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2 Engenharia Genética e Dna Recombinante

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2 DESCRIÇÃO Histórico do desenvolvimento da biotecnologia e da engenharia genética, seus desafios, apresentação da clonagem molecular e suas aplicações em saúde humana.
PROPÓSITO Entender as ferramentas de biotecnologia aplicadas à engenharia genética e seus desafios práticos e éticos é fundamental para aplicações avançadas na manipulação de organismos na agroindústria, ecologia e Medicina.
OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar conceitos-chave em biotecnologia e seus desafios éticos
MÓDULO 2 Distinguir as ferramentas usadas para manipulação genética de organismos
MÓDULO 3 Reconhecer aplicações da tecnologia do DNA recombinante
INTRODUÇÃO
Uma das áreas em rápida expansão da Biologia é a biotecnologia. Por definição e convenção internacional, a biotecnologia é entendida como o uso de processos biológicos dos seres vivos, como plantas, animais e micro-organismos, para avanço tecnológico médico, industrial e agrícola. Nesse sentido, a biotecnologia tem sido utilizada pela humanidade há milênios, especialmente pelo uso de micro-organismos para produção de comida (pães, bolos, vinhos, cervejas e queijos) por fermentação, e melhoramento de produtos animais e vegetais por meio de cruzamentos seletivos. Pequenos usos que, inicialmente, permitiram a produção de alimentos mais duradouros do que os grãos originais e, a longo prazo, abriram caminho para o desenvolvimento social e tecnológico da humanidade. Atualmente, o termo biotecnologia é usado comumente para se referir a modificações e melhoramentos genéticos de animais, plantas e micro-organismos, com intuito de obtenção de produtos. Por isso, o termo acaba se sobrepondo à engenharia genética, que dispõe de um conjunto de ferramentas de alta tecnologia para a modificação e edição de genes nos mais diversos organismos – objeto do estudo a seguir.
MÓDULO 1  Identificar conceitos-chave em biotecnologia e seus desafios éticos
INTRODUÇÃO
Há milênios a humanidade vem usando processos biológicos para a geração de produtos. Comidas e bebidas fabricadas por fermentação são exemplos de produtos biotecnológicos (no sentido mais amplo) que eram feitos sem se saber como. Nossos antepassados apenas sabiam que deixar cereais e sucos em ambiente vedado, sem contato com o ar do exterior, resultaria no crescimento de massas e na produção de bebidas com álcool. Conforme avançamos científica e tecnologicamente, conseguimos não apenas entender melhor os processos biológicos, como também melhorá-los e modificá-los.
CONCEITOS E HISTÓRICO DA BIOTECNOLOGIA
Existem evidências que datam de mais de 8 mil anos sobre fermentação alcoólica para produção, na China, de cervejas feitas de arroz, uvas e mel. Mais antigo ainda, originado no Oriente Médio, o pão tem sido fabricado a partir de trigo, água, fermentação e calor por mais de 9 milênios.
Foi após a invenção do microscópio óptico(Invenção do século XVII) que a humanidade soube que a fermentação acontece pela ação de micro-organismos – especificamente, as leveduras e bactérias – descoberta feita pelo notório cientista Louis Pasteur, no século XIX.
A fermentação consiste no processo bioquímico de produção de energia pela quebra de açúcares dentro das células, em ambiente anaeróbico. Para se manter viva, a célula precisa que seu metabolismo esteja ativo e, para isso, necessita de energia. A principal fonte de energia usada pela célula é a quebra da glicose, em um processo chamado de glicólise.
Esquema simplificado da glicólise, e fermentação láctea e alcoólica.
A quebra da glicose gera piruvato, ATP e elétrons livres. Estes últimos são carregados por compostos orgânicos (nicotinamida adenina dinucleotídeo – NAD+), na forma reduzida (NADH+H+). Para ser reutilizado pela célula, NADH+H+ precisa passar esses elétrons adiante.
PIRUVATO Na glicólise, uma molécula de glucose gera duas moléculas de piruvato, cada uma com três carbonos.
ATPÉ uma das principais formas de energia química da célula; sua quebra em ADP+Pi gera energia para diversas reações biológicas.
Na presença de oxigênio, as células podem usá-lo como o aceptor (ou receptor) final dos elétrons através da cadeia respiratória. Quando não há oxigênio disponível, o processo de transferência de elétrons para um aceptor final é chamado de fermentação.
Existem ao menos dois tipos principais de fermentação: o piruvato pode ser reduzido a lactato, na fermentação láctica; ou pode ser reduzido a acetaldeído e, posteriormente, a álcool (fermentação alcoólica) – neste último tipo, há liberação de dióxido de carbono (CO2), que faz a massa do pão “fermentar”. Em ambos os casos, o NADH+H+ retorna a NAD+, e rejeitos biológicos (lactato e álcool) são apreciados como alimento ou bebida.
Todas as etapas descritas envolvem enzimas, que são proteínas com a função de catalisar (ou acelerar) uma reação química. Elas podem ser classificadas em dois tipos:
As enzimas que quebram macromoléculas em moléculas menores, mais simples, são chamadas de catabólicas (dentre as quais encontramos as enzimas digestivas).
As enzimas que catalisam reações de formação das macromoléculas são chamadas de anabólicas.
Frequentemente, as enzimas são utilizadas em diferentes aspectos e níveis da biotecnologia, além da fermentação.
O domínio do processo de fermentação e a descoberta dos mecanismos celulares por meio dos quais ela acontece foram o ponto de partida para o desenvolvimento da biotecnologia moderna. Nós aprendemos que podemos melhorar organismos complexos, por exemplo, ao cruzarmos plantas com características desejáveis e selecionarmos aquelas que satisfaçam nosso objetivo.
Os princípios genéticos aprendidos por Gregor Mendel e outros cientistas do passado pavimentaram o caminho para descobertas futuras: na primeira década do século XX, o botânico dinamarquês Wilhelm Johannsen revisitou os trabalhos de Mendel e chamou pela primeira vez as unidades hereditárias de genes, termo derivado do grego genos = nascimento, origem. Ele também cunhou os termos genótipo(Características genéticas) e fenótipo(Características físicas).
Na década seguinte, o biólogo Thomas Hunt Morgan conseguiu definir experimentalmente que os cromossomos eram as estruturas físicas em que os genes estão, ao estudar os cromossomos sexuais da mosca Drosophila melanogaster. A descoberta dos cromossomos, no entanto, foi feita meio século antes, por Walther Flemming, mas nomeados da forma como conhecemos hoje por Heinrich Waldeyer.
No final da década de 1920, Frederick Griffith, estudando uma forma de vacina contra pneumonia causada por Streptococcus pneumoniae, em ratos, acabou descobrindo o que chamou de “princípio transformante”. Nesse experimento, Griffith misturou uma cepa de S. pneumoniae não patogênica com uma solução contendo S. pneumoniae patogênica e a inoculou nos ratos. Os animais morreram e Griffith recuperou bactérias morfologicamente idênticas às vistas na cepa patogênica. Muito embora sem saber do que se tratava na época, sua descoberta teve imenso impacto em biotecnologia, como você verá adiante.
Quase duas décadas depois, três cientistas – Oswald Avery, Maclyn McCarty e Colin MacLeod – descobriram que o “princípio transformante” e toda informação genética em geral estão contidos no DNA.
Um grande marco para a ciência foi a descoberta da estrutura molecular da informação genética. Na década de 1950, os pesquisadores Rosalind Frankling, Thomas Watson e Francis Crick identificaram a estrutura tridimensional do DNA.
A partir do conhecimento da estrutura molecular da informação genética, sua regulação, expressão e funcionamento, vieram os primeiros trabalhos sobre sua alteração artificial. Na década de 1970, a companhia americana Genentech, fundada por Robert Swanson e Herbert Boyer, começou a modificar o DNA diretamente in vitro (em uma placa de petri e em um laboratório).
Isso só foi possível após a colaboração de Boyer e Stanley Cohen, que resultou no descobrimento do que hoje chamamos de recombinação de DNA. Iniciamos a era da engenharia genética, área que corresponde à grande parte daquilo que consideramos biotecnologia moderna ecompreende as técnicas de clonagem molecular e DNA recombinante.
TÉCNICAS DE CLONAGEM MOLECULAR E DNA RECOMBINANTE As técnicas de clonagem molecular e de DNA recombinante nos permitiram mudar geneticamente organismos unicelulares, como bactérias e leveduras.
A partir da década de 1980, os primeiros organismos complexos, as plantas, foram alterados em seus genes – chamamos de organismos geneticamente modificados. Existem dois grupos principais de OGM: aqueles que tiveram genes de outras espécies transferidos para o seu genoma, chamados de transgênicos; e aqueles que tiveram seu genoma modificado em geral, não necessariamente tendo sido feita uma transferência permanente de genes de outras espécies.
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
OGM (organismos geneticamente modificados, ou genetically modified organisms – GMO, em inglês) é como são chamados os seres vivos modificados artificialmente.
Em 1983, foi apresentada ao mundo a primeira planta geneticamente modificada com a transferência de um gene de resistência a antibióticos (vindo da bactéria Agrobacterium tumefaciens) para a planta do tabaco (Nicotiana tabacum). Alguns anos depois, a primeira planta do tabaco, resistente a herbicidas, foi divulgada.
Ainda na mesma década, os primeiros animais foram clonados a partir de células embrionárias e, em 1996-97, o primeiro animal clonado a partir de células somáticas foi noticiado – a ovelha Dolly.
Na mesma época, começou um grande esforço internacional para o mapeamento do genoma humano completo, o Projeto Genoma Humano. A partir do conhecimento detalhado do genoma humano, novas fronteiras se abriram para compreensão, prevenção e tratamento de doenças genéticas.
Já no século XXI, grandes avanços em terapias gênicas em humanos estão sendo feitos de forma majoritariamente experimental. A aprovação emergencial de vacinas de RNA para o SARS-CoV2, no final de 2020 e início de 2021, deve entrar como mais um grande marco histórico e científico no avanço da biotecnologia.
TIPOS E MODELOS DE BIOTECNOLOGIA
Como se pode ver, as aplicações da biotecnologia têm crescido em diversos contextos. Grandes setores da economia mundial, como indústria farmacêutica, energia sustentável, agronegócio, e a Medicina, têm sido beneficiados pela evolução biotecnológica das últimas décadas. Para facilitar o estudo das diversas áreas que exercem e se beneficiam da biotecnologia, vamos identificá-las usando um sistema de quatro cores, expandido posteriormente, e exemplificaremos algumas aplicações.
Imagem: Shutterstock.com.
BIOTECNOLOGIA VERMELHA
Uma das mais importantes áreas de atuação da biotecnologia moderna é a Medicina. O crescente conhecimento de doenças genéticas e do próprio genoma humano visto nas últimas décadas é consequência de avanços biotecnológicos. Ao mesmo tempo, é uma das principais forças propulsoras dos mesmos avanços; o interesse em termos de mais conhecimento sobre os detalhes do nosso funcionamento saudável e patológico, junto à necessidade de melhores estratégias diagnósticas e terapêuticas, motiva o desenvolvimento técnico-científico que está na base da biotecnologia.
Imagem: Shutterstock.com.
Diversos são os exemplos do uso da biotecnologia medicinal. O mais conhecido deles é, talvez, a fertilização in vitro. Nesse procedimento, a fecundação do gameta feminino pelo masculino é feita fora do organismo, e o embrião resultante é inserido no útero da mulher posteriormente.
Outro exemplo do uso da biotecnologia na Medicina é o diagnóstico. Doenças genéticas e infecciosas, por exemplo, podem ser identificadas por amplificação do DNA ou seu sequenciamento; em ambos os casos, há uso de processos biológicos que ocorrem in vitro para obtenção de um produto: o diagnóstico.
Uma das áreas em rápida expansão da biotecnologia vermelha é a terapêutica e prevenção, objeto do estudo no vídeo.
AVANÇOS DA BIOTECNOLOGIA VERMELHA
A especialista Camila Baez fala sobre os avanços obtidos até hoje na biotecnologia vermelha
BIOTECNOLOGIA VERDE
A agropecuária é um dos setores que mais lucraram com as aplicações da biotecnologia. Na década de 1970, aconteceu a chamada “Revolução Verde”, com o uso da modificação genética de plantas para aumento de produtividade – o que poderia potencialmente acabar com a fome no mundo todo. Na prática, vimos a introdução de plantas modificadas para aumento de produtividade, de modo a reduzir custos e aumentar a rentabilidade do cultivo.
EXEMPLO
O uso de biotecnologia para aumentar a produção de colheitas e do gado pode se dar de diversas formas. Por exemplo, construindo OGM ao transferir genes de resistência a parasitas ou a agrotóxicos, em plantas que antes eram suscetíveis. Plantas como o milho e a soja podem ser modificadas com a adição do gene Bt (da bactéria Bacillus thuringiensis), o que as torna mais resistentes a insetos como borboletas e moscas. Assim, menores perdas na produção de cereais são registradas, e usa-se e gasta-se menos com inseticidas, o que torna a colheita mais produtiva e sustentável.
As plantas também podem ser geneticamente modificadas para conferir maior resistência a condições ambientais desfavoráveis e até mesmo mais extremas, como secas e geadas. Esses avanços são particularmente interessantes frente às mudanças climáticas que o planeta enfrenta, e podem representar uma expansão do território cultivável no mundo.
Foto: Shutterstock.com.
Além disso, podemos produzir cereais com melhor armazenamento e maior qualidade nutricional: já foi identificado um gene do tomate que, quando modificado, aumenta o tempo de armazenamento e sua resistência a patógenos. O enriquecimento de nutrientes em plantas por meio da biotecnologia verde também tem progredido.
Você pode aprofundar seu estudo das diversas frentes em que a biotecnologia verde tem sido usada, no Brasil, no material complementar citado no item Explore+.
BIOTECNOLOGIA BRANCA
Há aplicação da biotecnologia também na indústria. Em sua maioria, essas indústrias trabalham agregando valor a produtos derivados de plantas e animais (modificados geneticamente ou não) por meio de processos biológicos. A biotecnologia branca apresenta certa sobreposição aos outros tipos de biotecnologia; por isso, vamos focar apenas em alguns de seus produtos.
A indústria utiliza especialmente os micro-organismos e suas enzimas como biocatalizadores.
EXEMPLO
Nessa categoria se encaixam as fermentações alcoólica e láctica usadas na produção de cervejas, vinhos, pães, iogurtes e queijos, mas não se restringe a esses produtos. Os organismos envolvidos como biocatalizadores também podem ser modificados geneticamente para aumentar a produtividade e a resistência a fatores ambientais como temperatura, pH, e até mesmo parasitas celulares.
O uso da biotecnologia branca por vezes tende a substituir processos químicos nocivos ao ambiente e representa uma opção mais sustentável e moderna. Veja o exemplo:
PRODUÇÃO DO BIOCOMBUSTÍVEL ETANOL
Foto: Shutterstock.com
A produção do biocombustível etanol a partir da fermentação dos açúcares presentes na cana-de-açúcar, como opção mais sustentável a combustíveis derivados do petróleo, uma vez que emite menos gases do efeito estufa com sua queima. Da mesma forma, tecnologias para produção de biogás também têm sido desenvolvidas a partir da palma-de-óleo (também conhecida como óleo de dendê). Para tratar a água efluente desse processo, são usadas microalgas produtoras de biomassa (que pode ser aproveitada na produção de energia, pigmentos, ração animal, ou como fertilizante) em fotobiorreatores (reator biológico que usa luz – normalmente solar – e organismos fototróficos para fixação de CO2 em hidratos de carbono).
Como se pode ver, a biotecnologia branca permeia diversas outras indústrias, como a de alimentos, energia, sustentabilidade, e se expande para outras, como a indústria têxtil, a médica e a biotecnologia azul.
BIOTECNOLOGIA AZUL
A utilização dos processos biológicos da rica e largamente desconhecida biodiversidade marinha é denominada biotecnologia azul. Por vezes, o oceano representa um ambiente hostilpara nós, mas pujante em vida, que pode fornecer informações e soluções inovadoras e sustentáveis à humanidade. A biotecnologia azul pode ser usada por outras biotecnologias, fornecendo ferramentas para solucionar questões medicinais, agropecuárias e industriais.
Um exemplo de processos biológicos de organismos marinhos posteriormente usados na ciência foi a identificação de uma proteína verde fluorescente (green fluorescente protein – GFP), e de seu gene, a partir da água-viva Aequorea victoria). Desde então, a GFP tem sido usada em inúmeros estudos científicos que proporcionaram imenso avanço médico e biológico.
Além disso, produtos marinhos podem ser usados na produção de energia renovável e sustentável por meio de fotobiorreatores e de biodiesel. A biomassa resultante pode ser usada para nutrição animal ou na fertilização de campos. Em adição, no oceano encontramos bactérias capazes de degradar derivados do petróleo. Contudo, o ambiente marinho permanece largamente desconhecido e outras potenciais aplicações de sua biodiversidade para solução de questões humanas ainda devem surgir.
Existem ainda outros tipos de biotecnologia, veja abaixo:
AMARELA É a biotecnologia usada na produção e no melhoramento de alimentos.
CINZA Biotecnologia aplicada à preservação, proteção e recuperação ambiental.
MARROM Biotecnologia que atua no tratamento, na fertilidade e na proteção do solo.
DOURADA Na biotecnologia dourada, encontramos a bioinformática como ferramenta de estudo de processos biológicos.
ROXA A biotecnologia roxa permeia todas as demais por abranger a biossegurança e a propriedade intelectual no seu desenvolvimento e uso.
PRETA A biotecnologia preta seria a aplicação de processos biológicos contra o ser humano como armamento biológico. Essa biotecnologia é proibida e seu uso é considerado crime de guerra, por ser dificilmente controlada.
BIOÉTICA E BIOSSEGURANÇA DA BIOTECNOLOGIA
O uso de processos biológicos de organismos vivos, juntamente com a capacidade de modificá-los geneticamente, seja por cruzamentos e seleções, indução de mutações ou por engenharia genética, trouxe consigo desafios em dois grandes campos da Biologia: a ética e a biossegurança.
BIOÉTICA NA BIOTECNOLOGIA
Falar em engenharia genética implica pensar que, em teoria, é possível modificar todos os organismos conhecidos: leveduras podem ser modificadas geneticamente para produzir mais enzimas e fermentar melhor; bactérias podem ser usadas em processos industriais de larga escala e até mesmo na biorremediação de ecossistemas; animais podem ser melhorados para produzir mais de seus produtos derivados, ou simplesmente para ter fisiologia mais parecida com a humana; plantas também são alvo de alteração para aumento de produção. Em teoria (e, tecnicamente, na prática), é possível modificar geneticamente até outros seres humanos, e talvez esse seja o grande dilema ético da biotecnologia moderna.
BIORREMEDIAÇÃO
Uso de processos biológicos para a atenuação de contaminantes ambientais.
A edição genética em humanos, particularmente delicada no aspecto bioético, pode ser subdividida em:
· Edição de células germinativas (espermatozoides, óvulos)
· Edição células somáticas - células diploides que compõem tecidos e órgãos. Edição genética de células somáticas pode ser uma opção de tratamento de doenças genéticas graves
EXEMPLO
As células do sistema imunológico de pacientes com câncer podem ser editadas geneticamente para aumentar sua ação contra o câncer, em uma espécie de terapia imunológica (ou imunoterapia) experimental. Por potencialmente ter a capacidade de tratamento e cura de doenças existentes, a edição de células somáticas enfrenta menor resistência ética do que a edição de células germinativas.
A edição de células germinativas, de forma geral, gera um organismo adulto que a tenha presente em todas as suas células, inclusive seus gametas (óvulos ou espermatozoides), ou seja, essa edição artificial pode ser transmitida às próximas gerações. Por mais ficção científica que isso possa parecer, a edição de células germinativas humanas pode ser usada não apenas para evitar ou reduzir riscos de doenças genéticas, mas também para produzir artificialmente melhoramentos físicos, estéticos e até cognitivos àqueles que possam comprá-las.
VOCÊ SABIA
Recentemente, cientistas chineses chocaram o mundo científico com a divulgação do nascimento dos primeiros bebês humanos geneticamente modificados. A repercussão desse incidente foi tamanha que a Organização Mundial da Saúde criou um comitê especial para estabelecer limites à edição genética de humanos. Após a comunidade científica internacional se manifestar veementemente contra a edição genética de embriões humanos, o pesquisador chinês que liderou o estudo foi preso e condenado a três anos de prisão e ao pagamento de multa.
Aqui, o desenvolvimento científico e tecnológico da edição de genomas esbarra em ideias eugenistas de desenvolvimento de uma “raça” humana melhorada, livre de “imperfeições” – mas o que consideramos imperfeições? Doenças genéticas? Limitações físicas, motoras, cognitivas e comportamentais? Deficiências visuais, auditivas, físicas? Será que a humanidade não deveria caminhar no sentido da aceitação e inclusão de características que podem ser taxadas como “imperfeições”, ao invés de tentar eliminá-las artificialmente? Existem questões importantíssimas sobre as quais nós, a humanidade, precisamos refletir e discutir com zelo para criarmos diretrizes que sejam obedecidas por todos.
Existem outros aspectos éticos importantes da biotecnologia, especialmente em animais. Os mais comumente modificados são mamíferos e aves, que são seres sencientes – ou seja, têm sensações e sentimentos conscientes. Em outras palavras, os animais sentem mais do que fome, frio e dor: eles têm e expressam sentimentos básicos.
ELES TÊM E EXPRESSAM SENTIMENTOS BÁSICOS
Podemos citar como exemplos o abanar do rabo do cachorro para seu dono e seu rosnado como ferramenta de ameaça, ou o ronronar de gatos ao receber carinho.
Precisamos manter em vista que alguns procedimentos biotecnológicos são invasivos e dolorosos, causam medo, desconforto, ansiedade e afetam o bem-estar do animal. Ainda assim, as legislações de diversos países permitem não apenas tais procedimentos, como também atividades de lazer danosas aos animais, sem que elas sejam estritamente necessárias ao desenvolvimento ou sobrevivência de humanos.
PROCEDIMENTOS BIOTECNOLÓGICOS
Por exemplo, a inseminação artificial usada na procriação de gado, e experimentos laboratoriais em que camundongos são humanizados (modificados geneticamente para terem a fisiologia mais semelhante à humana).
BIOSSEGURANÇA EM BIOTECNOLOGIA A biotecnologia e, mais especificamente, a engenharia genética permitiram a introdução de espécies animais e vegetais geneticamente modificados para aumentar produção, sem necessariamente aumentar a quantidade de organismos envolvidos.
EXEMPLO
É possível gerar uma variante bovina capaz de produzir mais músculo – e consequentemente, mais carne – por animal. Ou alterar o genoma de vegetais que produzem os cereais para que desenvolvam espigas maiores e mais numerosas por planta. Isso alavancou a indústria do agronegócio, uma das mais beneficiadas pela produção de OGM.
Entretanto, a segurança à saúde humana e ambiental dos OGM e transgênicos não é conhecida. Um dos riscos em potencial dos OGM ao ambiente é a sua introdução em ecossistemas naturais. Não se sabe ao certo quais alterações genômicas de plantas e animais poderiam, por exemplo, gerar uma vantagem evolutiva que leve à substituição de populações nativas e selvagens.
PENSE NESTE CASO:
Uma planta OGM que produza mais frutos e seja mais resistente ao ambiente e a parasitas pode se tornar uma espécie invasora de um determinado ecossistema delicado e até mesmo levar à extinção em massa de espécies nativas ameaçadas. Com relação à saúde humana, os OGM podem potencialmente causar alergias, acúmulo de substâncias tóxicas e resistência microbiana aos antibióticos, apenas para ilustrar algumas situações.Por isso, organismos nacionais e internacionais regulam a produção, o uso e a comercialização dos OGM e transgênicos. Um dos principais acordos internacionais sobre o manejo de OGM – do qual o Brasil é signatário – é o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Faz parte da Convenção sobre Diversidade Biológica, criada na década de 1990, para proteção da biodiversidade.
O protocolo é uma ferramenta de valor legal internacional que legisla para que haja o desenvolvimento sustentável e protetor da biodiversidade, e a equidade biotecnológica e comercial entre os países do acordo, promovendo o comércio internacional.
Nesse contexto, o Brasil está no centro das atenções, pois temos a interseção entre o grande patrimônio em biodiversidade, o amplo uso de OGM e o fato de sermos o maior exportador de produtos agropecuários a assinar a convenção e o protocolo. Assim, a legislação brasileira sobre biossegurança em OGM é espelhada nos preceitos legais do Protocolo de Cartagena.
SAIBA MAIS SOBRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A atual lei de biossegurança em vigor é a Lei nº 11.105/2005, que dispõe sobre diversos aspectos do uso de OGM, como sua pesquisa, produção, manipulação, seu transporte, armazenamento, comércio e consumo, descarte e liberação no meio ambiente. Também foca em “diretrizes para o estímulo do avanço científico em biossegurança e biotecnologia, proteção à vida e saúde humana, animal e vegetal, e observância do princípio de precaução para proteção do meio ambiente” (LEI Nº 11.105/2005). Aproveite o material disponível no item Explore+ para conhecer os detalhes da legislação.
Criticada por ser mais permissiva do que a Lei nº 8.794/1995, a qual substituiu, não negou, por exemplo, nenhum pedido de aprovação de uso de OGM, tendo, inclusive, aprovado a primeira árvore GMO do mundo. A Lei nº 11.105/2005 também traz inovações. Regulamenta, por exemplo, o uso de células-tronco em pesquisa, incluindo aquelas com embriões humanos. Além disso, responsabiliza civil e administrativamente infratores, e define como crimes, entre outros: a prática de engenharia genética em células germinativas, zigotos e embriões humanos; a clonagem humana; o uso de embriões humanos e o descarte de OGM em desacordo com a legislação.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. A HUMANIDADE TEM CONQUISTADO GRANDES AVANÇOS NA ÁREA BIOLÓGICA NO ÚLTIMO SÉCULO, O QUE TORNOU POSSÍVEL A RESOLUÇÃO DE DIVERSOS PROBLEMAS E, AO MESMO TEMPO, GEROU OUTROS. SOBRE A BIOTECNOLOGIA, É INCORRETO AFIRMAR QUE:
Um dos marcos da biotecnologia moderna foi a identificação dos micro-organismos como agentes envolvidos na fermentação.
A biotecnologia verde se refere ao uso de processos biológicos de criaturas marinhas ou aquáticas na produção de itens de uso humano. X O uso da biodiversidade marinha e seus processos biológicos na produção de diversos itens de consumo e uso humano são classificados como biotecnologia azul. Entende - se por biotecnologia verde o uso na agroindústria.
A identificação da estrutura do DNA contribuiu para o surgimento de um novo ramo da biotecnologia – a engenharia genética.
Modificações genéticas permitiram o aumento de produtividade no cultivo de diversas plantas.
Os principais processos biológicos usados pela biotecnologia são catalisados por enzimas.
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2. O PROTOCOLO DE CARTAGENA REPRESENTA UM ESFORÇO INTERNACIONAL PARA O CONTROLE DA TRANSFERÊNCIA E COMERCIALIZAÇÃO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS. COM BASE EM SEUS CONHECIMENTOS SOBRE BIOTECNOLOGIA, ASSINALE A OPÇÃO CORRETA:
O uso de organismos geneticamente modificados é completamente seguro à saúde e ao meio ambiente.
Os animais são seres sencientes e, portanto, não há impedimento ético à sua exploração biológica, contanto que haja benefício humano.
A legislação vigente no Brasil define como crime a modificação genética de células germinativas e zigotos humanos. X A Lei nº 11.105/2005 classifica como crimes a manipulação genética de embriões humanos, salvo exceções, assim como a edição genética de células germinativas, zigotos e embriões humanos.
Na China, a manipulação de células germinativas e embriões humanos é legalizada. D
O Protocolo de Cartagena defende o progresso da biotecnologia em preterição da sustentabilidade e, por isso, foi banido do Brasil.
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MÓDULO 2 Distinguir as ferramentas usadas para manipulação genética de organismos
GENÉTICA APLICADA À BIOTECNOLOGIA
Como você viu, a biotecnologia tem sido largamente aplicada em diversas áreas e permitiu um desenvolvimento técnico e científico sem precedentes na Biologia de forma geral. Em especial, a capacidade de modificarmos genomas de inúmeras espécies de plantas, animais, fungos e bactérias tem sido estratégica para o desenvolvimento observado.
Mas quais são os princípios biológicos com que estamos lidando? Como se pode modificar genomas?
É o que você vai ver aqui.
Existem alguns princípios básicos de genética que devem ser explorados para que se entenda melhor suas aplicações na biotecnologia. O primeiro deles é a genética em si. Todos os organismos vivos do nosso planeta têm informações genéticas, que são as características hereditárias passadas de geração a geração. Das bactérias e vírus mais simples ao complexo genoma de plantas e animais superiores, as informações genéticas são codificadas por longas moléculas DNA ou RNA, em suas mais diversas formas e combinações.
O DNA se organiza na célula nos cromossomos. Em procariotos (bactérias), os cromossomos assumem forma circular e estão livres no protoplasma. Em eucariotos, os cromossomos são organizados, lineares e estão contidos dentro do envoltório nuclear, separados do citoplasma. Dentro dos cromossomos encontramos os genes – sequências de nucleotídeos que codificam uma informação funcional, seja na forma de proteínas ou de RNA. Além da região codificante em si, os genes normalmente possuem regiões promotoras e terminadoras da expressão, antes e depois da região codificadora. Entre os genes, existem regiões não codificadoras longas e curtas, cujas funções não são completamente conhecidas.
Estrutura do genoma em uma célula eucariota.
O entendimento da bioquímica dos ácidos nucleicos é outro ponto que deve ser revisto para que se possa compreender como as modificações genéticas são feitas. O DNA e o RNA são moléculas complexas formadas por unidades básicas mais simples, chamadas de nucleotídeos. Cada nucleotídeo é composto por três regiões principais:
A. Um açúcar de 5 carbonos
B. Um grupamento fosfato ligado ao 5º carbono
C. As bases nitrogenadas
É bom lembrar que, no RNA, não há timinas, e sim uracilas (U). Essas bases são classificadas em dois grandes grupos químicos: as purinas(A e G) e as pirimidinas(C e T ou U). As bases nitrogenadas são as responsáveis por conter a informação genética; é com elas que as células escrevem a informação contida no complexo texto que são os genomas.
A estrutura do DNA da maioria dos organismos é uma dupla hélice, com o fosfato do 5º carbono se conectando à hidroxila do 3º carbono por meio de uma ligação chamada fosfodiéster. Essa ligação deixa as bases nitrogenadas livres e, por terem cargas fracas, são capazes de interagir umas com as outras por pontes de hidrogênio e em pares de purinas com pirimidinas: A-T e C-G. A interação entre as bases nitrogenadas dos nucleotídeos é um princípio denominado complementaridade. Tal princípio faz com que duas fitas de DNA de sequências complementares interajam entre si, formando a dupla hélice, o que garante a estabilidade da informação genética.
Representação esquemática do pareamento por complementaridade entre bases nitrogenadas.
A complementaridade também permite que uma fita seja usada como molde para a síntese de outra fita nova durante a replicação do DNA – isso é chamado de duplicação semiconservativa: as fitas parentais de DNA compõem as hélices duplas com as fitas filhas de DNA.
RELEMBRANDO
Outro ponto que precisa ser relembrado é o dogma central da biologia molecular. Essa“regra” biológica afirma que o DNA é usado como molde para a síntese de novas moléculas de DNA (replicação) e de moléculas de RNA (transcrição). Nesse contexto, o RNA é um mensageiro intermediário da informação contida no DNA e é usado para síntese (tradução) de proteínas, os efetores moleculares mais comuns da célula. Vale lembrar que o sentido de transcrição DNA → RNA não é único, pois já foram descobertas enzimas virais capazes de sintetizar DNA a partir de RNA (RNA → DNA).
Dogma central da biologia molecular.
A síntese de DNA e de RNA nos processos de replicação e transcrição é mediada por enzimas capazes de reconhecer os nucleotídeos da fita-molde. Elas os pareiam com nucleotídeos trifosfatados complementares livres e catalisam a ligação fosfodiéster que une os nucleotídeos. Assim, a síntese de uma nova fita de DNA ou RNA é feita. Essas enzimas – as polimerases – podem ser subdivididas em quatro grupos, com base em sua capacidade de leitura e síntese de ácidos nucleicos:
· DNA-polimerases DNA-dependentes
· RNA-polimerases DNA-dependentes
· RNA-polimerases RNA dependentes
· DNA-polimerases RNA-dependentes
RNA-POLIMERASES DNA-DEPENDENTES
Também são chamadas de transcriptases, encontradas apenas em células.
Trata-se de enzimas virais muito úteis em biotecnologia.
PRINCÍPIOS DA TÉCNICA DO DNA RECOMBINANTE
Uma das ferramentas mais importantes da biotecnologia – que permeia todas as áreas nas quais é aplicada – é a tecnologia do DNA recombinante. Segmentos de DNA de origens diferentes podem ser unidos, formando uma nova sequência contígua chamada de recombinante, usando essa técnica. O DNA recombinado é introduzido em uma célula hospedeira e pode ser usado para modificar o genoma da célula hospedeira, gerando os OGM e os transgênicos; pode ser usado também como sistema de expressão de proteínas.
A recombinação de duas sequências de DNA é um evento que acontece naturalmente em células germinativas durante a meiose, conhecido como crossing over.
Crossing over: evento em que há recombinação homóloga.
Nesse evento, a recombinação que acontece é homóloga, pois sequências de DNA quase (ou perfeitamente) idênticas presentes nos dois cromossomos homólogos são pareadas e trocadas.
A tecnologia do DNA recombinante se baseia no princípio de que duas sequências de DNA podem recombinar entre si, mesmo que elas não sejam perfeitamente iguais. De fato, quando fundimos duas sequências de DNA para fazermos um DNA recombinante, fazemos recombinação heteróloga.
Para ver em detalhes como o DNA recombinante funciona, é necessário conhecer alguns conceitos.
Você precisa, primeiramente, saber que elemento genético deseja inserir no hospedeiro, ou o inserto.
Além disso, escolher qual o meio de transporte dessa informação, ou seja, com qual tipo de vetor será recombinado o inserto, para poder transferi-lo para a célula.
Ao mesmo tempo, é preciso definir qual a melhor célula para ser usada como sistema ou hospedeiro.
Após definidos o inserto, o vetor e o sistema celular que serão usados, é o momento de ter estratégias de seleção dos recombinantes bem-sucedidos.
Uma vez selecionados, serão expandidas em número apenas as células hospedeiras que contêm o DNA recombinante.
A esse processo dá-se o nome de clonagem molecular, pois multiplicamos células que são idênticas geneticamente, ou seja, são clones. A seguir você verá cada uma dessas etapas separadamente.
Veja a seguir o esquema da tecnologia do DNA recombinante.
ISOLAMENTO DO FRAGMENTO DE INTERESSE
Um dos elementos fundamentais para a recombinação de DNA é o fragmento de interesse, - o inserto – que será usado. O inserto pode ser qualquer sequência que desejamos colocar no sistema hospedeiro: um gene completo, com o promotor; a região codificante; o terminador; ou pode ser um RNA não codificante.
Digamos que o interesse seja expressar uma proteína recombinante humana em uma bactéria.
O inserto pode ser apenas a região genética que codifica para a proteína humana, flanqueado (ou seja, tendo em cada extremidade) por um promotor e um terminador, que podem ser tanto nativos do gene humano a ser expresso, quanto promotores otimizados para bactéria.
Idealmente, e para maximizar a produção de proteína recombinante, se o sistema hospedeiro é procarionte, devemos utilizar os promotores e terminadores bacterianos. Também é necessário otimizar todo o gene de acordo com os códons (sequência de três nucleotídeos que correspondem a um aminoácido – mas sem trocar a sequência de aminoácidos da proteína!) mais usados pela espécie de bactéria em questão – o que chamamos de otimização de códons.
O uso de sequências regulatórias específicas do hospedeiro, assim como a otimização de códons, deve ser feito sempre que possível.
Uma vez definido o inserto, deve-se obtê-lo isoladamente e em grande quantidade. Uma forma de obter o DNA do inserto em quantidade suficiente é pelo crescimento e multiplicação das células em cultivo. Tendo um número expressivo de células, é possível digerir seu DNA usando enzimas, e separar o fragmento desejado por meio de eletroforese.
Após purificação, temos o inserto em quantidade suficiente para inseri-lo no vetor. Entretanto, a digestão enzimática do DNA apresenta uma grande limitação: para usá-la, é necessário saber a sequência do fragmento de interesse com exatidão, e ela precisa conter, em suas extremidades, sítios de clivagem enzimática.
No próximo tópico você vai conhecer mais sobre a digestão enzimática do DNA.
A digestão enzimática do DNA total da célula pode ser muito trabalhosa e pouco eficaz e isso fez com que a digestão enzimática para isolamento do fragmento de interesse caísse em desuso. O método mais comumente usado hoje para amplificação de um gene, ou inserto, é a PCR. Por ela, pode-se amplificar grande quantidade de DNA-alvo a partir de muito pouco material genético e em muito menos tempo. A PCR ainda possibilita fazer pequenas alterações nas extremidades do fragmento a ser amplificado, o que será muito útil mais à frente.
O desenvolvimento de outra técnica facilitou muito o planejamento da PCR para o isolamento de um fragmento de interesse: o sequenciamento de DNA. A partir dele, sabemos exatamente a sequência do DNA-alvo e podemos delinear como fazer a PCR ou digestão enzimática. No item Explore+ você terá mais dicas de aprendizagem sobre PCR e sequenciamento.
ESCOLHA DO VETOR E ENZIMAS DE RESTRIÇÃO
Agora que o inserto está isolado, pode-se fundi-lo com o vetor. Os vetores funcionam como meio de transporte para colocar o inserto dentro da célula. Os vetores mais comumente usados são os plasmídeos, pequenos DNA circulares que possuem todos os elementos necessários à sua própria replicação independentemente dos cromossomos celulares – por isso, são chamados de autorreplicantes. De fato, plasmídeo é um termo genérico para qualquer elemento hereditário extracromossomal. Ocorre naturalmente em bactérias, como elementos genéticos móveis que são transferidos de uma bactéria a outra no processo chamado de conjugação, ou que podem ser obtidos a partir do meio ambiente, por meio do fenômeno de transformação. Você vai ver esse fenômeno em detalhes mais à frente.
COMO ESCOLHER O VETOR
O primeiro passo para escolha do vetor é definir qual será a estratégia de uso do inserto. De forma simplificada, podemos dividir os plasmídeos em dois grupos:
VETORES DE EXPRESSÃO
Se o interesse for inserir um gene exógeno no sistema com o objetivo de produzir grandes quantidades de proteína de forma temporária (ou transiente), precisaremos usar um vetor de expressão. Caso a expressão da proteína não seja mais interessante para nós, podemos “remover” o plasmídeo, e a célula volta ao seu estado genético “original”.
VETORES DE MODIFICAÇÃO
Se, por outro lado, a intenção for expressar uma determinada proteína exógena de forma permanente ou modificar um gene do organismo, poderemos usar um plasmídeo recombinado com o inserto. Este último vetor é estruturalmente diferente do primeiro e normalmente não é em si transformado para dentro da célula, mas, sim, um fragmento dele.E, mesmo que o seja, não é expresso em sua forma extracromossomal em eucariotos, pois não possui todos os elementos básicos responsáveis pela expressão, de forma que precisa estar integrado ao genoma para que a transcrição e tradução aconteçam.
Certas regiões específicas são requeridas para que os plasmídeos sejam expressos e replicados pela maquinaria celular. A região de origem de replicação, chamada Ori, é reconhecida pelos fatores celulares que farão a replicação. Caso o plasmídeo seja usado como vetor em células eucarióticas, é preciso verificar quais são os elementos necessários ao sistema hospedeiro e qual estratégia se quer adotar. Isso é devido a diferentes tipos (sequências) de Ori em eucarioto. Como ilustração, veja o exemplo da levedura, um fungo unicelular extremamente relevante para a biotecnologia. São quatro tipos diferentes de plasmídeos em leveduras, com base em Oris diferentes, que podem ser usados:
Imagem: Autor/Shutterstock
· Ori ARS, que permite a replicação do plasmídeo independentemente da replicação do cromossomo da célula, gerando múltiplas cópias do plasmídeo por célula. É instável e facilmente perdida por ela.
· Ori CEN, que só replica junto com o DNA celular e, por isso, é encontrada em poucas cópias por célula, sendo estável.
· Ori YEp, mais semelhante à Ori bacteriana, com alto número de cópias que podem ser reguladas.
· A versão sem nenhuma Ori, normalmente usada para integração direta no cromossomo.
Outra função importante dos vetores é a capacidade de oferecer alguma vantagem seletiva à célula hospedeira, seja ela procariota ou eucariota. Isso porque, apesar de ocorrerem naturalmente em muitos tipos de bactérias, os plasmídeos não são essenciais para a sobrevivência da célula em um ambiente sem pressão seletiva. No entanto, quando há pressão seletiva, a presença de um plasmídeo funcional pode oferecer a vantagem seletiva que a bactéria precisa para sobreviver a uma condição hostil.
EXEMPLO
O maior exemplo disso são os plasmídeos que transportam genes de resistência a antibióticos; embora não sejam fundamentais para a sobrevivência da bactéria em condições normais, podem dar grande vantagem seletiva e permitir que apenas as células que os possuem sobrevivam na presença do antibiótico em questão.
A terceira região é comumente encontrada em plasmídeos comerciais, com múltiplos sítios de restrição (ou digestão) enzimática (em inglês, essa região é denominada multiple cloning region – MCS). Essa região pode ser flanqueada por promotores e terminadores, ou esses reguladores podem estar presentes no inserto. É nessa região que o inserto é clonado, usando principalmente os sítios de restrição.
Imagem: Elaborado por Camilla BaezRepresentação da estrutura de um plasmídeo simples
ENZIMAS DE RESTRIÇÃO
O MCS de um vetor apresenta múltiplas sequências de DNA diferentes que são reconhecidas por enzimas capazes de clivar – ou cortar – o DNA próximo da sequência ou nela própria. Essas enzimas, por clivarem DNA no meio de uma sequência, são conhecidas como endonucleases, existem em células bacterianas e funcionam principalmente como uma forma de defesa contra DNA exógenos que podem representar uma ameaça à célula, como é o caso dos bacteriófagos.
Esse grupo de enzimas que estamos descrevendo e que usamos na clonagem molecular se destaca das demais endonucleases por clivarem o DNA em regiões específicas determinadas pela sequência, e por isso são referidas como enzimas de restrição.
De acordo com o tipo de clivagem que as enzimas de restrição podem fazer, é possível separá-las em dois grupos.
ENZIMAS BLUNT END
Existem aquelas enzimas que reconhecem determinada sequência e clivam a ligação fosfodiéster entre os nucleotídeos de ambas as fitas, na mesma posição. Em outras palavras, elas cortam reto. Por essa característica, são conhecidas como enzimas blunt end (terminação reta, cega, lisa, em tradução livre do inglês).
ENZIMAS STICKY END
O segundo grupo de enzimas de restrição também cliva sequências de DNA específicas, porém de forma assimétrica. Ou seja, a clivagem em uma das fitas que compõem a dupla hélice não é feita na posição equivalente na fita complementar, mas, sim, alguns nucleotídeos antes ou depois. Esse tipo de corte deixa algumas bases nitrogenadas livres, não pareadas por complementaridade, em ambas as fitas. Isso facilita a religação de fitas de DNA com sequências complementares livres e, por isso, as enzimas que assim clivam o DNA são denominadas de sticky end (terminação coesiva, “grudenta”, em tradução livre do inglês).
Imagem: Elaborado por Camilla BaezIlustração representando a diferença na clivagem de DNA entre enzimas de restrição coesivas (sticky) e retas, ou cegas (blunt), com exemplos
Para usar enzimas de restrição como ferramentas de clonagem molecular, é preciso ter atenção e garantir que a sequência de DNA reconhecida pela enzima esteja presente apenas uma vez, tanto no vetor quanto no inserto. Caso contrário, a enzima terá múltiplos sítios de clivagem e iremos fragmentar demais o vetor ou inserto, tornando-o inútil.
No caso do uso de enzimas do tipo coesivas, é necessária a mesma sequência de clivagem tanto MCS do vetor quanto nas extremidades do inserto. Caso a sequência de reconhecimento e clivagem não esteja presente na posição correta em um dos dois, a clonagem não dará certo, pois não haverá a complementaridade necessária ao pareamento e posterior ligação das sequências.
Se a opção for por uma enzima do tipo “cegas”, pode-se usar enzimas diferentes para digerir o inserto e o vetor, já que as sequências são cortadas no mesmo ponto, nas duas fitas. No entanto, a eficiência da próxima etapa, a ligação, vai ser muito mais reduzida do que se forem usadas enzimas do tipo coesivas.
Uma vez concluída a digestão do vetor e do inserto separadamente, o próximo passo é a união das sequências do inserto e do vetor. Após isso, verifica-se se a digestão ocorreu conforme esperado, por meio de uma eletroforese, em que o DNA do vetor, antes circular, foi linearizado, migrando mais facilmente do que sua forma circularizada. Em seguida, estabiliza-se o DNA digerido do vetor usando uma enzima chamada fosfatase. Ela remove os fosfatos do 5º carbono da desoxirribose, o que impossibilita a restauração da ligação fosfodiéster entre os nucleotídeos do próprio vetor. Isso previne que o vetor se recircularize espontaneamente, o que impediria a clonagem do inserto.
Como o inserto não teve seus fosfatos removidos pela fosfatase, a ligase consegue unir apenas o pareamento vetor-inserto.
Uma vez construído o vetor com o DNA recombinante de interesse, é preciso expandir o novo plasmídeo, o que pode ser feito tanto por transformação bacteriana quanto por PCR. Ainda que a bactéria não seja o sistema final de expressão ou o organismo que queremos modificar, a expansão do plasmídeo recombinante nesse sistema aumenta a eficiência da subsequente transformação da célula-alvo.
Imagem: Elaborado por Camilla BaezA enzima DNA-ligase faz a restauração da ligação fosfodiéster, após digestão enzimática, do inserto no vetor.
TRANSFORMAÇÃO, SELEÇÃO DOS CLONES RECOMBINANTES E MULTIPLICAÇÃO
Uma vez que o vetor com DNA recombinante tenha sido obtido, é hora de transferi-lo de um microtubo de ensaio para dentro de células. Como você viu, existe um processo natural de obtenção de DNA exógeno a partir do ambiente que células bacterianas são capazes de fazer, denominado transformação.
As bactérias que fazem transformação são chamadas de bactérias competentes. Existem diversas espécies bacterianas que são naturalmente competentes. Em biotecnologia, no entanto, é mais comum trabalharmos com uma bactéria que não é naturalmente competente: a Escherichia coli, um bacilo Gram-negativo presente na microbiota do nosso organismo.
A E. coli tem sido largamente utilizada em clonagem molecular, modificação genética e como sistema hospedeiro para expressão estável de proteínas, por ter um rápido crescimento em cultivo feito em meio relativamente simples e ter o genoma bem caracterizado. Além disso, as cepas usadasem laboratório são não patogênicas, o que a torna um hospedeiro simples e seguro de se manipular em baixo nível de biossegurança.
PROCEDIMENTO DE TRANSFORMAÇÃO
Se a E. coli não é capaz de fazer transformação, é possível usá-la como sistema?
Talvez o procedimento mais utilizado seja por meio do tratamento com cálcio (Ca+2). Quando em solução contendo cálcio, as células são congeladas instantaneamente e assim sua competência é preservada. Quando formos usar a bactéria para transformação, ela já estará competente e terá maior capacidade de transformação. Mesmo assim, apenas uma em cada 10 mil células terá a entrada do plasmídeo feita com sucesso.
Para transformar a E. coli, será necessário descongelá-la em gelo, para não perder a competência, e incubar as células junto com o DNA plasmidial. Junto com a elevação rápida de temperatura por alguns segundos no procedimento chamado de choque térmico (42oC por 30 a 45 segundos), a parede celular bacteriana, na presença de cálcio, torna-se mais permeável à entrada de DNA livre no meio. Após rápida incubação em gelo, as células são semeadas em meio sólido seletivo.
Imagem: Autor Amunroe13 / Wikimedia commons / Licença CC-BY-SA-3.0Representação da transformação bacteriana. Após congelamento instantâneo de bactéria sensível a antibiótico (1), a parede celular fica permeável (2). O plasmídeo é incubado com a bactéria, e pode entrar mediante choque térmico (3). Os clones cuja transformação foi bem-sucedida são capazes de crescer sob seleção (4).
A eficiência da transformação é proporcional à quantidade de DNA recombinante usado: quanto mais DNA, maior a chance de a transformação acontecer. Por isso, quando se trabalha com DNA recombinante, é necessário usar o máximo possível do vetor recombinante para obter o máximo de colônias e poder selecionar posteriormente aquelas que tiveram a clonagem bem-sucedida. Essa regra também é válida para a simples expansão de plasmídeos, mas se DNA demais for usado nesse caso, depois não será possível diferenciar as colônias de clones.
SELEÇÃO DOS RECOMBINANTES E MULTIPLICAÇÃO
Uma das formas de seleção de transformantes (bactérias transformadas) mais frequentemente usada é a seleção pelo uso de antibióticos no meio de cultivo – o mais comumente utilizado é a ampicilina, um derivado da penicilina; as células devem crescer de um dia para o outro em incubadora de 37oC.
Caso a transformação tenha sido bem-sucedida, é possível ver o crescimento de bactérias resistentes à seleção por antibiótico. Mas isso não é suficiente para garantir que o vetor transformado tenha o inserto recombinado. Para isso, é preciso verificar quais colônias de clones idênticos geneticamente possuem o vetor com inserto por meio de PCR e, idealmente, de sequenciamento. Finalmente, fazemos a expansão dos clones positivos para a recombinação, simplesmente repicando a colônia em meio de cultivo com seleção. A partir daí, podemos congelar uma alíquota de células, ou podemos extrair o DNA plasmidial.
Se o plasmídeo foi usado apenas como um vetor de expressão em bactérias, a seleção por antibiótico é a única necessária. Caso o sistema seja eucarioto (leveduras, células vegetais ou animais), será necessário outro marcador de seleção, específico para o tipo de sistema que estiver sendo trabalhado. Da mesma forma como podemos usar antibióticos para selecionar as bactérias que contêm o plasmídeo, podemos trabalhar com genes de resistência a antibióticos que ajam contra eucariotos, como antifúngicos e outros compostos tóxicos às células.
Outra forma de seleção presente em eucariotos consiste em sistemas que permitem o crescimento da célula na ausência de um nutriente essencial e que leva um nome complicado: complementação auxotrófica
AUXOTRÓFICA
Auxotrofia é a incapacidade que certos organismos têm de crescer em meio de cultivo na ausência de determinado nutriente.
Nesse sistema de seleção é possível, por exemplo, adicionar ao vetor recombinado o gene da enzima que faz a síntese do nutriente ausente no meio. Assim, apenas as células que contêm o DNA recombinante crescem em meio de cultivo sem determinado nutriente.
OUTRAS TÉCNICAS DE RECOMBINAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO E SELEÇÃO
A especialista Camila Baez apresenta outras técnicas de recombinação, transformação e seleção
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. A TECNOLOGIA DO DNA RECOMBINANTE TEM MUITAS APLICAÇÕES EM DIVERSOS SETORES E É UMA IMPORTANTE FERRAMENTA DA BIOTECNOLOGIA. SOBRE DNA RECOMBINANTE, É INCORRETO AFIRMAR QUE:
Mesmo que não sejam o sistema hospedeiro final, as bactérias são úteis na técnica do DNA recombinante.
O DNA recombinante consiste na união de sequências de DNA de duas ou mais origens diferentes.
Os vetores são pequenas moléculas de DNA autorreplicantes em bactérias.
A conjugação bacteriana é a principal forma de inserir o DNA recombinado nas células. X As bactérias podem adquirir DNA de forma horizontal por meio da conjugação, em que duas células trocam material genético, ou por meio de transformação, em que DNA livre no ambiente é obtido por células competentes. Na tecnologia do DNA recombinante, a forma de entrada do DNA recombinante é pela transformação.
A seleção por antibiótico é uma das principais formas de selecionar os clones recombinantes.
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2. PARA A CLONAGEM MOLECULAR, PRECISAMOS DE UM INSERTO, UM VETOR E UM HOSPEDEIRO. SOBRE A CLONAGEM MOLECULAR, É CORRETO AFIRMAR QUE:
Os plasmídeos são vetores autorreplicativos nos quais inserimos um DNA exógeno a ser clonado. X Vetores de clonagem molecular são DNA circulares extracromossomais, dispensáveis à sobrevivência da célula na ausência de pressão seletiva. Eles são replicados de forma independente por possuírem todos os elementos básicos à replicação, como uma origem, promotores e terminadores.
Chamamos de transformação ao processo de transformar organismo selvagem em geneticamente modificado.
Os plasmídeos não precisam de origem de replicação específico para serem expressos em sistemas eucariontes.
As enzimas de restrição são usadas na clonagem para sintetizar novas sequências de DNA, mediante sua capacidade sintetase.
Os clones são selecionados com base em sua semelhança fenotípica em microscopia ótica.
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MÓDULO 3 Reconhecer aplicações da tecnologia do DNA recombinante
PRODUÇÃO HETERÓLOGA DE PROTEÍNAS RECOMBINANTES
Como você viu, a tecnologia do DNA recombinante pode ser usada em diversas áreas, da Medicina à indústria de biocombustíveis e sustentabilidade. Apesar da variedade de setores que se beneficiam do avanço científico e produtivo dessa técnica, a tecnologia em si pode ser subdividida em dois tipos de sistemas principais: expressão de proteínas recombinantes e modificação genética de um organismo de forma permanente.
COMENTÁRIO
Caso o objetivo com a tecnologia do DNA recombinante seja produzir grandes quantidades de uma proteína, deve-se trabalhar com um sistema de expressão. As proteínas produzidas têm aplicações diversas. Pode-se usá-las para modificar o metabolismo de uma célula ou organismo quando, por exemplo, tornamos uma planta ou bactéria resistente a um produto químico em particular. Pode-se modificar proteínas, conjugando-as com outras proteínas fluorescentes, para visualização de estruturas celulares. Ainda é possível usar o DNA recombinante para produzir grandes quantidades de proteínas que serão purificadas e usadas em outro contexto.
Dependendo da aplicação pretendida, o sistema vai ser de expressão homóloga ou de expressão heteróloga.
EXPRESSÃO HOMÓLOGA A expressão homóloga consiste na criação de um vetor recombinante contendo um gene já presente no genoma cromossômico da célula hospedeira. Normalmente, o objetivo dessa abordagem é aumentar a síntese de uma proteína celular específica para alterar o metabolismo da célula.
EXPRESSÃO HETERÓLOGA Na expressão heteróloga, usa-se um gene de um organismo A para ser expresso na célula B. Por exemplo, pode-se expressar a proteína verde fluorescente de águas vivas em células animaisem cultivo, com diversas finalidades. Uma delas é a posterior separação da célula modificada daquelas que não o foram, em uma espécie refinada de seleção.
A expressão de proteínas recombinantes heterólogas é ainda subdividida em dois tipos, de acordo com a permanência da expressão:
TRANSIENTE Também conhecida como temporária, ocorre quando o vetor recombinante usado permanece separado do genoma cromossômico e pode ser perdido, seja pela remoção de seleção seja por múltiplas passagens em cultivo – especialmente para células de mamífero.
PERMANENTEOcorre quando o DNA recombinante é integrado no genoma da célula hospedeira e, após uma seleção inicial, não requer manutenção da pressão seletiva. Isso porque, uma vez integrado ao genoma, o DNA recombinante não é removido – a não ser que algo seja diretamente feito para que isso aconteça.
PRINCIPAIS SISTEMAS CELULARES DE EXPRESSÃO DE PROTEÍNAS RECOMBINANTES HETERÓLOGAS
Para que uma grande quantidade de proteínas seja produzida por meio de expressão heteróloga, é necessário usar o sistema celular certo. Na escolha do sistema celular, a preferência é para tipos celulares que cresçam e se multipliquem rapidamente, e que sejam de simples manutenção e manipulação genética. Sendo assim, normalmente trabalhamos com dois tipos de células, as bactérias – especialmente a E. coli – e a levedura – como a Saccharomyces cerevisiae, mas também podemos usar outras. Ambos os sistemas apresentam curto tempo de duplicação celular, baixo risco biológico, fácil manipulação genética e já existe vasto conhecimento de seu genoma.
RECOMENDAÇÃO DE PROTOCOLOS E PRÁTICAS
A escolha do sistema de expressão, no entanto, deve ser feita com cautela, já que nem toda proteína heteróloga é corretamente expressa em qualquer sistema.
A E. coli é um dos sistemas de expressão de proteínas heterólogas mais usados. Seu tempo de duplicação é de cerca de 20 minutos, e em poucas horas pode-se ter quantidade massiva de células expressando a proteína. Além disso, conhecemos bem sua genética e fisiologia e podemos usá-las a nosso favor, aumentando a produção da proteína recombinante. Vale lembrar que, para usar a E. coli como sistema de expressão, o vetor deve ter sido otimizado com as sequências Ori, promotores, terminadores e seleção ideais para essa espécie de bactérias; caso contrário, a obtenção da proteína pode não acontecer.
As aplicações da E. coli como sistema de produção de proteínas heterólogas são vastas. Em especial, seu uso tem sido muito explorado na produção de biofármacos. Por exemplo, a insulina humana produzida em E. coli é licenciada para uso humano, no tratamento de diabetes, desde a década de 1980. Outros exemplos de proteínas humanas produzidas em E. coli para posterior uso terapêutico incluem interferons, para tratamentos de doenças virais crônicas e de câncer, e diversos hormônios, como a calcitonina e hormônio da paratireoide, e glucagon.
Contudo, a E. coli apresenta uma grande limitação: por ser um procarioto, ela não faz modificações pós-traducionais nas proteínas de eucariotos. Essas mudanças são feitas após a cadeia de aminoácidos ter sido completamente sintetizada, e podem incluir aceleração na formação da estrutura tridimensional final da proteína – processo feito por proteínas auxiliares denominadas chaperonas – ou adição de grupamentos químicos, como fosfatos e açúcares. Por isso, quando tais modificações são requeridas para o funcionamento da proteína no organismo humano, a E. coli deixa de ser um bom sistema de uso.
Nesses casos, as leveduras, por serem eucariotos, podem ser capazes de fazer modificações pós-traducionais. De forma geral, as leveduras são a primeira linha de escolha como alternativa à E. coli para produção de proteínas heterólogas, por também serem unicelulares e terem fácil crescimento e manutenção em laboratório, além de metabolismo e genoma bem estudados. Entretanto, algumas modificações pós-traducionais feitas pelas leveduras podem não corresponder às observadas nas proteínas do organismo original, e acabar causando reações imunológicas quando inoculadas no paciente. Por isso, ao trabalhar com proteínas heterólogas complexas, é fundamental que haja extensos estudos para a validação da levedura como sistema. Acesse o material suplementar na sessão Explore+ para aprender mais detalhes sobre o uso da levedura como sistema de expressão de proteínas heterólogas.
Alternativamente, tem-se a produção de proteínas heterólogas ou homólogas em cultivo de células de mamíferos. A produção de anticorpos monoclonais, por exemplo, é costumeiramente feita em células modificadas de mamífero, por serem extremamente complexos. Porém, as células de mamífero são de difícil manutenção e crescem muito mais lentamente que micro-organismos, requerendo laboratórios e mão de obra mais especializados e caros.
PURIFICANDO A PROTEÍNA HETERÓLOGA
Ao trabalhar com proteínas heterólogas, alguns cuidados devem ser tomados para garantir a quantidade máxima de proteína purificada.
Primeiro, devemos ter meios de detecção da produção da proteína, e identificar em qual momento sua expressão atinge o ápice para poder ser purificada.
Também é preciso garantir o máximo de solubilidade da proteína, pois, se ela formar precipitados no hospedeiro, não conseguiremos separá-la.
Além disso, a formação de precipitados pode prejudicar o metabolismo e a própria viabilidade do sistema hospedeiro, caso se torne tóxico à célula.
Adicionalmente, é preciso ter uma forma de purificá-la. Para isso, lançamos mão de técnicas de cromatografia de afinidade, em que a afinidade química forte entre dois compostos diferentes permite que o composto solúvel seja ligado com alta especificidade e, após lavagens, seja purificado com elevada produtividade.
DOIS COMPOSTOS DIFERENTES
Um solúvel em um meio macromolecular complexo e ou outro fixado em uma coluna ou resina.
	Marcador 
	Sequência de aminoácidos 
	Flag-tag
	DYKDDDDK
	HA-Tag
	YPYDVPDYA
	Poli-His-Tag
	6 ou mais histidinas seguidas (HHHHHH)
	Myc-Tag
	EQKLISEEDL
	GFP-Tag
	Proteína verde fluorescente, cadeia longa.
	Biotina
	Se liga à Estreptoavidina
 Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal
Marcadores de proteína Tabela: Elaborado por Camilla Baez
MODIFICANDO ORGANISMOS GENETICAMENTE
Talvez a maior possibilidade oferecida pela engenharia genética, além dos sistemas biológicos simples para expressão heteróloga de proteínas, seja a capacidade de modificação direta do genoma de organismos. Podemos usar ferramentas clássicas, como a recombinação homóloga, ou técnicas mais modernas, como a CRISPR/Cas.
Como você já viu, a recombinação homóloga acontece em células que passam por meiose, em que trechos dos cromossomos homólogos (cromossomos que contêm o mesmo tamanho, estrutura e genes) são trocados durante o emparelhamento para posterior separação e citocinese. Essa troca é uma ferramenta de variabilidade genética, gerando gametas com conteúdo genético mais diversificado.
A recombinação homóloga pode acontecer como resposta de dano ao DNA (DDR – DNA damage repair, em inglês). Durante a divisão celular, erros na síntese do DNA podem desencadear a resposta de reparo, tanto na mitose quanto na meiose. Os tipos de erros são muitos, como a incorporação de nucleotídeos errados, ou a quebra da ligação fosfodiéster entre os nucleotídeos que compõem a fita-molde (quebras nas fitas-duplas, DSB – double-strand breaks, em inglês). A DDR pode levar ao reparo e à viabilidade celular ou à morte celular, dependendo de quão extenso seja o dano.
Imagem: Elaborado por Américo Jr.Exemplos de dano ao DNA que desencadeiam a resposta ao dano do DNA.
Na engenharia genética, podemos nos beneficiar desse sistema de reparo. Em especial, a DSB pode ser explorada, pois então as fitas estarão livres (e parcialmente descontinuadas) para que a recombinação homóloga possa ser feita. Da mesma forma, como o DNA de cromossomos homólogos se pareiam e são trocados no crossing over, pode-se usar o pareamento com sequências homólogas exógenas produzidas por DNA recombinantes,e introduzir um inserto no genoma.
É necessário garantir que o DNA com homologia esteja, no entanto, bem próximo do sítio de quebra. Nesse caso, o DNA exógeno terá entrado na célula por meio de transformação, e o genoma da célula começa a ser replicado. Uma vez que o DNA tenha sido quebrado em ambas as fitas, ocorre o processo de ressecção, em que parte da fita dupla é removida, deixando uma fita simples, que será usada como molde de homologia. A recombinação homóloga pode ser dividida em três etapas:
Pré-sinapse – após a DSB, enzimas conhecidas como recombinases formam um complexo ao redor do sítio em que a fita dupla foi quebrada. Essas proteínas se ligam às fitas simples, o que facilita o reconhecimento das regiões de homologia.
Sinapse – caso o DNA homólogo esteja presente, as recombinases farão o pareamento dos nucleotídeos entre as fitas quebradas e o inserto homólogo.
Pós-sinapse – o complexo recombinase é desfeito, e a duplicação do DNA é feita, finalizando o processo de recombinação homóloga.
A recombinação homóloga permitiu o desenvolvimento de micro-organismos, plantas e animais modificados geneticamente. Hoje, podemos remover um gene por completo de um organismo, gerando os chamados nocautes (KO – knock-out, em inglês). Também podemos usar essa ferramenta para transferir genes de um organismo A para o B, como foi visto para a produção de cereais transgênicos contendo o gene Bt do Bacillus thuringiensis. O princípio da recombinação homóloga também abriu caminho para uma técnica ainda mais moderna: a edição genética usando o sistema CRISPR/Cas, objeto de estudo da videoaula.
RECONHECER APLICAÇÕES DA TECNOLOGIA DO DNA RECOMBINANTE
A especialista Camila Baez fala sobre a ferramenta de edição genética CRISPR/Cas.
BIBLIOTECAS DE DNA E CDNA
Outra aplicação da clonagem molecular é a produção de bibliotecas de DNA, produzidas pela clonagem de milhares de genes de um organismo-alvo dentro de bactérias ou leveduras, como livros em uma biblioteca. As bibliotecas de cDNA, por exemplo, contêm todos os genes transcritos reversamente (de RNA para cDNA), representando todos os genes sendo expressos em determinado momento, que podem estar relacionados à fase do ciclo celular, ao desenvolvimento do organismo, a condições ambientais e específicas de cada tecido.
Como são feitas a partir dos RNA mensageiro sendo expressos, as bibliotecas de cDNA não possuem elementos regulatórios, como promotores e terminadores, nem elementos não traduzidos, como introns. Como bactérias não têm os mesmos elementos reguladores, nem introns, as bibliotecas de cDNA são sistemas úteis na produção heteróloga de proteínas de eucariotos em sistemas procariotos.
Caso haja interesse em estudar o DNA genômico, pode-se utilizar bibliotecas de DNA, que contêm todos os elementos regulatórios e introns, e são formadas como cromossomos artificiais em bactérias (BAC – Bacterial Artificial Chromosome, em inglês), leveduras (YAC – Yeast Artificial Chromosome, em inglês) ou PAC (P1-derived Artificial Chromosome, em inglês). As bibliotecas de DNA são particularmente úteis em pesquisa científica sobre expressão de genes usando sistemas heterólogos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. A ENGENHARIA GENÉTICA PERMITIU A EVOLUÇÃO DE TERAPIAS E DE MELHORAMENTOS BIOLÓGICOS. SOBRE A PRODUÇÃO HETERÓLOGA DE PROTEÍNAS, É CORRETO AFIRMAR QUE:
As proteínas heterólogas são produzidas por meio de modificações genéticas no organismo em que elas são usadas.
A tecnologia do DNA recombinante não está relacionada à produção de proteínas heterólogas.
O principal organismo usado na produção de proteínas heterólogas é o cultivo celular de insetos.
A E. coli é o principal sistema de expressão de proteínas heterólogas, por ser de fácil manutenção e crescimento. X Para que a produção de proteínas heterólogas seja bem-sucedida, são necessárias grandes quantidades de proteínas e, consequentemente, de muitas células. A E. coli é uma bactéria não patogênica, que duplica rapidamente, permitindo que grandes quantidades de células sejam obtidas em poucas horas.
Apenas células de natureza humana podem produzir proteínas heterólogas de humanos, caso contrário as proteínas não serão funcionais.
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2. “FRENTE AOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS E NO CONHECIMENTO, O ENTENDIMENTO DOS MECANISMOS ENVOLVIDOS NA DIVISÃO CELULAR E OS DIFERENTES FATORES QUE CONTROLAM AS FASES DO CICLO CELULAR VÊM GANHANDO DESTAQUE E UMA NOVA COMPREENSÃO EM NÍVEL MOLECULAR.” (NEPOMUCENO ET AL., 2017)
CONSIDERANDO A AFIRMAÇÃO ACIMA, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:
Uma das ferramentas usadas na engenharia genética é a transmutação, capaz de alterar organismos a partir da entrada de genes endógenos.
Uma das ferramentas úteis na engenharia genética é a recombinação, feita especialmente por translocases, que translocam segmentos de DNA de um cromossomo a outro.
A recombinação heteróloga é usada para inserir segmentos de DNA que contêm sequências idênticas, por meio de recombinases.
A recombinação homóloga é usada para inserir segmentos de DNA que contêm sequências idênticas, por meio de recombinases. X O processo de recombinação homóloga acontece quando há quebra da fita dupla de DNA. No local da quebra, forma-se um complexo de reparação que contém recombinases, enzimas responsáveis pelo pareamento com sequências idênticas que auxiliam no reparo ao inserirem as sequências livres.
O sistema de reparo de dano ao DNA constitui uma ferramenta usada pela técnica de transformação, em que a restrição enzimática repara a quebra da fita dupla do DNA.
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