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origens do pensamento economico brasileiro


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Aula 2: Origens do pensamento econômico brasileiro
07/05
O significado da independência sobre as ideias econômicas
Após a independência, surge no Brasil:
uma imprensa autônoma que incorpora questões nacionais;
uma literatura que busca incorporar elementos nacionais; 
uma elite intelectual formada nas primeiras faculdades do país:
Faculdade de Direito de Recife;
Faculdade de Direito de São Paulo;
Faculdade de Medicina da Bahia;
Faculdade de Medicina de São Paulo.
O Brasil: algumas interpretes
Silvio Romero (Faculdade de Direito de Recife)
José de Alencar (Faculdade de Direito de São Paulo)
Raimundo Nina Rodrigues (Faculdade de Medicina da Bahia)
Manoel Bomfim (Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro)
Euclides da Cunha (Jornal do A Província de S. Paulo, atual O Estado de S. Paulo)
Machado de Assis
Lima Barreto
... somente para citar alguns.
O significado da independência sobre as ideias econômicas
Após a independência, diversas formas de manifestações artísticas (literatura, por exemplo), científicas (Direito e Medicina, por exemplo) e de comunicação (imprensa, por exemplo) irão contemplar questões como:
O que é o Brasil?
O que explica o atraso econômico do Brasil?
Qual o papel do Estado na economia? 
O Estudo da Economia Política no século XIX
Os primeiros estudos sobre Economia Política no Brasil são ministrados nas Faculdades de Direito. 
Observação: Economia Política é a expressão utilizada para o “conjunto teórico” produzido pelos economistas clássicos como Adam Smith, David Ricardo e Stuart Mill, dentre outros. Nesse sentido, pode-se afirmar o predomínio da ideologia liberal nos cursos de Economia do Brasil do século XIX.
As origens do pensamento econômico brasileiro
Podemos considerar dois importantes temas que estiveram presentes no Brasil do século XIX:
O problema da escravidão no Brasil
 (praticamente todo o império até a abolição)
O debate entre os metalistas e o papelistas 
(após a década de1860)
I - O problema da escravidão no Brasil
O problema da escravidão
Muitos pensadores brasileiros consideraram argumentos econômicos para defender ou criticar o sistema de produção escravista vigente no Brasil. 
O problema da escravidão
José de Alencar:
Apesar de condenar a escravidão, Alencar argumenta que a abolição traria a bancarrota do país em função da destruição das bases da riqueza nacional, ou seja, das estruturas de produção agrícolas do país, além de uma possível guerra social entre negros libertos e os grandes proprietários rurais. Esta evidência pode ser encontrada. em suas cartas destinadas ao Imperador, escritas entre 1865 a 1968
O problema da escravidão
José de Alencar:
“Para a casta sujeita, ainda não educada, a emancipação nas circunstâncias atuais é um edito de miséria pelo abandono do trabalho e de extermínio por causa da luta que excita entre as duas raças.”
	“Para a casta dominante, especialmente a agrícola, importa a ruína pela deserção dos braços e impossibilidade de sua pronta substituição; importa igualmente o perigo e sobressalto da insurreição iminente.” 
(Cartas de Erasmo: ver referência no final da aula)
O problema da escravidão
Os abolicionistas
Alguns dos abolicionistas brasileiros incorporaram, explícita ou implicitamente, os argumentos econômicos presentes na A Riqueza das Nações, de Adam Smith.
De uma forma geral, os argumentos contrários à escravidão consideravam os incentivos existentes em um sistema de produção escravista. Este é o caso de José Bonifácio de Andrada e Silva, que considera os incentivos na adoção de técnicas adequadas à produção.
O problema da escravidão
José Bonifácio de Andrada e Silva
(...) os senhores que possuem escravos vivem, em grandíssima parte, na inércia, pois não se veem precisados pela fome ou pobreza a aperfeiçoar sua indústria, ou melhorar sua lavoura. Demais, continuando a escravatura a ser empregada exclusivamente na agricultura, e nas artes, ainda quando os estrangeiros pobres venham estabelecer-se no país, em pouco tempo, como mostra a experiência, deixam de trabalhar na terra e entregam-se à vadiação e desleixo, pelos caprichos de um falso pundonor. As artes não se melhoram; as máquinas, que possuem braços, pela abundância extrema de escravos nas povoações grandes, são desprezadas. Causa raiva, ou riso, ver vinte escravos ocupados em transportar vinte sacos de açúcar, que poderiam conduzir uma ou duas carretas bem construídas com dois bois ou duas bestas murares. (Andrada e Silva, 2002, p. 206)
O problema da escravidão
Adam Smith (A Riqueza das Nações)
“com base na experiência de todas as épocas e nações, acredito, pois, que o trabalho executado por pessoas livres ao final se torna mais barato do que o executado por escravos”. (Smith, 1883, p. 103 - I)
“Ora, se raramente se pode esperar grandes melhorias da terra por parte dos grandes proprietários, muito menos se pode esperar quando eles empregam escravos como trabalhadores. Segundo acredito, a experiência de todas as épocas e nações demonstra que o trabalho executado por escravos, embora aparentemente custe apenas a própria manutenção dos escravos, ao final é o mais caro de todos. Uma pessoa incapaz de adquirir propriedade não pode ter outro interesse se não comer o máximo e trabalhar o mínimo possível. Se algo ela fizer, além do suficiente para pagar a própria manutenção, só o fará se isso a beneficiar pessoalmente, sedo impossível obriga-la a fazer esse algo mais sob violência”. (Smith, 1983, p. 238 - I)
O problema da escravidão
José da Silva Lisboa
Em seu texto Da Liberdade do Trabalho, Lisboa explicita os argumentos contidos na A Riqueza das Nações ao considerar o alto custo relativo do escravo e o baixo incentivo que esse tipo de trabalho produz nas inovações das técnicas produtivas agrícolas.
O problema da escravidão
Joaquim Nabuco
Em O Abolicionista, Joaquim Nabuco, apresenta argumentos contrários à escravidão: “a desonra do trabalho manual”, “o retardamento da indústria” e “o afastamento das máquinas” (Nabuco, 2003, p. 110).
Liberalismo e escravismo: as ideias fora do lugar.
Roberto Schwarz
Se por um lado o Brasil recém-independente buscava na ideologia liberal argumentos para o progresso econômico, por outro adotava uma instituição contraditória: a escravidão. 
O escravismo desmentia as ideias liberais, colocando-as “fora do lugar”, já que o liberalismo clássico, por ser construído com base em interesses e incentivos individuais, seria incompatível com o sistema servil. Segundo Schwarz, no Brasil oitocentista, a “escravatura opunha à racionalização produtiva” (Schwarz, 2012, p. 14). 
“O incentivo à eficiência, que deveria depender da renda auferida no processo produtivo, era “fundada na violência e na disciplina militar” (Schwarz, 2012, p. 14). 
Havia ainda a impossibilidade de se considerar o mercado de trabalho como mecanismo de ajuste da relação entre emprego e produtividade, já que o escravo não podia ser demitido. 
Schwarz conclui que “por sua mera presença, a escravidão indicava a impropriedade das ideias liberais” (Schwarz, 2012, p. 15). 
Liberalismo e escravismo: as ideias fora do lugar.
Roberto Schwarz
Outra implicação do sistema escravista: 
“Esquematizando, pode-se dizer que a colonização produziu, com base no monopólio da terra, três classes de população: o latifúndio, o escravo e o “homem livre”, na verdade dependente. Entre os primeiros dois a relação é clara, é a multidão dos terceiros que nos interessa. Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande”. (Schwarz, 2012, p. 15). 
Este sistema criou distorções na sociedade e economia brasileira:
 O favor supera o mérito;
 Poucos empreendedores que crescem pelo próprio esforço;
 Para os não escravos e não proprietários de terra, prevalece a conveniência do sistema escravista pelo favor. 
Em suma...
Existiu uma contradição no Brasil:
 
sistema escravista x liberalismo econômico
Sistema escravista => incentivos com base na violência + relações de favores=> ineficiente sobre o ponto de vista produtivo.
Liberalismo econômico => incentivos individuais:
	Produtores => lucro 
	Trabalhadores => salário
	
II - O debate entre metalista e papelistas
O debate entre metalistas e papelistas
Contexto do debate: 
Final do século XIX e início do XX => auge do capitalismo mercantil.
Adoção pelos países do denominado padrão-ouro.
Brasil: fim do sistema escravista e crescimento da lavoura de café no Centro Sul do País.
Questão central: qual o impacto da adoção do padrão-ouro para uma economia agroexportadora como o Brasil?
Padrão-ouro: os países garantem a conversibilidade das moedas nacionais em ouro. Trata-se de uma forma de manter as taxas de câmbio fixas. 
O debate entre metalistas e papelistas
Metalistas 
Francisco Belizário, Torres Homem e Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda de Campos Sales (1898-1902).
Influenciados pelas ideias dos economistas clássicos: Smith, Ricardo, Mill, dentre outros.
Defendiam o padrão-ouro e a conversibilidade da moeda nacional.
Defendiam uma política monetária voltada para o controle da inflação e manutenção da conversibilidade.
 De uma forma mais ampla, defendiam o liberalismo econômico.
Representavam a “ortodoxia” liberal da época.
O debate entre metalistas e papelistas
Papelistas
Souza Franco (ministro na década de 1850), Irineu Evangelista de Sousa (Barão de Mauá), Jerônimo José Teixeira Júnior (Visconde de Cruzeiro) e de Afonso Celso de Assis Figueiredo (Visconde de Ouro Preto), João Alfredo e Lafayette Rodrigues Pereira, além de Rui Barbosa.
 É necessário prover crédito à economia, o que torna necessário o aumento do meio circulante.
 A política monetária deve estar condicionado ao desenvolvimento econômico, o que pode ser incompatível com um regime de câmbio fixo ou com o padrão-ouro. 
 Defesa da existência se bancos emissores como forma de “sancionar” o ciclo ascendente dos negócios. 
A emissão monetária não necessariamente é um problema.
O debate entre metalistas e papelistas
O debate entre metalistas e papelistas demonstra a importância das ideias econômicas, que cresce com a independência do país.
Também reflete a influência dos economistas clássicos sobre os pensadores brasileiros (particularmente entre os metalistas). 
O debate antecipa, segundo a opinião de alguns pesquisadores, outros debates que se farão presentes no Brasil até os dias atuais:
	liberalismo x intervencionismo; 
	liberalismo x desenvolvimentismo;
	ortodoxia x heterodoxia.
Bibliografia utilizada nesta parte da aula
ALENCAR, José. Cartas a Favor da Escravidão (organização Tâmis Parron). São Paulo: Hedra, 2008.
ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. José Bonifácio de Andrada e Silva. (Organização e introdução de Jorge Caldeira). São Paulo: Editora 34, 2002.
BOMFIM, Manoel. A América Latina: males do origem. Rio de Janeiro, Topbook, 2005.
FONSECA, P. C. D e MOLLO, M de L. R. Metalistas x papelistas: origens teóricas e antecedentes do debate entre monetaristas e desenvolvimentistas. Nova Economia, 22 (2), 2012, disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/4004/400437558001.pdf
Bibliografia utilizada nesta parte da aula
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Brasília: Edições do Senado Federal, volume 7, 2003
SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas (tradução de Luiz João Baraúna). Volume I e II. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
Ver também artigo meu com o Professor Amaury Patrick Gremaud, que considera o debate sobre a escravidão a partir da leitura da obra As vítimas Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo, disponível em :
http://www.abphe.org.br/arquivos/2019-marcio-bobik-braga--amaury-patrick-gremaud.pdf
Próxima aula
O pensamento econômico brasileiro no século XX: o debate entre os liberais e os desenvolvimentistas: uma introdução.
Bibliografia:
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.

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