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literatuia brasileira iii-119

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Em "O lutador", publicado em 1942, o eu lírico tenta descrever o trabalho criativo, o fazer 
poético. O poeta se considera um ser "lúcido e frio" que tenta achar as palavras certas e colocá-
las na melhor ordem com o objetivo de compor um poema "para meu sustento / num dia de vida". 
Entre os povos primitivos, os loucos eram considerados mágicos, que tinham poder de encantar 
as palavras e dominá-las, e eram respeitados em sua sociedade por isso. Não é o caso do 
lutador, que se submete ao capricho das palavras, corteja-as, tenta possuí-las, copular com elas, 
mas elas são indóceis, desafiadoras, desobedecem às regras do jogo. Há momentos em que a 
entrega quase se consuma, mas é ilusão. "O inútil duelo / jamais se resolve", mas a luta continua.
Procura da poesia - 1945
"Procura da poesia", de A rosa do povo (1945), contém a essência da ideia da poesia pura, da 
poesia não contaminada pelos acontecimentos do mundo. Em uma famosa carta ao pintor 
Degas, que se dizia cheio de ideias para escrever um poema, o poeta francês Mallarmé declarou 
que a poesia se faz com palavras, e não com ideias....
Claro enigma - 1951
Epigrafando seu livro Claro enigma (1951), Drummond cita outro poeta francês, Paul Valéry: 
Les événements m'ennuient (Os acontecimentos me aborrecem).
Não importam as ideias e sentimentos, não importam os acontecimentos, mentiras, tempo, morte, 
memória, contentamento ou tristeza. O que importa são as palavras:
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Lá estão elas, "com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio". Ora, dirão, as palavras não 
remetem a ideias? A resposta é sim, mas é importante considerar a poesia como a criação de um novo 
mundo, sem compromisso com o mundo real. Ao comentarmos o poema "Amar-amaro", por exemplo, 
percebemos que seu sentido não é o acontecido ou vivido ou sofrido por alguém, mas uma relação às 
vezes lógica, às vezes ilógica, entre palavras que se unem. Assim, as ideias evocadas pelas palavras 
constituem um sentido lógico que é mais passagem para o estado poético do que um fim em si mesmas. 
O "estado poético" é a poesia, um mundo à parte, um outro mundo que não precisa, nem deve, guardar 
com o nosso nenhuma relação de correspondência. Poesia é um estado de contemplação, é sentido 
estático, daí o próprio título dessa seção, POESIA CONTEMPLADA.
Esta ideia de poesia como criação de uma nova realidade é bastante evidente em "Brinde no banquete 
das musas", publicado em 1954 em Fazendeiro do ar:
Poesia, marulho e náusea,
poesia, canção suicida,
poesia, que recomeças
de outro mundo, noutra vida.
Poesia é "comida estranha", não faz parte do comer de nosso dia a dia, é inversão da ordem das 
coisas dispostas no mundo: "a mosca deglute a aranha". Poesia é passagem desta para outra, morte 
secreta, revivescência, escatologia não de fim, mas de fim-recomeço, de recriação.
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