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A Arte e a Subjetividade

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que o belo artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo quanto mais se afastar do 
belo natural. Outros infiram o que quiserem. Pouco me importa. 
Nossos sentidos são frágeis. A percepções das coisas exteriores é fraca, prejudicada por 
mil véus, provenientes das nossas taras físicas e morais: doenças, preconceitos, 
indisposições, antipatias, ignorâncias, hereditariedade, circunstâncias de tempo, de lugar, 
etc... Só idealmente podemos conhecer os objetos como os atos na sua inteireza bela ou 
feia. A arte que, mesmo tirando os seus temas do mundo objetivo, desenvolve-se em 
comparações afastadas, exageradas, sem exatidão aparente, ou indica os objetos, como um 
universal, sem delimitação qualificativa nenhuma, tem o poder de nos conduzir a essa 
idealização livre, musical. Esta idealização livre, subjetiva permite criar todo um ambiente de 
realidades ideais onde sentimentos, seres e coisas, belezas e defeitos se apresentam na 
sua plenitude heróica, que ultrapassa a defeituosas percepção dos sentidos. Não sei que 
futurismo pode existir em quem quase perfilha a concepção estética de Fichte. Fujamos da 
natureza! Só assim a arte não se ressentirá da ridícula fraqueza da fotografia... colorida. 
Não acho mais graça nenhuma nisso da gente submeter comoções a um leito de Procusto 
para que obtenham, em ritmo convencional, número convencional de sílabas. Já, primeiro 
livro, usei indiferentemente, sem obrigação de retorno periódico, os diversos metros pares. 
Agora liberto-me também desse preconceito. Adquiro outros. Razão para que me insultem? 
Mas não desenho baloiços dançarinos de redondilhas e decassílabos. Acontece a comoção 
caber neles. Entram pois às vezes no cabaré rítmico dos meus versos. Nesta questão de 
metros não sou aliado; sou como a Argentina: enriqueço-me. 
Sobre a ordem? Repugna-me, com efeito, o que Musset chamou: "L'art de servir à point un 
dénouement bien cuit". 
Existe a ordem dos colegiais infantes que saem das escolas de mãos dadas, dois a dois. 
Existe uma ordem nos estudantes das escolas superiores que descem uma escada de 
quatro em quatro degraus, chocando-se lindamente. Existe uma ordem, inda mais alta, na 
fúria desencadeada dos elementos. 
Quem leciona história no Brasil obedecerá a uma ordem que, certo, não consiste em estudar 
a Guerra do Paraguai antes do ilustre acaso de Pedro Álvares. Quem canta seu 
subconsciente seguirá a ordem imprevista das comoções, das associações de imagens, dos 
contactos exteriores. Acontece que o tema às vezes descaminha. 
O impulso lírico clama dentro de nós como turba enfuriada. Seria engraçadíssimo que a 
esta se dissesse: "Alto lá! Cada qual berre por sua vez; e quem tiver o argumento mais forte, 
guarde-o para o fim!" A turba é confusão aparente. Quem souber afastar-se idealmente dela, 
verá o imponente desenvolver-se dessa alma coletiva, falando a retórica exata das 
reivindicações. 
Minhas reinvindicações? Liberdade. Uso dela; não abuso. Sei embridá-la nas minhas 
verdades filosóficas e religiosas; porque verdades filosóficas, religiosas, não são 
convencionais como a Arte, são verdades. Tanto Não abuso! Não pretendo obrigar ninguém 
a seguir-me. Costumo andar sozinho. 
Virgílio, Homero, não usaram rima. Virgílio, Homero, têm assonâncias admiráveis. 
A língua brasileira é das mais ricas e sonoras. E possui o admirabilíssimo "ão". 
Marinetti foi grande quando redescobriu o poder sugestivo, associativo, simbólico, universal, 
musical da palavra em liberdade. Aliás: velha como Adão. Marinetti errou: fez dela um 
sistema. É apenas auxiliar poderosíssimo. Uso palavras em liberdade. Sinto que o meu copo 
é grande demais para mim, e ainda bebo no copo dos outros. 
Sei construir teorias engenhosas. Quer ver? A poética está muito mais atrasada que a 
música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando 
muito oitavada, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com 
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