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NOTAÇÃO E LINGUAGEM MUSICAL AULA 4 Prof. Leonardo Gorosito 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, serão apresentadas questões principalmente ligadas aos intervalos musicais, suas características e como eles são organizados sonoramente, formando diferentes escalas. No início, será analisado como o tom e o semitom funcionam no sistema de temperamento igual. Depois, como as escalas e os intervalos são compostos com base no ordenamento de tons e semitons. Por último, uma breve discussão sobre sons consonantes e dissonantes e como eles são aplicados aos intervalos. TEMA 1 – TOM E SEMITOM Antes de dar início ao tema propriamente dito, tom e semitom, é preciso esclarecer alguns aspectos sobre o sistema de afinação utilizado hoje pela música ocidental. Para organizar as frequências das notas em uma escala, modernamente é usado o sistema de temperamento igual. Existem, porém, outras formas de organização, até mais precisas e afinadas para o ouvido humano. É o caso dos sistemas naturais, como o pitagórico e o mesotônico, os quais foram estabelecidos por teóricos mediante precisos cálculos acústicos. Bohumil Med (2017), em seu livro Teoria da música, mostra como a distância intervalar de uma segunda maior, ou um tom, pode ser dividida em nove pequenas partes, chamadas de comas. No sistema de afinação natural, meio tom pode equivaler tanto a quatro comas quanto a cinco comas. Essa diferença faz com que, por exemplo, o dó sustenido seja ligeiramente diferente de ré bemol. O sistema de temperamento igual faz com que um tom seja dividido em duas partes equivalentes, cada uma composta por quatro comas e meia (Med, 2017, p. 30-31). Nos sistemas de afinação precedentes ao de temperamento igual, a afinação era mais precisa, porém limitadora em termos de progressão harmônica. À medida que a música caminhava para outros tons, por meio de modulações, diferenças de afinação tornavam-se não mais suportáveis para o ouvido humano. No temperamento igual, apesar de a oitava ser o único intervalo puramente afinado, sua praticidade em termos de a música poder percorrer todos os 12 tons, sem perturbar o ouvido humano, oferece uma grande vantagem. 3 A audição humana, no decorrer dos séculos, passou por grandes transformações no sentido de aceitar ou não aceitar o resultado sonoro de duas notas em conjunto. Muito do que hoje é considerado agradável ao ouvido já foi estipulado como desagradável, em outras épocas. Por isso, mesmo que, no sistema de temperamento igual, tenhamos sons “desafinados”, o longo processo de evolução do ouvido humano fez com que nos acostumássemos com eles, tornando o sistema plenamente possível. Mesmo assim, como também demonstra Bohumil Med (2017), atualmente temos instrumentos musicais temperados e não temperados. Os de afinação fixa, como o piano, são habitualmente resguardados ao sistema de temperamento igual. Já aqueles em que a afinação pode ser alterada pelo músico, como o violino, podem também obedecer ao sistema natural, de acordo com a necessidade musical (Med, 2017, p. 31). Temos, portanto, na música ocidental moderna, baseada no sistema de temperamento igual, 12 possibilidades de notas em uma oitava, com a mesma distância entre elas, contando as naturais e as alteradas. São elas (começando pelo dó): dó, dó # ou ré♭, ré, ré # ou mi♭, mi, fá, fá # ou sol♭, sol, sol # ou lá♭, lá, lá # ou si♭ e si. A escala de dó cromática apresenta exatamente essa sequência de notas, quando ascendente, repetindo-se a nota dó ao final. Em culturas musicais em que o temperamento não é utilizado, existem outras possibilidades de distanciamento entre as notas. Após esses esclarecimentos, vamos seguir com as definições de tom e semitom segundo o sistema de temperamento igual. O semitom é a distância mais próxima entre dois sons. A soma de dois semitons forma um tom. Essa distância entre duas notas também pode ser nomeada com base no tamanho de seu intervalo. Sendo assim, o intervalo que abrange a distância de duas notas, dó e ré, por exemplo, é chamado de segunda. Quando a distância entre duas notas for de um semitom, temos uma segunda menor; de um tom, uma segunda maior: • semitom = 2ª menor; • tom = 2ª maior. Existem semitons compostos somente por notas naturais. É o caso dos intervalos entre mi e fá; e si e dó. Eles são chamados de semitons naturais. Quando o semitom é formado por notas com nomes distintos, é considerado um 4 semitom diatônico. Por exemplo, o semitom entre as notas fá e sol♭. Quando formado por notas de mesmo nome, temos o semitom cromático: fá e fá # (Med, 2017, p. 35-36). O tom e o semitom formam intervalos conjuntos, de segunda, que são os mais próximos entre duas notas. É também utilizado o termo grau conjunto para notas de intervalo de segunda. As escalas são geralmente formadas por uma sequência de graus conjuntos, podendo ser tons e semitons. Uma escala composta somente por semitons é chamada de cromática. Quando formada somente por tons é conhecida como escala de tons inteiros ou hexafônica – composta por seis notas. A abreviação de tom e semitom usada nesta aula será, respectivamente, T e st. TEMA 2 – ESCALAS A palavra escala tem origem no termo em latim scala, que significa escada (Bennett, 1990, p. 15). A escala, portanto, é uma espécie de escada utilizada pelo músico para subir e descer os sons, em que os degraus são as notas musicais. Ela inicia e termina com a mesma nota em oitavas distintas e, dependendo de sua característica – se maior, menor, cromática, hexafônica, entre outras possibilidades –, é preenchida por diferentes combinações de alturas. Na música ocidental, as mais comuns são compostas por sete notas, mas podem também ser formadas por cinco, seis, oito ou doze. A característica da escala é dada pelo tipo de combinação e ordenamento de tons e semitons (T e st). A nota inicial é a fundamental, com a qual todas as outras criam uma relação de dependência. A seguir, conheceremos as escalas naturais, aquelas compostas por sete notas e formadas por cinco tons e dois semitons, no intervalo de uma oitava. Elas são também chamadas de escalas diatônicas (Sadie, 1994, p. 267). Escala maior: T - T - st - T - T - T - st. Escala de dó maior: 5 A escala de dó maior não contém alterações de sustenido ou bemol, sendo formada pelas sete notas naturais, as teclas brancas do piano. Para melhor demonstrar a estrutura da escala, repete-se a primeira nota ao final. Sendo assim, a escala tem sete sons, pois o oitavo é a repetição do primeiro. Todas as escalas maiores, em sua forma ascendente, obedecem à mesma ordem de tons e semitons: dois tons, um semitom, três tons e um semitom. Portanto, qualquer das 12 notas musicais podem formar escalas maiores, bastando a mesma sequência de tons e semitons ser repetida (Hindemith, 1988, p. 52). A escala diatônica pode ser dividida em duas partes, formando dois grupos com quatro notas, chamados de tetracordes: o primeiro de dó a fá e o segundo, de sol a dó. Eles contêm a mesma formação de dois tons e um semitom, sendo divididos, ao meio da escala completa, por um intervalo de um tom. O tetracorde com as notas mais graves é chamado de inferior e, com as notas mais agudas, de superior (Med, 2017, p. 100). As outras escalas maiores utilizam alterações, pois, para que a sequência de tons e semitons seja respeitada, é preciso o uso do sustenido e do bemol. Ao iniciarmos uma nova escala, uma quinta justa acima de dó, a partir do tetracorde superior, encontramos a escala de sol maior, que utilizaum sustenido. Cada vez que iniciarmos uma nova escala um tetracorde acima, mais um sustenido será adicionado. Começando a escala uma quinta acima de sol maior, encontraremos a escala de ré maior, que utiliza dois sustenidos. E assim por adiante. Para encontrarmos as escalas maiores que fazem uso de bemóis, um processo similar é executado, porém, agora, a nova escala inicia-se uma quinta justa abaixo de dó, ou seja, em fá maior. Essa escala necessita de um bemol, que ocorre no tetracorde inferior: o si torna-se bemol. A próxima escala, com dois bemóis, inicia-se uma quinta abaixo de fá, ou seja, em si bemol maior. Cada vez que se repete o processo, mais um bemol é adicionado. 6 Existem outras maneiras de referir-se individualmente às notas de uma escala. Em função do posicionamento, elas podem ser chamadas de graus, sendo designadas por números romanos. Quando designadas com base na sua função na escala, possuem nomes técnicos (Bennett, 1990, p. 16). Essas nomenclaturas são utilizadas principalmente em análises harmônicas de obras musicais. I. Tônica II. Supertônica III. Mediante IV. Subdominante V. Dominante VI. Superdominante VII. Sensível A escala diatônica menor natural é formada por uma sequência de tons e semitons diferente da escala maior. A principal diferença encontra-se no terceiro grau, agora abaixado em um semitom. Escala menor: T - st - T - T - st - T - T. Escala de dó menor: Existem outros tipos de escalas menores, a melódica e a harmônica, com diferentes sequências de tons e semitons. TEMA 3 – INTERVALOS Os intervalos são um assunto de suma importância no estudo da linguagem musical. É preciso aprender a identificá-los, tanto escritos na partitura, quanto sonoramente. Estudar a execução de intervalos em algum instrumento é valoroso. Cantá-los, mesmo para aqueles que não pretendem seguir a carreira de cantores, também auxilia enormemente no desenvolvimento musical do aluno. Em música, o que é intervalo? É o espaço sonoro e as relações existentes entre duas alturas de notas (Med, 2017, p. 60). Esses dois sons podem ser 7 executados juntos, de forma harmônica, ou um depois do outro, de forma melódica. • Intervalos melódicos e harmônicos. Quando melódicos, os intervalos podem ser ascendentes ou descendentes. O primeiro intervalo do exemplo anterior é ascendente, pois a segunda nota é mais aguda que a primeira; o segundo é descendente, já que a segunda nota é mais grave que a primeira. A classificação de um intervalo se dá por meio numérico e pela sua qualidade. A contagem numérica é feita pela quantidade de notas diatônicas que o intervalo abrange, incluindo sua nota inicial e final ou mais grave e mais aguda (Bennet, 1990, p. 19). Os números não levam em consideração sinais de alteração, como sustenido e bemol. Quando um intervalo contém duas notas de mesma altura e igual posição de oitava, ele é chamado de uníssono. 8 A classificação dos intervalos segundo sua qualidade será averiguada no tema a seguir. TEMA 4 – TIPOS DE INTERVALOS Após averiguarmos como os intervalos são classificados de acordo com sua numeração, vamos entender como sua qualidade pode ser identificada. Agora, ao invés de a classificação ser denominada com base em graus conjuntos, será preciso envolver a quantidade de tons e semitons presentes entre as notas. Em relação a sua qualidade, os intervalos podem ser: • Justos (J) • Maiores (M) • Menores (m) • Aumentados (A) 9 • Diminutos (D) • Superaumentados (SA) • Superdiminutos (SD) Os intervalos justos são: primeira (uníssono), quarta, quinta e oitava. Eles são formados pela seguinte quantidade de tons e semitons: • primeira justa (uníssono): mesma nota; • quarta justa (4ªJ): 2 tons e 1 semitom; • quinta justa (5ªJ): 3 tons e 1 semitom; • oitava justa (8ªJ): 5 tons e 2 semitons. Diferentemente das escalas maior e menor, a ordem dos tons e semitons pode ser alterada, dependendo de quais notas iniciam e finalizam o intervalo. O que realmente é considerado é a quantidade de tons e semitons. Alguns exemplos de intervalos de quarta justa (4ªJ) em que a ordem de tons e semitons se altera, porém sua quantidade, não. Para aprendermos a identificar os intervalos auditivamente, existem algumas técnicas possíveis. Para aqueles dotados com a habilidade do chamado ouvido absoluto1, o reconhecimento do intervalo pode se dar mediante identificação de cada nota individualmente. Outra maneira é com base em memorização da sonoridade resultante do intervalo, tanto melódico quanto harmônico, por meio de um estudo diário se executando os intervalos em instrumentos e/ou cantando. Existe outro método que consiste em relacionar os intervalos com melodias de músicas já existentes. A melodia principal do Hino Nacional Brasileiro, por exemplo, inicia-se com um intervalo de quarta justa, possibilitando o reconhecimento de tal intervalo por meio da memória dessa conhecida melodia. 1 Ouvido absoluto: “A capacidade de identificar a altura de uma nota ou de entoá-la sem referência a uma nota anteriormente tocada” (Sadie, 1994, p. 689). 10 Exemplos de intervalos de quinta justa (5ªJ): O intervalo de oitava justa é composto pela mesma nota duas vezes, porém uma delas mais aguda ou mais grave, e abrange exatamente os tons e semitons de uma escala diatônica maior. O intervalo de quarta formado pelas notas naturais fá e si é composto por três tons. Ele é classificado como um intervalo de quarta aumentada (4ªA), pois tem um semitom a mais que a quarta justa. Esse intervalo é chamado também de trítono (Med, 2017, p. 71). Quando na ordem si e fá, é classificado como uma quinta diminuta (5ªD). A qualificação maior e menor está relacionada aos intervalos numéricos de segunda, terça, sexta e sétima. Podemos ter, portanto, 2ªM e 2ªm, 3ªM e 3ªm, 6ªM e 6ªm, 7ªM e 7ªm. A seguir, a quantidade de tons e semitons para cada qualificação, de forma crescente: • 2ªm - 1 semitom • 2ªM - 1 tom • 3ªm - 1 tom e 1 semitom • 3ªM - 2 tons • 6ªm - 3 tons e 2 semitons • 6ªM - 4 tons e 1 semitom • 7ªm - 4 tons e 2 semitons • 7ªM - 5 tons e 1 semitom 11 Confira também como eles são notados na partitura, a partir da nota dó: Toda vez que um intervalo justo ou maior tiver, por meio de alteração cromática, um semitom a mais, ele será aumentado. Quando um intervalo justo ou menor tiver uma alteração cromática de um semitom a menos, ele será diminuto. Os únicos intervalos aumentado e diminuto, sem alterações cromáticas, são os já citados fá e si e si e fá. Os intervalos também podem ocorrer em sua forma superdiminuta e superaumentada, quando alterações de dobrado bemol e dobrado sustenido são utilizadas. Estes, porém, ocorrem raramente nas partituras musicais. TEMA 5 – CONSONÂNCIA E DISSONÂNCIA “Consonância e dissonância são os dois elementos principais da harmonia clássica” (Med, 2017, p. 95). Como podemos constatar na citação do livro Teoria da música, de Bohumil Med, a harmonia clássica é baseada nesses dois princípios de tensão/dissonância e relaxamento/consonância, sendo a articulação dessas duas forças, ativa e passiva, responsável por gerar movimento na música. Mas, por que alguns sons, quando executados simultaneamente, causam instabilidade e, outros, sensação de repouso? Os sons consonantes, que nos causam sensação de relaxamento, apresentam alturas de frequências concordantes. Por exemplo, as ondas sonoras queformam um intervalo de oitava justa têm uma razão de frequência de 2:1, ou seja, uma relação de metade 12 ou dobro. Essa proporção matemática harmoniosa entre as notas da oitava causa uma sensação de prazer aos ouvidos. Quanto maior a complexidade da relação entre as notas, mais dissonante ela torna-se para nós. Os intervalos consonantes são classificados como perfeitos e imperfeitos. Todos os intervalos justos, uníssono, 4ª, 5ª e 8ª são considerados consonantes perfeitos, e os intervalos maiores e menores de 3ª e 6ª são considerados consonantes imperfeitos. Os intervalos dissonantes são o de 4ªA e 5ªD (trítono), considerados neutros, de 7ª menor e 2ª maior, dissonâncias suaves, e de 7ª maior e 2ª menor, dissonâncias fortes. Quadro 1 – Quadro de intervalos consonantes e dissonantes CONSONÂNCIA DISSONÂNCIA PERFEITA IMPERFEITA NEUTRO SUAVE FORTE UNÍSSONO OITAVA JUSTA QUINTA JUSTA QUARTA JUSTA TERÇA MAIOR SEXTA MAIOR TERÇA MENOR SEXTA MENOR QUARTA AUMENTADA QUINTA DIMINUTA (TRÍTONO) 7ª MENOR 2ª MAIOR 7ª MAIOR 2ª MENOR NA PRÁTICA Escreva, em um papel pautado, todas as escalas que empregam os sustenidos e os bemóis, com base no processo que utiliza o tetracorde, explicado no segundo tema desta aula. Escreva, também, três intervalos de cada tipo que foi demonstrado no Quadro 1, de consonâncias e dissonâncias, utilizando sempre notas iniciais diferentes, usando a forma melódica e harmônica. Uma forma também bastante eficaz de colocar os conteúdos desta aula em prática é executando o material ao piano e com a voz. O piano, ou teclado eletrônico, é um instrumento eficiente para esse tipo de prática, pois o aluno pode tocar e cantar ao mesmo tempo. Existem, no entanto, outros instrumentos musicais que permitem o mesmo procedimento de estudo, como o violão. Primeiramente, o aluno pode começar descobrindo a sonoridade dos tons e semitons, percebendo suas diferenças de sonoridade. Depois, executar e cantar a escala de dó maior, obedecendo à ordem dos tons e semitons. Também pode praticar todos os intervalos, melódica e harmonicamente, procurando 13 familiarizar-se com as consonâncias e dissonâncias. O exercício de percepção auditiva de intervalos pode ser elaborado com a ajuda de um colega. Enquanto um aluno executa, em um instrumento, uma sequência de diferentes intervalos, o outro registra a sequência em um caderno. Depois, o exercício é repetido, trocando-se as funções. FINALIZANDO No início desta aula, pudemos reconhecer como a música ocidental é baseada no sistema de afinação de temperamento igual, que divide a oitava em 12 partes de mesma distância. Depois, verificamos como as escalas são construídas com base no correto ordenamento de uma sequência de tons e semitons. Sobre os intervalos, averiguamos como eles podem ter características numéricas e de qualidade, podendo ser justos, maiores, menores, aumentados ou diminutos. 14 REFERÊNCIAS BENNETT, R. Elementos básicos da música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. HINDEMITH, P. Treinamento elementar para músicos. 4. ed. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1988. MED, B. Teoria da música. Brasília: Musimed, 2017. SADIE, S. Dicionário grove de música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.