa abordagem ligaram-se ao fato de que os quadros sintomáticos nem sempre se adequam ao quadro apresentado pelo sujeito. Além disto, os mesmos sintomas podiam ter muitas vezes causas diversas e, vice-versa, as mesmas causas podiam provocar diferentes sintomas. Do Ponto de vista do psicólogo, a grande ênfase nos aspectos psicopatológicos deixava em segundo plano características não-patológicas do comportamento das pessoas, limitando o estudo e o conhecimento sobre o indivíduo. Apesar dessas dificuldades, utilizam-se até hoje classificações psicopatológicas, principalmente no que se refere aos grandes grupos nosológicos. Convém lembrar que, dentro da Psicopatologia, há diferentes classificações, e estas obedecem a diferentes critérios. A utilização de critérios classificatórios justifica-se, porém, pela busca de uma linguagem comum. O MODELO PSICOMÉTRICO O desenvolvimento dos testes foi, aos poucos, estabelecendo um campo de atuação exclusivo para o psicólogo e garantindo sua identidade profissional, embora precária, já que condicionada à autoridade do médico a quem cabia solicitar esses testes e receber os resultados dos mesmos. Na atuação, foi com o uso de testes, principalmente junto a crianças, que os psicólogos ganharam maior autonomia. Nesse trabalho, esforçavam- se por determinar, através dos testes, a capacidade intelectual das crianças, suas aptidões e dificuldades, assim como sua capacidade escolar. O MODELO BEHAVIORISTA A fim de poder aplicar o método das ciências naturais, necessitavam de um objeto de estudo observável e mensurável, e declararam o comportamento observável como o único objeto possível de ser estudado pela Psicologia. Consideraram que o comportamento humano não decorre de características inatas e imutáveis, mas é aprendido, podendo ser modificado. Passaram a estudá-lo, preocupando-se em alcançar as leis que o regem e as variáveis que nele influem, a fim de se poder agir sobre ele, mantendo-o, substituindo-o, modelando-o ou modificando-o. Os behavioristas criaram formas próprias de avaliação do comportamento a ser estudado. Não utilizaram o termo "psicodiagnóstico”,valendo-se dos termos “levantamentos de repertório” ou “análises de comportamento”. 1.2.2. A IMPORTÂNCIA DA SUBJETIVIDADE O homem não pode ser estudado como um mero objeto, fazendo parte do mundo, pois o próprio mundo não passa de um objeto intencional para o sujeito que o pensa. Desse modo, os métodos das ciências naturais não poderiam ser transpostos para as ciências humanas, já que estas possuem características específicas. Esta forma de pensar foi marcante para a Psicopatologia e para a Psicologia. No campo desta última, deu origem à Psicologia Fenomenológico-existencial e à Psicologia Humanista. Todas essas correntes afirmam que a consciência, a vida intencional, determina e é determinada pelo mundo, sendo fonte de significação e valor. Salientam o caráter holístico do homem e sua capacidade de escolha e autodeterminação. Partindo dessa posição frente ao homem e â ciência, inúmeras escolas surgiram e encararam de formas diversas a questão do psicodiagnóstico. O HUMANISMO Para os humanistas, os procedimentos diagnósticos são artificiais. Constituem-se em racionalizações, acompanhadas de julgamentos baseados em constructos teóricos que descaracterizam o ser humano. Esses psicólogos não se utilizam de diagnósticos e de testes, considerando que, através do relacionamento estabelecido com o cliente, durante a psicoterapia ou aconselhamento, alcançam um a compreensão do mesmo. A PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Algumas correntes da Psicologia Fenomenológico-existencial reformularam a visão do psicodiagnóstico. Para estes psicólogos, os dados obtidos em entrevistas e /o u em testes podem ser úteis e trazer informações a respeito das pessoas, ajudando-as no caminho do autoconhecimento. Esses dados devem ser discutidos diretamente com os clientes, estabelecendo-se com os mesmos as possíveis conclusões. Apesar de empregarem testes e informações derivadas de diferentes correntes do conhecimento psicológico, utilizam-nas apenas como recursos ou estratégias a serem trabalhadas com os clientes. O psicodiagnóstico é considerado mais do que um estudo e avaliação. Salienta-se o seu aspecto de intervenção, diluindo-se os limites que separam o psicodiagnóstico da intervenção terapêutica. Uma das contribuições do psicodiagnóstico interventivo, na abordagem fenomenológica-existencial, está na reavaliação do papel desempenhado pelo cliente e pelo psicólogo nesta situação. O cliente, antes agente passivo, torna-se um parceiro ativo e envolvido no trabalho de compreensão e eventual encaminhamento posterior: é corresponsável pelo trabalho desenvolvido. A reavaliação da atitude do psicólogo levou a uma mudança de postura. O psicólogo não é mais o técnico, o detentor do saber que procura oferecer respostas às perguntas trazidas pelos pais. Seus conhecimentos teóricos, técnicos e os provindos de sua experiência pessoal representam apenas outro ponto de vista. A PSICANÁLISE A Psicanálise provê uma revolução na Psicologia, explicitando o conceito de inconsciente e explicando, através de processos intrapsíquicos, os diferentes comportamentos que procura compreender. Através da ótica psicanalítica, rediscutem- se a determinação psíquica, a dinâmica da personalidade, reveem-se os com portamentos psicopatológicos, sua origem e prognóstico. Embora, desde o início, os estudos psicológicos tenham se preocupado em definir e conhecer a personalidade, foi a Psicanálise que propôs o complexo mais completo de formulações sobre sua formação, estrutura e funcionamento. 1.2.3. A PROCURA DE INTEGRAÇÃO Todas as abordagens em Psicologia, que surgiram e foram se desenvolvendo ao longo do tempo, têm seus equivalentes atuais. Isto quer dizer que. hoje, entre os psicólogos, encontramos aqueles que atuam a partir de conceitos do homem e da ciência positivistas, fenomenológico-existenciais, humanistas e psicanalíticos. Estas seriam as grandes tendências encontradas em Psicologia. Podemos dizer que, apesar de apresentarem diferenças fundamentais, muitas vezes se interseccionam, não sendo sempre possível detectar as fronteiras entre as mesmas. Apesar dos diferentes marcos referenciais, a conceituação de cada uma dessas tendências é muito ampla e cada uma delas apresenta inúmeros desdobramentos, de tal forma que, na prática da Psicologia e, portanto, na prática do psicodiagnóstico, temos, como já foi dito, várias formas de atuação, muitas das quais não podem ser consideradas decorrentes exclusivamente de um a ou de outra dessas abordagens. Em outras palavras, quando olhamos concretamente para a Psicologia Clínica, verificamos grandes variações de conhecimentos e atuações.. Atualmente, todas as correntes em Psicologia concordam, embora partindo de pressupostos e métodos diferentes, que, para se compreender o homem, é necessário organizar conhecimentos que digam respeito à sua vida biológica, intrapsíquica e social, não sendo possível excluir nenhum desses horizontes. 1 3 1. A PRÁTICA DO PSICODIAGNÓSTICO Na prática da Psicologia Clínica visa-se, basicamente, a aliviar o sofrimento psíquico do cliente. Na prática do psicodiagnóstico, o objetivo é organizar os elementos presentes no estudo psicológico. de forma a obter uma compreensão do cliente a fim de ajudá-lo. 1.3.2. O CONTEXTO DA ATUAÇÃO O maior desenvolvimento dos modelos de psicodiagnóstico atuais deu-se em consultórios privados, no atendimento a uma clientela socialmente privilegiada. A valorização do psicólogo como profissional liberal contribuiu para a preferência pela atuação autônoma, em detrimento da atuação em instituições. Nestas, a mera transposição dos modelos de psicodiagnóstico utilizados em consultórios, mostrou-se ineficiente. A situação passou a incluir, além do psicólogo e do cliente, um terceiro elemento, a instituição, que modificou a estruturação do trabalho. Nem sempre a instituição, os psicólogos e os clientes apresentam necessidades e objetivos coincidentes. A atuação em psicodiagnóstico prevê o conhecimento das necessidades do cliente. Questões éticas propõem ao psicólogo o conhecimento e a elaboração de suas próprias necessidades e desejos, a fim de que os mesmos não interfiram no trabalho profissional, prejudicando-o. Consideramos necessário que as influências institucionais sejam reconhecidas também. O psicólogo, ao atuar em creches, hospitais, presídios e outras organizações, encontra-se frequentemente sob orientação estranha aos interesses de sua profissão. Apesar da regulamentação prever, como função exclusiva do psicólogo, a direção de serviços de Psicologia, essa regulamentação nem sempre é respeitada. A procura do serviço psicológico decorre de encaminhamentos de terceiros, verificando- se raramente a busca espontânea. A expectativa, nesses casos, é de adequação rápida às exigências exteriores. O profissional nem sempre encontra a seu dispor as técnicas mais adequadas ao caso em atendimento. A maioria das técnicas à disposição foi desenvolvida em outros países, e o acesso às mesmas depende de sua divulgação e comercialização. A obtenção de certos materiais implica em alto custo financeiro. Nessa situação, com poucos instrumentos disponíveis, o psicodiagnóstico pode transformar-se na repetição estereotipada de um a sequência fixa de testes, que nem sempre seriam os escolhidos pelo profissional, ou os que melhor serviriam ao cliente. O PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO FENOMENOLÓGICO- EXISTENCIAL GRUPAL COMO POSSIBILIDADE DE AÇÃO CLÍNICA DO PSICÓLOGO PAULO EVANGELISTA Observações: Prática que inclina-se para acolher o sofrimento humano e o reconduzir ao bem- estar (resgate de sentido) O domínio do saber deixa de ser o único lugar seguro O psicólogo passando a atuar como um mediador e não mais como um detentor do saber Funda-se tendo a perspectiva fenomenológica como referencial. Pois considera que a condição que constitui o sujeito é relativa e revela-se pelo encontro com o outro.Frequentemente os pacientes precisam se deslocar de longe, gastando o dinheiro contado para condução, para, após dois ou três meses, terem confirmado pelo psicólogo que realmente precisam de um atendimento psicológico. Não é a toa que muitos pacientes desistem do atendimento nas clínicas-escola antes de o iniciarem; com o longo tempo de demora na fila de espera, ou os sintomas desaparecem, ou buscam atendimento em outros lugares. Esse é, portanto, outro aspecto do psicodiagnóstico tradicional que, quando usado em contextos institucionais, exige reformulações. No consultório particular ele funciona. Aliás, é do modelo de consultório particular que provém. Mas em clínicas-escola e outras instituições voltadas para o atendimento de pessoas que não dispõem de recursos para atendimentos particulares, esse modelo não se adéqua. Esse modelo de psicodiagnóstico nasceu nos consultórios particulares, mas não se adéqua à situação de atendimento nessas instituições, aonde as pessoas vêm buscando ajuda para lidar com as dificuldades atuais. Ancona-Lopez (1984) lembra que as pessoas nem se preocupam com o nome do serviço psicológico que estão re- cebendo; o que lhes importa é conseguir lidar com o sofrimento atual. Mas o psicólogo que realiza o psicodiagnóstico no modelo tradicional acaba por desconsiderar o pedido de ajuda, postergando “a intervenção, empobrecendo um encontro rico de possibilidades” (p. 32). A rt ig o - R e la to s d e P e s q u is a PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO Perguntas não são intervenção. Elas podem ter efeito terapêutico, a medida em que foca no cliente. Assim, o questionamento deste modelo de psicodiagnóstico surge a partir do encontro com a realidade institucional que encontra. O psicodiagnóstico interventivo aparece como uma modalidade de prática psicológica mais adequada para atender a clientela das clínicas-escola. Por um lado, segue o mesmo objetivo do psicodiagnóstico tradicional, a saber, compreender o que ocorre, o comportamento interpretado como problemático, e para responder ao pedido de modificação por meio de intervenção do psicólogo, indicando o encaminhamento mais adequado, caso necessário. Quando em 2008 entrei pela primeira vez para supervisionar um grupo de estagiários de psicodiagnóstico interventivo na UNIP, deparei-me com um modo completamente diverso de prática psicológica, cujo objetivo geral é esse apresentado acima. O grupo era composto por doze estagiários, que formavam duplas. Eles me informaram que em poucos minutos receberíamos seis famílias, previamente chamadas pela clínica-escola, para o psicodiagnóstico. Ao longo do processo fui descobrindo e compreendendo o sentido deste psicodiagnóstico. Primeiramente, as sessões eram realizadas em grupo. Isso é muito enriquecedor neste processo, pois possibilita aos pais e responsáveis que ouçam as suas histórias, as compreensões que têm dos comportamentos de seus filhos e os modos como já tentaram lidar com os comportamentos tidos como problemáticos. Yehia (1996) indica que o lugar do psicólogo é o de compreender a pergunta, mas neste contexto em que os interessados são coautores de seu processo, o conhecimento teórico e técnico do psicólogo passa a ser apenas mais um ponto de vista. Trata-se de um ponto de vista embasado em pesquisas e observações que possibilita a organização dos fenômenos clínicos e o desvelamento de um sentido que articule uma compreensão do sofrimento atual, a ser trançado com o saber proveniente dos clientes. No caso do embasamento fenomenológico existencial, o psicólogo contribui com a perspectiva de que o cliente está, a seu modo, respondendo à indeterminação de sua existência e à tarefa de ser, buscando o sentido desse modo. É responsabilidade do psicólogo criar o contexto de aparição de fenômenos clínicos (setting), ou seja, o campo no qual o que aparecer será usado para compreender o sentido da vivência do cliente articulado ao sofrimento que motivou a procura. Também cabe ao psicólogo, em função de sua maior mobilidade e liberdade, coordenar o processo de busca de ajuda psicológica pela família, indicando avaliações concomitantes para esclarecer o pedido se forem necessárias. Um dos aspectos principais do psicodiagnóstico interventivo é a liberdade para acompanhar o desvelamento do fenômeno que o psicólogo tem diante de si. Por isso, a abordagem psicológica mais pertinente é a fenomenologia existencial. Liberdade não quer dizer falta de delimitações. Quer dizer que se buscam constantemente modos de acesso que facilitem o desvelamento do sentido do sofrimento apresentado. Isso é um dos fundamentos da fenomenologia: “o sentido específico do logos, só poderá ser estabelecido a partir da ‘própria coisa’ que deve ser descrita, ou seja, só poderá ser determinado cientificamente segundo o modo em que os fenômenos vêm ao encontro” (Heidegger, 1998, p. 65). Por isso, não há técnicas previamente delineadas. O atendimento aos pais e às crianças (no caso de psicodiagnóstico infantil) é uma ‘ferramenta’ adequada, pois a situação grupal facilita a manifestação dos modos de se relacionar. Assim, no psicodiagnóstico interventivo se alternam sessões dos pais e dos filhos. DESVELANDO OS MUNDOS DA CRIANÇA será de fato agressiva ou reage agressivamente quando sente que seu espaço foi invadido? Será que se sente à vontade para brincar com crianças mais velhas ou mais novas, embora não com crianças de sua idade? Em grupo pode-se observar tudo isso. E essa observação, diferentemente do modelo tradicional de psicodiagnóstico, que seria de coleta de dados para formulação de uma compreensão pelo psicólogo para posterior devolutiva e encaminhamento, possibilita que, imediatamente, intervenha- se na situação, investigando e convidando novos modos de ser e estar com outros. Outras possibilidades de investigação sobre a situação existencial daquele que busca ajuda psicológica são os testes psicológicos (também são prerrogativa do psicólogo) e visitas domiciliar e escolar. O psicodiagnóstico interventivo considera importante a visita escolar por esta revelar, como a domiciliar, outro mundo habitado pela criança. Ademais, é a oportunidade de conversar com outras pessoas que convivem com a criança – professor, diretor, cuidador, etc. – sobre as compreensões que têm da criança e de seus comportamentos, assim como implicá-los em novos modos de lidar com a criança, sendo esse o caso. A visita escolar também possibilita uma compreensão dos significados imbricados na organização espacial e física da escola, assim como os valores que sustentam o cotidiano escolar. Há espaço para as crianças brincarem? Como é esse espaço? A escola é limpa, organizada? Como é o barulho? etc. Estes aspectos não têm significados ‘em si mesmos’, mas podem contribuir para a compreensão global do ser-no-mundo infantil quando confrontados com outros aspectos advindos das situações de observação lúdica, diálogo com os responsáveis, visita domiciliar, etc (Maichin, 2006). Não se trata de uma nova modalidade que surge de uma especulação teórica. Conforme mencionado há pouco, a população que procura os serviços de clínicas-escola investe seus recursos nesse processo. No modelo tradicional do psicodiagnóstico, a família saía do processo com a confirmação de que precisava de um psicólogo, mas que teria que retornar para iniciar o processo interventivo quando fosse chamada. A proposta de que o psicodiagnóstico seja também uma intervenção surge da compreensão da especificidade do público que busca este serviço, sendo, portanto, fenomenológica. Ao mesmo tempo em que oferece uma ajuda, tal como está sendo buscada, possibilita a compreensão sobre a situação atual e a abertura de novas possibilidades. Isso favorece, inclusive, que o encaminhamento proposto seja seguido. No Centro de Psicologia Aplicada (clínica-escola) da UNIP, os vários pacientes quechegam encaminhados pelo psicodiagnóstico referem-se a esse processo como tendo sido caracterizado por importantes mudanças. PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO COMO AÇÃO CLÍNICA Esta modalidade se propõe a acolher a experiência daquele que busca o psicólogo, favorecendo “uma visão mais clara de si mesmo e de sua perspectiva ante a problemática que vive e que gera um pedido de ajuda” (Mahfoud, 1987, p. 76) a partir das possibilidades do próprio cliente no momento em que a procura pelo serviço psicológico acontece Esse modo de compreender a intervenção em ambas modalidades está sustentado na fenomenologia-existencial, que concebe a ação clínica como “um espaço aberto, condição de possibilidade para a emergência de uma transformação não produzida, mas emergente em forma de reflexão, aqui entendida com quebra do estabelecido e condição necessária para novo olhar poder sur gir” (Barreto & Morato, 2009, p. 50). COAUTORIA DO SABER SOBRE SI Essa perspectiva fenomenológica de intervenção, isto é, disponível para acolher a demanda tal como aparece, a partir de sua própria especificidade, exige do psicólo- go uma modificação na sua postura tradicional. O psicólogo não tem como fazer isto se estiver apoiado no saber científico sobre o outro, a partir do qual elaborará conhecimentos sobre ele. Esta postura exige participação dos envolvidos, o que coloca o psicólogo na mesma condição do paciente: diante de uma situação desconhecida, aberto para o que se manifestar, tendo que destinar o que aparecer. Ou seja, ambos estão no mesmo barco rumo à modi ficação da situação atual. Por fim, é fundamental comentar que ao longo do processo de psicodiagnóstico, são realizadas devolutivas constantes. Elas auxiliam no esclarecimento da demanda e na compreensão da situação, sendo o principal aspecto interventivo deste processo. Levando em conta que os fenômenos aparecem sempre sob um aspecto e que há infindáveis modos de aparecer, no psicodiagnóstico interventivo são demarcadas compreensões que surgem de cada encontro, a fim de que psicólogo e paciente possam conjuntamente considerar o que se apresentou. Do ponto de vista fenomenológico a compreensão já é um modo de ação, dado que abre novas possibilidades. Ademais, é fundamental que as compreensões que surgem nos encontros possam ser partilhadas com os participantes. Isso torna necessário que o psicólogo cuide de que sua linguagem esteja em consonância com a dos participantes. Isto é, jargões psicológicos e linguagem técnica não favorecem a compreensão; pelo contrário, distanciam psicólogo e paciente. (TÁ LIGADO?) Para que a nossa intervenção seja eficiente ela deve pertencer ao campo de possibilidades do cliente. ou seja, se o cliente não tiver repertório e nem vocabulário ele poderá não entender e/ou recusar o que estamos dizendo. No psicodiagnóstico interventivo, a devolutiva com o livro-história é seguida de uma devolutiva final com os pais e responsáveis, que tem o mesmo objetivo da devolutiva às crianças. Contribui para quem se apropriem da compreensão e das possibilidades abertas ao longo do processo. No estágio na UNIP isso tem sido feito através de uma leitura conjunta e discussão do relatório psicológico elaborado pelo estagiário. Esta situação também é de troca. O relatório apresentado não é definitivo, pois as considerações, dúvidas, críticas e correções propostas pelos pacientes compõem a redação final, de modo que, fiel à proposta de que todos são coparticipantes deste processo, até o relatório psicológico é elaborado conjuntamente. CAPÍTULO II PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL Marizilda Fleury Donatelli Este capítulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnóstico interventivo, destacando seus pressupostos. Essa prática postulou diferenças significativas, tanto no que se refere à postura do psicólogo quanto à postura do cliente. Acrescentou-se ao processo, que se caracterizava somente pela investigação, um caráter interventivo. Não se trata apenas de um processo investigativo. O que o caracteriza é a possibilidade de intervenção. Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de atendimento psicológico. O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser satisfeita, seguindo os passos e utilizando instrumentos indicados por outros (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista etc.). O objetivo fundamental de seu contato com o paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos apresentados. Fischer, nos Estados Unidos, nos anos 1970, e M. Ancona-Lopez, no Brasil, na década de 1980, foram as precursoras na introdução do psicodiagnóstico interventivo, o qual, como indica o próprio nome, rompe com o modelo anterior, fazendo do atendimento um processo ativo e cooperativo. No psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial, as questões trazidas pelos clientes são ao mesmo tempo investigadas e trabalhadas, a fim de que se possam construir, em conjunto, possíveis modos de compreendê-las. As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam por propostas devolutivas ao longo do processo, acerca do mundo interno do cliente. São assinalamentos, pontuações, clarificações, que permitem ao cliente buscar novos significados para suas experiências, apropriar-se de algo sobre si mesmo e ressignificar suas experiências anteriores. […] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao paciente durante o processo Psicodiagnóstico por considerarem que o trabalho alcança uma dimensão mais ampla e compreensiva. Também argumentam a favor de devoluções parciais e de realizar um trabalho em conjunto com o paciente. No caso do psicodiagnóstico infantil, esse processo pressupõe a implicação da família na problemática, atribuída à criança, na queixa. Parte da ideia de que, se a criança apresenta um comportamento que atinge os pais, mobilizando-os a procurar por um psicólogo, a família está, de algum modo, envolvida no problema. Além disso, como diz Yehia (1995, p. 118): Não é um diagnóstico unilateral. Paciente e psicólogo chegarão juntos ao entendimento do que está acontecendo. PSICODIAGNÓSTICO COMO PRÁTICA COMPARTILHADA Em tal modalidade de atendimento, o psicólogo compartilha com os clientes suas impressões, permitindo que estes as legitimem ou ainda as transformem. Entende-se que é no compartilhar de experiências e percepções que pode emergir uma nova compreensão, um novo sentido, que possibilite diminuir ou eliminar o sofrimento psíquico da criança e da família. Essa é uma posição derivada da Psicologia Fenomenológica, na medida em que entende o indivíduo, em seu “estar no mundo”, como uma pessoa consciente, capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-se por elas, diante de quem se abre um leque de possibilidades PSICODIAGNÓSTICO COMO PRÁTICA DE COMPREENSÃO DAS VIVÊNCIAS A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de acesso ao mundo do sujeito, a seus objetos intencionais, e aos conflitos nele instalados, considerando-se o esclarecimento dos significados ali presentes como processo necessário para uma possível ressignificação e consequente modificação do modo de estar consigo e com o outro. Quando o psicólogo recebe uma criança encaminhada, é muito importante trabalhar a sua queixa desde o início assim como o significado que essa queixa representa para ela. DESCRIÇÃO DO ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO NA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individualmente, ou com mais frequência, nas instituições. As etapas do processo são as mesmas, em ambos os casos. Nesta descrição, apresento minha forma de trabalhar, individualmente, em psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial. 1. Triagem – identificar /eleição da queixa / encaminhar ou atender 2. Entrevista inicial – entender o caso 3. Anamnese - História de vida da criança (situação psicomotora e social) a. O roteiro de anamnese não é apenas uma coleta de dados, mas uma oportunidade para os pais entrarem em contato com suas experiências passadas e presentes com o filho. Isso ajuda a identificar quais são as expectativas que atuam nessa relação. 4. Contato inicial com a criança (Observação lúdica) a. É possível que durante o contato com a criança apareçam dados que não constaram na queixa inicial. 5. Devolutiva parcial com os pais (orientações e/ou intervenções) 6. Hora lúdica - Encontros com a criança: uso de testes psicológicos 7. Devolutiva parcial 8. Visita domiciliar 9. Visita escolar 10. Devolutiva Parcial 11. Relatório final 12. Devolutiva final para a criança (entrega do livro metáfora para a criança e relatório psicológico para a escola) Para a entrevista inicial convoco somente os pais. Explico que parto da ideia de que se a criança tem uma dificuldade, os pais estão implicados nela, e que, por essa razão, a participação deles no processo é fundamental. Enfatizo que não se trata de um diagnóstico feito somente por mim, mas que buscaremos juntos compreender o que se passa, que eles são parte ativa do atendimento, e que tanto as informações por eles fornecidas como seu modo de entender a criança são essenciais para a efetivação do processo. Explico ainda as visitas domiciliar e escolar que fazem parte do atendimento e que serão realizadas durante seu curso. Combino dia, horário, falo a respeito do sigilo. Certifico-me de que os pais compreenderam minha fala e pergunto-lhes se concordam com o que apresentei. Procuro, por meio de seu discurso, entender as expectativas em relação ao processo. Busco entender os aspectos manifestos e latentes da demanda. Deixo que eles falem sem interrupções. As eventuais dúvidas ou perguntas que tenha a fazer deixo para depois que os pais derem sinal de que concluíram o que tinham para comunicar. ENTREVISTAS CLÍNICAS CAPÍTULO 6 Mary Dolores Ewerton Santiago A entrevista psicológica se constitui, na relação estabelecida entre duas ou mais pessoas dentro de um marco referencial estabelecido, sem perder de vista que ela se caracteriza por ser basicamente uma relação humana. A IMPORTÂNCIA DE UM MARCO REFERENCIAL NA ESTRUTURAÇÃO DA ENTREVISTA Na entrevista inicial é que tem lugar o estabelecimento de um marco referencial. Este tem como finalidade manter constantes certas variáveis que dizem respeito a: 1) objetivos do trabalho; 2) papel do psicólogo; 3) lugar e horário cias entrevistas; 4) duração aproximada do trabalho; 5) honorários (...) o medo do desconhecido que aciona alguns mecanismos de defesa, fazendo com que o psicólogo e o paciente se preparem para a situação de encontro. É, portanto, no contato direto com o paciente, na entrevista inicial, que podemos saber como ele é e por que solicitou a consulta. No caso do diagnóstico infantil, a procura é feita pelos pais ou responsáveis pela criança, sendo esta caracterizada por eles como paciente. Muitas vezes, os pais vêm com a expectativa de que o problema da criança seja solucionado, isto é, consideram a situação diagnóstica como uma situação terapêutica (mágica, evidentemente, uma vez que supõem que os conflitos e sintomas deles decorrentes desapareçam no limitado prazo de tempo em que se realiza o diagnóstico). Isto se dá não só pelo desconhecimento dos pais do que seja um processo psicodiagnóstico e um processo psicoterapêutico, mas também por outras necessidades, tais como: de que o psicólogo se encarregue dos problemas do filho e os trate, ou de que o psicólogo resolva rapidamente a situação que os incomoda. Cabe ao psicólogo investigar estas expectativas no atendimento inicial e ir mostrando-as aos pais, pois, caso contrário, estes sentir-se-ão frustrados, pouco compreendidos em suas necessidades e pouco disponíveis para aceitar os encaminhamentos propostos como necessários para a resolução da problemática apresentada. É claro que nem sempre as expectativas dos pais podem ser explicitadas, ou porque lhes é difícil (“não aguento mais meu filho, cuide dele”) ou porque estão a um nível inconsciente. Nestes casos, é importante que o psicólogo faça alguns assinalamentos não somente para que os pais possam entrar em contato com as suas expectativas, mas também para esclarecer o objetivo do trabalho que está sendo realizado. O psicólogo tem que estar envolvido no processo de psicodiagnóstico, não somente porque ele é uma variável na relação de entrevista (isto porque ele é da mesma natureza de seu objeto de estudo, paciente), mas também porque é a partir da instrumentação da contratransferência que ele pode compreender o paciente. Em outras palavras, a reação emocional, o impacto afetivo que o paciente provoca no psicólogo pode ser útil para este na medida em que o ajuda a compreender os tipos de vínculos que o paciente estabelece e que são, algumas vezes, problemas dos quais ele se queixa. Se o psicólogo não consegue se envolver no processo, isto é, quando se marginaliza, sua compreensão fica mais limitada e lhe impossibilita desenvolver um trabalho com objetividade, Esta depende justamente de sua inserção no processo e das considerações sobre sua pessoa no mesmo. Ainda que o psicólogo tenha a intuição de que não é o verdadeiro motivo da consulta, convém respeitar os limites dos pais e explorar o tema abordado, uma vez que é nele que os mesmos centram sua atenção e, portanto, aquele com o qual o psicólogo pode trabalhar no momento. Iniciar uma investigação por coordenadas que o psicólogo supõe importantes em prejuízo do que manifestamente se expressa como mais relevante na fala dos pais, pode resultar em fracasso por não encontrar motivação ou disponibilidade por parte deles. Por vezes, os pais usam os outros profissionais como intermediários: relatam que “a professora foi que mandou porque ele é inquieto, não presta atenção, não grava nada” . Os próprios pais podem até compartilhar estas queixas, porém as expressam para o psicólogo como sendo de terceiros, para se defender não somente da situação diagnóstica (colocando-se, por exemplo, como meros representantes da professora), mas também da percepção de seu vínculo com o filho. Quando esta situação ocorre é interessante investigar o ponto de vista dos pais e o que eles pensam a respeito do filho. Caso contrário, eles não se envolvem no processo diagnóstico. No caso em que a criança é incluída, a entrevista se limita à queixa, convidando-se também a criança a falar sobre este assunto. Na ocasião, não se faz uma pesquisa sobre o desenvolvimento da criança (se foi desejada, se houve abortos etc.) e nem sobre situações emocionais de tensão, uma vez que ansiedades intensas podem surgir. A entrevista em conjunto restringe-se, então, às queixas e estabelecimento do contrato. ÀS ENTREVISTAS SUBSEQUENTES A investigação necessária para se realizar um psicodiagnóstico inclui não somente aquele que é caracterizado como paciente — no caso, a criança — mas também todas as complexas interações do grupo familiar ao qual pertence. Isto significa que há necessidade de pesquisar o sistema familiar e compreender a criança e sua problemática a partir daí. Caso contrário, todo o procedimento utilizado está falseado desde o início: considerar a criança como desvinculada da situação familiar é aceitar a ideia de que ela, sozinha, desenvolveu-se e que os fracassos ou sucessos em sua evolução devem-se a ela somente. Negar que os tipos de vinculação estabelecidos no processo de desenvolvimento possam cristalizar certas condutas normais ou patológicas que os indivíduos apresentam, seria negar a importância da própria vida de relação que é comum aosseres humanos. Na realidade, a investigação necessária não se refere somente ao processo evolutivo da criança em seu micromundo social (que é basicamente sua família), mas também deve levar em consideração o macromundo social, com todas as influências socioeconômicas, políticas e culturais. De tudo que foi dito deduz-se que realizar uma pesquisa ampla e profunda nas entrevistas é tarefa difícil, só conseguida se o psicólogo permitir que apareçam conteúdos emergentes na situação relacional e estiver atento a estes. Por esta razão desaconselhamos a utilização de roteiros de pesquisa preestabelecidos, que, além de limitar a investigação, servem muitas vezes como instrumento defensivo tanto para os pais como para o psicólogo. Neste enfoque consideramos não somente os aspectos particulares (congênitos e hereditários) da criança, mas também os analisamos na sua relação com o ambiente familiar e social. Em última instância, são os fatores individuais, familiares e sociais que convergem para a estruturação de uma determinada personalidade. Convém ressaltar que todo esse processo de investigação diagnóstica assume características particulares quando realizado em uma instituição. O psicólogo deverá então recorrer a modelos alternativos que levem em conta as peculiaridades da clientela e da própria instituição, sem perder de vista a qualidade do seu trabalho. AS ENTREVISTAS DEVOLUTIVAS Consideramos imprescindível informar aos pais e à criança, na ocasião do enquadramento, que lhes será transmitido o conhecimento obtido acerca deles. Isto contribuirá para que se sintam menos ameaçados na situação relacional e mais dispostos a colaborar. Consideramos que uma das maiores dificuldades do psicólogo em realizar as entrevistas devolutivas é justamente aquela relativa à comunicação dos resultados obtidos. Muitas vezes, ele não consegue adequar sua linguagem à do paciente, expressar seu ponto de vista de forma compreensível, sem precisar recorrer à terminologia psicológica com a qual se familiarizou durante seus estudos, e até mesmo usou na sua compreensão do caso. Esta decodificação, que realmente não é simples nem fácil, parece depender basicamente de dois fatores: a) compreensão ampla e profunda do paciente e seu grupo familiar; b) aspectos da personalidade do psicólogo mobilizados durante o processo psicodiagnóstico. Dito de outro modo, a clareza do pensamento verbal depende da compreensão, mas relaciona-se diretamente com a qualidade do mundo interno do psicólogo. Distúrbios não resolvidos em relação a seus próprios aspectos infantis interferem no funcionamento profissional do psicólogo, uma vez que favorecem o aparecimento de contraidentificações projetivas As informações diagnosticas transmitidas pelo psicólogo devem ser aquelas que podem ser recebidas no momento pelo paciente e pelos pais; há necessidade, portanto, de se estimar os recursos egóicos dos mesmos, respeitando-se os limites impostos pelos seus sistemas defensivos. Um dos cuidados a serem tomados é o de não centralizar a problemática ou na criança ou nos pais, nem os induzir a pensar desta forma (que o problema é de um ou de outro), acirrando os conflitos existentes nas relações familiares. Supomos importante considerar a problemática como decorrente dos vínculos estabelecidos, por razões já anteriormente citadas. A devolução, a nosso ver, refere-se às informações diagnósticas, à compreensão obtida e aos encaminhamentos necessários; não inclui conselhos, mesmos quando solicitados, uma vez que estes, ao serem oferecidos, tendem a fazer evitar o uso do pensamento por parte daqueles que procuram atendimento. Quando se trata de diagnóstico psicológico na infância, as entrevistas devolutivas devem ser realizadas primeiramente com os pais (ou seus substitutos) e depois com a criança, uma vez que os encaminhamentos, quando necessários, somente serão propostos à criança quando aceitos pelos pais ou responsáveis. Se uma criança é informada da necessidade de tratamento, mas não conta com o apoio dos pais, pode intensificar a manifestação de suas dificuldades e fazer aguçar os conflitos intrafamiliares.