Prévia do material em texto
procuravam organizar a sociedade lusitana e instrumentalizá-la para a árdua tarefa de reconstruir sua capital e reformar sua organização social e econômica, um padre jesuíta de origem italiana, Gabriel Malagrida, fazia de tudo para os impedir. Fonte [1] O Brasil está muito ligado à biografia de Malagrida (1689-1761): durante décadas, ele catequizou principalmente as regiões norte e nordeste brasileiras. Sua ação missionária e empreendedora em nosso país lhe valeu o epíteto de “apóstolo do Brasil”, o qual divide com Anchieta. Durante o período do terremoto, Malagrida, já bem idoso, encontrava-se em Lisboa. Sacerdote de características místicas e proféticas, grande pregador, o jesuíta não teve dúvidas em proclamar que a tragédia sísmica era um castigo divino (conforme prevíamos logo no início deste texto). Isso era tudo que Pombal não queria ouvir, pois abateria ainda mais o moral da população, servindo de um empecilho adicional à recuperação do país. O primeiro-ministro então encarrega um padre aliado a escrever um folheto em que explicava o caráter natural do terremoto e, assim, negava a ideia de castigo dos céus. Malagrida não se deu por achado, e escreveu e publicou um contundente opúsculo intitulado Juízo da verdadeira causa do terramoto que padeceu a corte de Lisboa no 1º. de Novembro de 1755: Sabe, Lisboa, que os únicos destruidores de tantas casas e palácios, os assoladores de tantos templos e conventos, homicidas de tantos de seus habitantes, os incêndios devoradores de tantos tesouros não são cometas, não são estrelas, não são vapores ou exalações, não são fenômenos, não são contingências ou causas naturais, mas são, unicamente, os nossos intoleráveis pecados. (Apud Marques, 2004, p. 7.) O texto não apenas reforçava a tese da punição divina, como ainda condenava violentamente todos os planos de ajuda aos sobreviventes, além dos esforços de reconstrução e reorganização da cidade. O que então os portugueses deveriam fazer para dar uma solução àquele estado de coisas? Preces, procissões e... autos-de-fé, é claro. Mas Malagrida acabou cometendo um grande erro. No seu entusiasmo místico, profetizou que o terremoto se repetiria no mesmo local, exatamente um ano depois. Como a previsão não se cumpriu, o padre italiano foi de forma implacável perseguido por Pombal, que queimou seu opúsculo em praça pública, manteve-o preso por vários anos e, em 1761 — seis anos depois 57