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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares - SIEBE / SEDUC – PA __________________________________________________________________________ Entre Saberes / Secretaria de Estado de Educação. Cefor. - v. 06. n. 11. Belém, PA: SEDUC, CEFOR, dezembro 2023. Semestral ISSN: 2596-0431 Revista de relatos de experiência em foco do Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (Cefor). 1. Educação – Ensino e Aprendizagem. 2. Metodologia. I. Secretaria de Estado de Educação do Pará. Cefor. __________________________________________________________________________ CDD - 22. ed. “Entre Saberes” é uma publicação online de periodicidade semestral, destinada à publicação de experiências educacionais exitosas, concebidas e realizadas por profissionais das escolas da rede de Educação Básica do estado do Pará, valorizando o profissional da educação e propiciando o efeito multiplicador dessas práticas na rede. GOVERNADOR Helder Zahluth Barbalho VICE-GOVERNADORA Hana Ghassan Tuma SECRETÁRIO DE ESTADO DE EDUCAÇÃO - SEDUC Rossieli Soares da Silva SECRETÁRIO ADJUNTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA Júlio César Meireles de Freitas SECRETÁRIO ADJUNTO DE GESTÃO DE PESSOAS Marcelo Thiago França Roque Ribeiro SECRETÁRIO ADJUNTO DE PLANEJAMENTO E FINANÇAS Patrick Tranjan SECRETÁRIO ADJUNTO DE LOGÍSTICA Belmiro Soares Campelo Neto SECRETÁRIO ADJUNTO DE INFRAESTRUTURA Arnaldo Dopazo Antônio José DIRETOR DE FORMAÇÃO CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARÁ Francisco Augusto Lima Paes EQUIPE ENTRE SABERES Autor Corporativo: Centro de Formação dos Profissionais da Educação do Estado do Pará Endereço: Rua Gama Abreu, 256 - Bairro de Nazaré Belém – Pará CEP: 66.015-130 Email: ceforrevista@gmail.com EDITORAS Nádia Eliane Cortez Brasil Sandra Lúcia Paris CONSELHO EDITORIAL Esther Maria de Souza Braga Francisco Augusto Lima Paes Nádia Eliane Cortez Brasil Sandra Lúcia Paris DIAGRAMAÇÃO Paulo Roberto Sousa David DESENHO DA CAPA Desenho de autoria de Letícia Alva Farias Rodrigues e Sophia Palheta Vieira (Alunas do 2º ano do Ensino Médio da E.E.E.F.M. Profa. Dilma de Souza Cattete) ARTE DA CAPA André Luís Pereira de Freitas PARECERISTAS AD HOC Profa. Ma. Ana Lúcia da Silva Brito Prof. Dr. Marcello Paul Casanova Profa. Dra. Melissa da Costa Alencar Profa. Dra. Missilene Silva Barreto Prof. Me. Roberto Pinheiro Araújo Profa. Ma. Salier Juliane dos Santos Castro Prof. Dr. Wandré Guilherme Campos Lisboa ORGANIZADORES DESTE NÚMERO Marcello Paul Casanova Salier Juliane dos Santos Castro REVISÃO GERAL Profa. Ma. Esther Maria de Souza Braga Periodicidade: semestral Endereço eletrônico: https://www.seduc.pa.gov.br/cefor/pagina/9186- entre-saberes mailto:cefor.seduc@gmail.com APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................ 5 REFLEXÕES SOBRE ASSÉDIO E VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: RELATOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE BELÉM (PA) .............................................................................................. Ednei Silva Paiva, Juliete Miranda Alves e Rosangela Maia Ribeiro 8 EMPODERE-SER ............................................................................................................................. Cléa Magnólia Figueira Palha, João Batista Feitosa Machado e Nelma Suely Barros Freitas 19 UMA HISTÓRIA CONTADA EM BIOGRAFIA ................................................................................. Francinete de Jesus Pantoja Quaresma, Tânia Maria Cardoso dos Santos e Maria do Socorro Dias da Silva 28 REVELANDO SENTIMENTOS: DA DOR AO EMPODERAMENTO ............................................... Michelle Sadalla Naif Daibes 39 VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: ESCLARECER PARA COMBATER .......................................... Edival Rodrigues Prazeres, Josiane Tenório Souza e Miriam das Neves 48 MAS ELA SE QUER: ABORDANDO O EMPODERAMENTO FEMININO A PARTIR DA PRÁTICA EDUCATIVA COM QUADRINHOS ................................................................................................... Denise Santos de Figueiredo Vale, Márcio Alexandre Guedes Fernandes e Jorge Osvaldo Alcântara Peixoto Filho 56 TECENDO DIÁLOGOS PARA O EMPODERAMENTO FEMININO .................................................. Cleice do Socorro Abreu Maciel 69 MULHERES NA FILOSOFIA: O PENSAMENTO EMPODERADO ................................................. Isabel Cristiane de Mendonça Silva 78 EMPINANDO PIPAS: O PROTAGONISMO FEMININO NA CONSTRUÇÃO DE PIPAS E DO APRENDIZADO MATEMÁTICO ....................................................................................................... Thiago Diogo Dias Cardoso 88 ROSA DE CETIM: UM CORDEL QUE EMPODERA ....................................................................... Wilson Nascimento de Lima 97 ESTRATÉGIAS DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR CRÍTICO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO CONTO DE MARINA COLASANTI “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” ..... Sandra Regina Feiteiro e Hélio Castro do Nascimento 104 A ARTE E SUAS EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS EM CONEXÃO COM A SOCIOLOGIA PARA O EMPODERAMENTO FEMININO ....................................................................................................... Robelania dos Santos Gemaque, Sarah de Aviz Cardoso Rocha e Péricles Douglas Matos 116 DIVERSIDADE NO A.R: EMPODERAMENTO FEMININO NA PRÁTICA DOCENTE ..................... Ana Maria Raiol da Costa e Rita de Cássia Macedo Leal 126 Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 5 A Revista Entre Saberes chega à sua 11ª edição e não tardiamente traz um tema de grande importância e relevância social, o Empoderamento Feminino, que nesta edição se apresenta diluído em variadas experiências e práticas pedagógicas desenvolvidas e vivenciadas no período de março de 2022 a março de 2023 em 11 escolas de Tempo Integral de Ensino Médio e Fundamental da região metropolitana de Belém. A Entre Saberes é um periódico semestral organizado pelo Centro de Formação de Educação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará, o CEFOR, que tem como principal objetivo dar visibilidade às produções escritas e compartilhar práticas de sala de aula entre os docentes da rede pública de ensino do Estado do Pará. Os relatos apresentados nesta edição são resultados do curso Educação de Gênero e Diversidade: formando para o empoderamento feminino ofertado pelo CEFOR, atendendo à implementação da lei estadual 8.775 de outubro de 2018, que institui nas escolas públicas e privadas a Semana do Empoderamento Feminino. O curso foi estruturado em seis módulos, contemplando os temas de direitos humanos, educação, relação de gênero e literatura e a materialização das ações nas escolas foi desenvolvida a partir da Pedagogia de Projetos. Nesta edição, além do exercício de autoria, o leitor notará, que em todas as ações desenvolvidas houve a escolha consciente de trazer a/o estudante para o centro das ações, isso se deu pela escolha da Pedagogia de Projetos como estratégia, a proposta era que as ações fossem gestadas e produzidas em parceria com as alunas e os alunos, evidenciando o protagonismo dos atores envolvidos: docentes e discentes, dividindo a cena e o centro da sala de aula, num exercício freireano de mutualidade. Dialogando com a proposta da estratégia adotada, que tem em sua essência estimular o protagonismo da/do estudante e fazê-la/lo sentir-se parte da construção e da produção das aulas, Berth (2020) diz que a ideia de dar poder, presente no conceito de Empoderamento, está relacionada a estimular em alguém algum nível deaceitação, de modo que venha a desenvolver novas percepções sobre a realidade existente e sobre si mesmo. O empoderamento é um movimento de tomada de consciência e (ou) de despertamento de potencialidades que se inicia internamente, porém nunca haverá empoderamento se a percepção individual não sair em busca de alcançar a coletividade. Nesse contexto de desvelamento de potencialidades, buscou-se estimular a escrita autoral de alunas e a parceria entre alunas e alunos na produção de performances, vídeos, fotografias, folhetos informativos, teatro, dança e nas mediações de rodas de conversas, evidenciando que individualidade e coletividade são “faces indissociáveis” no processo de empoderamento (Berth, 2020), bem como evidenciam as bases da Pedagogia de Projetos. A temática sobre o Empoderamento Feminino foi abordada por todas as áreas de conhecimento, contemplando quase todos os campos de saberes do Ensino Médio e componentes do Ensino Fundamental. Quanto aos relatos desta edição temos a experiência intitulada Reflexão sobre assédio e violência contra as mulheres: relato de uma escola pública de Belém (Pa) de autoria das professoras Juliete Alves, do campo de saber da Sociologia, Rosangela Ribeiro, da Geografia e do professor Ednei Paiva, da Filosofia, da escola Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 6 Temístocles de Araújo. As ações desenvolvidas visaram a esclarecer as formas de violência contra as mulheres, principalmente o assédio sexual e enfatizaram a importância das denúncias e dos mecanismos legais para a punição dos abusadores. Adotou-se como procedimento metodológico as rodas de conversa com alunos e alunas. A escola Souza Franco traz o relato Empodere-Ser de autoria das professoras Cléa Magnólia, do campo de saber da Arte, Nelma Barros, da Sociologia, e do coordenador pedagógico João Batista Feitosa. As atividades nasceram da sensibilização ao tema, por meio do contato com as histórias de vida de mulheres inspiradoras que contribuíram para a conquista da autonomia feminina em diversas áreas, a partir dessa proposta, as turmas foram divididas em equipes, cada uma responsável pela idealização e caracterização de personagens e a produção de figurinos que estivessem relacionados aos diálogos desenvolvidos em sala, resultando em uma série de performances relacionadas ao universo feminino. No texto Revelando Sentimentos: Da dor ao Empoderamento (Exposição Fotográfica), apresentado pela professora Michelle Daibes, do campo de saber da Língua Inglesa, da escola Placídia Cardoso, há o relato de um ensaio fotográfico buscando uma interface entre as Artes Visuais e a Língua Inglesa. Seis alunas retratam cenas de violência e de empoderamento feminino no intuito de fomentar reflexões sobre o tema. Para aflorar os sentimentos durante a produção das fotos, foi realizada uma discussão baseada nas frases em inglês, retiradas das mídias sobre mulheres empoderadas. Ainda na escola Placídia Cardoso, as professoras. Francinete Quaresma, do campo de saber da Língua Portuguesa e suas Literaturas, e Tânia Cardoso, da História, em parceria com a coordenadora pedagógica Maria do Socorro Dias, usaram o gênero textual biografia, em uma atividade interdisciplinar com produção autoral das/dos estudantes, aprendizagens de conceitos e realização de atividades de uso e reflexão linguística, além da apresentação de fatos históricos do cotidiano discente. A atividade foi desenvolvida no âmbito de uma intervenção pedagógica intitulada Uma história contada em biografia, realizada como parte das ações da Semana do Empoderamento Feminino na escola. O texto dos professores Marcio Alexandre Fernandes do campo de saber da Filosofia, Jorge Osvaldo Alcântara, da Sociologia, e da professora Denise Santos, da Língua Portuguesa e suas Literaturas, da escola Antônio Teixeira Gueiros, relatam a produção da HQ Para que ninguém a quisesse, mas ela se quer de autoria de duas estudantes, durante o desenvolvimento do projeto Empoderamento Feminino em Quadrinhos, alinhado à Lei estadual 8.775/2018 que institui a Semana do Empoderamento Feminino nas escolas. O relato de experiência da escola Dilma Cattete, de autoria da professora Cleice Maciel, do campo de saber da Arte, mostra que as/os estudantes tiveram oportunidade para exercer autonomia e protagonismo por meio de rodas de conversa, pesquisas, apresentações de seminários, aplicação de questionários, análise de dados estatísticos, oficinas e apresentações artísticas, envolvendo diferentes áreas do conhecimento com o projeto Escola: Tecendo Diálogos sobre o Empoderamento Feminino para o Enfrentamento das violências contra a mulher. A escola Dilma Cattete também participa com o texto Mulheres na Filosofia: o pensamento empoderado, da professora Isabel Cristiane Silva, do campo de saber da Filosofia, apresentando uma pesquisa bibliográfica sobre o tema, levando as alunas e os alunos a refletirem acerca das condições das mulheres em um espaço extremamente masculino, que é a Filosofia. O texto ratifica que pensar o empoderamento feminino é trazer contribuições para que a mulher possa ser e fazer tudo o que ela quiser. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 7 A ilha de Mosqueiro participa desta edição com três relatos da escola Padre Eduardo. O primeiro trata do trabalho do professor Thiago Cardoso, do campo de saber da Matemática, que deu prosseguimento ao projeto PIPAs, já existente na escola desde 2022, mas trazendo para a edição de 2023 a reflexão sobre Empoderamento Feminino, destacando a produção feminina e seu protagonismo na construção de papagaios e rabiolas. Usando a metodologia de Ilhas Interdisciplinares de Racionalidade, o professor de Matemática, junto com as/os estudantes visaram contribuir para a aprendizagem de Geometria em práticas sociais cotidianas. Já o professor Wilson Nascimento, do campo do saber da Língua Portuguesa e suas Literaturas, apresenta o relato Rosa De Cetim: um cordel que empodera, resultando na produção da literatura de cordel intitulada Rosa de Cetim, de autoria de duas alunas da escola; a produção do cordel se efetivou a partir da leitura compartilhada do conto Para que ninguém a quisesse, de Marina Colasanti, utilizando o método de produção escrita como atividade interativa. Encerrando a participação da escola, a partir da análise do mesmo conto Para que ninguém a quisesse, a professora Sandra Regina, do campo do saber da Língua Portuguesa e suas Literaturas, e o professor Hélio Castro, da Filosofia, trabalharam estratégias de leitura como oficina, roda de conversa e tertúlia literária com as alunas e os alunos do Ensino Médio, privilegiando a integração entre esses dois campos de saber - Literatura e Filosofia. A contribuição da escola Benjamin Constant se deu com a autoria das professoras Josiane Tenório, do campo de saber da História, Míriam das Neves, da Arte, e do professor Edival Prazeres, da Geografia. A escola abordou o tema do Empoderamento Feminino assegurando que todas as ações fossem desenvolvidas no horário das aulas, como exibição de filmes, roda de conversa relacionados ao tema, com foco na discussão sobre os tipos de violência descritas na lei Maria da Penha e debates que culminaram na produção de um folheto informativo sobre as violências contra a mulher. A escola Manoel Leite Carneiro, representada pelas professoras Robelania Gemaque, do campo de saber da Sociologia, Sarah de Aviz, da Arte, e pelo diretor Péricles Matos, apostou nas produções audiovisuais, propondo o diálogo entre esses campos de saberes a partir do tema A Arte e Suas Experiências Estéticas em Conexão com a Sociologia para o Empoderamento Feminino articuladas às obras de Shamsia Hassani e Marina Colasanti, em diálogo com as vivências compartilhadas pelas/pelos estudantes. De Icoaraci vem o relato Projeto Diversidade no A.R.: tempo de abraçar produzido pelas professorasAna Maria Raiol, do campo de saber da Sociologia, e Rita Leal, da Língua Portuguesa e suas Literaturas, da escola Avertano Rocha. A proposta das ações tinha como finalidade oportunizar uma formação à comunidade acerca do tema educação de gênero e diversidade, em especial, no que tange à apropriação com relação ao Empoderamento Feminino. Neste breve menu degustativo, narramos as atividades desenvolvidas nas escolas, que tiveram como objetivos principais assegurar a unidade temática do Empoderamento Feminino e a implementação da lei 8.775/2018 que institui a Semana do Empoderamento Feminino nas escolas públicas. Convidamos as leitoras e os leitores a conhecer, emocionar-se e refletir a partir das experiências compartilhadas nos relatos desta edição. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 8 REFLEXÕES SOBRE ASSÉDIO E VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: RELATOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE BELÉM (PA) Ednei Silva Paiva1 Juliete Miranda Alves2 Rosangela Maia Ribeiro3 Resumo O objetivo central deste relato de experiência é destacar as ações desenvolvidas em uma escola pública de Ensino Médio Integral em Belém-PA, esclarecendo as formas de violência contra as mulheres, principalmente o assédio sexual. A finalidade dessas ações visa, além de esclarecer, a enfatizar a importância das denúncias e dos mecanismos legais para a punição dos abusadores. Consideramos neste relato que essas ações contribuem para o empoderamento feminino. As ações desenvolvidas na escola fazem parte do projeto “Empoderamento Feminino” desenvolvido pelo Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC). Adotamos como procedimentos metodológicos as rodas de conversa com alunos e alunas da 1ª, 2ª e 3ª série do ensino médio e, para subsidiar as rodas, elaboramos um questionário quantitativo e uma pesquisa qualitativa sobre o assédio sexual. Alguns resultados iniciais do questionário demonstram que, apesar dos avanços legais, o assédio contra as mulheres é praticado em espaços públicos e privados e o grande temor das mulheres entrevistadas é ser culpabilizada pelo assédio, dificultando a denúncia. As rodas de conversa foram momentos importantes de desnaturalização da violência contra a mulher, mostrando suas origens na sociedade patriarcal e a importância da informação e do conhecimento para o empoderamento feminino. Palavras-Chave: Assédio sexual. Violência contra as mulheres. Empoderamento feminino. Introdução A violência contra as mulheres nos revela em dados de 2021 da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos que, no Brasil, 677 mulheres foram assassinadas em decorrência da violência de gênero. Para esta Ouvidoria, até julho de 2022, também foram registradas 31.398 denúncias de violência contra as mulheres. Em 2023, o Ministério Público do Trabalho registrou o crescimento das denúncias de assédio moral e sexual no Brasil. A entidade recebeu, de janeiro a julho, 8.458 denúncias em todo o país. Este número representa quase a mesma quantidade do total de denúncias de todo o ano passado, com o número de 8.5084. O assédio sexual tipificado é uma expressão da violência sexual, caracterizada como manifestação sensual ou sexual, alheia à vontade da pessoa a quem se dirige. De acordo com a pesquisa Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022), em março de 2023, o equivalente a 30 milhões de mulheres foram assediadas sexualmente no ano de 2022. A pesquisa chama a atenção para o perfil etário das 1 Mestre em Educação e professor da SEDUC. 2 Doutora em Sociologia e professora UFRA/FLACSO/SEDUC. 3 Especialista em Ciências Políticas e professora da SEDUC. 4 Disponível em: https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2023/08/16/denuncias-por-assedio-moral-e-sexual- disparam-no-brasil-em-2023.ghtml. Acesso em: 30 jun. 2023. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 9 vítimas de assédio sexual: 76,1% com idades entre 16 e 24 anos. E em 86% dos casos os agressores são conhecidos da vítima5. Esses números demonstram que, apesar dos avanços legais penalizando os diferentes tipos de agressões contra as mulheres, ainda temos um longo caminho de desconstrução de desigualdades históricas a combater. Esta preocupação com o avanço da violência contra as mulheres, em especial o assédio sexual, levou-nos a refletir a respeito de quais ações poderíamos considerar na intenção de contribuirmos para esclarecer, principalmente às meninas da escola, sobre a violência sexual. Para tais ações foi importante também identificar se as meninas da escola sofreram assédio sexual ou moral. Procedemos com um questionário em que alunos, alunas, professores e professoras puderam responder a algumas perguntas. Para os professores e professoras envolvidas/os neste projeto, o empoderamento é uma conquista também quando as mulheres se apropriam da origem desses problemas, da formação de uma sociedade patriarcal e das desigualdades de gênero. O relato exposto neste trabalho é o resultado desse esforço coletivo. Por outra, esse projeto faz parte de um Programa intitulado “Empoderamento Feminino” desenvolvido pelo Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Pará (SEDUC). As atividades desenvolvidas pelo CEFOR estão em consonância com a lei estadual 8775/2018 (Pará, 2018, n.p.), expressas no artigo 1° “Fica instituído, no âmbito do Estado do Pará, a primeira semana do mês de março, como a semana dedicada a discutir a igualdade de gênero, como foco em ações que promovam o empoderamento”6. Segundo esta lei, o empoderamento feminino é o ato de estimular entre meninas, jovens e mulheres sua participação efetiva nas diversas esferas da sociedade, estimulando mudanças culturais, desconstruindo preconceitos e promovendo a equidade de gênero. O projeto iniciou em 2022 e está sendo desenvolvido em escolas de Ensino Médio Integral em Belém-PA7. Portanto, os dados e a pesquisa para este relato são resultados deste trabalho no período compreendido entre maio a dezembro de 2022, com alunos e alunas da 1ª, 2ª e 3ª séries de uma escola de Ensino Médio na cidade de Belém-PA. O objetivo central do projeto construído na escola foi esclarecer sobre as diferentes formas de violência contra as mulheres, principalmente o assédio sexual em espaços privados e públicos. Para isso, procuramos elaborar com as alunas e alunos um levantamento de dados e situações de violência contra as mulheres no Brasil. 5 Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/visivel-e-invisivel-a-vitimizaca o-de-mulheres-no-brasil- 4a-edicao/. Acesso em: 30 de junho de 2023. 6 Disponível em: https://www.alepa.pa.gov.br/noticiadep/4870/106. Acesso em 30 de junho de 2023. 7 A escola de tempo integral tem jornada diária de 9 ou 7 horas, dependendo do modelo adotado pela unidade. E neste período deverá ter aulas diversificadas e atividades práticas. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 10 Destacamos as formas de violência e os canais de denúncia, debatemos a origem e a formação de uma mentalidade patriarcal demarcadora dessas desigualdades e da violência. A partir destes levantamentos, fortalecemos ações e eventos organizados com as alunas, principalmente acerca da temática violência, mas também reforçamos as conquistas das mulheres em diversos setores da sociedade. Os procedimentos metodológicos adotados foram articulados no ano de 2022, incluindo a temática da violência, principalmente o assédio sexual e moral, nos componentes curriculares de Filosofia, Geografia, História e Sociologia. Fizemos um mapeamento das situações e dados de violência no Brasil. Realizamos um evento, intitulado “Ações humanas”, com debates e a produção de pequenos vídeossobre o empoderamento feminino, realizados pelas turmas do 1°, 2° e 3° séries do EM da escola. Em março de 2023, na semana dedicada ao Dia Internacional da Mulher, além da produção desses vídeos, houve também a aplicação de um questionário estruturado com perguntas a respeito do assédio em espaços públicos; acrescido a esses elementos, uma pesquisa qualitativa acerca dos relatos de assédio subsidiou as rodas de conversa, organizada por séries. Iniciamos com o primeiro ano. A cada roda de conversa, os dados dos questionários e os vídeos produzidos pelas turmas da escola fortaleciam as discussões. Optamos, neste relato, em transcrever as falas das meninas/protagonistas sem modificá-las, na intenção de mostrar essas experiências em seus cotidianos. É sobre esta experiência e os resultados alcançados que versa este relato. Este trabalho está assim organizado: primeiramente, destacamos alguns dados sobre a violência contra as mulheres referentes ao assédio sexual. No segundo momento, apresentamos a trajetória do projeto na escola e a organização em todos os momentos - ou o passo a passo. Por último, destacamos as rodas de conversa e os resultados iniciais alcançados pelo projeto em andamento. A violência contra as mulheres O levantamento de dados sobre a violência contra a mulher foi central na preparação do projeto e debatido em sala de aula. Dentre esses dados, um nos chamou a atenção, o Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), intitulado “Índice de Normas Sociais de Gênero” (ONU, 2023). Esta pesquisa destaca os dados sobre o preconceito contra as mulheres. Foram utilizadas quatro dimensões para esta análise: educação, integridade física, política e economia. Segundo o PNUD, este estudo foi realizado em vários países da Europa, América do Norte e América do Sul. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 11 O levantamento revela que 90% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito contra as mulheres e 25% dos entrevistados acreditam ser justificável agredir a parceira. Metade dos entrevistados preferem homens liderando na política do que as mulheres. Duas em cada cinco pessoas responderam que os homens são melhores em cargos executivos do que as mulheres. O Brasil foi o único país de língua portuguesa no estudo. O levantamento apontou que 84,5% dos brasileiros têm pelo menos um tipo de preconceito contra as mulheres. A pior avaliação foi no quesito integridade física. Em média, mais de 75% dos brasileiros entrevistados têm preconceitos em questões de violência e direito de decisão sobre ter filhos. Quanto à participação feminina na política, a pesquisa evidencia que mais de 39% dos entrevistados acreditam que as mulheres não desempenham esse papel tão bem quanto os homens; 31% dos brasileiros consideram os homens com mais direitos a vagas de trabalho; e apenas 15,5% da população do Brasil afirmam não ter preconceito contra as mulheres. Os dados do PNUD revelam a espiral de desigualdade brasileira: o masculino em patamar superior e o feminino em posição de sujeição (Silva, 2010, p. 49). Esta desigualdade construída historicamente articula como sustentáculo de dominação o poder e a violência. Afigurando-se como “um mecanismo necessário à perpetuação do poder masculino sobre as mulheres” (Santos, 2008, p. 46). Esta violência é uma forma de dominação patriarcal e histórica e encontra-se “impregnada de profundos conteúdos inconscientes” (Dias, 2010, p. 3) e presentes em diversas situações cotidianas taxadas como “normais”, seja pela linguagem ofensiva, pelas piadas machistas, pelo estereótipo do corpo da mulher, pela obstrução da liberdade sexual, pela intimidação, pelo assédio, pelo abuso, pelo estupro e pela morte (Santos, 2008, p. 23). A tentativa consciente de naturalizar formas de violência foi identificada inclusive nos relatos das meninas quando responderam ao questionário, se já haviam sofrido algum assédio sexual ou constrangimento. De 125 respostas, 124 meninas responderam que sim! E os espaços vão desde a casa, igreja, ônibus, trabalho e escola. E como relatou uma aluna do 1° ano: “não estamos livres nem em casa”. O Brasil ocupa o 2° lugar no ranking de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes (Instituto Liberta, 2023), com cerca de 500 mil vítimas, ficando atrás da Tailândia. A partir deste cenário, e apoiados por dados levantados nas aulas pelos próprios alunos e alunas, subsidiamos a condução do projeto8. 8 Disponível em: https://liberta.org.br/entenda-2/. Acesso em 30 de junho de 2023. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 12 O desenvolvimento do projeto na escola Iniciamos o projeto no segundo semestre de 2022, após uma reunião do CEFOR na escola. O passo a passo incluiu o tema do assédio sexual e moral contra a mulher nos componentes curriculares de Geografia, Filosofia, História e Sociologia. Reforçamos como escola o debate em oficinas ministradas sobre a lei Maria da Penha (Brasil, 2006), coordenada pela professora de Geografia; e sobre o feminicídio e assédio sexual, coordenada pela professora de química com formação também na área do Direito. O projeto contou com o apoio de diferentes áreas para o esclarecimento - inclusive jurídico - dessas formas de violência. A constituição dessa proposta no componente curricular de Sociologia apresentou um diagnóstico realizado no início de 2022 sobre o tema assédio. O resultado destacou uma série de denúncias feitas principalmente pelas meninas (a maioria não se identificou) sobre assédio sexual e moral sofrida por elas. Motivados por essas situações, consideramos que a melhor forma de empoderar as alunas seria o esclarecimento ao propor os seguintes questionamentos: o que era o assédio? Quais canais de denúncias para esses crimes? Tal esforço é importante não somente para esclarecer como também por evidenciar as leis e as punições cabíveis nestas formas de violência. Inclusive, muitos alunos e alunas desconheciam os canais de denúncia ou mesmo as formas de assédio. Finalmente, no final do 2° semestre de 2022, esta atividade se tornou central dentro de um evento coordenado pelas professoras e professores de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHS), intitulado, “Ações Humanas”, norteada pelo tema do Empoderamento Feminino. Adotamos as seguintes ações em articulação com o objetivo do projeto: palestras e aulas sobre os dados de violência contra a mulher, o que é o assédio sexual e moral? a produção de vídeos por parte dos alunos e alunas, sobre a violência contra a mulher e o que é empoderamento feminino? A culminância desse projeto contou com a participação importante das professoras de Linguagens e suas Tecnologias, por meio de trabalhos a respeito de mulheres de destaque nas áreas das ciências e no campo artístico-literário, com as poetas e escritoras. O protagonismo negro por meio das mulheres foi um tema mostrado em cartazes, que contaram suas histórias de resistência. Realizamos também uma homenagem àquelas mulheres que muitas vezes são invisibilizadas nos seus trabalhos cotidianos dentro da escola: serventes, cozinheiras, secretárias da escola, mas também destacamos o trabalho das professoras. Finalizamos este evento com música e um chá9 de empoderamento com alunas e alunos da 1ª série; nesse chá, contamos com a contribuição de uma professora de linguagens contribuindo na organização e com músicas para despertar a vivência de e com mulheres. Consideramos importante 9 O chá foi uma forma simbólica de mostrar o trabalho das mulheres, visibilizando suas ações na escola foco deste relato. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 13 a referência a essas contribuições, para demonstrar a interdisciplinaridade da temática e as diferentes formas de abordagem sobre a realidade vivenciada pelas alunas e alunos de uma escola pública. As rodasde conversa: do sentimento de injustiça ao empoderamento As rodas de conversas são dinâmicas importantes e muito utilizadas por professoras e professores para conduzir o aluno e aluna a falar e perder “o medo” de expor sua opinião. Iniciamos as rodas de conversas na semana alusiva ao Dia Internacional da Mulher (dia 8 de março). As rodas de conversa foram mediadas por professoras e professores da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Apresentamos, inicialmente, os vídeos realizados no semestre anterior e instigamos as meninas e meninos a falarem sobre o assédio e se conheciam pessoas que sofreram essas violências. No início, o silêncio, mas pouco a pouco os relatos corajosos de meninas que sofreram abusos foram decisivos para uma série de denúncias. As falas foram muitas e os debates mostraram o desconhecimento sobre as leis, sobre as formas de assédio e constrangimentos sofridos no cotidiano e em diferentes espaços: na escola, na igreja, na casa. Abusos relatados e abusadores conhecidos, como parentes, amigos ou membros da igreja. Aqueles que deveriam proteger eram os algozes. Nas falas das meninas, ficou marcada a angústia e o sentimento de não saber o que fazer. A seguir, apresentamos algumas dessas narrativas, ocultando nomes. Desde criança o amigo da família me chamava de mulher e passava a mão no meu corpo, falei para minha família que não acreditou em mim. Os abusos continuaram e eu não tinha a quem recorrer, pois ninguém acreditava em mim. Até que finalmente fomos embora para outro bairro e pude dormir mais tranquila (Relato de uma aluna da 1ª série). Morava em uma vila e o marido de minha prima bebia, e ficava me olhando escondido me esperava trocar de roupa. Eu soube por que vi ele me espiando, fui falar com ele e me disse que eu era bonita e ficava me exibindo. Ele não achava que estava fazendo algo errado. Falei para minha prima e ela não fez nada, ela sofria violência, apanhava e justificava o fato dele estar bêbado. Vivia assustada e me escondendo. A minha família disse para eu não falar nada, para não magoar outros membros da família. Fiquei mais tranquila agora que eles foram embora da vila. (Relato de uma aluna da 2ª série). Eu conhecia o garoto, éramos amigos, mas ele me assediava sempre. Não conseguia falar, tinha medo. Medo da família, dos amigos de ficar sendo apontada. É a primeira vez que exponho essas questões. Guardei, pois além do medo, não sabia a quem recorrer sem ser apontada como a culpada. (Relato de uma aluna da 3ª série). As falas representam o medo, a insegurança e o desamparo por não saber a quem denunciar. Considerando as falas, percebemos que a família não dá suporte necessário e até impedem e intimidam. O primeiro movimento das meninas que sofrem assédio é procurar a família; e isto também foi narrado por outras meninas. Contudo, em grande parte, não são ouvidas ou levadas a sério. Muitas relataram que a família sabia, mas pediram para silenciar em nome da harmonia familiar. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 14 Os relatos das rodas de conversa corroboram com os indicadores nacionais apontando que 86,1% dos agressores são conhecidos, sendo 64,4 % familiares, conforme Anuário Brasileiro de Violência Pública (ABVP, 2023). Nas rodas, apresentamos os resultados do questionário respondido por 125 mulheres. Nomeamos este questionário de “O assédio em espaços públicos”. Os resultados foram destacados e orientados pelas seguintes perguntas: 1. Você já recebeu cantadas? Nessa pergunta optamos por colocar um nome conhecido dos alunos e alunas, o termo cantada. 2. Você acha que ouvir cantadas é algo legal? 3.Voce já deixou de fazer alguma coisa por medo de assédio? 4. Você responde aos assédios que ouve na rua? 5. Você já foi ofendida porque disse não as cantadas de alguém? 6. Quais cantadas você já ouviu em espaços públicos? 7. Já passaram a mão em você? 8. Se sim, onde? A seguir apresentamos os dados do questionário, perpassados por narrativas das mulheres, demonstrando o medo, o controle e a mudança de comportamento. As respostas do questionário As respostas vieram, em sua maioria, das meninas. Não há respostas dos meninos ao questionário. Nossa hipótese, é de que os meninos consideravam o tema como “algo relativo às mulheres”. Essa hipótese precisa de uma outra pesquisa para analisar este silêncio masculino A seguir consideramos apresentar alguns destes dados e, em seguida, analisamos os resultados (Gráficos 1 a 5). Gráfico - 1: Você já recebeu cantadas? Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 15 Gráfico - 2: Você acha que ouvir cantadas é algo legal? Gráfico - 3: Quais cantadas você já ouviu em espaços públicos? Gráfico - 4: Você já deixou de fazer alguma coisa com medo de assédio? Gráfico - 5: Você já foi ofendida porque disse NÃO às cantadas de alguém? Fonte: Elaborado pelo autor. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 16 As respostas correspondem ao cenário nacional, nenhuma mulher está segura; seja na rua, na casa, no transporte público, na igreja, no trabalho. No Gráfico 1 o assédio configura-se como rotina na vida das meninas, pois 85,5% responderam serem assediadas na rua. E o lugar que deveria ser o mais seguro, a casa da família, representa 41,9%. Não! As meninas não gostam de ouvir cantadas. É o que mostra o percentual de 93,7%. Nesse quesito, muitas relataram ficar caladas ou intimidadas. Já no Gráfico 3, 59,1% reagiram às cantadas e foram novamente agredidas. Nos relatos, a reação à agressão é vista pelos agressores como “vitimismo”; “coisa de mulher mal-amada”. As expressões “és uma delícia”, “gostosa”, “te pegava toda”, “senta aqui no meu colo”, “bora ali no canto”, “ô lá em casa” são comuns nas ruas e praças, segundo gráfico 2. Os olhares ao corpo feminino mostram um dispositivo de controle e de intimidação. Em um relato na pesquisa qualitativa, uma resposta chamou-nos atenção, “não sei o que dizer quando me dizem coisas que não gosto, até parece que estou nua, começo a olhar para ver se não estou com os seios aparecendo, se não estou rebolando, fico sem saber o que fazer. Me sinto culpada”. A fala sinaliza uma sociedade de controle, principalmente sobre as mulheres. Segundo Foucault (1999), a disciplina é interiorizada, esta é exercida fundamentalmente por três meios globais absolutos: o medo, o julgamento e a destruição. Sobre esta destruição moral, vários relatos expressam: “Não sei o que fazer”; “Saio correndo e se denuncio me dizem, deixe de passar por este lugar, evite!”; “Se coloco um short, tá curto demais, se acho graça, estou aceitando a cantada”. O medo do assédio é um sentimento comum em 92,8% das mulheres em resposta às perguntas do questionário, fazendo-as mudar inclusive o comportamento, falar menos, rir menos ou, como informou outra menina, “eu fico de cabeça baixa e sigo em frente, tenho receio de olhar para quem está me cantando”. O sentimento dessas mulheres é do seu corpo (ou comportamento) ser o responsável pelo assédio. Ao debatermos esses dados nas rodas de conversa, a escuta foi o primeiro passo; o segundo foi dar atenção a essas falas como vivências e experiências, aproximando-as dos dados nacionais; o terceiro passo foi desconstruir o julgamento do corpo e da culpa por ser mulher. A estas questões colocadas pelas meninas, seguiram-se o debate - mais entre meninas e meninos - mediado/mediadas pela reflexão de uma sociedade ainda moldada por discursos que naturalizam o machismo e o controle sobre o comportamento feminino. Nesse sentido, a preparação com antecedência dos componentes curriculares para a abordagem do tema foi oportuna e didática, pois as alunas e os alunos se sentiram mais seguros e protagonistas. A relação entre conteúdo, dados e debate aproximou-os de suas realidades. As rodas de conversas motivaram outras dúvidas: o quefazer diante de tantas denúncias? Qual o papel da escola e das professoras e professores? Primeiramente, não é fácil tratar deste assunto Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 17 sem mostrar as dificuldades de enfrentá-los, posto ser a escola um lugar também de desigualdades de gênero e de violência. Em muitas situações, o tratamento dado em muitas escolas para o problema da violência contra a mulher é oferecer uma rosa ou lembrança no dia 8 de março. Em uma reunião para tratar acerca do mês das mulheres, um professor, questionando sobre esta data, alertou a respeito da romantização da violência contra as mulheres e, em vez de somente flores, dar-lhes oportunidade de falar, serem ouvidas e amparadas. A escola precisa ser um lugar seguro e seus componentes curriculares e suas ações devem referenciar a importância da diversidade, do respeito e a desconstrução de preconceitos. As perguntas no parágrafo acima ainda não foram completamente respondidas, compreendemos que outros passos deverão ser dados nas escolas, esbarrando no currículo engessado, no temor a certos assuntos, na formação dos professores, na ausência ou pouca visibilidade desses temas pela Secretaria de Educação. Consideramos que avançamos alguns passos (mesmo que ainda cambaleantes), mas ao ouvir o sentimento das meninas sobre a importância destas ações na escola, de terem perdido o medo e a culpa, de sentirem-se empoderadas e apoiadas em um espaço no qual passam grande parte da vida, sentimos um alento, reforçando o papel da escola nessas transformações. Considerações finais O projeto Empoderamento feminino não está finalizado. Apenas começando. A experiência no ensino médio integral em Belém-PA resultou em múltiplas possibilidades de trabalhar tal tema. A escola pública, tão necessária no Brasil, é um espaço que pode e deve ser da diversidade e do trato com as diferenças. Sabemos que ainda estamos sonhando. Contudo, experiências e relatos sobre as ações de empoderamento mostraram possibilidades conduzidas por professoras e professores em tratar deste assunto. Empoderar significa também dar o poder a quem foi apartado historicamente das decisões. Mostrar estes caminhos nada fáceis foi também um desafio. Na escola foco deste relato, as ações do projeto contaram com a participação de outras professoras e professores das áreas de Ciências Exatas e de Linguagens. Flexibilizamos as ementas de alguns componentes curriculares, na possibilidade de aproximar o conhecimento científico com a realidade vivenciada de meninas e meninos da escola. A escola foco deste projeto tem dificuldades infraestruturais, de recursos humanos especializados, como psicólogos. A merenda e o almoço não são constantes, dificultando ações contínuas e a longo prazo de temas delicados e importantes. O resultado destas lacunas possibilita o bullying, a insegurança e o número crescente de suicídios e depressão entre jovens. Os relatos Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 18 destacados neste trabalho, apesar de pequenos, são representativos do quanto devemos conversar sobre assédio, violência contra as mulheres, homofobia, racismo. Referências ABVP. Anuário Brasileiro de Violência Pública. São Paulo: FBSP, 2023. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. BRASIL, Presidência da República. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Brasília: Presidência da República. Secretaria-Geral, 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em 30 jun. 2023. DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha – sentimento e resistência à violência doméstica. 30 ago. 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_817) 21_lei_maria_da_penha_sentimento _e_resistencia_a_violencia_domestica.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2023. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1999. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, INSTITUTO DATAFOLHA. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. Brasília: Instituto DataFolha, 2022. ONDH. OUVIDORIA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. 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Brasília: Presidência da República, Secretaria de políticas públicas para as mulheres, 2010. p. 48-68. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm http://www/ Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 19 EMPODERE-SER Cléa Magnólia Figueira Palha1 João Batista Feitosa Machado2 Nelma Suely Barros Freitas3 Resumo Este presente trabalho tem o objetivo de relatar o projeto Empodere-SER, desenvolvido na Escola Estadual Visconde de Souza Franco, como implementação da lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018 (Pará, 2018), institui no âmbito do Estado do Pará, a primeira semana do mês de março como a semana dedicada a discutir a igualdade de gênero, com foco em ações que promovam o empoderamento feminino nas escolas públicas e privadas do Estado. Com o aumento dos casos de feminicídio e considerando a finalidade da educação escolar em formar cidadãos ativos, desenvolvendo sua consciência crítica, a equipe de professoras, coordenadoras do projeto Empodere-SER, concordam com a necessidade de engajamento da instituição escolar na luta contra a violência de gênero e a importância em sensibilizá-los para reconhecer e coibir atitudes de violência contra a mulher. As ações possibilitaram que as/os estudantes protagonizassem todo o processo, contribuindo de forma eficaz para a construção de sua consciência crítica. Palavras-Chave: Empoderamento. Violência feminina. Escola Introdução O presente trabalho tem o objetivo de relatar a experiência obtida, na Escola Estadual Visconde de Souza Franco, com o desenvolvimento do projeto Empodere-SER, iniciado com o Curso Educação e Diversidade de Gênero: formando para o empoderamento feminino, ofertado pelo Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR) em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). Foi apresentado às escolas em Tempo Integral (TI) como proposta piloto para implementação da lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018 (Pará, 2018), institui no âmbito do Estado do Pará, a primeira semana do mês de março como a semana dedicada a discutir a igualdade de gênero, com foco em ações que promovam o empoderamento feminino nas escolas públicas e privadas do Estado. Entende-se por empoderamento feminino o ato de estimular entre meninas, jovens e mulheres sua participação efetiva nas diversas esferas da sociedade, estimulando mudanças culturais, desconstruindo preconceitos e promovendo a equidade de gênero. 1 Especialista em Arte na educação escolar pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora do componente curricular Artes da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC-PA). Email: clea.palha@escola.seduc.pa.gov.br 2 Especialista em Educação. Técnico pedagógico da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC-PA). Email: joao.machado@escola.seduc.pa.gov.br 3 Especialista em Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Escola pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora do componente curricular Sociologia da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC-PA). Email: nelma.freitas@escola.seduc.pa.gov.br. Revista “EntreSaberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 20 Um dos documentos que norteiam a educação básica, Lei nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Brasil, 1996), um dos princípios para pensar a Educação é o vínculo entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. E, portanto, criar espaços de debates e discussões de temas que afetam a sociedade, por exemplo, igualdade de gênero e violência contra as mulheres, é desenvolver nos educandos práticas sociais. Torná-los cidadãos críticos, empoderados, capazes de reconhecer e denunciar a violência doméstica e todas as formas de violência. Discussão Teórica Joice Berth (2019) oferece parâmetros relevantes para entendimento e compreensão da noção de Empoderamento, dizendo que ele é [...] um fator resultante da junção de indivíduos que se reconstroem e descontroem em um processo contínuo que culmina em empoderamento prático da coletividade, tendo como resposta as transformações sociais que serão desfrutadas por todos e todas (Berth, 2019, p. 54). Compreendendo coletividade como resultado da junção de muitos indivíduos que apresentam algum – ou alguns – elemento comum. Para uma melhor compreensão, a autora faz uma simples analogia, “se o empoderamento fosse uma casa, os indivíduos seriam seus materiais de construção -, tijolos, argamassa, telhado, piso, pintura etc. Serão adquiridos e trabalhados para que a união de todos se transforme na tão sonhada moradia” (Berth, 2019, p. 54-55). Ressaltando que “esses elementos construtivos precisam ter uma qualidade individual para que o resultado seja igualmente qualitativo. Se isolados, não conseguem complementar a função inicial que é edificar a moradia”. Segundo a pesquisadora, são muitas as definições e literaturas que proferem sobre empoderamento e destaca algumas em sua obra, dentre elas a de Paulo Freire para o qual, a consciência crítica é condição indissociável do empoderamento. Em sua obra, Educação como prática de liberdade (Freire, 1982, 138), afirma que a opressão só poderá ser superada por meio da tomada da consciência crítica que é “a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica”; e a educação é um dos principais instrumentos para essa conscientização, cujo processo educativo deve possibilitar ao homem uma reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo e suas responsabilidades. Atualmente, as instituições escolares, que estão presentes em todos os setores e são parte constituinte da sociedade contemporânea, responsáveis pela formação de seus indivíduos, seguem orientações de documentos oficiais que reforçam a importância do pensamento crítico. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 21 Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (Brasil, 1996, n.p.). A escola tem o papel de viabilizar processos que possibilitem aos alunos e alunas condições para que se tornem capazes de problematizar as formas de vida, criando iniciativas que tratem dessa temática. Enquanto mulheres docentes envolvidas nesse contexto, temos consciência da importância dessas práticas no âmbito escolar e da emergência em discutir e sensibilizar a comunidade escolar para esse tema, envolvidas na esperança de que é possível uma transformação social a partir deste espaço geográfico, chamado escola, para que todo o conhecimento produzido nele ultrapasse os muros e sejam levados para outros espaços. Acreditamos que os docentes podem contribuir para a formação de cidadãs/ãos ativas/os compromissadas/os com mudanças sociais. No Brasil, os direitos humanos estão garantidos na Constituição de 1988, apresentados no seu 1º artigo: [...] a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’ (Brasil, 1988, n.p.). Apesar disso, existem inúmeros casos em que a República Federativa do Brasil, não garante esses direitos de fato. Foi o caso da farmacêutica Maria da Penha, que teve seus direitos garantidos após a condenação do Brasil por ineficiência de proteção às mulheres. Dessa trágica história, surge a lei 11.340 (Brasil, 2006), conhecida como lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, determinando como violência doméstica qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause anomorte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Esta lei é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três mais avançadas do mundo por ser um marco na luta contra a violência de gênero. Anterior a essa lei, as denúncias de casos de violência doméstica eram enquadradas como causas cíveis de menor complexidade. Outra conquista importante, é a inserção do crime de feminicídio no código penal brasileiro pela lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 (Brasil, 2015). É qualificado como feminicídio quando o assassinato de mulheres for motivado por razões de violência doméstica e familiar, ou pelo menosprezo ou discriminação da condição de mulher, podendo ser incluído no rol dos crimes hediondos. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 22 Apesar desses avanços legais, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)4, divulgou em março de 2023 dados estatísticos de crimes que vitimizam meninas e mulheres. Quase 30% das brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão no ano de 2022, o que corresponde a 18,6 milhões de mulheres acima de 16 anos. A organização ressalta que a quantidade de mulheres que experimentaram alguma forma de violência no ano passado foi a maior já registrada em quatro edições da pesquisa. E, continua, no primeiro semestre de 2023, 722 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, crescimento de 2,6% comparado ao mesmo período do ano anterior, quando 704 mulheres foram assassinadas por razões de gênero. O FBSP afirma que os dados apresentados têm como fonte os boletins de ocorrência registrados pelas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal. Diante desse contexto lastimável, é imprescindível criar uma rede de diálogos para discutir e obter uma compreensão maior sobre os crimes que vitimizam as meninas e mulheres, dispondo de um engajamento, não apenas de meninas e mulheres, mas, também, de meninos e homens, na luta para mudança desses dados estatísticos, porque a violência contra a mulher não é um problema unicamente do gênero feminino e sim de todos, pois atinge as diversas camadas sociais. A violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais na Convenção de Belém do Pará, como ficou conhecida a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, adotada em 9 de junho de 19945 pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nos dispositivos das diretrizes curriculares, os direitos humanos estão como princípio norteador e como um dos papéis fundamentais da escola em garanti-los, contribuindo para o conhecimento de direitos fundamentais. Empodere-SER A partir desse contexto, iniciou-se o desenvolvimento das atividades, coordenadas pelas professoras Cléa Magnólia Figueira Palha, componente curricular Artes; Nelma Suely Barros Freitas, componente curricular Sociologia;João Batista Feitosa Machado, coordenador pedagógico e a monitoria/consultoria da equipe de formadores do CEFOR para possibilitar o sucesso deste desafio. O espaço de desenvolvimento da proposta foi a Escola Estadual Visconde de Souza Franco que funciona, atualmente, com 9 turmas e divide um prédio público, na avenida Almirante Barroso, com outras organizações da SEDUC, a então USE 8 e o Centro de Atendimento Educacional Especializado 4 O FBSP é uma organização não-governamental, apartidária, sem fins lucrativos, que se dedica a construir um ambiente de referência e cooperação técnica na área de segurança pública. Site: https://forumseguranca.org.br/. 5 Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral. Disponível em: https://www.oas.org/pt/ cidh/ mandato/basicos/belemdopara.pdf. Acesso em: 4 nov. 2023. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 23 (CAEE). Nesse ambiente circulam diariamente cerca de 400 pessoas, entre estudantes, servidores do estado e a comunidade extraescolar. O projeto Empodere-SER foi desenvolvido ao longo do mês de março, com a apresentação aos/às discentes a Lei nº 8.775, de 16 de outubro de 2018 (Pará, 2018), que institui a semana do empoderamento nas escolas públicas e privadas do estado do Pará. As atividades foram desenvolvidas com a proposta de leitura do livro Empoderamento, de Joice Berth (2019), para entendimento e compreensão da noção do conceito de empoderamento; e compreender que o empoderamento individual e coletivo são duas faces indissociáveis do mesmo processo. Com a compreensão e sensibilização do tema, seguiu-se outro momento, em que as/os discentes davam exemplos de mulheres empoderadas e inspiradoras, que contribuíram para a conquista da autonomia feminina em diversas áreas, por exemplo, Carolina Maria de Jesus, Cora Coralina, Malala e várias outras mulheres de uma longa lista. Também foram realizadas pesquisas, no laboratório de informática da escola, sobre a obra e a vida dessas mulheres, cuidadosamente planejado, cada turma teve uma equipe para pesquisar a lei Maria da Penha e lei de Feminicídio, possibilitando acesso a mais informações e promovendo a construção do conhecimento para ampliar o poder de reflexão e argumentação. Este momento resultou na produção de cartazes e apresentação de seminários abordando o texto e a temática (Imagem 1). Imagem - 1: Produção de cartazes e apresentação de seminário Fonte: Arquivo pessoal (2022). O Cine Soufran6 apresentou o filme As Sufragistas, inspirados em fatos, um grupo militante, do Reino Unido, que luta por direitos ao voto, decide coordenar atos de insubordinação, quebrando vidraças e explodindo caixas de correio, para chamar a atenção dos políticos localiza; a série Maid nos mostra uma faceta diferente do relacionamento abusivo: a violência psicológica. 6 O Cine Soufran é um projeto desenvolvido na escola pela área do conhecimento em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 24 Nas aulas de Arte, foi realizada a oficina de colagem, que consiste em sobrepor recortes de jornais, revistas, pinturas e pedaços de tecidos. Utilizando esta técnica, das artes plásticas, os estudantes criaram, individualmente, em suas perspectivas, a imagem da mulher do século XXI. Para as turmas da 3ª série, foram ministradas aulas sobre performance, segmento artístico estudado na arte contemporânea. De acordo com Yasmim Abdalla (2017)7, esse estilo de arte passou a ser catalogada desde as décadas de 50 e 60 do século XX, um dos destaques deste segmento é a performista Marina Abramovic, que atua desde a década de 1970. A partir dessa iniciativa, as turmas foram divididas em equipes, cada uma responsável pela idealização, a caracterização de personagens e a produção de figurinos que estivessem relacionados aos diálogos desenvolvidos em sala. O que resultou em uma série de performances relacionadas ao universo feminino, pensadas pelas/pelos alunas/os, que apresentaram com brilhantismo e sensibilidade. Com a finalidade de socializar toda a produção elaborada e trazer o debate para toda a comunidade escolar, realizamos uma manhã de culminância, em alusão ao dia da mulher, celebrando os produtos dos alunos e alunas. A abertura desta celebração, no hall central da escola, foi realizada por nós, professoras Clea Palha, Nelma Freitas e a diretora Marilena Guimarães. Também, estavam presentes os formadores do Cefor, Marcello Casanova e Salier Castro, orientadores do projeto (Imagem 2). Imagem - 2: Professoras, estudantes, diretora e formadores Fonte: arquivo pessoal (2022). Neste espaço, foram expostos os cartazes, um varal com as colagens e a realização de quatro performances. A primeira, Mulher e o Padrão da Sociedade, duas alunas robotizadas, com um cartaz grande pendurado no pescoço escrito: ‘O que falta para ela ser perfeita para você?’ Os demais, 7 é a plataforma digital da SP–Arte que tem por objetivo conectar as galerias participantes a colecionadores e amantes das artes. Disponível em: https://www.sp-arte.com/ Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 25 componentes da equipe, portavam maquiagens e canetas, e convidavam o público a maquiar os ‘robôs’ e escrever uma resposta nos cartazes (Imagem 3). Imagem - 3: Segunda equipe Fonte: arquivo pessoal (2022). A segunda equipe abordou o tema da violência contra mulheres trans e travestis, Não é só Maria que sofre: Roberta da Silva sofreu também, um aluno estava caracterizado com um vestido todo confeccionado de jornais, tendo seu rosto coberto com uma peça circular, também de jornal, desfilava no hall seguido pelos demais componentes da equipe que seguravam pequenas placas com as seguintes frases, quem ama não bate, o feminismo nunca matou ninguém, o machismo mata todos os dias, uma vida sem violência é um direito das mulheres (Imagem 4). Imagem - 4: Segunda equipe Fonte: arquivo pessoal (2022). Mexeu com uma, mexeu com todas foi o tema da performance de outro grupo, tinham cartazes vermelhos pendurados no pescoço com frases não é não, assédio não é elogio, e a culpa não é da vítima. As alunas usavam capa de tecido branco manchado com tinta vermelha e o aluno tinha suas mãos pintadas de vermelho. Todos os grupos circulavam performando para os espectadores, no espaço de convivência da escola, usando seus corpos como manifestação artística para levantar questionamentos sobre o padrão de beleza imposto às mulheres, que exige uma determinada forma de corpo, comportamento, Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 26 estilo de roupa, maquiagem, protestando contra a violência de gênero e os assassinatos de mulheres trans e travestis. Segundo o Dossiê de Mortes e Violências Contra LGBTI+8, em 2022, foram cerca de 273 casos de mortes violentas, sendo 58,24% de pessoas travestis e mulheres transsexuais. O Brasil foi o país que mais matou LGBTQI+ em todo o mundo, pelo 14º ano consecutivo. Sendo considerado um lugar, extremamente, inseguro para essa população. Uma terceira ação, surge a partir da solicitação dos alunos por um espaço que pudessem recitar poesias, fazer denúncias, desabafos, compartilhar experiências (Imagem 5). Imagem 5. Microfone aberto Fonte: arquivo pessoal (2022). Para atendê-los, havia um Microfone Aberto - um espaço disputado e bastante usado durante o evento. Considerações Finais No processo de ensino aprendizagem todos ensinam e, também, aprendem, e no planejamento e execução do projeto, Empodere-SER, não foi diferente. Houve um movimento constante envolvendo docentes, alunos e alunas, direção, equipe técnica e a equipe de formadores do CEFOR; o envolvimentodos discentes foi surpreendente, mergulharam nas discussões do tema, na produção e na execução das atividades propostas por eles. Durante as aulas e culminância do projeto, por diversas vezes, alunos e alunas relataram experiências, vividas ou testemunhadas, a respeito de crimes que vitimam meninas e mulheres. A escola foi palco não apenas de conteúdo, mas de vivências, trocas de experiências e transformações de saberes, diante do exposto, pode-se afirmar que alcançamos o objetivo de contribuir para a construção de uma consciência crítica para reconhecer e coibir atitudes de violência 8 O Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil é uma instância da sociedade civil autônoma, protagonizada pela parceria entre Acontece LGBTI+, ANTRA e ABGLT. Nossa missão é a garantia do Direito à Vida da comunidade LGBTI+. Disponível em: https://observatoriomortes eviolenciaslgbtibrasil.org/slides/observatorio-mortes-lgbt/ Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 27 contra a mulher; por certo, não estão formados completamente, isso irá acontecer no processo de socialização que designa aprendizagem e perdura por toda vida, entretanto sabemos que o processo iniciou para alguns, e se potencializou em outros. Esta primeira experiência, será relevante para as próximas etapas, foi um desafio e nem tudo o que foi planejado foi executado, mas entendemos que isso, também, faz parte do processo. Após uma avaliação, elaboramos novas estratégias para o desenvolvimento do projeto no próximo ano letivo que a lei 8.775/2018 (Pará, 2018) e sua implementação com os projetos desenvolvidos nas escolas sejam mais um instrumento de combate e enfrentamento de violências contra as mulheres existentes em nossa sociedade. Referências ABDALLA, Yasmin. Mas, afinal, o que é uma performance?. São Paulo: SP-Arte Editorial, 2017. Disponível em: <https://www.sp-arte.com/editorial/mas-afinal-o-que-e-uma-performance/>. Acesso em 26 nov. 2023. BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da República, 1988. BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF:Diário Oficial da União, 1996. BRASIL. Senado Federal. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha e normas correlatas. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2019. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496319/000925795.pdf. Acesso em: 3 nov. 2023. BRASIL. Casa Civil. Lei 13.104, de março de 2015. Brasília: Casa Civil, 2015. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/_ato2015-2018/ 2015/lei l13104.htm.> Acesso em: 5 nov. 2023. FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. PARÁ. Lei Ordinária nº 8775, de 16 de outubro de 2018. Institui no âmbito das escolas públicas e privadas do estado do Pará a semana do empoderamento feminino. Belém, PA: Diário Oficial do Estado, 2018. https://www.sp-arte.com/editorial/mas-afinal-o-que-e-uma-performance/ http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.340-2006?OpenDocument http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.340-2006?OpenDocument https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496319/000925795.pdf https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 28 UMA HISTÓRIA CONTADA EM BIOGRAFIA Francinete de Jesus Pantoja Quaresma1 Tânia Maria Cardoso dos Santos2 Maria do Socorro Dias da Silva3 Resumo Este relato de experiência objetiva compartilhar o desenvolvimento e o resultado da intervenção pedagógica intitulada “Uma história contada em biografia”, realizada como parte das ações da Semana do Empoderamento Feminino, instituída pela Lei 8775/2018 (Pará, 2018). Tomamos o gênero textual biografia como ponto de partida à produção de texto de alunas/os do 9º ano do Ensino Fundamental, da Escola E.E.F.M. Professora Placídia Cardoso, no ano letivo de 2023. Em uma atividade interdisciplinar, exploramos tanto os saberes da Língua Portuguesa quanto os da História, evidenciando o gênero em questão como um caminho para o ensino-aprendizagem de conceitos importantes, como o de Empoderamento Feminino; bem como à realização de atividades de uso e reflexão linguística, e de apresentação de fatos históricos do cotidiano do discente. Os pressupostos teóricos que fundamentam a atividade embasaram-se, dentre outros, em Marcuschi (2010), Koch (1992, 2011, 2012), Koch e Elias (2016), Silva (2010), Berth (2019) e Documento Curricular do Estado do Pará (Pará, 2021). Palavras-Chave: Empoderamento Feminino. Gênero Textual. Biografia. Língua Portuguesa. História. Introdução As atividades expostas no presente relato foram realizadas pelas professoras de Língua Portuguesa, Francinete Quaresma, e de História, Tânia Santos, junto a uma turma de 9º ano, da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Placídia Cardoso, localizada no Bairro do Jurunas. Esta intervenção pedagógica foi executada como parte do Projeto Trabalhando o Empoderamento Feminino na Escola, coordenado na referida instituição pela Especialista em Educação Maria do Socorro Silva, o qual integrou várias ações que fizeram parte da Semana do Empoderamento Feminino, instituída pela Lei 8775/2018 (Pará, 2018), do Deputado Carlos Bordalo. No âmbito do Estado do Pará, essa semana é designada à discussão da igualdade de gênero, visando realizar ações que promovam o Empoderamento Feminino dentro do contexto escolar, seja ele público ou privado. As professoras promoveram uma atividade interdisciplinar entre seus componentes curriculares, a qual resultou em produções textuais bibliográficas, em que os alunos puderam aplicar 1 Professora de Língua Portuguesa e Francesa da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Doutora em Letras - Linguística pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestra em Letras - Linguística pela mesma Universidade. Especialista em Letras - Língua Portuguesa pela UFPA. Graduada em Letras pela referida Universidade. 2 Professora de História e Estudos Amazônicos da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Graduada em História pela Universidade Federal do Pará. 3 Especialista em Educação da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc/PA). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 29 conhecimentos obtidos tanto no âmbito da Linguagem quanto no das Ciências Humanas, lançando um novo olhar sobre o conceito de Empoderamento Feminino. Este manuscrito relata não somente as ações desenvolvidas em prol da realização da intervenção pedagógica supracitada, apontando um possível caminho metodológico para debater o tema Empoderamento Feminino e para abordar objetos de conhecimentos correspondentes aos componentes curriculares mencionados, como texto narrativo, marcadores discursivos, periodização histórica, conceito de Empoderamento Feminino; mas também os resultados alcançados ao trabalharmos a produção textual a partir do gênero a biografia. Nosso objetivo consistiu em levar as/os discentes a observarem que as histórias das mulheres de seu meio familiar, demonstram o quanto essas mulheres são empoderadas. Assim sendo, a fundamentação teórica que subsidia esta discussão se baseia nos pressupostos dos gêneros textuais, em especial o gênero biografia (Marcuschi, 2010; Silva, 2010), apontado aqui como uma alternativa para o ensino de objetos de conhecimentos da Língua Portuguesae da História. No campo específico das Ciências Humanas, buscamos subsídio em Berth (2019), com o propósito de fundamentar os saberes do componente curricular História, em especial, a história e a construção do conceito de Empoderamento Feminino. Não obstante, subsidiamos nossa discussão do Documento Curricular do Estado do Pará - DCE/PA (Pará, 2021). Nessa intervenção pedagógica, analisamos as produções textuais das/dos alunas/os envolvidas/os em uma perspectiva qualitativa (Thiollent, 1986). Percebemos que nosso público-alvo compreendeu o conceito de Empoderamento Feminino, demonstrando isso em seus textos, bem como produziu biografias utilizando-se dos objetos de conhecimentos abordados. A realização desta atividade junto a uma turma de 9º ano agregou uma grande experiência em relação ao trabalho interdisciplinar e à vivência narrada por nossas/nossos estudantes. As histórias compartilhadas enriqueceram nossa formação enquanto ser humano e educadoras, mostrando o quanto é importante, em nossa prática pedagógica, despertar no aprendiz os saberes e os sentimentos que ainda estão adormecidos. Por meio da biografia, as/os alunas/os tiveram a oportunidade de lançar um olhar mais atento ao seu ambiente familiar, percebendo que, nesse círculo, há mulheres com grandes histórias de vida, que podem ser vistas como Mulheres Empoderadas. Aporte Teórico Marcuschi (2010) introduz a noção de gênero textual, fundamentando-se nos postulados bakhtinianos (Bakhtin, 2003) de que os gêneros modelam a interação humana. Conforme Marcuschi (2010, p. 19), como “entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa,” os gêneros textuais não somente ordenam, mas também organizam as Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 30 atividades comunicativas do cotidiano. Assim sendo, o autor afirma não ser possível haver comunicação verbal sem se fazer uso de gêneros textuais, e ser impossível comunicar-se verbalmente sem se fazer uso de textos. Diante dessa compreensão, Marcuschi (2010) destacou a necessidade de tomar a noção dos gêneros textuais como abordagem de ensino-aprendizagem de línguas, visto se constituírem verdadeira oportunidade de estudá-las, em situação cotidiana, em seus usos autênticos. Marcuschi (2010, p. 37) destaca que “nada do que fizermos linguisticamente estará fora de ser feito em algum gênero”, fazendo uso de algum texto. O autor corrobora com os postulados de Dolz e Schneuwly (2004, p. 57), para quem os gêneros “devem constituir os ingredientes de base do trabalho escolar, pois, sem os gêneros, não há comunicação e, logo, não há trabalho sobre comunicação.” Há alguns anos, em contexto brasileiro, nas escolas da Educação Básica, os gêneros textuais servem de modelo didático para o ensino da Língua Portuguesa. Em outras palavras, no campo do ensino-aprendizagem das línguas, os gêneros textuais embasam currículos escolares, a exemplo do que acontece na educação pública do Estado do Pará. O DCE/PA (Pará, 2021), seguindo orientações presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (Brasil, 1998) e na Base Nacional Comum curricular - BNCC (Brasil, 2018), pauta a abordagem do ensino da Língua Portuguesa na concepção interacionista da linguagem, tomando o texto como objeto de ensino e os gêneros textuais como eixo de progressão e articulação para o Ensino da Língua Portuguesa. Assim, [...] o ensino por meio de diferentes gêneros permite a valorização das culturas específicas de cada lugar e da própria identidade, relacionando a forma do sujeito ser estar no mundo com outras formas diferentes da sua; logo, considerando aspectos como as necessidades e finalidades de aprendizagem, a faixa etária, a série, sugere-se um trabalho sistematizado e aprofundado com um gênero discursivo por bimestre (Pará, 2021, p. 108). Seguindo essas diretrizes do documento curricular paraense que orienta nossa prática pedagógica, na ação que desenvolvemos, optamos por trabalhar com o gênero textual biografia, realizando encaminhamentos didáticos sistematizados em sequência didática (Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2004), conforme sugerido pelo DCE/PA (Pará, 2021). A palavra biografia significa, em diferentes línguas ocidentais, “a escrita de uma história de vida” (Silva, 2010, p. 13). O gênero textual biografia, portanto, consiste no “relato da vida de uma pessoa. Uma definição simples para um gênero de fronteira, que dialoga com diferentes áreas do saber, da História ao Jornalismo, passando pela Literatura e a Psicologia”. O gênero biografia possibilita ao professor realizar uma abordagem interdisciplinar, tornando- se “um instrumento que oferece possibilidades para a sala de aula” (Silva, 2010, p. 13). Ademais, trabalhar a produção da escrita nesse gênero textual propicia às/aos alunas/os o “diálogo com o cotidiano e com o generalizado interesse pela vida privada, que reside em todos nós”. Por esse Revista “Entre Saberes” - Vol. VI, Nº 11 (dez.2023) 31 aspecto, a autora afirma que a biografia sendo um gênero de caráter popular, torna-se atrativo utilizá- la como instrumento de ensino do componente curricular História. [...] ela se apresenta como um meio que facilita a discussão histórica ao despertar a curiosidade dos alunos porque fornece nomes e faces aos processos históricos. Ou seja, a biografia personaliza a História que enfoca estruturas e processos amplos. E, em uma sociedade em quem a individualização está por toda parte, associar contextos históricos a personagens que os alunos possam nomear, dos quais possam se recordar, é fornecer as ferramentas mais importantes, se interessar por esses momentos históricos (Silva, 2010, p. 17). No campo da História, conforme a estudiosa, o gênero textual biografia possibilita ainda relacionar o interesse do professor com o das/dos alunas/os, tratando das realidades específicas desses como, por exemplo, as culturas de cada lugar, a identidade, o lugar de fala; realidades destacadas pelo DCE/PA (Pará, 2021) como possíveis de serem valorizadas por meio do ensino de diferentes gêneros textuais, dentre os quais a biografia. Não obstante, Silva (2010) também sugere que trabalhar com a biografia consiste em uma forma de fomentar a pesquisa, haja vista que as/os alunas/os precisam buscar informações sobre as personagens escolhidas a fim de biografá-las. No campo da Língua Portuguesa, compreendemos que produzir textos escritos, a partir do gênero textual biografia, pode constituir, para a/o aluna/o, uma oportunidade de fazer uso dos objetos de conhecimento aprendidos na escola, relacionando-os às suas reais necessidades comunicativas, a exemplo do que ocorreu quando as/os alunas/os precisaram utilizar marcadores discursivos de temporalidade (objeto de conhecimento de Língua Portuguesa) para organizar a linha do tempo (objeto de conhecimento de História) de sua biografia. A produção escrita do gênero em questão, nesse sentido, possibilita aos discentes, cumprirem uma função comunicativa específica, na qual se constituem sujeitos de fala, com objetivos definidos (Marcuschi, 2010). Dentro das ações realizadas na intervenção pedagógica Uma história contada em Biografia, a atividade consistiu em as/os alunas/os biografar uma mulher vista por elas/eles como empoderada, pertencente ao seu seio familiar. Nesse momento, as/os alunas/os tinham a palavra e escreviam conforme a sua interpretação dos fatos coletados em entrevista informal. O objetivo era mostrar a mulher empoderada que havia em sua família, a qual era digna de sua admiração. A atividade de escrita deu-se, portanto, de forma contínua, em que os estudantes escreveram e reescreveram seu próprio texto a fim de aperfeiçoá-lo quanto aos aspectos discursivo e formal. Na referida atividade, vimos o gênero textual biografia como uma possibilidade para a/o aluna/o apresentar sua compreensão