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CATEGORIAS E CONCEITOS DA GEOGRAFIA APRESENTAÇÃO Professora Esp. Karitta da Silva Lopes ● Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). ● Especialista em “História da África e Cultura Afro-Brasileira, Práticas Docentes, Relações Raciais e a Aplicação da Lei 10.639/03” pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). ● Atuou como professora de Geografia pelo Processo Seletivo Simplificado do Paraná da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR). ● Link do Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2751506907806550. Ampla experiência como docente na rede pública de Ensino Básico do Estado do Paraná, atuando em instituições como o Colégio Estadual João de Faria Pioli, Colégio Estadual Silvio Magalhães Barros, Instituto de Educação Estadual de Maringá, Colégio Estadual Antônio Francisco Lisboa e Colégio Estadual Jardim Independência, estes dois últimos, localizados no município de Sarandi-PR. APRESENTAÇÃO DA APOSTILA Olá, seja muito bem vinda(o) à disciplina “Categorias e conceitos da Geografia”! Prezada(o) aluna(o), é com grande satisfação e apreço que lhe introduzo às temáticas e assuntos que compõem esta disciplina. Se você se interessou pelos conhecimentos apresentados e dinamizados aqui, o presente material será o início de uma grande jornada que vamos trilhar juntos a partir de agora. Desde já te adianto que o desenvolvimento do conhecimento em Geografia se faz por meio de uma construção coletiva, ou seja, por relações conjuntas e recíprocas e nunca individuais ou unilaterais. Desta forma, é a partir do compartilhamento e socialização dos saberes geográficos, divididos em quatro unidades, que vamos estudar alguns dos princípios históricos, teóricos, metodológicos e epistemológicos da construção e consolidação da Geografia como ciência. Na unidade I vamos conhecer a disciplina de Geografia ao longo da História, com destaque ao seu desenvolvimento por meio das correntes do pensamento geográfico, das suas tendências mundiais e brasileiras e dos seus conceitos e categorias analíticas principais. Já na unidade II você irá saber mais sobre questões acerca da ação humana na natureza e as relações estabelecidas entre a sociedade e o meio ambiente, como também, sobre o impacto da sociedade na natureza e vice e versa, e algumas técnicas sustentáveis desenvolvidas para diminuir esse impacto. Na sequência, na unidade III falaremos a respeito das divisões da Geografia entre Geografia Humana e Geografia Física, das relações entre Geografia e interdisciplinaridade, dos princípios da Geografia Crítica enquanto uma corrente teórica presente nos estudos geográficos e dos diversos ramos da Geografia, como a Geomorfologia, Climatologia, Geografia Social e Geopolítica, entre outros. Em nossa unidade IV, vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina com estudos à respeito da leitura do espaço geográfico por meio das categorias geográficas de lugar e paisagem, do conceito de território e espaço geográfico de forma mais específica e aprofundada e, por último, da representação do espaço geográfico, em especial, através do ensino de Geografia nas escolas. Aproveito para reforçar o convite a você, para junto comigo, percorrer esta jornada de conhecimento a fim de multiplica-los a partir de tantos assuntos tratados em nosso material. Almejamos que esta disciplina possa contribuir para seu crescimento pessoal, profissional e acadêmico. Muito obrigada pela companhia e bons estudos! Se puder, fique em casa. UNIDADE I CONCEITOS DA GEOGRAFIA Professora Esp. Karitta da Silva Lopes Plano de Estudo: ● A Geografia ao longo da História. ● As correntes do pensamento geográfico. ● As tendências da Geografia mundial e Brasileira. ● Conceitos fundamentais na compreensão do espaço Geográfico Objetivos de Aprendizagem: ● Compreender o processo histórico de evolução do pensamento geográfico. ● Analisar os pressupostos da geografia como ciência e sua relação com outras áreas do conhecimento, através do tempo histórico. ● Estabelecer relações entre a sociedade humana e o ambiente natural. ● Classificar as categorias geográficas e compreender como os fenômenos espaciais se manifesta através delas. INTRODUÇÃO Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar conhecimentos acerca das bases teóricas do pensamento geográfico. O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais, modificações territoriais e relações com práticas e intervenções humanas. Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território, espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no seu percurso educacional no decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às Humanidades. A Unidade 1 “Conceitos da Geografia” é composta por quatro tópicos que correspondem à um plano de estudo estruturado para que você possa obter conhecimento sobre a Geografia ao longo da História, as correntes do pensamento geográfico, as tendências da Geografia mundial e brasileira e os conceitos fundamentais na compreensão do espaço geográfico. Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas habilidades cognitivas e investigativas em Geografia. Bons estudos! 1 A GEOGRAFIA AO LONGO DA HISTÓRIA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/old-vintage-retro-compass- on-ancient-1014403549 Ao darmos início aos estudos acerca da Geografia enquanto uma disciplina essencial para compreendermos o espaço que vivemos, suas condições naturais, modificações territoriais e intervenções humanas, precisamos, a priori, identificar a etimologia da palavra a fim de contextualizá-la ao longo da história. Logo, o termo em destaque, tem sua origem na junção dos radicais gregos geo, cujo significado é terra, e grafia, que significa descrição, ou seja, o estudo da superfície da terra. Nascida no berço do pensamento filosófico grego, a base científica da Geografia é reconhecida como uma das mais longínquas da Grécia Antiga, sendo classificada enquanto uma filosofia natural ou história natural. Nesse período histórico, os objetivos e análises que envolviam a ciência geográfica estavam voltadas a entender a localização da Terra no universo, bem como, a dimensão de sua superfície por meio de cálculos matemáticos e representações cartográficas. Em virtude disso, podemos dizer que as origens dos estudos geográficos se dão a partir do surgimento da geografia geral e da geografia matemática. De acordo com Paulo R. Teixeira de Godoy (2010), a utilização do termo Geografia foi motivada pela necessidade de designar aportes do cotidiano da sociedade grega, como relatos de viagens, descrição de lugares, escritos literários, relatórios estatísticos, registros cosmológicos, entre outros. Por esta razão, pesquisas históricas e evidências arqueológicas e etnológicas apontam que o mapa é a mais antiga forma de comunicação gráfica realizada pela humanidade Nesse momento histórico na Grécia,havia um esforço intelectual voltado para a compreensão do mundo, do universo e da realidade, ou como era conhecido à época, o cosmos. Para os gregos, o cosmos era uma totalidade organizada racionalmente, que só poderia ser descrito pela razão, levando a visualização de uma ordem, uma unidade e uma harmonia, onde coexistem uma multiplicidade caótica das coisas e acontecimentos (GODOY, 2010, p. 13). https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/old-vintage-retro-compass-on-ancient-1014403549 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/old-vintage-retro-compass-on-ancient-1014403549 Contudo, embora a construção e formulação das bases científicas da Geografia remonte a Era Clássica (entre o século VIII a.C. e o século V d.C) a partir da perspectiva dos estudos sobre as dimensões, formas e o campo gravitacional da Terra, não havia uma unidade de análise compreendida como método, de modo que, até o final do século XVIII, não é possível falar de um conhecimento geográfico sistematizado que apresentasse as conexões metodológicas necessárias para ser categorizada como ciência. Com o fim da Idade Média, período histórico marcado por uma organização social definida pelas aristocracias feudais, pelas imposições eclesiásticas da Igreja Católica e por um sistema econômico baseado na troca e no escambo, surge a necessidade de legitimar a ciência a partir do método a fim de racionalizar os seus procedimentos e descobrimentos, antes, desacreditados e questionados pelo clero, poder religioso da estrutura medieval que operava diretamente nas decisões políticas da sociedade europeia. Neste sentido, o pensamento moderno, inaugurado com as mudanças históricas proporcionadas pelo Iluminismo, pelo capitalismo e pelo positivismo, estipulou o método (baseado exclusivamente em concepções empiristas e quantitativas da época Moderna) como uma condição imprescindível para se fazer ciência. O conhecimento da realidade em diversas sociedades e na maior parte da história da humanidade foi buscado nos signos religiosos, nas lendas, na poesia e na religião. Foi rompendo com estas formas, até então tradicionais de explicação da realidade, que o pensamento moderno tomou forma inaugurando um novo período na história da humanidade onde o conhecimento foi tomado como ação racional (LEITÃO, 2017, p.12). Figura 1: O Homem Vitruviano (1490), obra renascentista de Leonardo da Vinci (1452 - 1519) que se tornou símbolo do Antropocentrismo (homem no centro), conceito característico da Modernidade. https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/homo-vitruviano-vitruvian-man- leonardos-detailed-602705321 Desta forma, foi a partir do século XIX que a ciência geográfica inicia os primeiros passos na sistematização de um método por meio dos estudos dos intelectuais alemães Carl Ritter (1779 - 1859) e Alexander Von Humboldt (1759 - 1859), que no mesmo período histórico, dedicaram-se a estudar as interações entre o homem e a natureza. Portanto, podemos afirmar que Humboldt e Ritter, são os percursores da geografia sistematizada e de metodologias para se pensar tal ciência. Carl Ritter (1779 – 1859), ao lado de Alexander Von Humboldt (1769 – 1859), é apontado como um dos organizadores das bases da Geografia Moderna. Apesar de nenhum destes dois geógrafos ter sido pioneiro no estudo da Geografia na Modernidade, foram os primeiros a proporem uma ciência geográfica, cujo objetivo fosse compreender as leis que regem a relação entre a natureza e a sociedade (LEITÃO, 2017, p. 12). Ao analisarmos a contribuição dos autores para a sistematização da geografia e, por consequência, sua consolidação enquanto ciência racionalizada por uma metodologia testada, podemos perceber que o que os diferenciavam teoricamente era o método de análise que propunham para desenvolver seus estudos. Segundo Leitão (2017), Humboldt era um naturalista empirista que viajou por diversos locais do mundo enquanto Ritter compôs sua obra a partir de atividades de revisão bibliográfica, propondo um sentido para a relação homem-natureza. Ambos os autores se encontravam inseridos em um contexto de profundas transformações na história na Alemanha e, sobretudo, na história Ocidental. A ciência, nesse período, estava fundamentada em uma compreensão mecanicista do universo, ou seja, estava ancorada na razão exacerbada, herança do positivismo iluminista, como vimos anteriormente. “Efetivamente, a epistemologia dominante fundamenta-se em contextos culturais e políticos bem definidos: o mundo moderno cristão ocidental, o colonialismo e o capitalismo” (TAVARES, 2009, p. 183). O pensamento moderno baseado nas contribuições da física de Newton iniciou a modernidade enquanto corrente científica. A física Newtoniana, concretizou a forma mecânica de compreender a natureza, afirmando que nada poderia fugir das relações de causa e efeito, sendo assim, as explicações dos fenômenos seriam logicamente medidas e traduzidas em equações matemáticas adequadas a explicar todos os eventos que acontecem no espaço. Contudo, a inspiração científica de Ritter, não foi somente instigada pela corrente racionalista que permeou a Modernidade, sua geografia preocupava-se em dar respostas aos dilemas do seu tempo e as questões que preocupavam sua geração, afirmando que a geografia seria capaz de encontrar leis racionais e universais que gerissem a conexão entre a humanidade e a natureza quando compreendesse, que mesmo a razão, era detentora de contradições e complexidades inerentes ao agir e pensar humano. Ao analisar as mudanças políticas, sociais, econômicas, culturais e epistemológicas que ocorreram no continente europeu pós-Revolução Francesa, relacionando-as com a corrente científica racionalista, o autor aponta: Muitos daqueles que esperavam que a Revolução Francesa fosse capaz de inspirar em toda a Europa uma sociedade mais igualitária e livre, assistiram à queda do tradicional Antigo Regime sem que isso representasse mudanças significativas na vida da maior parte da população. O homem moderno continuava refém das fraquezas humanas, mas em contrapartida, havia perdido seu elo com a natureza, aberto mão de sua tradição e perdido o contato integral da vida comunitária (LEITÃO, 2017, p. 13). À vista disto, Carl Ritter preocupou-se em sistematizar o conhecimento geográfico ao elaborar uma interpretação científica e racional para entender a interação entre o homem e a natureza e encontrar um significado para a existência humana. O geógrafo acreditava que a vontade de Deus havia desenvolvido a ciência racional como condição da humanidade se reconectar com a natureza e, consequentemente, se reconectar com Deus através da contemplação da mesma. Corroboramos que, mesmo com o fim da Idade Média e a ocorrência da Modernidade, tais transformações históricas não ocorreram do dia para a noite, logo, vale ressaltar que a religião, como instituição que molda as ações e pensamentos humanos, continuou a exercer grandes influências nas práticas sociais modernas. Tal fato explicaria a crença e pertença religiosa manifestada por Carl Ritter em seus estudos a respeito da geografia. Para Ritter, as adversidades da natureza moldam o caráter e o espírito de um povo, da mesma maneira que o homem é capaz de alterar a natureza. É desta relação, que é por essência conflituosa, que são moldadas as regiões em suas particularidades. As regiões, a natureza e os homens são, portanto, portadores de história. É a partir da história que o geógrafo se torna capaz de compreender os meandros da relação homem-natureza (LEITÃO, 2017, p. 29). A fim de compreender de que forma os fenômenos apresentam-se na superfície da Terra por meio de uma razão universal, ainda que estivesse focado em entender as particularidades de cada região, o autor encontrou um método que relaciona a parte e o todo. Logo, a partir de suas contribuições epistemológicas,Carl Ritter é reconhecido como o percursor da Geografia Humana como método científico. Ainda que Ritter tenha vivido no século XVIII, em um momento em que a própria concepção de ciência era concebida de forma mais holística, seu interesse foi o de utilizar a Geografia como forma de superar a fragmentação imposta pelo avanço da razão em sua época (MOREIRA, 2010 apud LEITÃO, 2017, p. 14). Por outro lado, Alexander von Humboldt buscou formular teorias sobre a Terra a partir do empirismo racionado e do método intuitivo, isto é, a compreensão dos conhecimentos relativos a terra se dará a partir da observação como suporte para a prática e assimilação direta da realidade para além da razão. Durante suas expedições, o autor observou que as características da flora e da fauna de uma região estão estreitamente relacionadas com as condições climáticas, latitudes e tipo de relevo existentes nesse ambiente. A partir dessa elaboração analítica, Humboldt desenvolveu o conceito de “meio ambiente geográfico”, sendo reconhecido como percursor da Geografia Física. As respostas encontradas por Ritter e Humboldt para os impasses de sua época e suas formas de pensar a Geografia podem não ser adequadas às nossas pretensões atuais, mas entendê-los é fundamental para que possamos revisar nosso passado encontrando elementos que possam auxiliar as respostas que buscamos dar em nosso próprio tempo. Ao longo do presente tópico, buscamos apresentar os primeiros passos da sistematização da ciência geográfica como uma importante ferramenta de compreensão da realidade, cuja formulação e desenvolvimento teórico-metodológico vem a contribuir para que a humanidade possa entender a natureza e sua relação com ela, que pode vir a ser, tanto saudável e respeitosa, quanto nefasta e destrutiva. 2 AS CORRENTES DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aircraft-spotter- searches-sky-binoculars-during-249573040 Prezada (o) Aluna (o), estudamos no tópico anterior que as contribuições de Carl Ritter e Alexandre Von Humboldt, asseguraram caminhos abertos para as discussões teóricas acerca do pensamento geográfico, formulada por levantamentos experimentais e contagens esgotantes sobre distintos lugares da Terra. Vimos, também, a importância dos processos de sistematização do saber geográfico, de forma particular e autônoma, para que o mesmo fosse considerado uma ciência específica e com métodos próprios. Tendo em vista o conteúdo trabalhado anteriormente, neste tópico iremos dar continuidade aos estudos referentes a Geografia enquanto ciência e campo investigativo, focando nas correntes teóricas em que o pensamento geográfico foi construído, metodizado e elaborado cientificamente, pois para compreendermos as epistemologias da Geografia, precisamos conhecer o desenvolvimento das principais correntes que surgiram após a sua legitimação enquanto ciência sistematizada. Os primeiros princípios teóricos desenvolvidos para nortear as análises geográficas, presente em estudos até os dias atuais, foram realizados nos processos de sistematização metodológica que estudamos no tópico passado. Como afirma Antonio Carlos Robert Moraes (1994), fazem parte desse repertório o conhecimento acerca da extensão do planeta, o levantamento de informações a respeito da superfície terrestre, o desenvolvimento de técnicas cartográficas e o surgimento das teorias raciais do evolucionismo. Tais princípios, foram os primeiros passos rumo a consolidação da ciência geográfica, influenciando diretamente o surgimento de correntes teóricas cujo o objetivo é o de pensar a ciência em destaque e de servir como aporte teórico para investigações a respeito das problemáticas que envolvem a Geografia. Logo, as correntes do pensamento geográfico, com suas especificidades analíticas, semelhanças e cisões, podem ser identificadas em dois grandes grupos: a Tradicional, entendendo o agrupamento das correntes que não dialogam com as questões sociais, mas estudam a https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aircraft-spotter-searches-sky-binoculars-during-249573040 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aircraft-spotter-searches-sky-binoculars-during-249573040 relação entre a humanidade e a natureza amparada na percepção da Geografia como ciência descritiva e de observação dos fenômenos naturais, ou seja, positivista; e a Moderna, que questiona o tradicionalismo e o positivismo amparando a Geografia como ciência atenta às questões sociais e complexidades humanas. 2.1 Geografia Tradicional A corrente teórica da Geografia Tradicional têm seu desenvolvimento e consolidação possibilitada por três escolas distintas, sendo elas: 1- Determinismo, cujo o principal teórico é o alemão Friedrich Ratzel, que sustenta o argumento de que as circunstâncias naturais definem a relação com o homem e , por consequência, intervêm nas suas condições de evolução; 2- Possibilismo, estabelecido pelas ideias do francês Paul Vidal de La Blache, que defendia que a natureza oferece oportunidades para que o homem a transforme sem necessariamente indicar comportamentos; 3- Regionalismo, escola amparada pelo norte-americano Richard Hartshorne e, também, por Paul Vidal de La Blache, que afirmavam que o conhecimento das regiões geográficas e suas diferenças se davam por meio do detalhamento dos lugares e fragmentações territoriais. 2.1.1 Determinismo Geográfico Teoria formulada no século XIX pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que aponta as influências que as condições naturais exercem sobre os seres humanos, a escola determinista sustenta a ideia de que o meio natural determina o homem, nesse sentido, os homens procurariam organizar o espaço para garantir a manutenção da vida. Segundo Moraes (1994), para Ratzel “A perda de território seria a maior prova de decadência de uma sociedade. Por outro lado, o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território, logo, de conquistar novas áreas (p. 19)”. As análises de Ratzel estavam ligadas fortemente ao momento histórico que se encontrava inserido, compreendendo o período de unificação da Alemanha no século XIX. O expansionismo do império alemão, arquitetado pelo primeiro-ministro da Prússia Otto Von Bismarck (1815-1898), foi legitimado pelas duas principais correntes do pensamento Ratzeliano, o determinismo geográfico - que explicaria a superioridade de algumas raças, nesse caso a alemã, que naturalmente se desenvolveriam mais do que outras - e o espaço vital, que justificaria a conquista de novos territórios de formas violentas para suprir a maior demanda de recursos para seu desenvolvimento, ou seja, o expansionismo. Ratzel elabora o conceito de “espaço vital”; este representaria uma proporção de equilíbrio, entre a população de uma dada sociedade e os recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo assim suas potencialidades de progredir e suas premências territoriais. É fácil observar a íntima vinculação entre estas formulações de Ratzel, sua época e o projeto imperial alemão. Esta ligação se expressa na justificativa do expansionismo como algo natural e inevitável, numa sociedade que progride, gerando uma teoria que legitima o imperialismo bismarckiano. Também sua visão do Estado como um protetor acima da sociedade, vem no sentido de legitimar o Estado prussiano, onipresente e militarizado. (MORAES, 1994, p. 19). Os discípulos da escola determinista foram além das proposições de Ratzel, chegando a afirmar que o homem seria um produto do meio ao defenderem que um ambiente mais hostil proporcionaria um maior nível de desenvolvimento ao exigir um alto grau de organização social para suportar todas as contrariedades impostas pelo meio. Ex: O inverno justificaria o desenvolvimento das sociedades europeias, que não tiveram grandes dificuldades em subjugaros povos tropicais, isto é, sociedades africanas e americanas, que segundo tal pensamento, seriam mais indolentes, incivilizados e atrasados. Essa ideia falaciosa serviu de justificativa para a colonização, a escravidão e o expansionismo neocolonial na África e na Ásia entre o fim do século XIX e o início do século XX. Pensamentos que, mais tarde, foram aproveitados pelos cientistas e políticos da Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial a fim de sustentar as atrocidades do Holocausto e o extermínio de populações consideradas racialmente inferiores, como judeus, negros, ciganos e pessoas com deficiência. Em acordo com Moraes (1994), a característica principal do Determinismo “[...] reside no fato de haver trazido, para o debate geográfico, os temas políticos e econômicos, colocando o homem no centro das análises. Mesmo que numa visão naturalizante, e para legitimar interesses contrários ao humanismo” (p. 21). 2.1.2 Possibilismo Geográfico A escola possibilista teve origem na França com Paul Vidal De La Blache, teórico que estava inserido no pensamento político dominante da sociedade francesa em um momento em que a nação tornou-se uma grande soberania. Para compreender o processo de eclosão do pensamento geográfico na França, e o tipo de reflexão que este engendrou, é necessário enfocar os traços gerais do desenvolvimento histórico francês no século XIX, e, em detalhe, a conjuntura da Terceira República e o conflito de interesses com a Alemanha (MORAES, 1994, p. 22). Paul Vidal De La Blache realizou estudos regionais procurando provar que a natureza exercia influências sobre o homem, mas que o homem tinha possibilidades de modificar e de melhorar o meio, ideia chave do Possibilismo. O autor delineou o enfoque da Geografia a partir da interação homem-natureza, na concepção da paisagem, inserindo o homem como um ser dinâmico, que sente a influência do meio, mas que opera sobre este, modificando-o. A partir dessa elaboração, constatou que as urgências humanas são influenciadas pela natureza, e que a humanidade procura recursos para satisfazê-las nos elementos e nas possibilidades ofertadas pelo meio. Conforme afirmado por Moraes (1994) a geografia vidalina tem como enfoque a população, o agrupamento social, e nunca a sociedade em si, isto é, tal escola aborda os estabelecimentos e feitos humanos a partir de técnicas e de instrumentos de trabalho, não as relações e dinamizações sociais ocorridas através de processos de produção e exploração. “Enfim, discute a relação homem-natureza, porém sem abordar as relações entre os homens. É por esta razão que a carga naturalista é mantida, apesar do apelo à História, contido em sua proposta” (MORAES, 1994, p. 26). Por fim, podemos dizer que o Possibilismo considera a natureza como fornecedora de possibilidades e o homem como o principal agente geográfico que atua e modifica a natureza. 2.1.3 Regionalismo Geográfico Essa corrente do pensamento geográfico tradicional, tem suas bases propostas pelo diálogo entre Paul Vidal de La Blache, que como já vimos é o teórico principal da escola possibilista, e Richard Hartshorne, norte-americano que afirma que os aspectos próprios da Geografia eram o espaço e os lugares. O método adotado por essa vertente compreendia em comparar regiões, sobre os critérios de semelhança e diferença, dedicando-se a coleta de informações descritiva sobre lugares ao dividir a Terra em regiões. Para Hartshorne, os espaços eram divididos em áreas nas quais os elementos mais homogêneos determinariam cada classe e, assim, as descontinuidades destes espaços trariam as divisões das áreas. Hartshorne argumentou que os fenômenos variam de lugar a lugar, que as suas inter-relações também variam, e que os elementos possuem relações internas e externas à área. O caráter de cada área seria dado pela integração de fenômenos inter-relacionados. Assim, a análise deveria buscar a integração do maior número possível de fenômenos inter-relacionados. (MORAES, 1994, p. 32). Logo, podemos afirmar que para o teórico em destaque, o pesquisador faria a análise de um só lugar, tentando compreender diversos elementos que levariam à construção de um importante e significativo conhecimento sobre determinado local. Buscamos visualizar e compreender tal método a partir dos exemplos expostos por Moraes: [...] o pesquisador seleciona dois ou mais fenômenos (p. ex. clima, produção agrícola, tecnologia disponível), observa-os na área escolhida, relaciona-os. Seleciona outros (p. ex. topografia, estrutura fundiária, relações de trabalho), observa-os, relaciona-os; repete várias vezes este procedimento, tentando abarcar o maior número de fenômenos (tipo de solo, destinação da produção, número de cidades, tamanho do mercado consumidor, hidrografia etc.); uma vez de posse de vários conjuntos de fenômenos agrupados e inter-relacionados, integra-os inter-relacionando os conjuntos; repete todo este procedimento, com novos fenômenos, ou novos agrupamentos dos mesmos fenômenos, em conjuntos diferentes; afinal, integram-se, entre si, os conjuntos já integrados separadamente (MORAES, 1994, p. 32). As propostas dessa corrente abriram inúmeras possibilidades para os estudos geográficos e foram amplamente discutidas, pois possibilitou análises locais, focadas na união de temas conectados, à exemplo de uma geografia dos recursos naturais e uma geografia dos transportes, relacionando e integrando uma diversidade de fenômenos relacionados a essas temáticas específicas. Tal pensamento geográfico definido como método regional, possibilitou um trabalho investigativo com uma quantidade diversa de elementos, relacionando interesses cada vez mais planejados e ágeis sobre determinada região. A partir do exposto durante o presente tópico, a Geografia Tradicional contribuiu para a fundamentação de um campo amplo de investigações sistematizadas ao organizar uma continuidade de discussões estruturadas em conhecimentos metodológicos. Nesse processo, elaborou um temário válido, independente das teorias que desenvolveu; esse temário restou como a grande herança do pensamento geográfico tradicional. Assim, seu grande feito foi a identificação de problemas, o levantamento de questões válidas, às quais deu respostas insatisfatórias ou equivocadas (MORAES, 1994, p. 33). Concomitante à isso, a Geografia Tradicional contribuiu com uma quantidade vasta de informações e levantamento de diversas realidades, constituindo um material essencial para pesquisadores que vieram depois, beneficiados pelo caráter descritivo das informações levantadas e dados minuciosos sobre uma pluralidade de fenômenos, inclusive, para que tais teóricos subsequentes formulassem críticas e correntes divergentes às aqui explanadas. Para concluir, apesar de suas limitações generalistas e naturalistas, o pensamento geográfico tradicional contribuiu para a elaboração de alguns conceitos bases da Geografia atual como ambiente, território, região, habitat, etc. (reestruturados e ressignificados posteriormente). O cenário apresentado diz respeito às primeiras vertentes teórica-metodológicas da Geografia, as críticas levantadas a essa corrente, proporcionou avanços científicos na construção do pensamento geográfico e na produção epistemológica acerca dessa ciência. 2.2 Geografia Moderna Por volta da década de 1950, com o fim da II Guerra Mundial (1939 e 1945) e a expansão do sistema capitalista, as correntes do pensamento geográfico tradicional foram questionadas, trazendo para as novas análises a defesa de fazer da Geografia uma ciência humana e social. Sobre a estruturação de novas formas e sentidos para pensar a disciplina nos anos seguintes, podemos apontar que A crise da Geografia Tradicional, e o movimento de renovação a ela associado, começam a se manifestar já em meadosda década de cinquenta e se desenvolvem aceleradamente nos anos posteriores. A década de sessenta encontra as incertezas e os questionamentos difundidos por vários pontos. A partir de 1970, a Geografia Tradicional está definitivamente enterrada; suas manifestações, dessa data em diante, vão soar como sobrevivências, resquícios de um passado já superado. Instala-se, de forma sólida, um tempo de críticas e de propostas no âmbito dessa disciplina. Os geógrafos vão abrir-se para novas discussões e buscar caminhos metodológicos até então não trilhados. Isto implica uma dispersão das perspectivas, na perda da unidade contida na Geografia Tradicional. Esta crise é benéfica, pois introduz um pensamento crítico, frente ao passado dessa disciplina e seus horizontes futuros. Introduz a possibilidade do novo, de uma Geografia mais generosa (MORAES, 1994, p. 34). Em virtude disso, o surgimento e consolidação da Geografia Moderna se deu a partir de duas grandes escolas teóricas: a Pragmática, que está ligada a Geografia aplicada e que acredita na tecnologia geográfica, mediada por dados estatísticos e diagnósticos que subsidiaram a estruturação das relações capitalistas ao incentivar tomadas de decisões de governos e empresas; e a Crítica, que apresenta propostas heterogêneas que se aproximam de análises acerca da realidade social, com suas desigualdades, assimetrias e contradições, apontando assim, a Geografia como uma ciência que vislumbra mudanças sociais em busca de uma coletividade mais justa e engajada politicamente junto ao meio ambiente. 2.2.1 Geografia Pragmática (Nova Geografia, Geografia Teorética ou Quantitativa) A Geografia Pragmática corresponde a um corrente do pensamento geográfico desenvolvida a partir da década de 50, emergente a partir da urgência da obtenção de dados exatos, calcados em conceitos teóricos, que fossem apoiados em análises estatísticas, matemáticas e exatas da realidade. A escola foi utilizada como forte ferramenta para a consolidação dos poderes do Estado através de soluções baseadas em dados quantitativos. Desta forma, seu intuito geral é o de uma “renovação metodológica”, o de buscar novas técnicas e uma nova linguagem, que dê conta das novas tarefas postas pelo planejamento. A finalidade explícita é criar uma tecnologia geográfica, um móvel utilitário. Daí sua denominação de pragmática (MORAES, 1994, p. 37). As características principais dessa corrente são de que todo o conhecimento está apoiado na experiência (empirismo) e que deve existir uma linguagem comum entre todas as ciências. Desse modo, tal interpretação recusa a ideia de um dualismo científico e forças complementares expressas entre as ciências naturais e as ciências sociais, exigindo assim, uma exatidão maior na aplicação da metodologia quantitativa e no uso de técnicas das ciências exatas. Portanto, os resultados das investigações científicas sob a alçada da Geografia Pragmática devem ser apresentados de forma lógica e apurada por meio do uso da linguagem matemática. Em razão disso, tais investigações ampliam a utilização da tecnologia na intervenção da realidade, pois se apresentam como uma artilharia de dominação para os interesses do Estado planejador que propõe suas ações balizadas em categorias técnicas, onde esconde os interesses de dominação almejadas, defendendo uma suposta neutralidade científica. A Geografia Pragmática é um instrumento da dominação burguesa, um aparato do Estado capitalista. Seus fundamentos, enquanto um saber de classe, estão indissoluvelmente ligados ao desenvolvimento do capitalismo monopolista. Assim, são interesses claros os que ela defende: a maximização dos lucros, a ampliação da acumulação de capital, enfim, a manutenção da exploração do trabalho. Nesse sentido, mascara as contradições sociais, legitima a ação do capital sobre o espaço terrestre. É uma arma prática de intervenção, mas também uma arma ideológica, no sentido de tentar fazer passar como “medidas técnicas”, logo, neutras e cientificamente recomendadas” a ação do Estado na defesa de interesses de classe (MORAES, 1994, p. 40). Enfim, essa corrente predominou nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, principalmente na década de 1960 e meados da década de 1970. Contudo, é a partir dos anos 60 que a Geografia Pragmática começa a sofrer diversas críticas, cuja principal delas está relacionada ao fato da escola não considerar as particularidades dos fenômenos ao reduzi-los a explicações estritamente exatas. Corroboramos que o método matemático não é eficiente para explicar sozinho os intervalos existentes entre diferentes momentos históricos, pois não alcança as especificidades das relações estabelecidas entre ação humana e espaço geográfico ao compreender o meio apenas de forma homogênea e quantificada em números. 2.2.2 Geografia Crítica A Geografia Crítica surgiu na França, em 1970, e depois foi desenvolvida por pesquisas em diferentes realidades do mundo, como na Alemanha, Brasil, Itália, Espanha, México e outros países, ganhando força e se legitimando como um grande movimento de renovação da Geografia na década de 80. As primeiras referências à essa corrente do pensamento geográfico foram realizadas com ênfase na obra “A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra” do Francês Yves Lacoste. Ao estabelecer o rompimento da suposta neutralidade da Geografia Pragmática e propor maior engajamento e criticidade junto a toda a conjuntura social, econômica, política e cultural do mundo, a Geografia Crítica possibilita uma leitura honesta e coerente frente aos problemas e interesses que envolvem as relações de poder e os embates históricos por território, defendendo a diminuição das assimetrias sociais, econômicas e regionais presentes nas dinâmicas de cada sociedade. Propõe, ainda, uma mudança significativa no ensino de Geografia ao promover uma educação que estimule e pensamento crítico e interpretações contextualizadas historicamente que não reduzem e simplifiquem a Geografia por reducionismos, generalismos e preconceitos. O designativo de crítica diz respeito, principalmente, a uma postura frente à realidade, frente à ordem constituída. São os autores que se posicionam por uma transformação da realidade social, pensando o seu saber como uma arma desse processo. São, assim, os que assumem o conteúdo político de conhecimento científico, propondo uma Geografia militante, que lute por uma sociedade mais justa. São os que pensam a análise geográfica como um instrumento de libertação do homem (MORAES, 1994, p. 42). Nas ideias de Yves Lacoste (1988), o Estado possui uma visão estruturada do espaço, pois tem o poder de agir sobre todos os lugares, exercendo mais uma ferramenta de dominação. Logo, faz-se necessário construir uma visão integrada do espaço e da sociedade a partir de interpretações que socializem este saber, pois possuem estratégias fundamentais para momentos de disputas políticas e para uma organização social que pense o espaço de forma justa com as necessidades humanas de sobrevivência, não com ganâncias de consumo e esgotamento de terras, matérias-primas e recursos naturais. [...] a função ideológica essencial do discurso da geografia escolar e universitária foi sobretudo o de mascarar por procedimentos que não são evidentes a utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a condução da guerra, como ainda para a organização do Estado e prática do poder. É sobretudo quando ele parece “inútil” que o discurso geográfico exerce a função mistificadora mais eficaz, pois a crítica de seus objetivos “neutros” e “inocentes” parece supérflua. A sutileza foi a de ter passado um saber estratégico, militar e político como se fosse um discurso pedagógico ou científico perfeitamente inofensivo. Nós veremos que as consequências desta mistificação são graves (LACOSTE, 1988, p. 25).No Brasil, o grande nome da renovação da Geografia foi o teórico baiano Milton Santos, que publicou as primeiras contribuições dessa nova abordagem no país. O autor defende que toda manifestação produtiva do homem, implica em uma ação modificadora da superfície terrestre. Santos afirma que a organização do espaço é determinada pela tecnologia, pela cultura e pela organização social da sociedade, que a empreendem. Na sociedade capitalista, a organização espacial é imposta pelo ritmo de acumulação. Na verdade, esta representa uma dotação diferencial de instrumentos de trabalho, na superfície do planeta, uma fixação de capital no espaço, obedecendo a uma distribuição “desigual e combinada”. Diz que, desta forma, os lugares manifestam uma combinação de capital, trabalho, tecnologia e trabalho morto, expresso nas “rugosidades” (MORAES, 1994, p. 46). O pensamento crítico na Geografia significou principalmente uma aproximação com os movimentos sociais, na busca da ampliação dos direitos civis e humanos, expressa pelo acesso à educação gratuita e de qualidade, à moradia, à terra, combate à pobreza e à violência ambiental, como o desmatamento, poluição, extinção de organismos vivos pertencentes a fauna e a flora, entre outras temáticas. 3 AS TENDÊNCIAS DA GEOGRAFIA MUNDIAL E BRASILEIRA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/national-flags- different-countries-world-brazilian-453959620 www.shutterstock.com/ Cara (o) Aluna (o), nos tópicos anteriores estudamos os paradigmas que marcaram a evolução do pensamento geográfico e a estruturação dos métodos que fundamentaram cientificamente a Geografia ao longo dos séculos. Faz-se necessário historicizar o processo de evolução do pensamento geográfico a fim de analisarmos e entendermos os pressupostos da Geografia como ciência e sua relação com outras áreas do conhecimento através do contexto histórico de sua produção. No presente tópico, temos por objetivo dar continuidade aos estudos acerca da Geografia como ciência de referência ao nos debruçarmos pelas tendências da Geografia mundial e, em específico, da brasileira. Corroboramos que o processo de desenvolvimento do pensamento geográfico, ocorrido desde a Grécia Antiga, possibilitou o surgimento de vertentes teóricas das quais são imprescindíveis para compreendermos a ciência geográfica atualmente. Logo, a História torna-se importante para pensarmos nossos objetivos de estudo, pois nos auxilia a confluir passado e presente para que possamos almejar direcionamentos à respeito da Geografia no futuro. Há um consenso entre a comunidade científica que, atualmente, a Geografia é considerada uma ciência interativa e sistêmica. Interativa pois proporciona uma relação com diversos elementos presentes nos fenômenos estudados a partir de um caráter multidisciplinar, dialogando com outros saberes científicos e áreas do conhecimento, à exemplo da História (como já vimos anteriormente). Sistêmica devido à premissas teóricas que definem o objeto de pesquisa ao conjugar métodos necessários para sua formulação e identificar conexões complexas presentes no mundo globalizado. Nas últimas décadas, a Geografia distanciou-se da preocupação em descrever fenômenos e repassar informações decoradas e repetitivas, como exemplo, as capitais dos países e estados, a quantidade populacional de um determinado lugar, a extensão dos rios e etc. Por conseguinte, os estudos geográficos se fortaleceram por meio de novas metodologias de análise, priorizando uma investigação sistêmica dos processos https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/national-flags-different-countries-world-brazilian-453959620 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/national-flags-different-countries-world-brazilian-453959620 demográficos, econômicos, urbanos, sociais que dêem ênfase ao desenvolvimento das pesquisas a partir das necessidades da nova ordem mundial. Os estudos geográficos físicos, populacionais, econômicos e geopolíticos são, atualmente, abordados por metodologias científicas, produzindo conceitos e interpretações a partir de análises sobre as causas das realidades geográficas. A relação causa-efeito só produzirá resultado científico se for estabelecida a razão geográfica da realidade em determinadas escalas regionais e macrorregionais. A territorialidade e as interações sistêmicas com os ambientes naturais, os processos demográficos e as mudanças geopolíticas nas transterritorialidades constituem, pois, a razão da ruptura epistêmica ocorrida na Geografia nas últimas décadas (VIEIRA, 2013, p. 74 - 75). Uma das grandes inovações ocorridas na Geografia atual é a utilização de ferramentas de alta tecnologia que proporcionam uma melhor análise e identificação das ocorrências e fenômenos que modificam a superfície da Terra, usufruídas por geógrafos e geógrafas em seus estudos e pesquisas. Como afirma Euripedes Falcão Vieira (2013), “técnicas de geoprocessamento e imagens de satélites facilitam localizações, movimentos da hidrodinâmica fluvial, devastação de ambientes florestais, dinâmica marinha costeira e tantos outros” (p. 78). Desta forma, podemos afirmar que a tecnologia advinda do desenvolvimento e democratização da internet, dos satélites e de uma comunicação global em alta escala, configura-se como mudanças significativas e essenciais para a ciência geográfica e para suas produções epistemológicas nos dias de hoje. Outra tendência importante para os estudos atuais da Geografia diz respeito às migrações que acontecem em escala global, evidenciando dinâmicas sociais de forte impacto na geopolítica dos espaços que sofrem e recebem grandes deslocamentos populacionais. Para compreendermos essa complexa temática é preciso utilizar diversas categorias analíticas, pois tal fenômeno interfere ativamente na vida social, na estrutura econômica, nas condições culturais e na dinâmica entre territorialidades e população. As migrações humanas ocorrem desde o Período Mesolítico – (10.000 – 8.000 a.C.), momento histórico de diversas modificações geológicas e climáticas na Terra, fato que caracterizou a transição de uma sociedade nômade para uma sociedade sedentária do homem pré-histórico. Podemos observar, também, migrações durante os processos de colonização europeia nas invasões de territórios africanos e americanos no século XVI. As migrações em larga escala estão muitas vezes ligadas a antigas relações de conquista e domínios coloniais. Mas é preciso considerar, também, as que ocorrem por força da nova ordem econômica mundial, que globalizou a produção e criou, consequentemente, uma nova divisão internacional do trabalho. Há, ainda, o fator da intelectualidade global, ativando a mobilidade da população mais jovem (VIEIRA, 2013, p. 79). Desta forma, apesar de não ser um fenômeno atual, ou seja, um fenômeno que tem uma longevidade histórica, as migrações humanas ganharam novos sentidos e significados devido à globalização. É necessário pensarmos nos motivos que levam uma quantidade significativa de pessoas a migrar do seu local de origem para uma análise geográfica precisa, sem preconceitos ou reducionismos das populações migrantes, e que interconecte as categorias de uma sociedade global. Já no Brasil, as tendências da Geografia perpassam as preocupações acerca da nossa realidade histórica e social, como por exemplo análises capazes de responder questões referentes à estrutura fundiária e o agronegócio, à pobreza e desigualdade, à segurança política e defesa, à ameaças globais e transnacionais, à matriz energética e meio ambiente, ao minério e indústria extrativa, à riqueza genética e biodiversidade, à população e diversidade social, étnica-racial e de gênero, entre outras. Tais temáticas tornam-se relacionadas à posição do Brasil frente ao mundo globalizado, apresentando- se como novas linhas e tendências analíticas napesquisa geográfica. De acordo com Armen Mamigonian (1999), as tendências atuais da Geografia aspiram dar resposta à crise da sociedade, da civilização e da própria disciplina. O autor nos aponta que o desenvolvimento do modo de produção capitalista levou o Brasil a mundialização da economia, fato que forçou uma redefinição dos espaços nacionais, regionais e locais, seus papéis na divisão territorial e social do trabalho, intervenções mais incisivas do Estado e novas tendências à concorrência internacional que provocaram assimetrias na distribuição geográfica do nosso território. Além do processo de urbanização tão brutal como nós vivemos nas últimas décadas e intimamente acoplado a ele afloraram novas problemáticas, que estão estimulando linhas de pesquisa que já existiam, mas foram renovadas: 1) a preocupação por decifrar os processos espaciais no interior das cidades, aprofundando os conhecimentos de renda capitalista da terra (também na agricultura), sobre influência marxista; 2) a preocupação por combinar desenvolvimento econômico e preservação ambiental, como nas propostas de eco-desenvolvimento (Ignacy Sachs na França, Aziz Ab’Saber no Brasil, por exemplo), procurando soluções de crescimento, com vantagens sociais (por exemplo, códigos de empregos) e ambientais (controle dos gases da combustão nas cidades, por exemplo); 3) a preocupação por uma geografia da percepção, cuja raiz está na crescente alienação das pessoas, incapazes de realizar “mapas mentais”, mas também vinculada à psicologia comportamental, de potencial totalitário (Skinner, por exemplo) conforme seu uso (MAMIGONIAN, 1999, p. 177). Diante dessas novas realidades, podemos afirmar que as tendências em vigência na teoria e na prática da ciência geográfica perpassam as demandas da sociedade atual, se apresentando em quatro grandes eixos: 1) diversidade de correntes teóricas e premissas filosóficas; 2) interdisciplinaridade no diálogo e interação epistemológica entre as disciplinas no interior da Geografia e da própria Geografia em relação a outras áreas do conhecimento; 3) aumento e popularização de linhas de pesquisas destinadas à perspectivas que estabeleçam relações dinâmicas entre a sociedade humana e o ambiente natural, como a geopolítica por exemplo; 4) reconfigurações de saberes e conceitos concomitantes às mudanças advindas da urbanização, globalização e democratização das tecnologias. 4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA COMPREENSÃO DO ESPAÇO Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aerial-view-cars- trains-intersection-junction-1457094053 www.shutterstock.com/ Estimada (o) Aluna (o), no presente tópico temos por objetivo conhecer conceitos fundamentais para a compreensão do espaço. A priori, devemos ter em vista que o conceito de espaço se apresenta como uma das mais importantes categorias analíticas para o estudo da Geografia. Tal estrutura conceitual é o início de inúmeras produções científicas de autores que dedicaram seus estudos à conceituação de espaço geográfico como uma categoria abrangente e democrática para as pesquisas referentes à ciência geográfica. Iniciaremos nossas análises acerca da categoria de espaço por meio da obra A natureza do espaço (1996) do geógrafo brasileiro Milton Santos, onde propõe que o espaço é “formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (p. 63). Para o autor, a natureza é o início, ela provê a matéria-prima as quais são transformadas em objetos pela ação humana através da técnica, isto é, “a principal forma de relação entre o homem e a natureza”, definida como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (1996, p. 29). Desta forma, para a ciência geográfica, o espaço pode ser conceituado como a parte da superfície da Terra onde ocorrem as interações entre o ser humano e o ambiente natural, ou seja, o espaço geográfico é interpretado e dinamizado a partir de ações e práticas humanas, que por sua vez, são impulsionadas pela natureza, se dando em uma relação recíproca de influências. Milton Santos (1996) nos oferece argumentos críticos para compreendermos que apesar de recíproca, essa relação se dá, muitas vezes, por meio de extremas assimetrias e desigualdades ao elaborar que No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aerial-view-cars-trains-intersection-junction-1457094053 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aerial-view-cars-trains-intersection-junction-1457094053 homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos (SANTOS, 1996, p. 65). Em virtude disto, o estudo do espaço geográfico nos possibilita compreender a nossa organização social no presente, que se deu a partir de transformações históricas ocorridas durantes os séculos que, por consequência, permitiram a existência e continuidade da humanidade hoje e, quiçá, no futuro. Conforme o ser humano interfere na natureza de determinado lugar, ele gera e promove o espaço geográfico, categoria imprescindível para o estudo da Geografia. A partir da conceituação de espaço geográfico, buscamos dar ênfase a outras categorias conceituais e analíticas em Geografia, fundamentais para a compreensão de fenômenos espaciais que se manifestam através delas, são elas: região, lugar e território. Região é a categoria geográfica que busca estabelecer características comuns entre diferentes áreas espaciais, ou seja, há elementos pertencentes a determinada região que irão caracterizar todos as localidades que a integram, estabelecendo assim, critérios de qualidades e traços específicos compartilhados por essa região. Elas podem ser utilizadas para divisões e organizações administrativas, como bairros, municípios ou estados, um exemplo são as categorias designadas para agrupar a população brasileira em cinco grandes regiões geopolíticas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Em sua obra Região e Organização Espacial (2003), Roberto Lobato Corrêa discorre acerca do conceito de região a partir das diversas correntes do pensamento geográfico que, como já vimos no tópico 2, estão dispostas em: Geografia Tradicional (Determinismo, Possibilismo e Regionalismo) e Geografia Moderna (Pragmática e Crítica). Para o autor, os conceitos de região e organização espacial são essenciais para o entendimento do “[...] caráter distinto da geografia no âmbito das ciências sociais, indicando a via geográfica de conhecimento da sociedade, quer dizer, das relações entre natureza e história” (p.5). Apesar das divergências teóricas e metodológicas, todas as correntes compartilham do pressuposto que as raízes da Geografia estão na busca da compreensão e diferenciação de lugares, regiões, países e continentes, resultados das relações sociais entre homem e natureza. É a partir dessa premissa que o conceito de região torna-se importante para os estudos geográficos, pois possibilita que agrupemos lugares com características semelhantes ao amparar a contextualização do espaço no qual os territórios estão inseridos. Já o conceito de lugar consiste em uma área da superfície terrestre à qual são conferidas especificidades e significados particulares, pois para a formação e constituição de um lugar não basta apenas explicações descritivas a respeito da configuração espacial ocorrida, faz-se preciso que se tenha o entendimento de como se deu o processo da sua composição a partir das interações entre as pessoas que vivem e produzem esse espaço. De acordo com Ana Fani Alessandri Carlos (2007), A produção espacial realiza-se no plano do cotidianoe aparece nas formas de apropriação, utilização e ocupação de um determinado lugar, num momento específico e, revela-se pelo uso como produto da divisão social e técnica do trabalho que produz uma morfologia espacial fragmentada e hierarquizada. Uma vez que cada sujeito se situa num espaço, o lugar permite pensar o viver, o habitar, o trabalho, o lazer enquanto situações vividas, revelando, no nível do cotidiano, os conflitos do mundo moderno (CARLOS, 2007, p. 20). Desta maneira, visualiza-se que cada indivíduo é único e constituído por experiências no tempo e no espaço de formas muito específicas, apesar de partilhadas e com interligação entre si. Logo, um lugar terá significados diferentes para cada indivíduo que nele vive, interfere e experiencia acontecimentos de vida. Por fim, o significado do conceito de território se encontra ligado à demarcação de espaços delimitados, definidos, geralmente, a partir de fronteiras, visíveis ou não, formadas e motivadas por interesses sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos e geográficos, os quais podem ser transformados de acordo com dinâmicas sociais que produzem novos interesses e relações de poder. Tais demarcações ocorrem tanto naturalmente, promovidas pelo meio ambiente, quanto socialmente, desenvolvidas pela ação humana pelas razões citadas acima. O conceito de Território, tratamos o espaço geográfico a partir de uma concepção que privilegia o político ou a dominação-apropriação. Historicamente, o território da Geografia foi pensado, definido e delimitado a partir de relações de poder. Observa-se que, historicamente, a concepção de território associa-se à ideia de natureza e sociedade configuradas por um limite de extensão de poder. Territórios são no fundo relações sociais projetadas no espaço. Por consequência, estes espaços concretos podem formar-se e dissolver-se de modo muito rápido, podendo ter existência regular, porém periódica, podendo o substrato material permanecer o mesmo (SUERTEGARAY, 2001). A partir das contribuições da autora, corroboramos que a divisão de territórios, em especial, a partir da consolidação do Estado como instituição que normatiza formas de controle social, torna-se importante para a ocupação e distribuição humana, pois regula áreas administrativas de organização política, instituindo marcadores em determinada área por um determinado código cultura. Exemplos de território: o Estado, as fronteiras que limitam países, regiões, estados, cidades, bairros e favelas, o narcotráfico, as zonas de guerra, etc. Diante das conceituações atribuídas às categorias de espaço geográfico, região, lugar e território, buscamos apontar que a Geografia expressa uma identidade particular em seu arcabouço teórico, devido seu caráter de ciência social com interface a ciências naturais e exatas. Segundo Corrêa (2003), devemos compreender que as correntes do pensamento geográfico representam conceitos e categorias antagônicas que, apesar de convergirem ou se completarem em alguns aspectos teórico-metodológicos, tiveram sua emergência em um determinado espaço e tempo a partir de uma elaboração sócio- histórica específica. SAIBA MAIS Você sabia que o Geógrafo Brasileiro Milton Santos, é um dos intelectuais mais premiados da América Latina? Recebeu em 1994 o Prêmio Internacional Vautrin Lud, correspondente ao Nobel da Geografia. Pela primeira vez na história desse prêmio, ele era outorgado a um geógrafo que não era nem francês nem norte-americano. Para mais informações a respeito do professor Milton Santos, consulte o site oficial do mesmo, administrado por sua família. SANTOS, Nina. Site Milton Santos, 2011. Disponível em: http://miltonsantos.com.br/site/. Acesso em: 26/04/2021. REFLITA ‘’O geógrafo é, antes de tudo, um filósofo, e os filósofos são otimistas, porque diante deles está a infinidade’’. Milton Santos. CONTEÚDOS de Geografia Geral e do Brasil. Horizonte Geográfico, 2016. Disponível em: https://horizontegeografico.wordpress.com/. Acesso em: 26/04/2021. CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezada (o) Aluna (o) Vimos no Tópico 1 que as contribuições de Carl Ritter e Alexandre Von Humboldt, asseguraram caminhos abertos para as discussões teóricas acerca do pensamento geográfico, formulada por levantamentos experimentais e contagens esgotantes sobre distintos lugares da Terra. Vimos, também, a importância dos processos de sistematização do saber geográfico, de forma particular e autônoma, para que o mesmo fosse considerado uma ciência específica e com métodos próprios. Buscamos apresentar os primeiros passos da sistematização da ciência geográfica como uma importante ferramenta de compreensão da realidade, cuja formulação e desenvolvimento teórico-metodológico vem a contribuir para que a humanidade possa entender a natureza e sua relação com ela, que pode vir a ser, tanto saudável e respeitosa, quanto nefasta e destrutiva. No tópico 2 demos continuidade aos estudos referentes a Geografia enquanto ciência e campo investigativo, focando nas correntes teóricas em que o pensamento geográfico foi construído, metodizado e elaborado cientificamente, pois para compreendermos as epistemologias da Geografia, conhecemos o desenvolvimento das principais correntes que surgiram após a sua legitimação enquanto ciência sistematizada. Vimos que o pensamento crítico na Geografia significou principalmente uma aproximação com os movimentos sociais, na busca da ampliação dos direitos civis e humanos, expressa pelo acesso à educação gratuita e de qualidade, à moradia, à terra, combate à pobreza e à violência ambiental, como o desmatamento, poluição, extinção de organismos vivos pertencentes a fauna e a flora, entre outras temáticas. Em seguida no Tópico 3 seguimos refletindo acerca da Geografia como ciência de referência ao nos debruçarmos pelas tendências da Geografia mundial e, em específico, da brasileira. Entendemos que o processo de desenvolvimento do pensamento geográfico, ocorrido desde a Grécia Antiga, possibilitou o surgimento de vertentes teóricas das quais são imprescindíveis para compreendermos a ciência geográfica atualmente. Logo, a História tornou-se importante para pensarmos nos nossos objetivos de estudo, pois nos auxilia a confluir passado e presente para que possamos almejar direcionamentos à respeito da Geografia no futuro. E por fim no tópico 4 conhecemos os conceitos fundamentais para a compreensão do espaço, tendo em vista que o conceito de espaço se apresenta como uma das mais importantes categorias analíticas para o estudo da Geografia. Tal estrutura conceitual é o início de inúmeras produções científicas de autores que dedicaram seus estudos à conceituação de espaço geográfico como uma categoria abrangente e democrática para as pesquisas referentes à ciência geográfica. Compreendemos que as correntes do pensamento geográfico representam conceitos e categorias antagônicas que, apesar de convergirem ou se completarem em alguns aspectos teórico-metodológicos, tiveram sua emergência em um determinado espaço e tempo a partir de uma elaboração sócio- histórica específica. Desejo que o estudo dessa unidade seja de grande valia para sua jornada nessa disciplina. Bons estudos! LEITURA COMPLEMENTAR SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010. 637 páginas. O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos vem desde o início dos anos noventa produzindo trabalhos significativos de análise sobre a estrutura e construção do conhecimento moderno. Podemos afirmar que inventariando as diversas raízes que organizaram e ainda sustentam as bases do conhecimento ocidental como culturalmente homogêneo, vem instigando a comunidade científica a debater sobre a eficácia da ciência na construçãoda realidade imediata das pessoas normais. O livro em questão, “Epistemologias do Sul” é um desdobramento desta jornada intelectual e uma busca de novas referências epistêmicas das ciências humanas. LIVRO • Título: Por uma Geografia Nova- Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica • Autor: Milton Santos • Editora: Edusp • Sinopse: Há cerca de vinte anos, quando foi publicada a primeira edição de Por Uma Geografia Nova, a geografia vivia uma crise interna no mundo todo, impondo à ciência a necessidade de discussões de ordem metodológica, conceitual e epistemológica. A publicação deste livro contribuiu para a renovação crítica da geografia: A verdade, porém, é que tudo está sujeito à lei do movimento e da renovação, inclusive as ciências. O novo não se inventa, descobre-se , propõe o autor na introdução deste que se tornou um livro clássico desde então. Milton Santos contribuiu com esta obra para a superação dos impasses que se apresentavam, propondo uma análise acurada do objeto da ciência: o espaço, mostrando a necessidade de torná-lo verdadeiramente humano, relacionando-o com outras disciplinas afins. FILME/VÍDEO • Título: O Nome da Rosa • Ano: 1986 • Sinopse: Em uma atuação impecável, o ator Sean Connery dá vida ao questionador monge franciscano Guilherme de Baskerville, chamado às pressas a um mosteiro italiano medieval para investigar vários casos de religiosos que tiveram mortes enigmáticas no lugar. A trama baseada no livro do escritor Umberto Eco se desenrola em 1327, época em que a Igreja Católica já exercia poderio absoluto em todo o continente europeu. As mortes, é claro, foram tidas desde o princípio como obra do demônio. Mas a investigação minuciosa conduzida por Guilherme acabou provando o óbvio: o mistério tinha uma explicação muito mais racional (e controversa) do que aparentava. Por embasar seus julgamentos em evidências e não em dogmas ou verdades reveladas, o frade é representado como uma espécie de precursor do cientista moderno. O filme também discute a relação de intolerância do pensamento religioso para com o científico. •disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s0cdAv4ZODE. REFERÊNCIAS CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007. CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. São Paulo: Editora Ática, 2003. 7ª ed. Série Princípios. GODOY, Paulo R. Teixeira de. (Org.). História do pensamento geográfico e epistemologia em Geografia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/109157/ISBN9788579831270.pdf?s equence=2&isAllowed=y. Acesso em: 20/02/2021. LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988. LEITÃO, Joyce Oliveira. O contexto histórico-filosófico da obra “Geografia Comparada” de Carl Ritter. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências. Campinas, SP: [s.n.], 2017. 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Objetivos de Aprendizagem: • Contextualizar a ação humana na natureza a partir das transformações históricas ao longo do tempo • Compreender os impactos da sociedade sobre a natureza e da natureza sobre a sociedade • Estabelecer a importância da adesão de técnicas sustentáveis para a preservação ambiental INTRODUÇÃO Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar conhecimentos acerca das bases teóricas do pensamento geográfico. O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais, modificações territoriais e relações com as práticas e intervenções humanas. Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território, espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no seu percurso educacional no decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às Humanidades. A Unidade 2 “Natureza e Relação Humana” é composta por quatro tópicos que correspondem a um plano de estudo estruturado para que você possa obter conhecimento acerca da ação humana na natureza, do impacto da sociedade sobre a natureza, do impacto da natureza sobre a sociedade e das técnicas sustentáveis. Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas habilidades cognitivas e investigativas em Geografia. Bons estudos! 1 AÇÃO HUMANA NA NATUREZA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/silhouette-farmer-raking- earth-hoe-philosophical-1721503573 O ser humano (taxonomicamente nomeado como Homo Sapiens), assim como as demais espécies animais, atua sobre a natureza com o objetivo de satisfazer suas necessidades de sobrevivência, buscando abrigo, proteção e alimentos para si e seu grupo. Contudo, como a única espécie animal viva de primata bípede do gênero Homo cujo o cérebro altamente desenvolvido o torna um animal racional, consciente e sapiente, o ser humano é capaz de pensar, refletir sobre suas ações, inventar, planejar, construir pensamentos e ideologias e gerar resultados, com isso, criar conhecimento e desenvolver técnicas e cultura. No início, a humanidade pouco interferia na natureza, pois vivia da coleta, da caça e da pesca. Ainda que de forma nômade, era a natureza que determinava a obtenção de recursos para a manutenção e sobrevivência de grupos humanos. De acordo com Milton Santos (2014), “[...] em cada momento histórico os modos de fazer sãodiferentes, o trabalho humano vai se tornando cada vez mais complexo exigindo mudanças correspondentes às inovações" (p. 74). Neste sentido, é a partir do agir e pensar humano no tempo e no espaço, que se dão as transformações históricas. Deste modo, por volta de 12 mil anos atrás, no período intitulado por Neolítico, o ser humano começou a domesticar os animais e a cultivar a terra ao mesmo tempo que passou a utilizar instrumentos fabricados a partir da descoberta da técnica da pedra polida, marco que possibilitou grandes transformações sociais e culturais para a humanidade, como uma maior autonomia perante as alterações climáticas da natureza e uma vida sedentária. As novas técnicas de domesticação de animais e cultivo de sementes foram responsáveis pelo desenvolvimento da agricultura e da pecuária, melhorando a expectativa de vida dos homens pré-históricos e contribuindo para o crescimento das taxas populacionais. O homem deixa de ser nômade, assentando-se na terra, apropriando-se da natureza e utilizando-a para satisfazer seus interesses. A presença do homem na face da Terra muda o sistema do mundo. Torna-se, o homem, centro da Terra, do Universo, imprimindo-lhe uma nova realidade com sua simples presença. O homem é um dado da valorização dos elementos naturais, físicos, porque é capaz de ação. Usa suas forças intelectuais e físicas contra um conjunto de objetos naturais que seleciona como indispensável para se manter como grupo. Assim o homem é sujeito, enquanto a terra é objeto. É em torno do homem que o sistema da natureza conhece uma nova valorização e, por conseguinte, um novo significado. (SANTOS, 2014, p. 98) A partir de então a natureza tem sido cada vez mais transformada de suas condições naturais, pois através de suas ações humanas é que florestas são derrubadas para plantar lavouras, morros deslocados para abrir túneis e enseadas niveladas para construir cidades. A ação humana nesse processo, exige cada vez mais conhecimentos sobre os elementos que compõem a natureza e suas dinâmicas de funcionamento, nutrindo a ideia de domínio do homem sobre a natureza. Atualmente esse ponto de vista é legitimado por grande parte da humanidade, pois prevalece em nós a ideia de que homem e natureza são opostos um do outro, onde o homem detentor de inteligência, domina a natureza para retirar dela tudo o que necessita para sobrevivência, e a natureza, por sua vez, é reduzida como despretensiosa e inesgotável fonte de recursos naturais. De acordo com Igor Moreira (2004), podemos definir o conceito de recursos naturais como: [...] todos os bens oferecidos ao homem pela natureza. Eles podem ser dois tipos: renováveis e não renováveis. Os recursos naturais não renováveis são aqueles que se esgotam depois de aproveitados pelo homem, como o carvão, o petróleo, o ferro e os demais minerais. Os recursos naturais renováveis são aqueles que se multiplicam ou não se esgotam facilmente, como a água, o ar e o solo, chamados pela sua importância de recursos básicos (MOREIRA, 2004, p. 11). Neste panorama, a conexão do homem com a natureza é continuamente decorrente do trabalho, este entendido como a operação de transformar recursos naturais em produtos capazes de satisfazer e suprir as carências humanas. 1.1. As transformações técnicas e científicas Entendemos como técnica o modo de fazer algo por meio de instrumentos de trabalho utilizados na ação, logo, as intervenções na natureza e, consequentemente, as modificações nela introduzidas são realizadas através de instrumentos e ferramentas criadas para esse fim. Para Milton Santos (1996), a técnica é “a principal forma de relação entre o homem e a natureza”, sendo definida como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (p. 29). Ao desenvolver novas técnicas, o ser humano cria novos instrumentos, visando aumentar o rendimento do seu trabalho, motivado por interesses ou por alguma necessidade apresentada pelo meio. Em geral, as inovações técnicas conduzem a novos problemas, desafios e necessidade de resolvê-los, resultando na evolução da técnica, ou seja, na continuidade de novas formas do fazer humano. Um exemplo disso se dá na invenção do pneu, que ocorreu logo após a criação do automóvel, em 1887, pois havia a necessidade de uma roda adaptável a esse novo modelo de transporte. Gradativamente, os instrumentos utilizados para o trabalho vão se tornando mais complexos, pois além de serem instrumentos manuais empregados para a transformação de elementos naturais em produtos, as técnicas de engenharia, por exemplo, podem se desenvolver em grandes empreendimentos impostos a natureza, como referência à técnica de represamento das águas de um rio que cria uma queda d'água artificial, utilizada para obter a força hidráulica necessária ao funcionamento de uma hidrelétrica. Figura 1: represamento das águas de um rio para geração de energia em hidrelétrica FOTO Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hydroelectric-power-plant-on-river- 475746370 Desta forma, o aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho e as inovações técnicas, fixam desenvolvimento das engrenagens de tomada da natureza, significando grandes modificações e controle intenso sobre o meio natural. A intensificação da dominação do homem na natureza, assim como a pressa em desenvolver e difundir inovações técnicas, é marcada pelo início do modo de produção capitalista nos séculos XV e XVI. Anterior a isso, as relações econômicas eram praticamente de subsistência, os produtos artesanais eram fabricados manualmente e destinavam-se a utilização direta do homem, não possuindo valor de troca, mas sim, de uso. Na produção artesanal um mesmo trabalhador tinha o domínio de operar todas as fases produtivas. O homem vai construindo novas maneiras de fazer coisas, novos modos de produção que reúnem sistemas de objetos e sistemas sociais. Cada período se caracteriza por um dado conjunto de técnicas. Em cada período histórico, temos um conjunto próprio de técnicas e de objetos correspondentes. (SANTOS, 2014, p. 74). O modo de produção capitalista, buscando aumentar paulatinamente a produção de bens, entendida agora como mercadoria, promoveu a divisão do trabalho, nesse sistema cada tarefa é realizada por um trabalhador que se torna especialista na etapa do processo que desenvolve, gerando assim, etapas produtivas e a invenção de ferramentas específicas e adaptadas a cada categoria de trabalho. No século XIX, com a expansão da Revolução Industrial e intensificação do modo de produção capitalista, novas ferramentas adquiriram funções industriais, mecanizando o trabalho e produzindo mercadorias em grandes escalas. Com o aumento da produtividade, aumenta, consequentemente, o uso de matérias primas retiradas da natureza, impulsionando a exploração dos recursos naturais. Ainda, sobre as consequências da Revolução Industrial, Igor Moreira (2004) aponta: Fomentada por uma verdadeira corrida tecnológica e objetivando a acumulação de riqueza, a produção diversifica-se extraordinariamente, e os bens produzidos, inclusive os instrumentos de trabalho, tornam-se obsoletos em prazo cada vez mais curto, impondo sua substituição por outros mais “modernos”, isso ocasiona um consumo maior de recursos naturais, reforçado pela visão cada vez mais aprofundada da natureza como manancial à disposição dos homens (MOREIRA, 2004, p. 22). Faz-se necessário ressaltar que a concepção de supervalorizar a inteligência humana a serviço da técnica e exploração do meio natural, contribui para estabelecer a ideia colonizadora de que o controle do homem sobre a natureza tem possibilidades ilimitadas e que os recursos não se esgotam, partindo de uma ideia de dominação, universalizada por valores ocidentais impostospor séculos, e que descarta a existência de outras formas de viver de forma integrada à natureza. O desenvolvimento da chamada ciência moderna nos séculos XVI e XVII, contribuiu igualmente para a construção dessa concepção pragmática de natureza, na medida em que o saber científico, prático era aceito como única forma de conhecimento; e o conhecimento de tudo o que fosse externo ao homem significava controle e domínio- principalmente sobre o mundo natural (MOREIRA, 2004, p. 12). Portanto, nas sociedades ocidentais, o homem por meio do trabalho, e a natureza por meio dos recursos naturais e matérias primas que dispõe, transformaram-se em mercadorias. A civilização ocidental atual, delineada pela indústria, faz as sociedades reféns de suas próprias criações, afastando-a cada vez mais de uma relação de interação responsável e de preservação da natureza. Contudo, mesmo com pretensões totalizantes e universalizadoras, o Ocidente e o pensamento moderno não são as únicas formas possíveis de existência humana, à exemplo dos povos originários, indígenas e tradicionais, que mesmo diante de processos seculares de colonização, escravização e genocídio, continuam a (re)existir a partir de suas cosmovisões e relações com a natureza. Para algumas sociedades, como exemplo a diversidade dos povos originários do Brasil (atualmente existem cerca de 250 etnias), a natureza é algo sagrado e fonte de vida, não somente fonte de recursos para subsistência de sua comunidade, e nela não há separação entre a natureza e o homem, pois fazem parte de um sistema integralizado. Como afirma Ailton Krenak (2020) em Ideias para adiar o fim do Mundo, O Rio Doce, que nós os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma pessoa, não um recurso, como dizem os economistas. Ele não é algo de que alguém possa se apropriar; é uma parte da nossa construção como coletivo que habita um lugar específico (KRENAK, 2020, p. 40). A partir dessa cosmovisão indígena, o trabalho não se apresenta como uma imposição, mas sim como forma de manutenção da vida em comunidade, tendo como finalidade o consumo do próprio grupo, as pessoas não são indivíduos, tornam-se pessoas coletivas. 2 IMPACTO DA SOCIEDADE SOBRE A NATUREZA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/paraopeba-river-polluted-by- tailings-after-1333091225. Temos visto no decorrer da disciplina, em especial, na presente unidade, que o meio ambiente enquanto elemento natural e social, ou seja, cuja existência se dá pela relação entre sociedade e natureza, configura-se como o principal objeto de estudo da Geografia. Desta forma, podemos afirmar que as preocupações que envolvem a dinâmica entre o social e o natural se encontram presentes na origem da matriz epistemológica da ciência geográfica, portanto, é a partir dessa disciplina que podemos tratar e compreender o meio ambiente de forma mais completa e satisfatória. Milton Santos (1978), em sua obra Por uma Geografia Nova, atribui centralidade e protagonismo ao conceito de espaço, compreendendo-o como um conjunto de representações das relações sociais, elaboradas no passado e no presente, isto é, uma estrutura constituída por interações sociais e espaciais que se manifestam no decorrer dos processos do tempo histórico. Seria impossível pensar em evolução do espaço se o tempo não tivesse existência no tempo histórico, [...] a sociedade evolui no tempo e no espaço. O espaço é o resultado dessa associação que se desfaz e se renova continuamente, entre uma sociedade em movimento permanente e uma paisagem em evolução permanente. [...] Somente a partir da unidade do espaço e do tempo, das formas e do seu conteúdo, é que se podem interpretar as diversas modalidades de organização espacial (SANTOS, 1978, p. 42 - 43). À vista disto, a partir do consenso entre a comunidade científica de geógrafos e geógrafas, defendemos uma indissociabilidade entre natureza e sociedade, visto que é na natureza (espaço) que a humanidade se reproduz ao longo da história (tempo). Portanto, se a sociedade é constantemente construída e reconstruída na natureza, esta, por sua vez, também faz parte da estrutura social, caracterizando o que podemos intitular de estrutura sócio-espacial. O espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita entre as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais, [...] o espaço evolui pelo movimento da sociedade total. (SANTOS, 1978, p. 171). Sendo produzida pela relação entre sociedade e natureza, a estrutura sócio- espacial pode ser alterada pela ação humana de forma contínua a partir de intervenções entre indivíduos e grupos sociais nessas realidades. Logo, o impacto da sociedade sobre a natureza é um fator intrínseco a essas intervenções, que podem ser tanto benéficas, saudáveis e prósperas, como maléficas, insalubres e adversas para o meio ambiente. Em um mundo formatado a partir da ideologia e do sistema econômico capitalista neoliberalista, onde o consumo, a acumulação desenfreada e as necessidades de mercado se tornam princípios primordiais para a vida humana, o impacto da sociedade sobre a natureza é resultado de processos cruéis e nefastos ao meio ambiente, muitas vezes, irreversíveis, e prejudiciais à humanidade, em especial, à grupos que sobrevivem da natureza e têm nela seu local sagrado, como os povos indígenas brasileiros. Optamos por elencar e nos concentrar em alguns desses processos, causados pela exploração e esgotamento dos recursos naturais presentes no nosso meio ambiente, com foco para a realidade brasileira, sendo eles: a mineração e o desflorestamento. 2.1 Mineração Tornada atividade socioeconômica desde a Antiguidade (de 4 000 a.C. a 476 d.C.), a extração de minérios do subsolo de forma descomedida passa a ser responsável pelo desaparecimento progressivo de recursos naturais não renováveis. Com essa informação, não queremos diminuir ou simplificar o papel da mineração para a constituição das sociedades modernas e para a manutenção de bens e materiais de grande utilidade para as nossas vidas atuais, como combustíveis, equipamentos elétricos e eletrônicos, cosméticos, estradas e muitos outros produtos que desfrutamos inconscientemente todos os dias. Contudo, compreendemos que o uso incontido de recursos minerais realizados pela mineração vem causando impactos ambientais permanentes para o meio ambiente e, consequentemente, para a humanidade. De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o conceito de impacto ambiental pode ser definido como: […] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam o bem-estar e a saúde da população; as atividades socioeconômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais (CONAMA, 1986). Na mineração, os impactos ambientais ocorrem desde o planejamento até as etapas de implementação, operação (lavra) e desativação das atividades extrativistas. Os principais impactos ambientais causados por esses processos são: - Desmatamento: causado pela mineração de lavra a céu aberto. - Alteração e degradação da paisagem: causada pelo desmatamento e retirada de solo fértil na fase de escavação de minas ou implementação de lavra à céu aberto. - Contaminação e compactação do solo: causada pela perda de fertilidade do solo, em especial, por meio de mineração de chumbo e zinco que possuem quantidades relevantes de arsênio em seus rejeitos que acabam por inutilizar o solo. - Contaminação do ar: causada por explosões que perturbam a biodiversidade e pela alteração da qualidade doar devido a emissão de partículas poluentes na atmosfera. - Contaminação dos recursos hídricos: causada pelo consumo excessivo de água para beneficiamento do minério, pelo rebaixamento de lençóis freáticos e diminuição do fluxo de água dos rios e do nível de recarga dos aquíferos no processo de extração e pelo mau escoamento de rejeitos com concentração de substâncias tóxicas. - Redução e perda de biodiversidade (fauna e flora): causada pelo desmatamento, pela poluição atmosférica e pela contaminação dos recursos hídricos e do solo. Com isso, muitos animais têm seus habitats perdidos, tendo que fugir para áreas onde não há recursos para sobreviverem, como também, espécies de plantas acabam desaparecendo devido à retirada da cobertura vegetal e impossibilidade de sua reprodução. Fim da disponibilidade de minerais: causadas por atividades extrativistas que esgotam totalmente o minério explorado, afetando o meio ambiente de forma irreversível. Um dos exemplos mais populares e revoltantes dos danos da mineração ao meio ambiente são as tragédias causadas pelo rompimento de barragens da mineradora multinacional brasileira Vale, nas cidades mineiras de Mariana, no ano de 2015, e de Brumadinho, no ano de 2019. Ambos descasos e provas cabais da irresponsabilidade ambiental, social e trabalhista da empresa Vale, juntamente com sua subordinada Samarco, são considerados dois dos principais desastres ambientais do Brasil, pois além de enterrarem as cidades sob a lama de rejeitos, causando centenas de mortes, acidentes e adoecimento físico e psíquico da população atingida, promoveram também, a perca de biodiversidade (hectares de Mata Atlântica), a morte de animais (peixes, aves e quadrúpedes), a poluição e contaminação de rios (Rio Gualaxo, Rio Doce e Rio Paraopeba), o assoreamento, desvio de cursos de água e soterramento de nascentes. Figura 3: rompimento da barragem da Samarco em Mariana-MG (2015) https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mariana-oct-30th-2016-aerial-bento-519258250 Figura 4: rompimento da barragem em Brumadinho-MG causa tragédia https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mineral-tailings-mud-after-dam-rupture-1564968175 2.2 Desflorestamento Considerado como um dos impactos ambientais mais graves da atualidade, o desflorestamento ou desmatamento consiste na redução dos tamanhos de florestas naturais e, em casos mais críticos, no desaparecimento de floras e espécies (extinção). Ao longo da história, a remoção de árvores têm gerado benefícios e bens para indivíduos e grupos, sendo utilizada de formas diversas, como para fonte de energia, construções de habitações e disponibilização da terra para agricultura. Porém, na medida em que as sociedades começaram a desmatar não por subsistência, mas para a acumulação de riquezas e para a urbanização como sinônimo de progresso à todo custo, a exploração de recursos naturais terrestres intensificou-se, colocando em risco o equilíbrio ambiental do planeta e comprometendo o futuro da humanidade. Com a Revolução Industrial e o surgimento de novas tecnologias e formas de consumo, as questões acerca do desflorestamento tomaram grandes proporções, pois foi nesse período que uma quantidade considerável de florestas temperadas e tropicais foram devastadas para atender as demandas da indústria e do forte mercado formado em torno da mesma. Ao longo dos anos, as taxas de desmatamento começaram a migrar dos países industrializados para os países considerados em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, em sua maioria, colônias e ex-colônias dos países industrializados, que encontraram na exploração dos recursos naturais de países vitimados pelo domínio colonial, uma fonte de riqueza e capital. O Brasil, país que abriga a maior biodiversidade do planeta, detentor do maior bioma de floresta úmida do mundo, a Amazônia, e do maior manancial de água doce do mundo, tem sofrido com a degradação ambiental promovida pelo desflorestamento de forma contínua ao longo dos séculos. Apesar da riqueza em ecossistemas e biodiversidade, o nosso país é um dos líderes mundiais em desmatamento. De acordo com um relatório emitido pela organização não governamental ambientalista dos Estados Unidos, World Resources Institute1, o Brasil é o país que mais desmatou florestas primárias no mundo em 2018, ou seja, regiões onde a vegetação se encontra em seu estado original e não em condição de replantio ou reflorestamento, sendo desmatados 1,3 milhão de hectares de floresta. Juntos, Brasil e Indonésia desmataram aproximadamente 46% das florestas tropicais no mundo no mesmo ano. As maiores motivações da retirada da cobertura vegetal original no Brasil estão ligadas à busca pelo crescimento econômico: construção desenfreada de estradas, pecuária em larga escala, expansão do agronegócio (principalmente da produção de 1Fonte: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/04/25/brasil-liderou-desmatamento-de-florestas- primarias-no-mundo-em-2018-mostra-relatorio.ghtml. soja), extrativismo vegetal e mineral (principalmente a extração de madeira), processo de urbanização massiva, densidade populacional e atividades ilegais que envolvem queimadas criminosas e exploração de áreas de preservação ambiental para fins pessoais e comerciais, como para a especulação fundiária. Os biomas brasileiros mais atingidos pelo desflorestamento em curso são a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado. 2.2.1 A Amazônia A Amazônia Legal, que compreende os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão, cobre cerca de 60% do território brasileiro, abrigando 21 milhões de habitantes (12% da população total). Sozinho, o bioma amazônico corresponde a quase um quinto das reservas florestais mundiais. Segundo o relatório Causas do Desmatamento da Amazônia Brasileira (2003) realizado pelo Banco Mundial, o uso sustentável desse enorme patrimônio natural poderia garantir recursos para o futuro, tornando-se uma fonte de redução da pobreza e equidade social, já que os recursos naturais brasileiros representam uma proporção muito maior sob os bens da população pobre (cerca de 80%) do que da rica. Contudo, as políticas públicas destinadas à preservação da Amazônia começaram a minguar em 2016, retomando o desmatamento via publicação de medidas legais, como a chamada lei da grilagem implementada no início do governo Temer. Sobre a Amazônia: Da cobertura florestal original, 17% foram desflorestados, embora pelo menos um terço desse total esteja se recuperando. Seu valor global pode ser visto em sua rica biodiversidade e no possível impacto climático decorrente de seu desaparecimento. A crescente ameaça a ecossistemas chave é ilustrada por dados preliminares que indicam um desmatamento de 25.400 km2 em 2002, em comparação com uma média de 17.340 km2 observada na década precedente. O quase desaparecimento da Mata Atlântica brasileira também indica a urgência de ações. Algumas experiências mundiais e no Brasil com o uso sustentável de recursos naturais poderiam servir de base para uma estratégia ambiental com inclusão social (BANCO MUNDIAL, 2003). Figura 5: Área de desmatamento ilegal de vegetação nativa da floresta amazônica brasileira https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/area-illegal-deforestation-vegetation-native- brazilian-1156323865 2.2.2 A Mata Atlântica A Mata Atlântica é o bioma que mais sofreu com o desflorestamento no Brasil. Em referência a Fundação SOS Mata Atlântica, ONG ambiental brasileira atuante para a conservação da biodiversidade atlântica, podemos afirmar que restam apenas 12,4% da floresta original, região onde se encontra o maior número de espécies animais e vegetais brasileiras ameaçadas de extinção2. A Mata Atlântica abrange cerca de 15% do território nacional distribuída em 17 estados, sendoo lar de 72% dos brasileiros e concentrando 70% do PIB nacional. Do bioma dependem serviços essenciais para a subsistência humana, como o abastecimento de água, a regulação do clima, a agricultura, a pesca e a energia elétrica. Devido a devastação da Mata Atlântica e, com isso, a extinção de diversas espécies por perda de habitats e falta de água nos estados abarcados por essa região, foi implementada no ano de 2006 a Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006), tornando-se assim, o único bioma que possui uma legislação de proteção específica que regulamenta a criação de incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas e regras para exploração econômica, estimulação de doações da iniciativa privada para projetos de conservação, delimitação do domínio da floresta, proibição do desmatamento de florestas primárias e definição da Mata Atlântica como Patrimônio Nacional. Embora a legislação em destaque seja uma conquista de grande valor para a proteção da Mata Atlântica, dados apresentados pelo Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica (2019) revelam que alguns estados ainda apresentam elevadas taxas de desmatamento do bioma, associada a produção de carvão, a plantação de soja e a indústria de celulose em larga escala, sendo eles: Minas Gerais, Paraná, Piauí, Bahia e Santa Catarina. Figura 6: a Mata Atlântica é o bioma que mais perdeu floresta no país até hoje 2 Fonte: https://www.sosma.org.br/politicas/lei-da-mata-atlantica/ https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aerial-view-deforestation-rainforest-being-removed- 1274894119 2.2.3 O Cerrado O Cerrado configura-se como o segundo maior bioma do Brasil e a segunda maior região biogeográfica da América do Sul ao ocupar 25% do nosso território, ficando atrás apenas da área florestal ocupada pela Amazônia. E, assim como esta, tem sofrido com a intensificação exacerbada do desflorestamento devido a monocultura, agronegócio e pecuária. Apesar da redução da taxa de desmatamento nos últimos anos, faz-se necessário evidenciarmos que a perda da vegetação original do bioma já se encontra em 51%. Considerada a formação savânica mais biodiversa do mundo, o Cerrado têm sido alvo assíduo de desflorestamento devido suas características de região plana, com poucas árvores e vegetação rasteira, e vitimado por constantes queimadas criminosas para a expansão da atividade agrícola, em especial, da soja. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados mais de 21 mil focos de queimadas entre os meses de janeiro e agosto de 2020 no Cerrado, episódio trágico considerado como a maior destruição do bioma já registrada na história do Brasil3. Figura 7: vegetação destruída após queimada no Cerrado https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/cerrado-area-eucalyptus-plantes-forests-burned- 1859854453 3Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2020/09/15/avanco-do-desmatamento-cerrado-tem-mais-de-21- mil-focos-de-queimadas http://cerrado.obt.inpe.br/ 3. IMPACTO DA NATUREZA SOBRE A SOCIEDADE Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/paulo-sp-brazil-august-23- 2019-1488024101 A partir do conteúdo dinamizado no tópico anterior, vimos alguns dos impactos da sociedade sobre a natureza que, de tão contínuos e brutais, podem provocar danos irreversíveis ao meio ambiente, como o fim de recursos naturais não renováveis e a morte de biodiversidades importantes para o equilíbrio climático. Neste tópico veremos a relação inversa, ou seja, algumas das possibilidades de impactos da natureza sobre a sociedade. De acordo com Ailton Krenak (2020), tudo é natureza, do cosmos à humanidade. Logo, torna-se impossível sustentar a ideia de que nós, humanos, sejamos imunes às reações, transições e etapas do curso da natureza. A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numa abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos. Oferece o mesmo cardápio, o mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para todo mundo (KRENAK, 2020, p. 22-23). Com isso, compreendemos que entre a natureza e a sociedade ocorre uma relação de inseparabilidade. Quando destruímos, desperdiçamos e extinguimos os recursos naturais disponíveis, estamos, ao mesmo tempo, destruindo o espaço onde vivemos e de onde tiramos elementos e matérias fundamentais para nossa sobrevivência, logo, estamos nos autodestruindo. A natureza tem sua própria dinâmica, seu próprio ciclo. Mesmo que coloquemos nossas imposições e vontades à frente de suas necessidades, iremos colher, juntamente com ela, os frutos da poluição do ar, da água e da terra, do desflorestamento, da mineração, da extinção de espécies da fauna e da flora, da erosão do solo, das mudanças climáticas, da destruição de habitats, entre outras formas de degradação e precarização ambiental. Durante este tópico, abordaremos alguns desses frutos, isto é, acontecimentos, muitas vezes, trágicos e catastróficos para a vida humana, gerados pelos maus usos e prejuízos que praticamos sobre os recursos naturais. Tais acontecimentos, somados à própria dinâmica da natureza e da superfície terrestre, ocasionam grandes impactos sobre a sociedade. O Brasil, país em que não existem desastres naturais significativos e em larga escala provocados por abalos sísmicos, choques de placas tectônicas e vulcanismo, como os terremotos, tsunamis e erupções de vulcões em atividade, poderia ser considerado um local de pouco impacto da natureza sobre a sociedade. Contudo, embora nosso país tenha uma posição estratégica em relação a repercussão de fenômenos próprios da natureza, a sociedade sofre constantemente com impactos naturais promovidos pela má ocupação do espaço geográfico, em especial, do urbano, e pela não distribuição regular da população, que se concentra na fachada litorânea. A urbanização em massa e a internacionalização da economia brasileira produziram a multiplicação de pobreza e de problemas sociais. O fato do poder público estar mais preocupado com a expansão das atividades econômicas em detrimento da satisfação das necessidades sociais, gerou um aumento significativo da população dessas cidades, porém não o aumento de habitação, infraestrutura urbana e serviços sociais, como a saúde, educação e segurança pública para essa população, que se encontra em um cenário de violência urbana, pobreza e vulnerabilidade socioeconômica. O crescimento das submoradias se dá no surgimento de favelas, localizadas, em sua maioria, em terrenos precários, íngremes e sujeitos a deslizamentos. Portanto, tal fenômeno torna-se um dos grandes impactos da natureza sobre a sociedade, que tem suas habitações e pertences destruídos e, em casos mais graves, suas vidas findadas, vítimas de soterramento da terra e dos escombros levados pela mesma. Figura 8: deslizamento de terras ocorrido em Guarujá-SP após tempestade https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/guaruja-sp-brazil-march-3-2020-1664766649 Provocadas, também, pela ocupação inadequada das encostas dos morros em algumas metrópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador, e pelo acúmulo de lixo doméstico e industrial, cujo os resíduos são depositados a céu aberto e em áreas alagadas, as enchentes tornam-se um dos fenômenos naturais de grande impacto para a vida humana. Figura 9: enchente na periferia da cidade de São Paulo, Brasil FOTO Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/sao-paulo-brazil-august-24-2016-473335363 Ao serem agravadas pelos processos de assoreamento dos rios e dos córregos em áreas onde ocorreram desflorestamentos e a ação erosiva da chuva é mais acentuada, mais frequentes nos grandes centros urbanos, as enchentes são responsáveis por inundações de casas,ruas e bairros inteiros, podendo gerar vítimas fatais de afogamento que são levadas pela força da água e das correntezas e de doenças como a leptospirose e a hepatite A. Tal fato, passa a contribuir com a escassez de tratamento da água, pois Nos grandes centros urbanos, a ausência de áreas verdes e o aumento contínuo das áreas asfaltadas e concretadas diminuem a absorção de água pelo solo, reduzindo o lençol subterrâneo que abastece os rios. A água se mantém na superfície, provocando enchentes e catástrofes [...] Nos países mais pobres, apenas 35% das pessoas têm acesso a água tratada, o que provoca elevados índices de doenças e mortes causadas pela contaminação (MOREIRA, 2004, p. 213 - 214). A escassez de água além de afetar diretamente a sobrevivência humana, podem intensificar conflitos internacionais, a exemplo da disputa entre Síria e Israel pelo rio Jordão, da disputa entre Índia e Paquistão pelo rio Ganges e da disputa na península da Indochina pelo rio Mekong. Para finalizar o presente tópico, corroboramos novamente com o pensamento de Ailton Krenak (2020), quando o autor nos dá fundamentos para questionar os sentidos atribuídos pela humanidade não só na dimensão de subsistência e manutenção de nossas vidas físicas, como também, na dimensão transcendente que dá significado à nossa existência material e espiritual. Até que ponto chegaremos à explorar, destruir e degradar o meio ambiente e os recursos naturais que ainda estão disponíveis? Que possamos refletir e nos conscientizar a respeito disto para a nossa própria sobrevivência. 4 TÉCNICAS SUSTENTÁVEIS Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hand-holding-light-bulb- against-nature-1120037774. Prezado (a) aluno (a), no decorrer dessa unidade compreendemos diversas formas de relação entre a humanidade e a natureza e entre a natureza e a sociedade, na qual nossas ações têm impacto direto sobre a dinâmica ambiental do planeta em que vivemos. A partir disso, podemos afirmar que a ciência geográfica se dedica a estudar as ações humanas que transformam a natureza, por meio de técnicas empregadas, nas quais se desenvolveram ao longo dos séculos, e que nas últimas décadas evoluíram para um imenso avanço tecnológico científico-informacional. O avanço dessas técnicas, proporcionadas pelo crescimento do capitalismo por todo o globo terrestre, intensificou a produção industrial e, consequentemente, a exploração dos recursos naturais para a produção de mercadorias, fatos que ocasionaram um enorme desequilíbrio ambiental, perda substancial de biodiversidade e a ameaça de uma péssima qualidade de vida para as futuras gerações humanas. Desde a década de 70 a problemática ambiental vem sendo pauta de diversas conferências mundiais, que buscando diálogo com a comunidade internacional, alertaram sobre os irreparáveis impactos que nossas atividades exploratórias causam ao meio ambiente e trouxeram à luz o termo desenvolvimento sustentável. Tal conceito enfatiza que a humanidade deve pensar em suprir suas necessidades sem afetar ainda mais o futuro do meio ambiente e das próximas gerações. Uma das conferências mundiais mais conhecidas é a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida na cidade de Estocolmo, na Suíça, em junho de 1972, cujo um dos objetivos abordam “[...] a necessidade de um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano” (ONU, 1972, p. 1). No evento foram levantadas indagações sobre a emissão de poluentes causadas pelas atividades industriais dos países desenvolvidos e discussões sobre maneiras de diminuir os impactos negativos dessas atividades, bem como, a assinatura de um manifesto, dos 113 países e diversas organizações internacionais e ONGs participantes, para a preservação do meio ambiente. Elencamos alguns dos princípios da conferência: 1.O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida. 2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos. 3. O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e continuar descobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errônea e imprudentemente, o mesmo poder pode causar danos incalculáveis ao ser humano e ao seu meio ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as provas do dano causado pelo homem em muitas regiões da terra, níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em que vive e trabalha (ONU, 1972, p. 1). Essas premissas basilares nortearam ações internacionais para o desenvolvimento de técnicas sustentáveis, criando pautas internacionais que culminaram em outra conferência, a ECO 92, realizada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. Esse encontro buscou consolidar o conceito de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, pensando ações a longo prazo capazes de garantir a manutenção e preservação do meio ambiente e a proteção dos recursos naturais. Foi a partir da Eco-92 que nasceu a Agenda 21, documento que institui a importância da ação conjunta de todos os países acerca do desenvolvimento sustentável, da preservação ambiental e da inclusão social. As demandas delineadas na Agenda 21 foram novamente levantadas em 2002, na Cúpula da Terra Sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo, na África do Sul. Essas ações movidas pela comunidade internacional, tornaram-se um importante instrumento para a promoção de práticas socioculturais atreladas ao meio ambiente, sendo possível entendermos a sustentabilidade não somente como conceito ambiental descolado da sociedade, uma vez que as técnicas sustentáveis devem manifestar-se a partir da própria sociedade como um novo parâmetro cultural a ser seguido. É necessário olharmos para a diversidade cultural como uma aliada ao desenvolvimento sustentável. Os diversos modos de vida são instrumentos que podem contribuir de forma significativa para a criação de políticas públicas, planejamento, gestão e desenvolvimento de práticas sustentáveis, uma vez que, as mesmas influenciam diretamente na sociedade, através dos papéis sociais, dos gêneros de vida de cada indivíduo (SOUSA, 2017, p. 185). O conceito de sustentabilidade está associado ao conjunto de técnicas e estratégias elaboradas para minimizar o impacto negativo das ações humanas aos ecossistemas, afirmando que as técnicas empregadas a natureza devem ser: - Economicamente viáveis: que pensem o crescimento da economia sem degradar o meio ambiente; que priorizem a reciclagem de materiais para garantir o uso de matérias primas provenientes da reutilização; que diminuem a emissão degases poluentes procedentes da produção industrial desenfreada e o acúmulo de resíduos que levarão séculos para se decompor no meio ambiente, à exemplo do plástico, do isopor e da borracha; que promovem o uso de energias renováveis e limpas como a energia eólica, solar e biocombustíveis que têm impactos reduzidos ou quase nulos na geração de energia. - Ecologicamente corretas: que gerem um equilíbrio entre o que é retirado da natureza e o que é devolvido a ela, evitando o desperdício para não esgotar os recursos naturais; que privilegiam a não utilização de substâncias danosas para a vida humana e contaminadoras dos solos, lençóis freáticos, oceanos e qualidade do ar, como elementos tóxicos provenientes do lixo radioativo das usinas nucleares - Socialmente justas: que envolvem ações educadoras de responsabilidade, consciência ambiental e solidariedade ao pensar que ações individuais podem afetar a todos os seres vivos. - Culturalmente diversas: que valorizem as diversidades e diferenças locais de forma a gerar benefício para todos os indivíduos sem qualquer distinção e ou discriminação de raça, gênero, classe, região e religião. Partindo desses pressupostos, a ação conjunta da comunidade científica internacional se empenhou em desenvolver práticas e técnicas que, embora ainda não sejam aplicadas em escalas globais, capazes de reduzir em grandes proporções os impactos causados pelas por ações nocivas à biodiversidade e a humanidade, apresentam um caminho possível para conciliação do desenvolvimento partindo do respeito ao meio ambiente. SAIBA MAIS Você sabia que atualmente existem no Brasil cerca de 695 parques eólicos que contribuem para a redução da emissão de 22.900.000 de toneladas de Co2 por ano? Em referência à relatórios da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica)4, o total de emissões de Co2 evitadas no Brasil no ano de 2019, corresponde a emissão anual de cerca de 21,7 milhões de automóveis. O Co2, conhecido popularmente como gás carbônico, é resultado da queima de combustíveis fósseis. O gás é um dos principais responsáveis pela ocorrência do efeito estufa, fenômeno que resulta no aumento do buraco na camada de ozônio, filtro que bloqueia a entrada direta de raios solares na atmosfera terrestre e que se configura como uma das causas do aquecimento global. A energia produzida pelos ventos é renovável, ou seja, ela não polui, possui baixo impacto ambiental e contribui para que o Brasil cumpra com seus objetivos no acordo de Paris, última convenção internacional sobre o clima Global, realizada pela Organização das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP21), composta por 196 nações e que determinou diretrizes para o combate das alterações climáticas e do aquecimento terrestre. De acordo com dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)5, em 2019 a fonte eólica correspondeu a 9,1% da matriz energética nacional, ficando atrás apenas da principal matriz energética utilizada no Brasil, isto é, a fonte de energia hidrelétrica. Logo, a energia eólica torna-se um importante instrumento para a modernização do setor elétrico ao aproveitar os bons ventos do Brasil e transformá-los em energia, contribuindo assim, para o desenvolvimento nacional que objetive uma relação sustentável do Estado e da sociedade com o meio ambiente. #SAIBA MAIS# 4 Fonte: http://abeeolica.org.br/wp-content/uploads/2020/06/PT_Boletim-Anual-de- Gera%C3%A7%C3%A3o-2019.pdf. 5 Fonte: https://www.aneel.gov.br/sustentabilidade. REFLITA As tragédias do rompimento de barragens nas cidades mineiras de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019, evidenciaram, ainda mais, as negligências ocorridas nos processos de fiscalização de barragens do Brasil, problemas graves que acabam por incidir na falta de segurança dos trabalhadores e trabalhadoras das mineradoras, como também, na de toda uma cidade e biodiversidade, afetada e contaminada pelos rejeitos tóxicos. De acordo com o último relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), 51 estruturas foram classificadas sob a categoria de "risco alto" e 47 delas estão em situação de emergência. A maioria, 42 no total, fica no estado de Minas Gerais, e duas delas pertencem à empresa Vale (Forquilha III, na cidade de Ouro Preto e Sul Superior, na cidade de Barão dos Cocais). Entretanto, tais números preocupantes são incompletos, pois o relatório prioriza as mineradoras de maior expressividade e notoriedade, ou seja, esses números não revelam toda a realidade ao ignorar empresas mineradoras locais, mais atuais e de menor conhecimento público. Outro problema enfrentado para a fiscalização e segurança das barragens brasileiras é o abandono de barragens ainda em atividade. Segundo a lei n. 14.066, de setembro de 2020, "o empreendedor deve manter o Plano de Segurança da Barragem atualizado e operacional até a desativação ou a descaracterização da estrutura" (BRASIL, 2020). Contudo, o descumprimento da lei está curso, também, devido à fiscalizações estatais falhas e incompetentes. Há diversos casos registrados de barragens que foram simplesmente esquecidas e largadas por suas empresas responsáveis, como a da Emicon Mineração e Terraplanagem Limitada, em Brumadinho, como mostrou reportagem da DW Brasil em 2019. A partir dessas informações, compreendemos que ambos crimes ambientais e sociais, ocorridos em Mariana-MG e Brumadinho-MG, ressaltaram a importância de uma fiscalização séria e comprometida com as necessidades básicas de preservação do meio ambiente e de segurança à vida humana. Porém, será preciso que mais tragédias ocorram para que o Estado e as empresas de mineração respeitem medidas de proteção à natureza e a sociedade? CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer da presente unidade, buscamos aprofundar nossos estudos geográficos a respeito da relação existente entre a sociedade (ação humana) e a natureza (ação ambiental), compreendidas como inseparáveis. No tópico 1, evidenciamos a ação humana na natureza a partir de uma contextualização histórica acerca das transformações da interferência humana na natureza, que com a expansão da Revolução Industrial, no século XIX, propiciou o aumento exacerbado do uso de matérias primas retiradas da natureza, impulsionando a exploração dos recursos naturais, devido a intensificação do modo de produção capitalista, industrialização e mecanização do trabalho e produção de mercadorias em grandes escalas. Já no tópico 2 e 3, dinamizamos o conteúdo a fim de compreender os impactos da sociedade sobre a natureza e da natureza sobre a sociedade ao defendermos a ideia de indissociabilidade entre ambas. Desta forma, estudamos alguns dos impactos da sociedade sobre a natureza que, de tão contínuos e brutais, podem provocar danos irreversíveis ao meio ambiente, como o fim de recursos naturais não renováveis e a morte de biodiversidades importantes para o equilíbrio climático, principalmente, provocados pela intensa atividade extrativista/mineradora e pelo desflorestamento desenfreado no Brasil. Por outro lado, vimos, também, a relação inversa, ou seja, algumas das possibilidades de impactos da natureza sobre a sociedade, das quais nos concentramos nos deslizamentos de terras, enchentes e na escassez de água potável e tratada. Por fim, no tópico 4, objetivamos estabelecer a importância da adesão de técnicas sustentáveis para a preservação ambiental a partir da realização de conferências, encontros e acordos internacionais que consolidaram a ideia de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, em especial, das Conferências das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, edições de Estocolmo (1972) e do Rio de Janeiro (1992). E assim concluímos nosso passeio por alguns aspectos ediscussões de grande importância para a sobrevivência da natureza e, consequentemente, da nossa própria! Até a próxima, bons estudos! LEITURA COMPLEMENTAR GIDDENS, Anthony. A política da mudança climática. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, 314 p. Sinopse: As mudanças climáticas em curso podem ter consequências catastróficas para o planeta. Sabemos que precisamos agir rápido se quisermos conter esse risco. Então, por que não tomamos medidas imediatas? Anthony Giddens, um dos pensadores sociais mais importantes de nosso tempo, faz uma análise profunda, lúcida e, ao mesmo tempo, acessível sobre esse tema tão atual. Sem ser alarmista, aponta os prós e contras das soluções pensadas até agora, introduz novas propostas e examina as ligações entre mudança climática e segurança energética. Com abordagem multidisciplinar, Giddens trata a mudança climática sobretudo como uma questão política e defende que toda decisão deve observar o contexto econômico e geopolítico mundial. Disponível em: https://www.skoob.com.br/livro/126040ED139794-a-politica-da-mudanca-climatica. Acesso em:10/03/2021. LIVRO • Título: Ideias para adiar o fim do mundo. • Autor: Ailton Krenak. • Editora: Companhia das Letras. • Sinopse: Ailton Krenak nasceu na região do vale do rio Doce, um lugar cuja ecologia se encontra profundamente afetada pela atividade de extração mineira. Neste livro, o líder indígena critica a ideia de humanidade como algo separado da natureza, uma "humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também o nosso avô". Essa premissa estaria na origem do desastre socioambiental de nossa era, o chamado Antropoceno. Somente o reconhecimento da diversidade e a recusa da ideia do humano como superior aos demais seres podem ressignificar nossas existências e refrear nossa marcha insensata em direção ao abismo. Nas palavras do autor: "Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, dançar e de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta e faz chover [...] minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história." Desde seu inesquecível discurso na Assembleia Constituinte, em 1987, quando pintou o rosto com a tinta preta do jenipapo para protestar contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas, Ailton Krenak se destaca como um dos mais originais e importantes pensadores brasileiros. Ouvi-lo é mais urgente do que nunca. Ideias para adiar o fim do mundo é uma adaptação de duas conferências e uma entrevista realizadas em Portugal, entre 2017 e 2019. FILME/VÍDEO • Título: Ser Tão Velho Cerrado • Ano: 2018 • Sinopse: os moradores da Chapada dos Veadeiros, preocupados com o fim do Cerrado em Goiás, procuram novas formas de desenvolver a região sem agredir o meio ambiente em que vivem. O desafio, agora, é conciliar os interesses relacionados ao manejo da Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto. Para isso, a comunidade científica, grandes proprietários de terra e defensores do meio ambiente iniciam um diálogo delicado, mas necessário. • Vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=H4OSAyjAP6o. REFERÊNCIAS BANCO MUNDIAL. Causas do Desmatamento da Amazônia Brasileira. 1ª edição. Brasília: Estação Gráfica, 2003. Disponível em: https://www.terrabrasilis.org.br/ecotecadigital/pdf/causas-do-desmatamento-da- amazonia-brasileira.pdf. Acesso em: 07/03/2021. BRASIL. Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), a Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2020/lei/L14066.htm. Acesso em: 10/03/2021. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Dispõe sobre procedimentos relativos a Estudo de Impacto Ambiental. Resolução CONAMA 1/86, de 23 de janeiro de 1986. Diário Oficial da União: Brasília, p. 2548-2549, 1986. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/licenciamento/documentos/1986_Res_CONAMA_1_86.pdf. Acesso em: 07/03/2021. FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS. Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica. São Paulo: ArcPlan, 2019. 65 p. (Relatório Técnico 2017-2018). Disponível em: https://www.sosma.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Atlas-mata-atlantica_17-18.pdf. Acesso em: 07/03/2021. INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS. COORDENAÇÃO GERAL DE OBSERVAÇÃO DA TERRA. PRODES – Incremento anual de área desmatada no Cerrado Brasileiro. Disponível em: http://www.obt.inpe.br/cerrado. Acesso em: 26/04/2021. KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. MOREIRA, Igor. O Espaço Geográfico: geografia geral e do Brasil. 47ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2004. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano. In: Anais Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 6p., 1972. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/registro/referencia/0000001728. Acesso: 10/03/2021. SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1978. SANTOS, Milton. A natureza do espaço – Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. 6. ed. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2014. SOUSA, Victor Pereira de. Geografia e Meio Ambiente: reflexões acerca das práticas socioculturais na concepção de sustentabilidade. Diversidade e Gestão. 1(2): 178- 188. 2017. Disponível em: http://www.itr.ufrrj.br/diversidadeegestao/wp- content/uploads/2016/12/13.pdf. Acesso: 10/03/2021. UNIDADE III GEOGRAFIA COMO CIÊNCIA Professora Esp. Karitta da Silva Lopes Plano de Estudo: • Divisões da Geografia. • Geografia e Interdisciplinaridade • Geografia Crítica. • Ramos da Geografia. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar historicamente as divisões e ramos existentes no interior da Geografia. • Estabelecer a importância da interdisciplinaridade nas investigações em Geografia. • Compreender como a Geografia Crítica surgiu e se estabeleceu enquanto corrente teórica profícua. INTRODUÇÃO Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar conhecimentos acerca das bases teóricas do pensamento geográfico. O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais, modificações territoriais e relações com as práticas e intervenções humanas. Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território, espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no seu percurso educacionalno decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às Humanidades. A Unidade 3 “Geografia como ciência” é composta por quatro tópicos que correspondem à um plano de estudo estruturado para que você possa obter conhecimento acerca das divisões da Geografia, das relações entre Geografia e Interdisciplinaridade, dos princípios da Geografia Crítica e dos diversos ramos da Geografia. Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas habilidades cognitivas e investigativas em Geografia. Bons estudos! 1 DIVISÕES DA GEOGRAFIA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/young-male-geography- teacher-front-whiteboard-1706174938. Prezada (o) aluna (o), estudamos nas unidades anteriores o desenvolvimento da ciência geográfica, passando por diversos períodos históricos, sendo modificada e transformada de acordo com as influências de cada época. Vimos que na Modernidade, a Geografia se consolidou como a ciência empenhada em entender o espaço onde a humanidade desenvolve e cria suas atividades produtivas e também onde a mesma desenvolve relações sociais. A humanidade, vem ao longo dos séculos e de formas distintas, se apropriando da natureza para produzir através dela meios de garantir sua sobrevivência, portanto, natureza e sociedade estabelece um diálogo integrado ao espaço, este compreendido por Milton Santos (2012) como uma “acumulação desigual de tempos” (p. 256). Com isso, podemos dizer que um dos grandes atributos da ciência geográfica é a capacidade de estabelecer uma interpretação global e sintética da realidade intermediando as relações entre as ciências sociais e as ciências naturais. Logo, é a partir da divisão temática e metodológica entre Geografia Humana e Geografia Física que a ciência geográfica é operacionalizada e dinamizada frente aos processos de investigações acerca dos seus objetos de estudos e análises. Cabe destacar que até o século XIX a Geografia buscava uma individualidade, pois o conhecimento geográfico estava dissolvido em um bojo único de conhecimento. A forte influência do positivismo no conhecimento científico do século XIX, levou a fragmentação do diálogo entre as áreas de conhecimento ocasionando uma forte divisão entre ciências humanas, exatas e da Terra. De acordo com seus objetivos, cada uma delas desenvolveram seus próprios métodos, entretanto dentro de duas grandes áreas: Ciências Humanas e Ciências Naturais. Dentro da corrente tradicional, a Geografia, por ter um objeto de estudo amplo e vasto em relação a outras disciplinas, carecia de um método próprio que conciliasse o estudo de elementos humanos e naturais, levando a ter como objeto inicial a natureza sem o homem. A corrente possibilista salientou as análises humanas e sociais em desfavor das análises físicas, acentuando a divisão entre a Geografia Física e a Geografia Humana. No início do século XX, muitos geógrafos passaram a estudar o meio físico a partir da especialização, ferramenta importante para o desenvolvimento dessa ciência, como aponta Evandro César Clemente: De Martonne passou a estudar o meio físico dividido em vários ramos. Em sua obra “Tratado de Geografia Física” ele apresenta os primeiros passos para o surgimento dos sub-ramos dentro da Geografia Física: Geomorfologia, biogeografia e a climatologia. Cabe lembrar que a constituição destes ramos se deu influenciados pela Geologia, biologia e meteorologia (CLEMENTE, 2007, p. 198). Com a chegada do neopositivismo após a Segunda Guerra Mundial, podemos visualizar o início do chamado movimento de renovação da Geografia, que buscava afastar-se dos métodos de pesquisas conceituados pela corrente tradicional como a observação, empirismo e a descrição. As circunstâncias políticas, econômicas e sociais da época, somadas a invenção dos computadores, possibilitou a utilização de: [...] modelos matemáticos e quantitativos, bem como a Teoria dos Modelos e a Teoria dos Sistemas. Apesar do método “renovado”, a Geografia persistiu mascarando a dominação e o acirramento das desigualdades sociais e espaciais derivados da expansão do capitalismo (CLEMENTE, 2007, p. 199). Com o advento da Nova Geografia, os geógrafos físicos passaram a usufruir da teoria dos sistemas e dos modelos quantitativos e estatísticos, tornando cada vez mais evidente a divisão metodológica entre a Geografia Física e Humana, que confere o caráter científico à disciplina em destaque. “Passaram, portanto, a ignorar as produções dos geógrafos humanos, por considerá-las muitas vezes como meras divagações desprovidas de cunho científico” (CLEMENTE, 2007, p. 199). Em contrapartida a isso, no começo dos anos 60 frente às enormes desigualdades espaciais e sociais e também a grande exploração dos trabalhadores ocasionada pelo avanço do capitalismo, que dava início a fase de mundialização, ocorreu o preludio da corrente da Geografia Crítica, fortemente influenciada pelo pensamento marxista, fundamentado no materialismo histórico dialético. A exploração e as desigualdades passaram a ser denunciadas e criticadas pelos geógrafos dessa corrente, fundamentando a crítica a Geografia Física, pois para os teóricos críticos, os geógrafos físicos estariam servindo ao grande capital e suas produções consideradas sem comprometimento com as mazelas sociais ocasionadas pelo capitalismo imperialista. A visão Ocidental que enxerga o homem como descolado da natureza, intensifica a complexidade da metodologia dentro da Geografia Moderna, dificultando a superação da dicotomia entre Geografia Humana e Física. Diante do exposto, podemos fazer uma alusão à “evolução” da Geografia na citação de Norbert Elias “Sobre o tempo”, quando diz: “... ainda nos servimos amplamente de um aparelho conceitual que traça uma linha demarcatória muito clara entre os planos da integração física, social e individual. [...]. Do mesmo modo, a sociedade e a natureza aparecem frequentemente como mundos separados” (CLEMENTE, 2007, p. 199). Como vimos na unidade anterior, a partir dos anos 70, a comunidade científica se reuniu na conferência de Estocolmo com o intuito de discutir os graves problemas ambientais resultantes da apropriação desenfreada dos elementos naturais intensificados de forma predatória pelo sistema de produção capitalista. Diante dos problemas ambientais como o aquecimento global, agravado pela destruição da camada de ozônio, assim como a poluição dos solo, ar, rios e oceanos, os teóricos da Geografia Física começaram reconhecer a necessidade, cada vez mais emergente, de interpretar o modo de produção capitalista e sua organização social para compreender seus impactos na natureza. Vemos aí o que pode ser o início de um melhor caminho a ser percorrido pela ciência geográfica, trazendo análises complexas de como a sociedade se relaciona com a natureza a partir da compreensão da dinâmica interna e específica de seus elementos. Podemos afirmar também que a dicotomia Geografia Humana x Geografia Física enfraquece o campo de trabalho dos geógrafos, pois ao negar qualquer uma delas, os profissionais da Geografia acabam por limitar seu campo de trabalho, deixando de ocupar lugares em uma sociedade que apresenta um mercado de trabalho cada vez mais voltado à competitividade, pois debilita a possibilidade mais importante dessa ciência, a de fazer análises sintéticas e globalizadas da realidade, não alcançada por cientistas de outras áreas, como indica Sergio Henrique Pinto Silva (2007): À importância da temática ambiental, possivelmente o tema que mais une os diferentes ramos da Geografia, mas, ao mesmo tempo, é cobiçado por várias outras ciências, essa perda da Geografia é devido à sua fragmentação. A formaçãodualista da Geografia, englobando os aspectos físicos e sociais associados à capacidade de síntese, fornece uma ampla vantagem dessa ciência perante as demais (SILVA, 2007, p. 41). Os caminhos distintos percorridos até então pela Geografia Humana e Física encontram confluência no século XXI, diante a uma sociedade que demanda cada vez mais uma visão integradora e multidisciplinar dos elementos, sendo capaz de responder questões urgentes a seu tempo. À respeito disso, Clemente (2007) enfatiza a importância de “[...] superarmos a clivagem Geografia Humana x Geografia Física e construir uma Geografia Global, capaz de resgatar o velho objetivo da Geografia de estudar de forma integrada Sociedade e Natureza” (p. 199). A valorização de uma visão global capaz de inter-relacionar os mais diversos dados existentes é reflexo da sociedade contemporânea e não está restrita ao meio científico, pois demonstra uma preocupação com o conjunto devido a necessidade cada vez mais urgente de um conhecimento não compartimentado capaz de realizar uma leitura complexa da realidade, como afirma Sansolo (1996): Em uma metrópole, embora o relevo tenha sido alterado pela construção de prédios, ou cuja bacia de drenagem foi impermeabilizada pelo asfalto e seus rios e córregos canalizados, ainda assim os processos naturais como os geomorfológicos, expressos pelo movimento de massa de vertentes e depósitos sedimentares em rios e córregos; processos climáticos, como sazonalidade das chuvas, temperaturas e umidade; migrações de aves continuam ocorrendo e vão continuar ocorrendo (SANSOLO, 1996, p. 36). É diante deste contexto, que o saber geográfico não fragmentado se apresenta como uma importante ferramenta capaz de contribuir para uma leitura complexa e não compartimentada do meio ambiente e da sociedade. A Geografia é única das ciências humanas que tem como objeto de estudo também o quadro natural do planeta. Diante disso, vemos a complexidade metodológica e epistêmica, pois analisar processos contínuos na natureza e na sociedade, seja individual ou conjuntamente, é uma tarefa que exige grandes competências. Corroboramos que a divisão entre Geografia Física e Geografia Humana pode contribuir para melhor delimitar metodologicamente os objetos de estudo e os fenômenos investigados, contudo, compreendemos que a relação e imbricação teórica e epistemológica entre ambas, combatendo possíveis hierarquizações, torna-se fundamental para análises e interpretações mais completas da realidade pesquisada. 2 GEOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/vector-monochrome- symbols-exploration-geography-equipment-1110430922. Cara(o) aluna(o), a partir do conteúdo do tópico anterior acerca das divisões da Geografia, ou seja, da divisão entre a Geografia Física e Humana e, consequentemente, das fragmentações existentes no interior dessas duas divisões centrais, podemos compreender que o conhecimento construído de forma fragmentada pela ciência geográfica passou a permitir uma interdisciplinaridade teórica-metodológica devido aos dilemas existentes com o seu objeto de estudo primordial, o espaço geográfico. Em razão das exigências formativas para obter os saberes naturais e sociais referentes ao espaço geográfico, faz-se necessário que a comunidade científica em Geografia estabeleça debates e diálogos com matrizes disciplinares distintas, tais quais se encontram disciplinas pertencentes às Ciências Humanas, Exatas e Naturais. Enquanto área do conhecimento, a Geografia traz em seu cerne epistemológico a preocupação com a busca da compreensão das relações dinamizadas entre a sociedade e a natureza. Em virtude disso, ela se diferencia, indo na contramão das demais ciências, que devido às condições particulares de seus objetos de pesquisa, foram individualizadas nos processos de classificação disciplinar. Pelo fato de serem exigidos para sua formação uma compreensão, um conhecimento da natureza e da sociedade e, pelo fato de compreenderem o espaço geográfico como a materialização na superfície da terra das diferentes formas de organização social foram sempre levados a construir uma ciência que chegaram a conceituar como de síntese e que internamente pode ser lida como uma ciência interdisciplinar (SUERTEGARAY, 2003, p. 45). Contudo, essa interdisciplinaridade intrínseca à Geografia, nem sempre foi um consenso, pois na medida em que a expansão da racionalidade tomava conta dos métodos e teorias científicas na Modernidade, foi sendo possibilitada, cada vez mais, a separação e compartimentação do conhecimento, logo, a divisão entre as Ciências Naturais/Exatas e as Ciências Sociais/Humanas. Por conseguinte, é nesse período histórico que a Geografia foi impossibilitada de alocar o hall de especificidades disciplinares exigidas pelo pensamento positivista da época, passando a ser desconsiderada do seu carácter científico e fragilizada diante das dificuldades de construção de métodos próprios, pois carregava em sua base epistemológica, num contexto histórico onde as dimensões separatistas entre os saberes eram o padrão aceito e reproduzido entre a comunidade científica, os dilemas relacionais entre natureza-sociedade/sociedade-natureza. Tais disputas para a individualização entre as ciências, premissa imposta pelo pela Modernidade, evidenciou a preocupação dos geógrafos e geógrafas em afirmar a Geografia como uma ciência autônoma com métodos únicos e exatos, fato que acabou por empobrecê-la. Como já vimos, em diferentes momentos históricos, foram construídas diferentes análises e concepções em Geografia, transformações que serviram como base de revisões científicas, conceituais, políticas e temáticas dessa disciplina. É a partir do movimento de renovação da Geografia nos anos de 1970, em especial, na França, na Inglaterra, na Itália, nos Estados Unidos e no Brasil, que ocorre a reelaboração epistemológica da Geografia Humana baseada no conceito de espaço geográfico como principal categoria analítica da ciência geográfica e, por consequência, a valorização e necessidade de estudos e explicações interdisciplinares. De acordo com Dirce Maria Antunes Suertegaray (2003), a interdisciplinaridade na Geografia é “um exemplo da possibilidade de compreensão conjuntiva”. A autora nos aponta que não devemos pensá-la “[...] como sombreamento mas como convergência de leituras na busca de compreensão de um acontecimento, da decifração de um problema, de uma questão” (p. 50-51). Logo, a aproximação da Geografia com outras ciências indica uma disciplina de caráter multidisciplinar, fato que não elimina possibilidades interpretativas, todo contrário, contribui na compreensão da dinâmica do espaço geográfico e seus elementos constituintes, bem como, de outras categorias analíticas e conceituais da Geografia. Se de um lado ainda trabalhamos com o recorte do espaço geográfico, de outro acreditamos que esses recortes poderão mais unir o discurso geográfico, do que separar. Isto porque cada um deles enfatiza uma dimensão da complexidade organizacional do espaço geográfico: o econômico/cultural (na paisagem), o político (no território), a existência objetiva e subjetiva (no lugar) e a transfiguração da natureza (no ambiente) [...] Por outro lado, acreditamos que conceber esta como uma das possibilidades analíticas da Geografia, tende a nos permitir a diferença de enfoques, ao mesmo tempo em que nos articula pelas conexões derivadas da fronteira tênue entre cada um desses conceitos. Costuma- se dizer na atualidade, que o objeto de estudo se constrói num contexto relacional. Por conseguinte, as conexões que permeiam os conceitos que aqui denominamos operacionais, aproximam as nossas práticas geográficas, muito mais que nos dividem (SUERTEGARAY, 2003, p. 50). SegundoMilton Santos em Por uma Geografia Nova (2012) a Geografia pode auxiliar no desenvolvimento de conceitos e fenômenos estudados por outras disciplinas e vice e versa, o autor trata do exemplo da economia neoclássica, que estuda a relação entre humanidade e meio geográfico e, com isso, bebe da fonte dos estudos acerca da Geografia. Em realidade a lista de ciências chamadas afins da geografia que se escrevia acompanhada de nomes como história, sociologia, economia (se nos limitando a geografia humana) tornou-se muito mais longa porque devemos acrescentar-lhe outros domínios do saber como a tecnologia (ciência das forças produtivas), a ciência política, o urbanismo, a técnica gerencial, a semiologia, a epistemologia, os negócios internacionais, a história das ciências, a ciência das ciências, chamada cienciologia, e mesmo a lógica e a dialética (SANTOS, 2012, p. 137). Outro exemplo citado pelo autor, é o do famoso historiador francês Marc Bloch, que defendeu a interdisciplinaridade ao compreender que o sociólogo Émile Durkheim e o geógrafo Vidal de La Blache “[...] deixaram sobre os estudos históricos do princípio do século XX uma marca incomparavelmente mais profunda que a de qualquer outro historiador” (BLOCH, 1974, p. 166 apud. SANTOS, 2012, p. 130). Desta forma, Milton Santos (2012), um dos mais significativos expoentes da geografia brasileira, afirma que a premissa da interdisciplinaridade não se restringe somente à ciência geográfica, tornando-se assim, geral à outras ciências também, ou seja, “[...] toda ciência se desenvolve nas fronteiras de outras disciplinas e com elas se integra em uma filosofia. A geografia, a sociologia, a economia, são interpretações complementares da realidade humana” (BOUDEVILLE, 1945, p. 75 apud SANTOS, 2012, p. 131). A partir dos pensamentos trazidos à luz, podemos compreender que a interdisciplinaridade se encontra no horizonte de todas as disciplinas, pois contribui para a ampliação e aprimoramento de interpretações de múltiplos fenômenos, se constituindo como: [...] uma prática coletiva, que surge da organização em grupo, hoje em rede, e tem como objetivo a busca da compreensão/explicação de um problema formulado pelo conjunto dos investigadores. O trabalho interdisciplinar vai exigir um rompimento com os problemas específicos de cada campo, colocando na pauta da pesquisa questões de estruturação mais complexa (SUERTEGARAY, 2003, p. 51). Logo, a interdisciplinaridade garante à Geografia uma integração com outras disciplinas, que ao estabelecer relações e imbricações entre um mesmo objetivo de estudo, sem pretensões totalizantes, busca compreender os diversos aspectos e variáveis de um mesmo objeto de pesquisa. 3 GEOGRAFIA CRÍTICA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/businessman-holding-world- orange-flare-on-1662340351 Cara (o) aluna (o), vimos nos tópicos anteriores as divisões presentes no interior da Geografia, que evidenciaram a grande dicotomia entre a Geografia Humana e a Geografia Física, como também, os conhecimentos interdisciplinares que atravessam a construção do conhecimento geográfico. Estudaremos agora, a formação da abordagem crítica da Geografia, que se desenvolveu especialmente no Brasil com uma notável importância para a produção teórica na atualidade. A abordagem crítica pode ser entendida como um movimento de renovação teórica e metodológica do pensamento geográfico, colocando-se como “[...] uma revolução que procura romper, de um lado, com a geografia tradicional e, de outro, com a geografia teorético-quantitativa” (CORRÊA, 2001, p. 23). A sua base epistemológica está fundamentada pelo materialismo histórico dialético, proposto por Karl Marx, pois busca refletir sobre as constantes transformações na organização espacial, influenciadas diretamente pela acentuada urbanização, industrialização e avanço do capitalismo, que não encontrava respostas nas outras correntes do pensamento geográfico como o método regionalista, possibilista e determinista. Grande parte dos autores da Geografia Crítica assumem uma postura comprometida com as transformações sociais, utilizando o conhecimento para a formação de uma sociedade mais justa e que sirva como ferramenta de libertação da humanidade, assumindo um conteúdo fortemente político e militante e avaliando as contradições intrínsecas ao sistema capitalista de produção. O movimento da geografia crítica, em suas diversas vertentes, reproduz o embate ideológico contemporâneo da luta de classes na sociedade. Os geógrafos críticos, em suas diversas orientações, assumem a perspectiva popular, de uma transformação de ordem social. Por esta razão, buscam uma geografia mais generosa em um espaço mais justo, que seja organizado em função dos interesses dos homens e não do capital (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 2). Analisaremos a partir de então, as diferentes escolas e os principais teóricos que contribuíram para a formação da teoria crítica nos debates acerca da geografia mundial e, especificamente, da geografia brasileira. Na França, em meados das décadas de 1930 e 1940, vemos uma evidente movimentação a favor da abordagem crítica em Geografia por meio da ala progressista da geografia regional francesa, que aos poucos, foi introduzindo a análise da produção do espaço aos processos sociais e econômicos, dando origem a uma discussão mais engajada politicamente aos estudos geográficos no país. Posterior a isso, encontramos na obra Geografia Ativa (1966), de Pierre George, Yves Lacoste, Bernard Kayser e Raymond Guglielmo, uma representação do movimento científico de renovação crítica ao propor a elaboração de uma análise regional que solucionasse as contradições do modo de produção capitalista. Neste caso, inaugurando uma geografia de denúncias das realidades espaciais injustas e contraditórias. Critica severamente a abordagem descritiva e enumerativa da geografia, apontando a necessidade e a carência de informação objetiva, que permitisse traçar perspectivas que subsidiassem tomadas de decisões. Ligada ao historicismo, seus autores consideravam a geografia como um prolongamento da história, mas com métodos próprios, deixando seu papel meramente contemplativo e assumindo um papel dinâmico, atuante, por meio do que chamavam uma “geografia ativa”, que buscasse estabelecer um elo entre passado e futuro (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 3). Mais tarde ao desenvolver seus estudos, Pierre George impulsionou o uso de conceitos marxistas nos debates geográficos, fomentando assim, uma conciliação entre o materialismo histórico dialético e o método regional ao aprofundar seus estudos referentes às relações de produção x trabalho e, também, sobre a ação do grande capital e das forças produtivas e seu impacto nas relações entre sociedade e natureza. No ano de 1976, Yves Lacoste intensifica tais discussões com a criação de uma revista empenhada em debater e democratizar as novas tendências da ciência geográfica. Lacoste cria a revista Hérodote e começa, por meio dela, a dispor análises sobre inúmeros assuntos geográficos, como os problemas ideológicos, da paisagem, do trabalho no campo, do urbano, do imperialismo ligado à colonização, entre outros. Após o trigésimo número da revista, Lacoste convoca os geógrafos a uma maior atuação na esfera política e reanalisa o conceito de geopolítica. Para ele, não só a geografia como também outras ciências foram utilizadas pelos nazistas para justificar as expansões territoriais sobre outros povos. Lacoste (1989) procura mostrar que a geopolítica, adotada pelos Estados, poderia ser também empregada para que os povos conquistassem a libertação nacional, no plano externo, e a libertação interna (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 3). Concomitante a isso, a GeografiaCrítica ganha espaço com o engajamento dos geógrafos norte-americanos, no final dos anos de 1960, no curso das lutas e processos que desembocaram em transformações sociais associadas às revoltas internacionais de 1968, como os movimentos contrários a guerra do Vietnam, os embates ao colonialismo, os movimentos contra a segregação racial e pelos direitos civis. Desta forma, podemos afirmar que as agitações e mobilizações políticas que abalavam a sociedade envolveram os geógrafos, que levaram para a luta social, seus aparatos e saberes científicos em Geografia. Trabalhos de geógrafos, particularmente norte-americanos e canadenses, voltados aos problemas sociais, passaram a circular e adquiriram certa relevância. Com base em Blaut (1979), Cobarrubias (2006) aponta como data de referência do surgimento da corrente o ano de 1969, no encontro da Associação Americana de Geografia, que reuniu a maioria dos movimentos locais, incluindo a Detroit Geographical Expedition (DGE) e o grupo responsável pela publicação Antipode, da Clark University (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 4) Um outro exemplo de veículo científico acerca das discussões sobre a abordagem geográfica crítica, é a revista Antipode, organizada em 1969, cujo o objetivo inicial era o de divulgar e propagar os trabalhos desenvolvidos, passando a fazer uma crítica radical tanto a geografia tradicional, quanto a geografia teorética, ao ser concebida como porta voz de uma geografia alternativa, preocupada com a investigação e resolução de problemas locais e regionais. A revista Antipode teve grande aceitação, pois permitia a abertura de novos horizontes para os novos geógrafos, já que a maioria dos colaboradores eram geógrafos quantitativistas desolados com o método matemático-estatístico. À medida que evoluía e se desenvolvia, fez emergir a questão do método e do papel da ideologia na geografia (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 4). Em 1974, em plena evolução e busca teórica, a revista se ocupou da necessidade de explorar o campo do marxismo e estimular as investigações e contribuições dos países considerados de terceiro mundo ou subdesenvolvidos. Durante esse processo, foram elucidando os objetivos e ampliando as perspectivas e com isso, ganhando leitores fora dos Estados Unidos e da América do Norte. Em razão disso, a necessidade teórica de linhas alternativas de pesquisa na Geografia, começou a ganhar estrutura e público na América do Sul. No Uruguai e na Argentina, essa corrente se baseava em uma agenda estruturada em princípios que destaca o compromisso intelectual a serviço da sociedade e o tratamento das contradições inerentes ao desenvolvimento latino-americano em uma nova forma de compreender os processos de ensino e aprendizagem, assim como a necessidade de fazer política com os instrumentos e conhecimentos desenvolvidos pela ciência. Essa nova corrente de reflexão surge nas universidades e se apropria de conceitos chaves do marxismo para compreender e intervir no território e no espaço geográfico. Milton Santos, um dos expoentes da Geografia Crítica no Brasil, defendeu a importância de construir uma estrutura teórica latino-americana para entender, investigar e denunciar as contrariedades regionais compartilhadas pelos países tidos como de terceiro mundo, destacando as desigualdades sociais e diferenças com o mundo ocidental tido como desenvolvido. Como os espaços para a difusão de ideias era limitado, tal corrente se organizou através de encontros, como o Primeiro Encontro Latino-Americano da Nova Geografia, realizado em 1973 no Uruguai e que reuniu centenas de participantes. O segundo encontro aconteceu na Argentina em fevereiro de 1974, reunindo mais que o dobro de participantes do anterior, sob um cenário político que rapidamente caiu em censura. Foram convidados para esse Segundo Encontro, Pierre George, como referencial europeu, e Milton Santos, como referencial latino-americano, propulsores, entre os jovens geógrafos, de ideias comprometidas com a realidade social (Martínez, 2002), assim como estiveram presentes uma numerosa delegação uruguaia, entre os quais Germán Wettstein e Danilo Antón, e geógrafos argentinos, com destaque para Elena Chiozza e Carlos Reboratti, da Universidade de Buenos Aires, e Ricardo Capitanelli, da Universidade Nacional de Cuyo. Trataram de temas acerca do papel do geógrafo como profissional, entre outros que marcavam a realidade, indicando a preocupação dos participantes em gerir outra Geografia, está mais comprometida. (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI; 2008, p. 6). A geografia brasileira foi fortemente influenciada pelas diferentes formas de interpretar a geografia nos anos 1970, através das contribuições desenvolvidas na Europa e nas Américas. Nesse período, a censura somada às políticas de desenvolvimento adotadas pelo regime militar, favoreceram a introdução da corrente crítica no Brasil do final dos anos 70. Mesmo que sufocada pelo regime autoritário, a corrente crítica representou um momento de ruptura epistemológica e política ao influenciar os geógrafos brasileiros a procurarem novos caminhos científicos para a Geografia. Cabe destacar a grande importância da contribuição de Milton Santos na estruturação epistemológica da geografia brasileira e, também, mundial. Após o golpe militar de 1964, Milton Santos foi duramente perseguido, sendo exilado por 13 anos pelo regime ditatorial vigente no país. O exílio sofrido por ele deu origem a reformulação de sua visão de sociedade e do papel do geógrafo, bem como, da geografia do terceiro mundo. Como aponta o geógrafo e historiador brasileiro Manuel Correa de Andrade (2003), Foram anos que o levaram a uma reflexão maior dos mecanismos de relações entre a sociedade, o Estado e a natureza, no mundo subdesenvolvido, sobretudo nas regiões tropicais e pobres, e sobre as formas de utilização dos solos, a organização dos circuitos de relações comerciais e sobre as formas de dominação. Foram dessa época os livros de maior importância para a formação dos geógrafos e da geografia, daí a formulação e análise das formações espaciais e sociais aplicadas ao Brasil, das formas de sobrevivência das populações pobres, dentro de estruturas sociais marcadas pela herança da escravidão, das formas de relações de trabalho e os preconceitos que dificultavam a ascensão social dos humildes, dos pobres e da população de cor: negros, indígenas e caboclos (ANDRADE, 2003, p. 2). Alguns dos seus livros deste período podem ser considerados clássicos, devido aos caminhos abertos à evolução da Geografia e à compreensão do Terceiro Mundo, vale destacar também, sua contribuição como membro da União Socialista de Geógrafos (USG) e do comitê de redação da revista Hérodote, além de ter editado um número da Antipode. Após o seu exílio pela ditadura civil-militar, no final dos anos 70, o professor Milton Santos recém reintegrado à vida acadêmica brasileira publica a obra Por uma Geografia Nova: da crítica a geografia a uma geografia crítica (1978), considerada como uma das primeiras propostas de renovação da geografia brasileira ao propor uma avaliação crítica a geografia tradicional e a crise do pensamento geográfico. Outras publicações importantes de cunho crítico espalharam pelo país, particularmente o Boletim Paulista de Geografia, além de Território Livre, Terra Livre, Geonordeste, entre outras. São diversos os textos e autores que reforçam, atualmente, a concepção amparada pela corrente crítica, reivindicando a interação entre os meios acadêmicos, governamentais e sociedade civil, não apenas na investigação de um conhecimento concentrado nas inúmeras esferas de atuação, como na conquista de estratégias que contraponham a crescente desigualdade social e territorial contemporânea. Requer um posicionamento ativo do geógrafofrente aos dilemas do mundo, dando enfoque à preocupação da corrente crítica, contribuindo na renovação do que seria uma verdadeira totalidade geográfica: nem divisora nem dualista, mas unificada para o desenvolvimento da prosperidade humana. A geografia crítica renovou o pensamento geográfico, principalmente por admitir o papel da divisão social e territorial do trabalho. Permitiu e vem possibilitando a exposição de lógicas, processos, agentes. Da mesma forma, politizou o debate sobre espaço, território e ambiente, assumindo temas como dominação, controle, exclusão, desigualdade socioespacial, pobreza e vulnerabilidade. Em alguns casos, aproximou-se da geografia física, como por exemplo, nos trabalhos que discutem os problemas ambientais numa ótica crítica, relacionando a crise da sociedade ao modelo de desenvolvimento dos países industrializados e à cultura do consumo, além de salientar enfoques socioambientais. (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 18). Deste modo, podemos concluir que a corrente crítica, encaminhou e segue conduzindo contribuições essenciais à ciência geográfica. No período de sua ascensão o mundo vivia a ebulição de um momento de profundas contestações e mudanças históricas, condição social que possibilitou seu surgimento, caracterizando-a a partir de leituras, análises e investigações extremamente críticas ao funcionamento desigual dos processos de formação do espaço geográfico. 4 RAMOS DA GEOGRAFIA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/illustration-world-map- drawn-out-realistic-231214228. Como vimos durante toda a unidade, o desmembramento entre Geografia Física e Geografia Humana configura-se como a principal divisão da ciência geográfica. É a partir dessa separação temática e metodológica que iremos estudar, neste último tópico, os ramos dessa ciência. Desta maneira, nosso conteúdo se concentrará nas diferentes ramificações operacionais presentes nas preocupações e elementos de estudo da Geografia Física, mais voltados ao relevo, vegetação, clima, rios, entre outros agentes naturais, e da Geografia Humana, centrados na interação humana com os diversos elementos do meio ambiente. Corroboramos que a formação dualista da Geografia não deve ser utilizada para excluir afinidades e confluências analíticas, teóricas e metodológicas, nem para uma divisão sobrepor a outra, todo contrário, compreendermos que ao englobar os aspectos físicos e sociais associados à capacidade de síntese, a Geografia reforça possibilidades de estudar fenômenos que se relacionam a partir de ângulos diferentes, enriquecendo assim, os processos investigativos em Geografia. 4.1 Alguns ramos da Geografia Física Geomorfologia: Estuda as origens e a evolução da estrutura e formas de relevos da Terra por meio da natureza das rochas, pelo clima e por fatores endógenos e exógenos a fim de identificar a formação dos elementos que compõem a superfície terrestre. Tal ramificação é utilizada, também, para os estudos à respeito dos processos morfogenéticos atuais com o objetivo de compreender os problemas ambientais em vigência, oferecer subsídios técnicos para orientar a ocupação humana e auxiliar na resolução dos danos provocados pelos desequilíbrios geoecológicos causados pela ação humana. Climatologia: Pesquisa os climas, suas distribuições entre as diversas regiões terrestres e suas variações, entre elas podemos citar: a chuva, o vento, a temperatura e outros elementos climáticos mais raros, como o granizo, a neve e as geadas. Investigações climatológicas importantes já provieram do campo geográfico e um rico campo de trabalho se apresenta aos geógrafos na organização das observações de estação através da livre observação e através da reunião de observações e especialmente na ligação dos processos climáticos com os fenômenos do balanço hídrico, do arranjo do solo, da cobertura vegetal e da vida humana (HETTNER, 2012, p. 147). Logo, esse ramo geográfico preocupa-se, também, com os impactos de origem climática que causam danos nos meios físico e socioeconômico, tais como as tempestades, enchentes, inundações, alagamentos e enxurradas, muitas vezes, provocadas pela ação humana, como as enchentes ocorridas devido à depósitos e descartes inadequados de lixo pelo homem. Pedologia: É a ciência que estuda o solo em seus diversos aspectos morfológicos, de formação (gênese) e de classificação, buscando identificar e mapear os solos característicos de determinada região. Os estudos pedagógicos configuram-se como um ramo de pesquisa desafiador, pois trata da constituição e distribuição espacial dos solos na paisagem, com suas respectivas implicações sociais e ambientais. O solo é um recurso natural de grande importância para a sobrevivência humana, resultado de uma interação complexa de fatores, como o clima, a topografia e organismos nele existentes. É o solo que permite o sustento das florestas, ruas e construções, que filtra e armazena parte da água que bebemos, e que dá vida aos alimentos de origem vegetal que se alimentamos e às plantas que purificam o ar, produzindo parte do oxigênio que respiramos. Desta forma, a pedologia é uma ciência primordial para corrigir a fertilidade natural do solo, alterada pelo agronegócio, a pecuária e a mineração desenfreadas, neutralizar sua acidez, observar teores de matéria orgânica, preservar contra a erosão e identificar solos apropriados para cada cultura e/ou região, Biogeografia: Ramo da Geografia que estuda as paisagens biológicas e as formas de distribuição geográfica dos seres vivos (animais e plantas) em diferentes contextos históricos. Desde o período mais remoto, a Geografia também incluiu em sua investigação os mundos vegetal e animal, e certamente tanto no caráter geral da cobertura vegetal como a ocorrência de plantas e animais individuais, especialmente aqueles que são úteis ou nocivos ao homem. Nos tempos antigos, a descrição botânica ou zoológica esteve diretamente ligada com sua referência; apenas pouco a pouco a investigação geográfica se separou da [investigação] botânica e da zoológica (HETTNER, 2012, p. 147 - 148). Tais estudos têm por objetivo compreender os padrões de organização e ocupação espacial reproduzidos pela fauna e pela flora e, ainda, os processos que resultaram nesse parâmetro de disposições biogeográficas. Portanto, estudar as inter- relações dos diversos fatores geográficos e ecológicos que atuam na distribuição, adaptação, expansão e associação dos seres vivos, configura-se como objeto de estudo e método imprescindível aos objetivos da Biogeografia. Hidrografia: Fragmentação da Geografia que estuda os fenômenos relacionados aos recursos hídricos existentes no planeta Terra, à exemplo dos rios, bacias hidrográficas, mares, oceanos, lagos, entre outros, buscando compreender as origens e as formações da água em diferentes regiões terrestres. “A água da superfície terrestre deve ser concebida como um grande sistema de circulação, que se considera sob diferentes pontos de vista, sob o da ordenação espacial, da formação topográfica, do balanço hídrico, das relações físicas e químicas” (HETTNER, 2012, p. 145). Logo, é a partir dos estudos hidrográficos que as relações topográficas das águas, suas ordenações e o balanço hídrico de uma região são compreendidas de forma sistemática. Cartografia: A cartografia é o ramo da Geografia que estuda e elabora a representação gráfica da superfície terrestre, tendo como produto final desse processo investigativo, o mapa, isto é, configura-se como a ciência responsável pela criação, estudo, difusão e utilização dos mapas. Devido à diversidade temática dos mapas, a cartografia é fundamental para o ensino de Geografia nas escolas e instituições educacionais, tanto para a compreensão do cotidianoquanto para o entendimento das regiões do planeta Terra. 4.2 Alguns ramos da Geografia Humana De acordo com os nossos estudos durante esta unidade, podemos afirmar que a Geografia é uma Ciência Humana, pois seu objeto de pesquisa é o espaço geográfico produzido pela ação do ser humano, logo, é resultante das imbricações entre natureza e sociedade. Por consequência, métodos integradores no interior da ciência geográfica, que analisam fenômenos que contemplam os aspectos físicos e humanos, entendidos como problemáticas do espaço geográfico, tornam-se caras para os estudos e o pensamento geográfico. Geografia da População: É composta por investigações a respeito do crescimento/quantidade, composição, migração e distribuição da população humana em relação às características espaço- geográficas e aos contextos históricos, ou seja, estuda de que maneira e sob quais condições o homem se transforma em população ao longo dos séculos e períodos históricos. [...] aos aspectos biológicos agregam-se a organização cultural, política, econômica e territorial da sociedade, que repercutem, por exemplo, no número de pessoas empregadas (população economicamente ativa), no número de pessoas que se desloca de um lugar para o outro e nas razões e consequências dessa mobilidade (migração), no número de pessoas que nascem e morrem em um local (crescimento populacional) e no número de pessoas que vivem em uma localidade e na forma como ocupam esse espaço (distribuição populacional). A busca pela compreensão dos fenômenos que geram essas diferenças, suas causas e consequências conduz a análise da dinâmica populacional que, na perspectiva da Geografia da População, é investigada a partir da espacialização da organização populacional (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011, p. 13). Isto posto, podemos afirmar que os estudos populacionais concentram-se nos aspectos políticos, sociais, culturais e econômicos que diferenciam as populações ao redor do mundo, analisando fatores importantes para a compreensão da humanidade como gênero, raça, etnia, classe social, idade, trabalho, grau de escolaridade, entre outros. Geografia Social: Ramos da Geografia Humana que pesquisa os fenômenos sociais dos grupos humanos e suas relações no interior do espaço geográfico. Ao encontrar-se intimamente relacionada com a sociologia e teorias sociais diversas, a Geografia Social busca compreender a relação do fenômeno social com as características e fatores espaciais que o constituem. Neste sentido, os principais objetos de estudo da Geografia Social são: a origem dos povos, as religiões, os conflitos, os índices de evasão escolar e desenvolvimento humano e social, as relações internacionais, as dinâmicas do mercado de trabalho e a governança da população sobre o território. Geografia Econômica: Campo geográfico que estuda os modos de produção e a utilização e distribuição de recursos, considerando as características do ordenamento, localização e organização espacial das atividades econômicas e trabalhistas disponíveis em nosso corpo social. A paisagem, o lugar e o território geográfico influenciam diretamente as atividades econômicas e as demandas de mercado de determinada região e/ou país, logo, a Geografia Econômica prioriza em suas produções a localização de indústrias e empresas, as rotas comerciais e de transporte, o mapeamento de atividades comerciais locais, nacionais e internacionais (tanto no atacado quanto no varejo) e as variações de valor de mercados que tratam intimamente do espaço geográfico, à exemplo do mercado imobiliário. Geopolítica: A Geopolítica é responsável por estudar e analisar a organização e distribuição espacial dos fenômenos políticos, realizando interpretações históricas de acontecimentos e episódios da atualidade em acordo com o desenvolvimento político das nações e suas respectivas formações sociais e geográficas. O termo Geopolítica [...] designa de fato tudo que concerne às rivalidades de poderes ou de influências nos territórios e as populações que nele vivem: rivalidades entre poderes políticos de toda sorte – e não somente entre Estados, mas também entre movimentos políticos ou grupos armados mais ou menos clandestinos – rivalidades pelo controle ou dominação de territórios de grande ou pequeno porte. Os raciocínios geopolíticos ajudam a melhor compreender as causas de tal ou tal conflito, dentro de um país ou entre Estados, mas também a considerar quais podem ser, por repercussão, as consequências destas lutas nos países mais ou menos distantes e por vezes até mesmo em outras partes do mundo (LACOSTE, 2006, p. 8). Portanto, um dos campos de pesquisa mais assíduos da Geopolítica visa compreender e explicar os conflitos internacionais, as questões políticas e de globalização e a utilização dos recursos naturais e energéticos no mundo. SAIBA MAIS Você sabia que após o golpe militar de 1964, o professor e geógrafo Milton Santos foi perseguido por sua produção intelectual, levando a ser exilado do Brasil por 13 anos? Durante esse período, Milton Santos viveu grande parte da cidade de Paris, na França, percorrendo outros países como: Tanzânia na África, Canadá e Estados Unidos na América do Norte e Venezuela e Peru na América do Sul. A volta do exílio apresentou um Milton Santos já amadurecido, que trouxe na bagagem a experiência de acompanhar a formação da universidade de Dar-el-Salaam na Tanzânia e também da vivência norte- americana, com universidades típicas do mundo anglo-saxão e, finalmente, com a observação de problemas e fatos da América Latina de colonização espanhola, vivências que expandiram seu conhecimento em Geografia de forma crítica e enriquecedora. REFLITA Reflita sobre a seguinte afirmação de Milton Santos. Como ignorarmos as constantes e contínuas transformações históricas e sociais nos estudos e investigações em Geografia? Se as ações sobre um conjunto de objetos se dessem segundo tempos iguais não haveria história; o mundo seria imóvel. Mas o mundo é móvel, em transformação permanente – formando uma totalidade em processo de mudança para surgir amanhã como uma nova totalidade (SANTOS, 1996, p. 167). SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo. Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1996. CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer da presente unidade compreendemos que o desenvolvimento da ciência geográfica passou por diversos períodos históricos, sendo modificada e transformada de acordo com as influências de cada época. Vimos que na Modernidade, a Geografia se consolidou como a ciência empenhada em entender o espaço onde a humanidade desenvolve e cria suas atividades produtivas e também onde a mesma desenvolve relações sociais. Com isso, compreendemos que um dos grandes atributos da ciência geográfica é a capacidade de estabelecer uma interpretação global e sintética da realidade intermediando as relações entre as ciências sociais e as ciências naturais. Estudamos no tópico 1 que é a partir da divisão temática e metodológica entre Geografia Humana e Geografia Física que a ciência geográfica é operacionalizada e dinamizada frente aos processos de investigações acerca dos seus objetos de estudos e análises. Compreendemos então, que a divisão entre Geografia Física e Geografia Humana pode contribuir para melhor delimitar metodologicamente os objetos de estudo e os fenômenos investigados, contudo, devemos lembrar, que a relação e imbricação teórica e epistemológica entre ambas, combatendo possíveis hierarquizações, torna-se fundamental para análises e interpretações mais completas da realidade pesquisada. No tópico 2, buscamos compreender que o conhecimento construído de forma fragmentada pela ciência geográfica passou a permitir uma interdisciplinaridade teórica- metodológica devido aos dilemasexistentes com o seu objeto de estudo primordial, o espaço geográfico. Logo, a interdisciplinaridade garante à Geografia uma integração com outras disciplinas, que ao estabelecer relações entre um mesmo objetivo de estudo, sem pretensões totalizantes, busca compreender os diversos aspectos e variáveis de um mesmo objeto de pesquisa. A partir disso, no tópico 3 analisamos a formação da abordagem crítica da Geografia, que se desenvolveu especialmente no Brasil com uma notável importância para a produção teórica na atualidade. Concluímos então que a corrente crítica, encaminhou e segue conduzindo contribuições essenciais à ciência geográfica. No período de sua ascensão o mundo vivia a ebulição de um momento de profundas contestações e mudanças históricas, condição social que possibilitou seu surgimento, caracterizando-a a partir de leituras, análises e investigações extremamente críticas ao funcionamento desigual dos processos de formação do espaço geográfico. Por fim, vimos no tópico 4 que o desmembramento entre Geografia Física e Geografia Humana se configurou como a principal divisão dentro da ciência geográfica. Pudemos assim compreender as diferentes ramificações operacionais presentes nas preocupações e elementos de estudo da Geografia Física, voltados ao relevo, vegetação, clima, rios, entre outros agentes naturais, e da Geografia Humana, centrados na interação humana com os diversos elementos do meio ambiente. Desejo que os conteúdos trabalhados nesta unidade contribuam para seu desenvolvimento na compreensão dessa disciplina. LEITURA COMPLEMENTAR MOREIRA, Ruy. O que é Geografia. São Paulo: Brasiliense, 1980. Estrabão, ao criar a geografia no século I, apresentou-a como um saber comprometido com a construção de um mundo centrado na felicidade e na vida do homem. Desde então, a trajetória histórica da geografia tem trafegado no caminho dessa utopia ou do seu esquecimento, às vezes se aproximando daqueles que lutam por esse mundo e às vezes dos que se voltam para o extremo oposto, servindo ao diabo quando devia servir ao homem. Este livro é um estudo dessa trajetória, mostrando os momentos de um e os momentos de outro dos dois caminhos que trilhou, com particular atenção nos capítulos finais com o seu vínculo com a forma e os problemas da sociedade contemporânea. Sinopse oficial do livro disponível em: https://www.amazon.com.br/dp/B074JJS76P?ref_=cm_sw_r_kb_dp_DbZ3ybGJMJ3GP &tag=pc161256-20&linkCode=kpe. Acesso em: 11/04/2021. LIVRO • Título: Geografia: pequena história crítica • Autor: Antonio Carlos Robert Moraes • Editora: Hucitec • Sinopse: Neste livro, Antonio Carlos Robert Moraes faz uma retrospectiva da ciência geográfica desde seu surgimento, passando por sua sistematização científica, e as principais correntes do seu pensamento de acordo com suas próprias definições, objetos de pesquisa, premissas teóricas, métodos e contextos históricos de formação e estruturação. Segundo o autor, tal obra foi concebida com o objetivo de contribuir com reflexões acerca da construção, historicidade e origem das principais correntes dessa ciência, em especial, a partir da divisão da Geografia Tradicional e da Geografia Moderna. FILME/VÍDEO • Título: Viajo porque preciso, volto porque te amo • Ano: 2009 • Sinopse: Apaixonado pela esposa, o geólogo José Renato precisa fazer sozinho uma longa viagem pelo sertão nordestino. Longe dela, ele terá que realizar uma pesquisa de campo para definir o possível percurso de um canal, que irá amenizar o problema da seca na região. Apesar de a construção ser um alívio para muitas populações, pode ser um grande problema para aqueles com quem Renato cruza, já que provavelmente a região será alagada. Avaliando o terreno, ele percebe na seca e na pobreza daquelas pessoas uma sensação parecida com a que está tendo. Apesar de não ter dificuldades com a falta de recursos, José Renato sente um grande vazio, pela distância da mulher que ama. À medida em que a viagem avança, as saudades ficam cada vez maiores, e a distância física dela parece ser o menor dos problemas entre os dois. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=gperj-foF_0. REFERÊNCIAS ANDRADE, Manual Correia de. A trajetória de Milton Santos. Jornal do Commercio, Recife, 20 e 27 abril., 2003, Seção de Opinião. Disponível em: https://www.fundaj.gov.br/images/stories/observanordeste/miltonsantos2.pdf. Acesso em: 27/03/2021. CLEMENTE, Evandro César. Questões teórico-metodológicas da Geografia no limiar do século XXI: A questão da problemática na dicotomia Geografia Física X Geografia Humana. Revista Formação, v. 1, n. 14, p. 198-200, 2007. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/view/691. Acesso em: 28/03/2021. CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço, um conceito-chave da geografia. 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Espaço geográfico: interface natureza e sociedade. Geosul, Florianópolis, v. 18, n. 35, p. 43-53, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/13601. Acesso em: 27/03/2021. UNIDADE IV CATEGORIAS GEOGRÁFICAS Professora Esp. Karitta da Silva Lopes Plano de Estudo: • Leitura do espaço geográfico através das categorias • Conceito de território • Espaço geográfico • Representação do espaço geográfico Objetivos de Aprendizagem: • Compreender os tipos de leitura a respeito do espaço geográfico através das principais categorias e conceitos da Geografia. • Conceituar e contextualizar as categorias de território e espaço geográfico especificamente. • Estabelecer a importância de representações acerca do espaço geográfico para a compreensão e apropriação espacial de crianças e jovens. INTRODUÇÃO Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar conhecimentos acerca das bases teóricasdo pensamento geográfico. O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais, modificações territoriais e relações com as práticas e intervenções humanas. Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território, espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no seu percurso educacional no decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às Humanidades. A Unidade 4 “Categorias Geográficas” é composta por quatro tópicos que correspondem à um plano de estudo estruturado para que você possa obter conhecimento acerca da leitura do espaço geográfico por meio das principais categorias e conceitos da Geografia, do conceito de território e espaço geográfico de forma mais específica e aprofundada e, por fim, da representação do espaço geográfico. Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas habilidades cognitivas e investigativas em Geografia. Bons estudos! 1 LEITURA DO ESPAÇO GEOGRÁFICO ATRAVÉS DAS CATEGORIAS Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/open-book-low-poly-vector- illustration-1472608841 Prezada (o) aluna (o), compreender a complexa realidade do mundo em que vivemos, é um esforço de diversas áreas do conhecimento científico. Diante disso, podemos então questionar: de que maneira a Geografia contribui para a leitura da realidade em que vivemos e nos encontramos inseridos? Durante a disciplina em curso, enfatizamos a necessidade de nos atentar ao fato de que a Geografia se depara com a importante responsabilidade de investigar o espaço geográfico como uma ampla categoria capaz de assimilar a realidade existente, transformando-o em objeto de análise principal de seu labor científico. A partir dessa premissa, compreendemos que o conhecimento geográfico se atenta “ao estudo do meio como resultante da ação do sujeito social responsável pela construção do lugar, da paisagem e do território” (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 33). Tais categorias supracitadas, precisam ser examinadas em suas correlações, imbricações e diferenciações, inerentes às características e dinâmicas do espaço geográfico, que além de compor a categoria principal da Geografia é construído, desconstruído e reconstruído ao longo da história dessa ciência, como vimos no desenvolver das unidades anteriores. Neste sentido, trabalharemos no presente tópico a leitura do espaço geográfico através das categorias de lugar e paisagem, encaminhando para os próximos tópicos uma ampliação da discussão ao analisarmos, especificamente, o conceito de território e espaço geográfico. 1.1 Categoria de Lugar A fim de compreendermos o lugar como uma categoria de análise do espaço geográfico, é necessário nos ater ao fato de que esse conceito esteve sempre presente nos estudos e pesquisas geográficas, sendo amplamente modificado em diferentes épocas e transformado de acordo com diferentes contextos históricos. Por muito tempo, a Geografia tratou o lugar com uma expressão do espaço geográfico sob uma dimensão pontual (localização espacial absoluta). Para ultrapassar esta ideia, a discussão de lugar tem sido realizada sob duas acepções: lugar e experiência, e lugar e singularidade (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 35). Corroborando com as autoras e partindo de ambas acepções propostas pelas mesmas, o lugar de experiência torna-se caracterizado, sobretudo, por meio do reconhecimento e da valorização das relações afetivas desenvolvidas por sujeitos e grupos sociais com o meio ambiente. Desse modo, o lugar resulta de sentidos construídos pelas vivências individuais e coletivas e por referenciais afetuosos elaborados no decorrer dessas vivências. Por outro lado, o lugar de singularidade é qualificado por características históricas e culturais inerentes ao seu processo de formação e transformação, como também, por expressões advindas da globalidade. Assim, o conceito de lugar parte de uma perspectiva histórica relacionada com experiências do cotidiano, diariamente, manifestadas na superfície vivida. Em razão disto, podemos compreender o lugar como uma categoria que se diferencia conceitualmente do espaço, de modo que lugar representa algo particular, reservado e socializado, já o espaço, por sua vez, representa algo amplo e exterior, onde o lugar se encontra inserido. “Lugar significa muito mais que o sentido geográfico de localização. Não se refere a objetos e atributos das localizações, mas a tipos de experiências e envolvimento com o mundo, a necessidade de raízes e segurança” (RELPH, 1979, p. 156). Ao conceber e englobar espaços em que estabelecemos vínculos sociais afetivos, o lugar encontra referências particulares e valores que conduzem diversas maneiras de captar e edificar o espaço geográfico. Segundo a autora Ana Fani Alessandri Carlos (1996), pensar o lugar: Significa pensar a história particular (de cada lugar), se desenvolvendo, ou melhor, se realizando em função de uma cultura/tradição/língua/hábitos que lhe são próprios, construídos ao longo da história e o que vem de fora, isto é, que se vai construindo e se impondo como consequência do processo de constituição mundial. (CARLOS, 1996, p. 20). Diante das definições conceituais apresentadas, o conceito de lugar, na perspectiva da ciência geográfica, nos conduzem a consciência de viver o espaço, “onde estão inseridas suas necessidades existenciais, suas interações com os objetos e as pessoas, suas histórias de vida” (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 36). Logo, o lugar pode ser compreendido pela ótica das percepções emotivas e por meio do compartilhamento cotidiano das dinâmicas e experiências afetivas entre populações e organizações institucionais. 1.2 Categoria de Paisagem Semelhante ao conceito de lugar, apresentado anteriormente, o conceito de paisagem compõe uma categoria com definição específica para os estudos em Geografia, que ao longo dos anos teve inúmeras modificações e novos sentidos a partir das sistematizações do conhecimento geográfico. O caminho de assimilação do conceito paisagem está na maneira de interpretá- lo, visto que, anteriormente, pautava-se somente no relato experienciado através da observação dos elementos que compõe o espaço e, atualmente, é acrescentado de “relações e conjunções de elementos naturais e tecnificados, socioeconômicos e culturais”. (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 36). Ao ser assimilada como resultado histórico e social, a paisagem acaba por delinear as sociedades que a desenvolveu e ainda desenvolve, ajustando-se ao passado, presente e direcionando ao futuro, em uma coexistência de diferentes períodos históricos. Como apontam as autoras Giometti, Pitton e Ortigoza (2012), utilizando das contribuições do geógrafo francês Paul Vidal de La Blache, a paisagem é aquilo que “[...] o olho abarca com o olhar” (p. 36). Portanto, a paisagem é marcada pelo visível e pelo material, no entanto, ela não se configura de forma estática, pois está em constante processo de transformação e mutação, muitas vezes, caracterizado por grandes conflitos socioambientais. A partir dos seus múltiplos componentes e elementos, as paisagens podem ser classificadas como naturais, referindo àquelas que tiverampouca ou nenhuma interferência da ação humana, e culturais ou antrópicas, referindo àquelas resultantes das transformações proporcionadas pela atividade humana. A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade, ou por qualquer outro critério. A paisagem é sempre heterogênea. A vida em sociedade supõe uma multiplicidade de funções e quanto maior o número destas, maior a diversidade de formas e de atores. Quanto mais complexa a vida social, tanto mais nos distanciamos de um mundo natural e nos endereçamos a um mundo artificial. (SANTOS, 2014, p. 71). Neste sentido, a paisagem passa a depender da cultura dos indivíduos que a percebem e a constituem, tornando-se assim, um produto cultural resultado da relação entre meio ambiente e da atividade humana. Devido ao papel imprescindível que o aspecto cultural vem desempenhando na influência do comportamento das pessoas, as paisagens passaram a apresentar marcas culturais na sua configuração e a receber identidade particulares. Em razão disto, podemos afirmar que a problemática ambiental moderna está diretamente conectada às questões e interações culturais, pois devem considerar as diferentes ações dos grupos humanos na paisagem. Logo, a mutação da paisagem pelo homem representa um dos elementos centrais de sua formação. Por fim, é importante ressaltarmos que as categorias de paisagem e território, possuem uma relação de proximidade, visto que a paisagem pode ser compreendida e definida como “uma unidade visível do território. Dito de outro modo, no território tem-se um conjunto de paisagens contidas nos limites político-administrativos, como por exemplo: cidade, estado e país” (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 37). No tópico a seguir, estudaremos de forma mais específica o conceito de território, outra importante categoria analítica para a disciplina de Geografia e para os processos de seu labor científico e epistemológico. 2 CONCEITO DE TERRITÓRIO Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/triple-frontier-triborder-area- between-paraguay-1738754657 Prezada (o) aluna (o), vimos no tópico anterior que as conceitos de paisagem e território possuem uma proximidade relacional e analítica, visto que a paisagem pode ser entendida como uma categoria geográfica visível e material que se encontra no interior do território. Neste tópico, buscamos evidenciar e especificar as características que formam a categoria de território, qualificando-a como imprescindível para as pesquisas em Geografia. A produção acerca do conceito de território tem como pilar as conexões entre fatores econômicos, políticos e sociais que influenciam o gerenciamento do espaço. Posto isso, podemos compreender que a demarcação de um território está atrelada a junção de poder e o exercício de controle em um determinado espaço. O território, apresenta-se assim, como uma parte consistente do espaço geográfico, no qual são ressaltadas as divergências de conjunturas ambientais e de existências das populações. O território é fonte de recursos e só assim pode ser compreendido quando enfocado em sua relação com a sociedade e suas relações de produção, o que pode ser identificado pela indústria, pela agricultura, pela mineração, pela circulação de mercadorias etc., ou seja, pelas diferentes maneiras que a sociedade se utiliza para se apropriar e transformar a natureza (SPOSITO, 2004, p. 112-113). A complexidade de compreender a definição de território está atrelada a utilização diversificada da mesma, pois acaba por expressar as diferenças culturais que alcançam na produção do território e na autenticação de suas singularidades. A análise do processo de produção dos diferentes territórios deve atribuir ênfase ao homem como sujeito produtor do espaço, contemplando e sofrendo influência com aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos e os seus respectivos princípios. No decorrer da história do pensamento geográfico, o território ganha diferentes tipos de abordagens, desde a representação de uma parcela do espaço, identificada pela posse e definida pela apropriação, até o importante papel dado à dominação. Ou seja, o território é dominado por uma comunidade ou por um Estado. A conotação política também ganha força nos estudos de Geopolítica (território = espaço nacional), significando área controlada por um Estado Nacional. O conceito de território se alarga permitindo explicar muitos fenômenos geográficos relacionados à organização da sociedade e suas interações com as paisagens. (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 38). Uma importante contribuição para a elaboração do conceito pelo prisma geográfico, é apontada pelo geógrafo e filósofo Eliseu Sposito, para o autor a categoria de território, Refere-se ao estabelecimento de redes de informação que, com o rápido desenvolvimento tecnológico, permitem a disseminação de informações em frações de tempo, tornando-se significativas por romperem com a barreira da distância-elemento fundamental para a apreensão do território em sua escala individual. Dessa maneira, os territórios perdem fronteiras, mudam de tamanho dependendo do domínio tecnológico de um grupo ou de uma nação, e mudam, consequentemente, sua configuração geográfica. (SPOSITO, 2004, p. 114). Para analisar o território, não podemos deixar de nos ater, portanto, a sua dinâmica social, visto que se configura como um dos alicerces geopolíticos que sustenta a continuidade das relações humanas. Outra premissa que integra os estudos do território é o fato de examiná-lo enquanto uma manifestação da ação política, porém, sem hierarquizar a sua dimensão política em detrimento da sua dinâmica social. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Geografia, documento oficial elaborado para orientar os profissionais da Educação por meio da normatização de alguns conceitos e aspectos referentes à disciplina de Geografia no Ensino Básico, a conceituação de território está ligada à formação econômica e social de uma nação. “Nesse sentido, é o trabalho social que qualifica o espaço, gerando o território. Território não é apenas a configuração política de um Estado-Nação, mas sim o espaço construído pela formação social (BRASIL, 2000, p. 111). Logo, o significado do conceito de território se encontra ligado à demarcação de espaços delimitados, definidos, geralmente, a partir de fronteiras, visíveis ou não, formadas e motivadas por interesses sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos e geográficos, os quais podem ser transformados de acordo com dinâmicas sociais que produzem novos interesses e relações de poder. Tais demarcações ocorrem tanto naturalmente, promovidas pelo meio ambiente, quanto socialmente, desenvolvidas pela ação humana devido às razões citadas acima. Seja qual for o país e o estágio do seu desenvolvimento, há sempre nele uma configuração territorial formada pela constelação de recursos naturais, lagos, rios, planícies, montanhas e florestas e também de recursos criados: estradas de ferro e de rodagem, condutos de toda ordem, barragens, açudes, cidades, o que for. É esse conjunto de todas as coisas arranjadas em sistema que forma a configuração territorial cuja realidade e extensão se confundem com o próprio território de um país. Tipos de floresta, de solo, de clima, de escoamento, são interdependentes, como também o são as coisas que o homem superpõe a natureza. Aliás, a interdependência se complica e completa justamente porque ela se dá entre as coisas que chamamos de naturais e as que chamamos de artificiais (SANTOS, 2014, p. 84). Para concluir, corroboramos que a divisão de territórios, em especial, a partir da consolidação do Estado como instituição que normatiza formas de controle social, torna- seimportante para a ocupação e distribuição humana, pois regula áreas administrativas de organização política, instituindo marcadores em determinada área por um determinado código cultural. Diante disso, podemos concluir que o território nos possibilita compreender as relações sociais engendradas no transcorrer dos tempos históricos, amparando uma dinâmica do espaço que está em constante reformulação. Alguns exemplos de território: o Estado, as fronteiras que limitam países, regiões, estados, cidades, bairros e favelas, o narcotráfico, as zonas de guerra, etc. 3 ESPAÇO GEOGRÁFICO Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/green-city-future-harmony- nature-sunny-527724742 Estimada (o) aluna (o), vimos do decorrer dos tópicos anteriores categorias geográficas de grande relevância para os nossos estudos e para o processo de produção científica da Geografia, isto é, os conceitos e definições de lugar, paisagem e território. No presente tópico, iremos tratar, especificamente, da categoria central dessa ciência, ou seja, o espaço geográfico, objeto de pesquisa que protagoniza as investigações em Geografia. De acordo com o geógrafo brasileiro Milton Santos (1996), o espaço é constituído por “um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (p. 63). Para o autor, a natureza é o início, ela provê a matéria-prima as quais são transformadas em objetos pela ação humana através da técnica, isto é, “a principal forma de relação entre o homem e a natureza”, definida como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS, 1996, p. 29). À vista disto, para a ciência geográfica, o espaço pode ser entendido como a parte da superfície da Terra onde ocorrem as interações entre o ser humano e o ambiente natural, podendo ser interpretado e dinamizado a partir de ações e práticas humanas, que por sua vez, são impulsionadas pela natureza, se dando em uma relação circular de influências mútuas. Milton Santos (1996) pontua que apesar de recíproca, as relação entre sociedade e natureza são marcadas, muitas vezes, por extremas assimetrias, desigualdades e violências, pois No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos (SANTOS, 1996, p. 65). Desta forma, o espaço geográfico torna-se resultado da ação humana sobre o próprio espaço, intermediados por tais objetos, que podem ser caracterizados tanto naturalmente quanto artificialmente. Os objetos naturais e artificiais, apresentados por Milton Santos, são estabelecidos pela configuração espacial, expressa pelo arranjo do território em acordo com elementos utilizados socialmente. Como aponta o autor, tais elementos podem ser exemplificados por meio de Plantações, canais, caminhos, portos e aeroportos, redes de comunicação, prédios residenciais, comerciais e industriais etc. A cada momento histórico, varia o arranjo desses objetos sobre o território. O conjunto de objetos criados forma o meio técnico, sobre o qual se baseia a produção, que evolui em função desta (SANTOS, 2014, p. 120). Neste sentido, o estudo do conceito de espaço geográfico nos possibilita a compreensão da nossa organização social no presente, que se deu a partir de transformações históricas, ocorridas durantes os séculos, e que permitiram a existência e continuidade da humanidade hoje e, quiçá, no futuro. Conforme o ser humano interfere na natureza de determinado lugar, ele gera e promove o espaço geográfico. A partir do entendimento que o espaço geográfico é produzido através da ação humana, balizado pela organização social e econômica da sociedade no decorrer do tempo histórico, podemos afirmar que O espaço geográfico como objeto de estudo vai além da dinâmica do espaço físico e, hoje, o grande desafio que se coloca é compreender a inter-relação entre sociedade e natureza. Esta categoria deve ser analisada, transformada, criada e produzida pela sociedade à medida que o Homem se apropria da natureza, que guarda a especificidade de ser permanentemente (re)elaborada pelo fazer humano (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 34). Com isso, o espaço geográfico pode ser compreendido como um conjunto prático de atividades que correlacionam fatores socioeconômicos, políticos, culturais, históricos e naturais. No conceito de espaço geográfico está implícita a ideia de articulação entre natureza e sociedade. Na busca desta articulação, a Geografia tem que trabalhar, de um lado, com os elementos e atributos naturais, procurando não só descrevê-los, mas entender as interações existentes entre eles; e de outro, verificar a maneira pela qual a sociedade está administrando e interferindo nos sistemas naturais. Para perceber a ação da sociedade é necessário adentrar em sua estrutura social, procurando apreender o seu modo de produção e as relações socioeconômicas vigentes (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 34). Logo, estudar a ciência geográfica e suas categorias, nos possibilitam criar uma consciência específica para compreender as ações e intervenções humanas como transformadores ativos do meio ambiente, capazes de modificar constantemente o espaço geográfico. Diante do explanado até o momento, a compreensão da realidade por meio da abordagem geográfica, estruturada de acordo com as variadas categorias analíticas, deve ser indicada como um contínuo processo de elaboração de como essa realidade é vivenciada e percebida, tornando esse conhecimento complexo e inesgotável fonte de conhecimento para a compreensão da realidade que estamos inseridos. 4 REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/pupils-study-classroom- school-interior-education-1038587968 De acordo com o que estudamos e discutimos durante toda a unidade, podemos perceber a complexidade conceitual e analítica que envolve definir e caracterizar o espaço geográfico, um dos principais objetos de estudo e pesquisa da Geografia. Tal complexidade é, ainda, multiplicada ao pensarmos na apropriação do conceito de espaço geográfico por alunos e alunas do Ensino Básico através das aulas de Geografia na escola. Logo, abordarmos formas de representação do espaço geográfico torna-se de grande relevância à estudantes de licenciatura em Geografia, ou seja, à professores de Geografia em formação, pois ao tratarmos desse conceito em sala de aula, possibilitamos o desenvolvimento do raciocínio geográfico e da aprendizagem de nossos alunos e alunas acerca da realidade em que se encontram inseridos/as. É na escola que deve ocorrer a aprendizagem espacial voltada para a compreensão das formas pelas quais a sociedade organiza seu espaço – o que só será plenamente possível com o uso de representações formais (ou convencionais) desse espaço (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 11). Segundo as autoras Rosângela P. de Almeida e Elza Y. Passiny, ao introduzir o conceito de espaço geográfico em suas aulas, os professores podem iniciar com análises acerca do espaço mais próximo ao estudante, todavia, nunca de forma isolada, sempre acompanhada de instâncias geograficamente e historicamente distantes aos mesmos, para que o/a jovem extraia elementos espaciais e temporais das explicações e, a partir disso, reflita a respeito dos processos de construção das categorias geográficas e suas respectivas especificidades científicas. Logo, analogias e comparações referentes à proximidade e distância espacial configura-se com uma forma de representação do espaço geográfico. Umadas representações da categoria em destaque mais utilizadas por escolas e instituições de ensino, no geral, como também, pela mídia e afins, é a representação do espaço geográfico por meio de mapas. O mapa cumpre a função de sistematizar símbolos e sentidos que proporcionam a utilização de recursos externos à memória, com um significativo poder de sintetização e representação ao materializar noções espaciais. Ressaltamos, no entanto, que a localização, ou mesmo o mapeamento dos aspectos observados, não encerra uma análise geográfica, ao contrário, marca seu início. Essa análise ocorre quando o aluno se reporta ao processo de produção do espaço e o confronta com a configuração espacial do mapa. Ora, a compreensão do mapa por si mesma já traz uma mudança qualitativamente superior na capacidade do aluno pensar o espaço (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 13). Entretanto, as autoras destacam que esse desenvolvimento cognitivo do pensamento geográfico ocorre a partir de participações ativas no processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, a construção do conhecimento em Geografia deve funcionar como uma rua de mão dupla, pois se o/a estudante precisa participar ativamente da construção desse conhecimento, o/a professor/a, por sua vez, necessita socializar esse conhecimento com os alunos e alunas através de métodos e respostas que não são dadas ou prontas, e sim, construídas de forma conjunta. De acordo com a psicogênese, área de pesquisa citada pelas autoras, a noção espacial passar por etapas próprias do desenvolvimento geral da criança/jovem na construção do seu conhecimento, sendo elas: o espaço vivido, o espaço percebido e espaço concebido. O espaço vivido retrataria o espaço físico experienciado por meio do movimento e do deslocamento, muitas vezes, materializado pela ação e noção corporal da pessoa. “Daí a importância de exercícios rítmicos e psicomotores para que ela explore com o próprio corpo as dimensões e relações espaciais” (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 26). Já o espaço percebido não teria a necessidade de ser experienciado ou testado fisicamente/empiricamente, pois a criança/jovem passaria a identificar espaços, distâncias e percursos e a desenvolver esquemas mentais por meio de observações contínuas e sistemáticas. Por fim, o espaço concebido é caracterizado pela criação de condições cognitivas para que sejam estabelecidas relações espaciais entre elementos somente por meio de sua representação, ou seja, pelo desenvolvimento de habilidades como compreender e pensar sobre a área ou região tratada em um mapa sem, antes, ter estado ou visto ela. A partir dessas noções de espaço, podemos entender que [...] o professor deve levar o aluno a estender os conceitos adquiridos sobre o espaço, localizando-se e localizando elementos em espaços cada vez mais distantes e, portanto, desconhecidos. A apreensão desses espaços é possível, como foi visto, através de sua representação gráfica, a qual envolve uma linguagem própria – a da cartografia –, que a criança deve começar a conhecer. Cabe, pois, ao professor introduzir essa linguagem e através do trabalho pedagógico, levar o aluno à penetração cada vez mais profunda na estruturação e extensão do espaço a nível de sua concepção e representação (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 27). A fim de desenvolvermos formas de representação do espaço geográfico, necessitamos refletir sobre o fato de cada categoria da Geografia possuir múltiplas acepções e, consequentemente, receber diferentes elementos que fazem com que tais definições não sejam fixas, imutáveis ou cristalizadas, pelo contrário, são definições flexíveis e que permite transformações e mudanças, inerentes às ciências que se preocupam com o agir e pensar humano. Logo, tal premissa revela que os conceitos da Geografia, como o espaço geográfico do qual temos atribuído protagonismo neste tópico, têm diferentes significados ao longo da história e das transformações teóricas e epistemológicas da ciência geográfica. Em razão disso, as representações acerca do espaço geográfico, em especial, por meio do ensino de Geografia nas escolas, também recebem diferentes sentidos e significados historicamente estipulados e definidos. Segundo Almeida e Passiny (2009), uma educação que promova o domínio cognitivo e a representação do espaço de forma plena e comprometida com a ciência geográfica, torna-se tão importante e necessária quanto a aprendizagem das habilidades de escrita e do raciocínio matemático. O desenvolvimento da noção de espaço e sua representação não surge em função das tarefas dadas em sala de aula [...] o professor pode de maneira indireta estimular o estabelecimento de todos os tipos de relações espaciais entre os objetos em diversos momentos (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 90). Por fim, corroboramos que é por meio de ações cotidianas e autorreflexões à respeito do próprio espaço que se encontra inserido/a, que indivíduos poderão construir e desenvolver uma abstração cognitiva acerca da concepção do espaço e sua organização e, dessa forma, pensar geograficamente o espaço, como também, outras categorias e conceitos da Geografia. Com isso, a compreensão de categorias geográficas através de representações, pode possibilitar o aprimoramento dos pensamentos geográficos e, consequentemente, das investigações e pesquisas em Geografia. SAIBA MAIS Você sabia que durante o período da ditadura militar, que se estabeleceu no Brasil de 1964 a 1985, as disciplinas de Geografia e História foram excluídas da matriz curricular e transformadas em uma única disciplina? Visando eliminar o pensamento crítico da matriz curricular nacional, e formar indivíduos controlados pela nova ordem social, as disciplinas de História e Geografia foram transformadas em Educação Moral e Cívica. Essa ação foi um reflexo da censura imposta aos professores da época e uma das estratégias do regime para manter o domínio em todas as esferas da vida social, econômica, política, cultural e educacional, contribuindo para a manutenção do regime por mais de 20 anos. REFLITA A partir da citação de Milton Santos, reflita acerca das práticas docentes que você segue ou quer seguir? Elas são constantemente renovadas de acordo com o tempo histórico ou são apenas para cumprir uma agenda formatada? A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico (SANTOS, 2002, p. 42). Fonte: SANTOS, Milton. Espaço do Cidadão. São Paulo: Edusp, 2002. #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Cara(o) Aluna(o), durante o desenvolvimento da presente unidade, tivemos como objetivo aprofundar nossos conhecimentos à respeito da leitura do espaço geográfico através das categorias e conceitos da Geografia, como também, das representações do mesmo ao atribuir ênfase para o ensino escolar da disciplina de Geografia à crianças e jovens. No tópico 1, buscamos compreender tipos de leitura do espaço geográfico ao nos concentrarmos nas categorias de lugar e paisagem. As categorias geográficas destacadas, precisam ser examinadas em suas correlações, imbricações e diferenciações, inerentes às características e dinâmicas do espaço geográfico, que além de compor a categoria principal da Geografia é construído, desconstruído e reconstruído ao longo da história dessaciência, como vimos no desenvolver das unidades anteriores. Nos tópicos seguintes, o 2 e o 3, encaminhamos os estudos para uma ampliação da discussão ao analisarmos de forma específica o conceito de território e espaço geográfico, respectivamente. Referente à categoria de território, buscamos evidenciar e especificar as características que a formam e a qualificam como imprescindível para as pesquisas em Geografia. Vimos que a produção acerca do conceito de território tem como pilar as conexões entre fatores econômicos, políticos e sociais que influenciam o gerenciamento do espaço. Posto isso, buscamos compreender que a demarcação de um território está atrelada a junção de poder e o exercício de controle em um determinado espaço, apresentando-se assim, como uma parte consistente do espaço geográfico, no qual são ressaltadas as divergências de conjunturas ambientais e de existências das populações. Já em relação à categoria de espaço geográfico, objeto de pesquisa que protagoniza as investigações em Geografia, tivemos o objetivo de conceituá-la e contextualizá-la. A partir das discussões, aprendemos que para a ciência geográfica o espaço pode ser entendido como a parte da superfície da Terra onde ocorrem as interações entre o ser humano e o ambiente natural, podendo ser interpretado e dinamizado a partir de ações e práticas humanas, que por sua vez, são impulsionadas pela natureza, se dando em uma relação circular de influências mútuas. Por fim, no tópico 4, estabelecemos a importância de representações acerca do espaço geográfico para a compreensão e apropriação espacial de crianças e jovens. Logo, vimos que formas de representação do espaço geográfico torna-se de grande relevância à estudantes de licenciatura em Geografia, ou seja, à professores de Geografia em formação, pois ao tratarmos desse conceito em sala de aula, possibilitamos o desenvolvimento do raciocínio geográfico e da aprendizagem de nossos alunos e alunas acerca da realidade em que se encontram inseridos/as. É a partir das discussões que compuseram a presente a unidade que concluímos nosso passeio por alguns aspectos e debates acerca de categorias e conceitos imprescindíveis para a ciência e o pensamento geográfico. Bons estudos! LEITURA COMPLEMENTAR Resumo do artigo indicado: O objetivo deste artigo é analisar o contexto sócio-histórico de desenvolvimento da chamada Geografia Crítica brasileira. Tal movimento insere-se no momento da ditadura civil-militar, um período de autoritarismo e repressão política, social e intelectual. O questionamento que move essa reflexão, portanto, se deu no sentido de compreender como um pensamento crítico – a Geografia Crítica - se fortalece e prolifera em um momento de repressão. Para tanto, trataremos do processo de modernização autoritária que o regime militar implementou, com especial interesse na modernização do ensino superior e consequências para a Universidade de São Paulo (USP), mais especificamente para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A intenção é compreender as possíveis relações entre tal contexto e a elaboração de novos temas e problemáticas na ciência geográfica, a partir dos sujeitos diretamente envolvidos nessa elaboração: os estudantes de graduação e pós-graduação em Geografia à época. VERDI, E. F. Pensar radicalmente sob a repressão: a geografia crítica brasileira no contexto da ditadura civil-militar. GEOUSP Espaço e Tempo (Online), [S. l.], v. 22, n. 3, p. 539-558, 2018. DOI: 10.11606/issn.2179-0892.geousp.2018.152423. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/152423. Acesso em: 18 abr. 2021. LIVRO • Título: Pelo Espaço – Uma nova política da espacialidade • Autor: Doreen Massey • Editora: Bertrand Brasil • Sinopse: Apresentando apaixonado debate para a revitalização do modo como imaginamos o espaço, Doreen Massey, ganhadora do mais importante prêmio mundial da geografia, utiliza em Pelo espaço alguns pressupostos tradicionais da filosofia e algumas formas conhecidas de caracterizar o mundo do século XXI, e, a partir daí, mostra como limitam nossa compreensão, tanto do desafio quanto da potencialidade do espaço. O modo como pensamos o espaço é importante. Muda nossa compreensão do mundo, nossas atitudes para com os outros, nossas políticas. Afeta, por exemplo, a forma como entendemos a globalização, o modo como abordamos as cidades, a maneira como desenvolvemos e praticamos um sentido de lugar. Se o tempo é a dimensão da mudança, então o espaço é a dimensão do social: a coexistência contemporânea de outros. Esse é seu desafio, que tem sido, constantemente, evitado. Pelo espaço segue essa discussão através do engajamento filosófico e teórico, e também da manifestação de reflexões pessoais e políticas. Doreen Massey levanta questões como: qual a melhor forma de caracterizar esses tempos ditos espaciais, de que maneira esses pressupostos espaciais implícitos moldam nossas políticas e como poderíamos desenvolver a responsabilidade pelo lugar para além do lugar.“O argumento fundamental deste livro é que importa o modo como pensamos o espaço”, afirma a autora. “O espaço é uma dimensão implícita que molda nossas cosmologias estruturantes. Ele modula nossos entendimentos do mundo, nossas atitudes frente aos outros, nossa política. Afeta o modo como entendemos a globalização, como abordamos as cidades e desenvolvemos e praticamos um sentido de lugar. Se o tempo é a dimensão da mudança, então o espaço é a dimensão do social: da coexistência contemporânea de outros. E isso é ao mesmo tempo um prazer e um desafio.” Pelo espaço, de Doreen Massey, é leitura essencial para todos que se interessam pelo espaço e pela virada espacial nas ciências sociais e humanas. Sério, mas às vezes irreverente, é um manifesto que se faz necessário, que nos obriga a reimaginar espaços para esta época e enfrentar seus desafios. FILME/VÍDEO • Título: Documentário: Encontro com Milton Santos - O mundo global visto do lado de cá • Ano: 2006 • Sinopse: O documentário “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá” procura analisar as contradições e os paradoxos deste modelo econômico e cultural chamado globalização. A linha geral do documentário é a entrevista com geógrafo baiano Milton Santos que se debruça sobre questões como: globalização, sociedade de consumo, território, as desigualdades da globalização e crises que esta promove, as barreiras físicas e simbólicas impostas pelo capitalismo como efeito da globalização e o papel da grande mídia como intermediária desta relação. Ao longo do documentário são apresentados diversos episódios em que a os efeitos da globalização são evidenciados com maior clareza como, por exemplo, a tentativa de privatização da água potável em Cochabamba, Bolívia, em 2000, que gerou uma forte onda de protestos. Trata-se de um ótimo documentário para se refletir não só sobre questões relativas à globalização, mas, também, para refletir sobre conceitos como capitalismo, território, sociedade de consumo, etc. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ifZ7PNTazgY. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosângela P. de; PASSINY, Elza Y. Espaço Geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto, 2009. Disponível em: plataforma.bvirtual.com.br. Acesso em: 12/04/2021. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: Caracterização da Área de Geografia. Brasília: MEC/SEF, 2000. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do Mundo. São Paulo: HUCITEC, 1996. GIOMETTI, Analúcia Bueno dos Reis; PITTON, Sandra Elisa Contri; ORTIGOZA, Silvia Aparecida Guarnieri. Leitura do espaço geográfico através das categorias: lugar, paisageme território. Conteúdos e didática de Geografia, vol. 9, Unesp, Bauru-SP, 2012. Disponível em: https://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/47175?locale=pt_BR. Acesso em: 12/04/2021. RELPH, Zech C. As bases fenomenológicas da geografia. Geografia, n. 4, v. 7, p. 1- 25, 1979. SANTOS, Milton. A natureza do espaço – Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: Fundamentos teóricos e Metodológicos da geografia. 6. ed. São Paulo: Ed. Edusp, 2014. SPOSITO, Eliseu S. Geografia e Filosofia: contribuição para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo: Editora UNESP, 2004. CONCLUSÃO GERAL Prezada(o) Aluna(o), No presente material, destinado aos estudos da disciplina “Categorias e Conceitos da Geografia”, tivemos por objetivo apresentar os princípios históricos e epistemológicos da Geografia como ciência, algumas das tendências atuais da Geografia mundial e Brasileira, diferentes escolas e vertentes teórica-metodológicas dos estudos geográficos e conceitos e categorias analíticas fundamentais para as investigações em Geografia. Na Unidade 1 “Conceitos da Geografia”, composta por quatro tópicos, versamos acerca da disciplina de Geografia ao longo da História, do desenvolvimento das correntes do pensamento geográfico, das tendências da Geografia mundial e brasileira e dos conceitos fundamentais na compreensão do espaço geográfico. Já na Unidade 2 “Natureza e Relação Humana”, composta por outros quatro tópicos, tratamos de questões sobre a ação humana na natureza e as relações estabelecidas entre as mesmas, sobre o impacto da sociedade sobre a natureza e vice e versa, e sobre algumas técnicas sustentáveis. Ainda, na Unidade 3 “Geografia como ciência”, também composta por quatro tópicos, abordamos as divisões da Geografia entre Geografia Humana e Geografia Física, as relações entre Geografia e interdisciplinaridade, os princípios da Geografia Crítica enquanto uma corrente teórica presente nos estudos geográficos e os diversos ramos da Geografia, como a Geomorfologia, Climatologia, Geografia Social e Geopolítica, entre outros. Por fim, na Unidade 4 “Categorias Geográficas”, integrada por quatro tópicos, estudamos à respeito da leitura do espaço geográfico por meio das categorias geográficas de lugar e paisagem, do conceito de território e espaço geográfico de forma mais específica e aprofundada e, por último, da representação do espaço geográfico, em especial, através do ensino de Geografia nas escolas. Daqui em diante, almejamos que este material e todas as discussões aqui disparadas, possa contribuir com sua aprendizagem, com a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas habilidades cognitivas e investigativas em Geografia. Acreditamos que você possa estar melhor preparado para seguir em frente em seus estudos ao desenvolver ainda mais seus conhecimentos sobre a ciência geográfica, essencial para refletirmos sobre a vida do planeta Terra, diretamente conectada, à nossa própria. Até uma próxima oportunidade. Obrigada e se puder, fique em casa!