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Sugestões de assuntos de Arqueologia para o evento da “Lua Cheia” Bianca Quaresma, Débora Elpes e Lucas Soares · Sobre os sentidos Durante a trilha: *Ressaltar, no início da trilha, a intensidade dos sons que produzimos nas cidades, exemplificando com o som do trânsito, que gradualmente diminuirá conforme a caminhada prosseguir. A atmosfera sonora dos lugares de vivência coletiva é produto das atividades que são exercidas ali, culturalmente orientadas, sendo uma materialidade potente para se pensar a experiência de vida de grupos específicos. Vocês já pararam pra pensar como é diferente nossa experiência numa trilha durante o dia e durante a noite? Como nossa atenção é direcionada para diferentes aspectos dependendo da luz disponível no ambiente, e das atividades que realizamos? Aqui, agora, incomoda o fato de não enxergar possíveis animais na mata? Dá medo? O que vocês fariam para tentar identificar a presença de um animal? Além da visão, que outros sentidos poderiam ser acionados? Provavelmente a audição e o olfato né? Na nossa sociedade, aprendemos desde cedo que o sentido mais adequado para perceber as coisas e o mundo é a visão. Toda nossa ciência se desenvolveu de forma a aprimorar nossa capacidade de ver as coisas. Mas será que os outros sentidos são piores para nossa experiência de vida? Será que é possível experimentar o cotidiano sem uma ampla variedade de sentidos participando? Quão diferentes são os mundos de pessoas que não organizam suas coisas por aspectos visuais? Quanto uma coisa muda quando se altera a maneira como a percebemos? A arte rupestre poderia ser percebida de maneiras diferentes a depender do período do dia, iluminação, temperatura, práticas realizadas e afins. Os tons das cores das pinturas podiam ser diferentes, o efeito de movimentação causado pelo movimento trêmulo do fogo, a composição da paisagem (como o sol da manhã, e a noite com as outras estrelas, lua e demais astros). Também é possível que aquelas pessoas representadas na exposição de arqueologia não tivessem uma vivência protagonizada pela visão – como estamos acostumades hoje em dia. Poderíamos sugerir que elas se utilizavam de outras informações disponíveis no ambiente para se localizarem e, consequentemente, organizarem o espaço e as coisas ao seu redor. Como selecionar um bom material para fazer uma faca ou uma ponta de flecha sem tocar e ouvir seu som? Como escolher uma boa lenha sem sentir seu peso e seu cheiro? A educação que recebemos ao longo de nossas vidas nos leva a pensar nas coisas a partir de seus aspectos visuais, mas essa característica não parece ser compartilhada por todos os grupos humanos, não sendo a única alternativa possível. Durante a pausa: Propomos que todes fechem os olhos, e tentem depositar mais atenção nos sons que permeiam o ambiente. Esses são sons próprios de nossos meios urbanos? Caso nos perdêssemos na mata, seria fácil distinguir o som da cidade do som da floresta? Como seria a atmosfera sonora de lugares onde grupos indígenas antigos se reuniam? Imaginemos a intensidade dos sons produzidos durante as atividades que costumavam realizar, como lascamentos de pedras, conversas públicas, processamento de mandioca, produção de arcos e bordunas, e picoteamento de gravuras rupestres, por exemplo (neste momento, alguém do educativo pode simular barulhos batendo algumas pedras). Não seriam sons bastante intensos, e diferentes “dos nossos sons”? Além desses sons estarem ligados às atividades que os produzem, eles estarão relacionados aos materiais utilizados. E se alguns grupos humanos antigos distinguissem suas técnicas ou artefatos pelos sons produzidos durante o seu “fazer”, ou por características de seus materiais que não são visuais? Durante esse processo, poderíamos criar memórias que conectam paisagem, sons, cheiros, sensações táteis, etc. – uma construção holística do espaço. Provocação: se atividades e coisas diferentes produzem sons diferentes, que são parte crucial do cotidiano das pessoas, podendo até ser utilizados como “referência” (como voltar para a cidade, não enxergando mais a rua?), poderíamos considerar os “barulhos” como parte de um sítio arqueológico? Pensemos nas igrejas, por exemplo. Sua presença se restringe às suas paredes, ou ela vai até o alcance de seus sinos? · Sobre os gestos Além de diferentes estímulos sensoriais, uma diferença marcante entre caminharmos na mata e na cidade tem a ver com a forma com que nos movimentamos. Em trilhas, precisamos realizar gestos com nossos corpos que não temos o costume de praticar em nosso dia a dia, o que pode ser estranho em um primeiro momento, e até causar algum cansaço. Não estamos acostumades, por exemplo, a contemplar o céu com frequência. Por isso, quando o fazemos, acionamos movimentos diferentes do usual. Os gestos que realizamos com nossos corpos também estão bastante relacionados com as atividades que realizamos e com o modo de vida que levamos. Esses gestos fazem parte do processo de aprendizado pelo qual passamos desde crianças, e que leva nossos corpos a serem mais capazes de fazer determinados movimentos, e consequentemente, estar mais adequado a determinadas atividades. Não faz sentido, então, esperar que todos os grupos humanos se movimentem e tenham corpos muito semelhantes. Tais questões serão influenciadas pelos costumes, lugares e contextos onde vivem. Provocação: para estimular a conversa sobre as posturas do corpo, podemos sugerir que as pessoas se agachem para conversar, e sintam se a posição é confortável para elas. Tentar observar o céu pela copa das árvores também pode ser uma boa, para que se sintam músculos trabalhando que sejam diferentes dos que estamos acostumades. · Sobre a percepção (relacionalidade) Pensando nas estrelas... Vocês costumam olhar pro céu com frequência? Da casa de vocês dá para ver bastante estrela? Acho que todos concordamos que muitas vezes o céu passa despercebido por nós, porque não fomos educades para prestar atenção nele. No entanto, aqui na trilha as estrelas nos chamam muita atenção... Por que será? Provavelmente, num ambiente diferente daquele que estamos acostumados (a cidade) qualquer coisa pode nos chamar atenção pelo simples fato de que não sabemos como reagir/interagir. Não temos uma conduta pré-estabelecida na nossa cabeça e isso nos estimula a pensar em novas soluções para nos referenciarmos. O mundo em que vivemos depende das coisas que percebemos, do que prestamos atenção. Somos educades desde cedo para repararmos mais ou menos em determinadas coisas, e isso age diretamente no mundo em que vivemos. Poderíamos dizer, então, que pessoas com diferentes motivações, interesses, necessidades, maneiras de lidar com o mundo e de experimentar suas vidas, propriamente vivem em mundos diferentes dos nossos. Provocação: como é o caminho de vocês da casa para o trabalho ou para escola? Vocês conseguem se lembrar das cores, das árvores, dos detalhes no asfalto, nas vistas que surgem ao longo do caminho, ou ele é apenas um meio para se chegar a algum lugar?