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PASTICHE Fazer um pastiche é imitar o estilo de outro autor. Num sentido mais antigo, o pastiche era considerado uma imitação de baixa qualidade, subalterna, que um escritor “menor” fazia de um texto de um escritor “maior”. Numa concepção contemporânea, a ideia de pastiche não envolve juízo de valor. É importante lembrar que as formas de intertextualidade comentadas acima não devem ser confundidas com paráfrase e paródia, que pertencem a outra categoria. Assim, podemos ter uma citação parafrásica ou parodística, ou uma alusão idem, e assim por diante. A QUESTÃO DA ORIGINALIDADE O recurso à intertextualidade remete a uma questão polêmica na arte e na literatura: a questão da cópia, do plágio, que contemporaneamente é bastante relativizada. Um caso curioso de acusação de plágio é o que aconteceu com o Macunaíma, de Mário de Andrade. Em 20 de setembro de 1931, Mário de Andrade publicou no jornal Diário Nacional uma carta pública dirigida ao antropólogo Raimundo de Morais. Este, agindo com malícia dissimulada em ingenuidade defensora, comenta, num verbete de seu Dicionário de Cousas da Amazônia, que pessoas “maldizentes” insistiam em que o livro Macunaíma era plagiado da obra do naturalista alemão Theodor Koch-Grünberg, Von Roraima zum Orinoco. O dicionarista acata o boato, mas diz que duvida de sua veracidade, pois acredita que o romancista paulista “possui talento e imaginação que dispensam inspirações estranhas”. Raimundo de Morais esperava, naturalmente, que Mário se defendesse, mas o pai adotivo de Macunaíma surpreendeu os defensores da originalidade intelectual declarando solenemente sua condição de plagiador (1999, p. 165): Confesso que copiei, copiei às vezes textualmente. Quer saber mesmo? Não só copiei os etnógrafos e os textos ameríndios, mas ainda, na Carta pras Icamiabas, pus frases inteiras de Rui Barbosa, de Mário Barreto, dos cronistas portugueses coloniais, e devastei a tão preciosa quão solene língua dos colaboradores da Revista de Língua Portuguesa. Neste mea culpa, Mário investe descaradamente sobre a noção de propriedade textual, de autoria e de originalidade até então considerados, pelos guardiães do texto sagrado, do texto peça de museu, elementos fundamentais do processo de criação. Em sua exposição, o romancista de Macunaíma revela a ignorância dos eruditos “maledizentes”, entre os quais se inclui o próprio Raimundo de Morais, que não perceberam que o plágio era de toda uma cultura, e não apenas de um livro, comparando-se aos “rapsodos de todos os tempos”, que “transportam integral e primariamente tudo o que escutam ou lêem para seus poemas” (1999, p. 164). 37