Prévia do material em texto
Salinização de Solos 3 5 4. SALINIZAÇÃO DE SOLOS 1. Salinidade O termo salinidade se refere a existência de níveis de sais no solo que possam prejudicar de maneira economicamente significativa o rendimento das plantas cultivadas. A sensibilidade à existência de maiores ou menores teores de sais no solo é uma característica de cada tipo de planta. Umas toleram concentrações altas como a cevada e o algodão, enquanto que outras, como o feijão e a cenoura, são bastante sensíveis, mesmo a teores baixos. A salinização ocorre, de uma maneira geral, em solos situados em regiões de baixas precipitações pluviais, alto déficit hídrico e que tenham deficiências naturais de drenagem interna. No Brasil, levando-se em consideração tão somente as precipitações pluviais e a distribuição destas ao longo do ano, pode-se separar as regiões em: • Semi-áridas - com período de seca igual ou superior a 6 meses por ano e precipitações médias anuais menores que 800 mm; nesta classe situa-se 50% da área do Nordeste Brasileiro. • Semi-úmidas - período de seca de 4 a 5 meses por ano. • Úmidas - período de seca de 1 a 3 meses por ano. • Muito-úmida - sem seca. Quanto menor o valor das precipitações médias anuais de uma região e maior a evapotranspiração potencial, maior é a possibilidade de salinização de seus solos quando irrigados, tendo em vista que o déficit hídrico é maior. Tem-se observado que a salinização, onde há irrigação, ocorre mais comumente nas zonas que possuam precipitações pluviais médias de até 1.000 mm/ano. Como exemplo temos o projeto São Desidério/Barreiras Sul, cujas chuvas situam- se em torno de 1.000 mm/ano e onde existe salinização, em solos rasos e outros solos situados em áreas de baixadas, de má drenabilidade. A irrigação por sulco de baixíssima eficiência, é um fator que tem contribuído com grande intensidade para a evolução do processo. Nas regiões norte, sul, centro-oeste e quase todo o sudeste os solos são muito pouco sujeitos de se tornarem salinos, mesmo que tenham deficiência de drenagem subterrânea. Nessas áreas o grande volume de água das chuvas lava os sais que venham a se acumular durante a irrigação, sendo que o mesmo não acontece no nordeste e parte do norte de Minas Gerais, por se tratar de região climática propicia à salinização dos solos quando irrigados. 1.1. Como um solo se torna salino A água das chuvas, quase pura ao cair e penetrar no solo, solubiliza e arrasta consigo íons de Ca++. Mg++, Na+, Ka+, bem como radicais CO3- -, HCO3- , SO4- - e outros, transformando-se então em uma solução, que flui para formar os rios e lagos. Ao se irrigar um solo de drenabilidade deficiente a nula, situado em região de baixas precipitações médias anuais e alto déficit hídrico, este se torna salino em período de tempo bastante curto, porque as plantas removem basicamente H2O do solo, enquanto que a maior parte dos sais fica retida. Nestas condições o solo tende a se tornar salino caso não seja drenado artificialmente o que vem ocorrendo nas regiões semi-áridas do nordeste brasileiro. 3 6 Drenagem como Instrumento de Dessalinização e Prevenção da Salinização de Solos No passado o homem desconhecia as causas que levavam um solo a se tornar salino com a irrigação; hoje a salinização ocorre pela negligência dos órgãos e pessoas envolvidas com a irrigação, uma vez que suas causas são bem conhecidas, assim como os meios de evitar esse tipo de degradação dos solos. O laboratório de salinidade dos Estados Unidos da América classifica os solos quanto à salinidade em função da condutividade elétrica do extrato da saturação (CE), da percentagem de sódio trocável (PST) ou da relação de absorção de sódio (RAS) e do pH em: SOLO CE RAS pH (mmhos/cm) (%) NORMAL < 4 < 13 < 8,5 SALINO > 4 < 13 < 8,5 SÓDICO < 4 > 13 ≥ 8,5 SALINO/SÓDICO > 4 > 13 < 8,5 * No caso do PST o valor é igual a 15. para o cálculo do RAS, as concentrações obtidas em milequivalente por litro (mE/1) do extrato de saturação do solo. CE = Medida com condutivimetro a partir do extrato de saturação; pH = Acidez do solo medida com peagâmetro ou outro método. A salinidade afeta as culturas de duas maneiras: • Pelo aumento do potencial osmótico do solo. Quanto mais salino for um solo, maior será a energia gasta pela planta para absorver água e com ela os demais elementos vitais. • Pela toxidez de determinados elementos, principalmente o sódio, o boro, e os bicarbonatos e cloretos, que em concentração elevadas causam distúrbios fisiológicos nas plantas. Na tabela 1, é mostrado o percentual de perda de produtividade de uma cultura em função da condutividade elétrica do extrato de saturação do solo, desde que todos os outros fatores de produção sejam favoráveis. Os fatores que contribuem para a salinização dos solos são: • clima - deficit hídrico climático acentuado; • irrigação em solos rasos ou solos de má drenabilidade; • irrigação com água de má qualidade - teores elevados de sais; • baixa eficiência de irrigação; • manutenção inadequada do sistema de drenagem ou ausência de sistema de drenagem superficial e/ou subterrânea. Salinização de Solos 3 7 Tabela 1 - Níveis de Tolerância a Teores de Sais no Solo e na Água de Irrigação (*) Produtividade Potencial 100% 90% 75% 50% 0% CEes CEi CEes CEi CEes CEi CEes CEi CEes (máximo) CEVADA 8,0 5,3 10,0 6,7 13,0 8,7 12,0- 18,0 28 FEIJÃO 1,0 0,7 1,5 1,0 2,3 1,5 3,6 2,4 07 MILHO 1,7 1,1 2,5 1,7 3,8 2,5 5,9 3,9 10 CANA AÇÚCAR ** 3,0 5,0 8,5 ALGODÃO 7,7 5,1 9,6 6,4 13,0 8,4 17,0 12,0 27 AMENDOIM 3,2 2,1 3,5 2,4 4,1 2,4 4,9 3,3 07 ARROZ INUNDADO 3,0 2,0 3,8 2,6 5,1 3,4 7,2 4,8 12 GIRASSOL 5,3 3,5 6,2 4,1 7,6 5,0 9,9 6,6 15 SORGO 4,0 2,7 5,1 3,4 7,2 4,8 11,0 7,2 18 SOJA 5,0 3,3 5,5 3,7 6,2 4,2 7,5 5,0 10 TRIGO 6,0 4,0 7,4 4,9 9,5 6,4 13,0 8,7 20 BETERRABA 4,0 2,7 5,1 3,4 6,8 4,5 9,6 6,4 15 BROCOLI 2,8 1,9 3,9 2,6 5,5 3,7 8,2 5,5 14 REPOLHO 1,8 1,2 2,8 1,9 4,4 2,9 7,0 4,6 12 MELÃO (CANTALOUPE) 2,2 1,5 3,6 2,4 5,7 3,8 9,1 6,1 16 CENOURA 1,0 0,7 1,7 1,1 2,8 1,9 4,6 3,1 08 PEPINO 2,5 1,7 3,3 2,2 4,4 2,9 6,3 4,2 10 ALFACE 1,3 0,9 2,1 1,4 3,2 2,1 5,2 3,4 09 CEBOLA 1,2 0,8 1,8 1,2 2,8 1,8 4,3 2,9 08 PIMENTA 1,5 1,0 2,2 1,5 3,3 2,2 5,1 3,4 09 BATATINHA 1,7 1,1 2,5 1,7 3,8 2,5 5,9 3,9 10 RABANETE 1,2 0,8 2,0 1,3 3,1 3,1 5,0 3,4 09 ESPINAFRE 2,0 1,3 3,3 2,2 5,3 3,5 8,6 5,7 15 BATATA DOCE 1,5 1,0 2,4 1,6 3,8 2,5 6,0 4,0 11 TÂMARA 4,0 2,7 6,8 4,5 10,9 7,3 12,3 17,9 32 TOMATE 2,5 1,7 3,5 2,3 5,0 3,4 7,6 5,0 13 ABACATE 1,3 0,9 1,8 1,2 2,5 1,7 3,7 2,4 06 FIGO 2,7 1,8 3,8 2,6 5,5 3,7 8,4 5,6 14 UVA 1,5 1,0 2,5 1,7 4,1 2,7 6,7 4,5 12 LARANJA-LIMÃO 1,7 1,1 2,3 1,6 3,2 2,2 4,8 3,2 08 PÊSSEGO 1,7 1,1 2,2 1,4 2,9 1,9 4,1 2,7 07 MORANGO 1,0 0,7 1,3 0,9 1,8 1,2 2,5 1,7 04 ALFAFA 2,0 1,3 3,4 2,2 5,4 3,6 8,8 5,9 16 CAP. BERMUDA 6,9 4,6 8,5 5,7 10,8 7,2 14,7 9,8 23 (*) - Segundo Ayers e Westcot, 1976 - Irrigation and Drainage paper, nº 24 - FAO; CROP WATER/REQUIREMENT ** Adicionado. CEes = Cond. Elet. do extrato de saturação do solo em mmhos/cm ou dS/m. CEi = Cond. Elet. da água de irrigação em dS/m 3 8 Drenagem como Instrumento de Dessalinização e Prevenção da Salinização de Solos 1.2. Evolução da salinização Para se ter uma idéia hipotética de como e quanto tempo um solo pode levar para se tornar salino, consideremos uma irrigação nas seguintes condi- ções: Condição 01: • Solo de drenabilidade nula e sem implantação de sistema de drenagem subterrânea; • Região de clima semi-árido; • Aplicação de uma lâmina de água de 1.200 mm/ ano; • Latossolo com barreira a 1,20 m de profundidade; • Emprego de água do Rio São Francisco, contendo uma condutividade elétrica de cerca de 80 micromhos/cm; • Assumindo-se que CE x 640 = ppm ou g/m3; • Assumindo-se que um solo já começa a se tornar salino quando a condutividade elétrica do extrato de saturação atinge um valor equivalente a 4 mmho/cm; • Desprezando todo o conteúdo de sal existente no solo. Tem-seentão: a) conteúdo de sais da água de irrigação. CE x 640 = ppm ou 0,08 mmhos/cm x 640 = 51,2 ppm = 51,2 g/m3 (51 gramas de sal por metro cúbico de água); b) volume anual de água aplicada por ha. 1.200 mm/ano = 1,2 m/ano x 10.000 m2 = 12.000 m3/ha/ano; c) quantidade de sal adicionada. 12.000 m3/ano x 0,0512 Kg de sal/m3 = 614,4 Kg de sal/ha/ano; d) quantidade de sal que a solução do solo deve conter para que este seja considerado salino. 4 mmhos/cm x 640 = 2.560 ppm = 2,56 Kg/m3 de solução; e) volume de solução no solo, por hectare, assumindo-se que em um dado momento todo o perfil estaria saturado. • Solo constituído de 38% de espaço poroso, 60% de matéria mineral e 2% de matéria orgânica; V = 10.000 m2 x 1,20m x 0,38 = 4.560 m3 de solução por hectare; f) Quantidade de sal necessário, por hectare, para que o solo seja considerado salino. • 4.560 m3 de solução/ha x 2,56 Kg de sal/m3 = 11.674 Kg de sal/ha; g) Número de anos de irrigação necessário para que um solo comece a ser considerado salino. Condições 02: • Emprego de água do Rio Jaguaribe - CE, com uma condutividade 500 micromhos/cm; de qualidade C2 S1; • Mantendo todas as demais condições; Tem-se: a) 0,5 mmhos/cm x 640 = ppm = 320 g de sal/m3; b) Quantidade de sal adicionado • 12.000 m3/ha/ano x 0,32 Kg/m3 = 3.840 Kg de sal/ha/ano; c) Número de anos de irrigação necessários para salinizar o solo Condições 03: Cálculo estimativo da evolução do processo de salinização dos vertissolos do perímetro Tourão, situado próximo da cidade de Juazeiro/BA, através da irrigação da cana de açúcar. A área, de 10.548 ha é constituída em sua quase totalidade de vertissolos, existindo nos talvegues pequenas manchas de solos bruno não cálcicos que já se encontram parcialmente salinizados pela irrigação. Assume-se as seguintes condições: • Drenabilidade nula dos solos; • Região de clima semi-árido; • Aplicação de uma lâmina de água de 1.500 mm/ ano; • Alta eficiência de condução e distribuição de água; • Solo de 3,0 m de profundidade (solo e subsolo Salinização de Solos 3 9 até o impermeável); • Solo não salino na superfície e em profundidade ao iniciar o processo de irrigação; • Emprego de água do Rio São Francisco contendo condutividade elétrica de 80 micromhos/cm ou 51,2 ppm; • A curto e médio prazo a concentração de sais da água do Rio São Francisco será mantida; • As chuvas da região não causam lavagem significativa de sais do solo; • Condutividade elétrica do estrato de saturação (CE) x 640 = ppm; • O solo já começa a se tornar salino, para a cana de açúcar, quando a condutividade elétrica do estrato de saturação atingir valor de 3 mmhos/cm; • A cana será queimada e despontada no campo, só sendo removidos os colmos na base de 110 ton/ ha/ano; • A aplicação anual de adubo será feita na base de: 100 Kg de N 100 Kg de P205 50 Kg de K20 • A fertilização com vinhoto adicionará cerca de 30 Kg de sal/ha/ano. A partir das informações existentes e das condições assumidas tem-se: a) Conteúdo estimado de sal da água de irrigação = 0,08 mmhos/cm x 640 = 51,2 ppm ou 51,2 g de sal/m3 de água; b) Volume de água aplicado por hectare irrigado por ano 1,5 m x 10.000 m2 = 15.000 m3/ha/ano; c) Quantidade de sal adicionado com a irrigação = 15.000 m3/ha/ano x 0,0512 Kg/m3 = 768 Kg/ha/ ano; d) Quantidade aproximada de sal introduzida na área por hectare, através da adubação anual: • Nitrogênio - Assume-se que a adubação nitrogenada será feita com a adição de 50% de (NH4)2 SO4 ( 20% de nitrogênio) e 50% de uréia (45% nitrogênio) e que o elemento nitrogênio não entra como agente que incrementa o grau de salinização do solo. Sabendo-se que a uréia (basicamente amina) não contém componentes que contribuam para a salinização do solo, pode- se então estimar a quantidade do radical sulfato adicionado anualmente ao solo através da adubação com sulfato de amônia. (NH4)2 SO4 a 20% ou 50 Kg de nitrogênio correspondem a 250 Kg de (NH4)2 SO4 e sabendo- se que: 134 Kg de (NH4)2 SO4 ............... 96 Kg de SO4 250 Kg de (NH4)2 SO4 ............... x x = 179 Kg de SO4 • Fósforo - Superfosfato Simples Ca H4 (PO4)2 + Ca SO4 . 2H2O 20 Kg de P2 O5 .............. 100 Kg Ca H4 (PO4)2 + Ca SO4 100Kg de P2O5 .............. y y= 500 kg de sal • Potássio KCl a 60% de K2O e 47% de Cl 60kg de H2O .......... 100 kg de kcl 50kg de K20 ........... Z Z = 83 Kg de KCl (sal) Total de sal adicionado com a adubação = 762 Kg e) Quantidade de sal que a cana retira/ano Remoção de colmos da área = 110 ton/ano Peso seco = 040 x 110 ton = 44 toneladas Conteúdo mineral (sais totais) = 2,2% ou 0,022 x 44 ton = 968 Kg. Percentual de silicatos (SiO2) = 40% da cinza ou 968 Kg x 0,4 = 387 Kg f) Balanço anual de Sais/ha • Adição pela irrigação = 768 Kg • Adição pela adubação = 762 Kg • Adição na aplicação de vinhoto = 30 Kg Total adicionado = 1.560 Kg/ha/ano • Minerais retirados da área com a remoção dos 4 0 Drenagem como Instrumento de Dessalinização e Prevenção da Salinização de Solos colmos da cana de açúcar = 581 Kg/ha/ano Aporte anual de sal 1.560 Kg - 581 = 979 Kg/ha/ano g) Quantidade de sal que a solução do solo deve conter para que este seja considerado levemente salino para a cultura de cana de açúcar. 3 mmhos/cm x 640 = 1.920 ppm = 1,92 Kg sal/m3 solução h) Volume de solução no solo, por hectare, assumindo-se que em um dado momento todo o perfil estaria na capacidade de campo. • Solo constituído de 48,2% de espaço poroso, 51,5 de matéria mineral e 0,3 matéria orgânica; V = 10.000 m2 x 3,00 x 0,48 = 14.400 m3 i) Quantidade de sal necessário por hectare, para que o solo já seja considerado como levemente salino: 14.400 m3 de solução/ha x 1,92 Kg de sal/m3 = 27.648 Kg/m3 j) Número de anos de irrigação necessário para que o solo atinja um estágio de salinização que prejudique significativamente o desenvolvimento da cultura da cana de açúcar: No que se conclui que para a condição 01 os solos começariam a apresentar queda de produtividade apreciável devido a salinização, após 19 anos de irrigação. Na condição 02 bastariam 3 anos de irrigação, enquanto que na condição 03 levariam 28 anos. A salinização comumente se manifesta primeiro nas partes mais baixas do terreno, porque o lençol freático nestas áreas fica mais próximo da superfície. Desta forma o solo apresenta área salinizadas em período bem inferior ao estimado, conforme vem ocorrendo nos projetos Maniçoba e Curaçá, situados no semi-árido, próximo da cidade de Juazeiro/BA. Por outro lado, devido a este mesmo fenômeno, as áreas situadas nas partes mais altas podem nunca se salinizarem ou se salini- zarem em períodos bastante maiores. 1.3. Como evitar a salinização Todo solo situado em regiões climáticas caracte- rizadas por baixas precipitações e altos déficits hídricos climáticos e que ao mesmo tempo possua má drenabilidade, tende a se tornar salino, com a irrigação, mesmo que esta seja feita com água de boa qualidade. Somente irrigar terras de boa drenabilidade, ou seja, áreas selecionadas tendo como base estudos de solos ou classificação de terras para irrigação que se baseie em parâmetros adequados para a região, principalmente no que se refere à profundidade do impermeável. Solos com menos de 1,0 m de profundidade não devem ser irrigados a não ser em condições muito especiais e quando se tratar de região semi-arida, terão que contar coma implantação de sistema de drenagem subterrânea. A evolução do processo de salinização pode ser evitada, em caso mais favoráveis, através de uma irrigação eficiente ou por meio da instalação de sistema de drenagem subterrânea e coletores, para desta forma facilitar a percolação profunda de parte das águas das chuvas ou excedentes de irrigação e assim promover a lavagem de sais do solo. Fazer manutenção adequada do sistema de drenagem - coletores e subterrânea. 1.4. Recuperação de solos afetados por sais Um solo se tornasalino pela irrigação quando possui deficiência de drenagem interna e situa-se em região cujas condições climáticas são favoráveis a evolução do processo. Salinização de Solos 4 1 Recuperação de solo salino Para recuperar um solo salino, basta instalar um sistema adequado de drenagem subterrânea e lavá- lo com a irrigação ou deixar que se recupere naturalmente pela lavagem causada pelas águas das chuvas. Para solos argilosos com abundância de microporos, estudos de campo tem demonstrado que a lavagem através de inundação por período longo é menos eficiente que quando são feitos inundações periódicas, onde o solo é inundado por um certo período de tempo e a seguir deixado secar. Este processo tende a promover uma melhoria na estrutura do solo com melhoria da condutividade hidráulica. Uma outra vantagem deste processo é que desestimula o desenvolvimento de microorga- nismos que diminuem a condutividade hidráulica. Este processo aumenta a eficiência de lixiviação pelo fato de que, na medida em que o solo seca, os microporos, que em condição de saturação não estavam conduzindo água, passam a fazê-lo. Desta forma, a água salina dos microporos é substituída e os sais gradativamente carreados. Em condições de saturação, o único meio de reduzir a concen- tração de sais dos microporos seria por difusão, o que é mais demorado. Por meio de ensaios de campo, em pequenas parcelas, pode-se acompanhar a evolução do processo de dessalinização com a conseqüente lixiviação dos sais. O cálculo da lâmina de lavagem a ser aplicada, pode ser feito com o uso da seguinte fórmula: Onde: L = lâmina de água requerida para lixiviar o solo - mm CEesi = concentração inicial de sais no solo, dada pela c. elétrica do extrato de saturação - mmhos/ cm ou dS/m. CEesf = condutividade elétrica final prevista para o extrato de saturação - após a lavagem do solo - dS/m p = profundidade da zona das raízes - m A recuperação de um solo salino pode levar dias e até meses, dependendo da sua drenabilidade e da lâmina de lavagem necessária. Os íons e radicais mais comumente encontrados no solo são Ca++ , Mg++, Na+, K+, Cl-, SO4- -, CO3- - HCO3-, NO3- e NH4-, sendo que em um solo normal o complexo do solo é composto de 80% de íons Ca++ e em torno de 5% Na+. Como regra geral de lavagem dos solos aplica-se uma lâmina de água igual a três (3) vezes a profundidade do solo a ser recuperado. Para uma eficiente lixiviação do solo um sistema de drenagem apropriado deve ser instalado. Em certos casos, linhas adicionais e provisórias de drenos (linhas que poderão ser de fácil deterio- ração), podem ser instaladas para atender a uma maior descarga durante o período de recuperação. Recuperação de solo salino-sódico A estrutura e aparência dos solos salino-sódicos é muito similar à dos solos salinos. Se nesses solos o excesso de sais solúveis for lavado, a porcentagem de sódio trocável aumentará e, como conse- qüência, o solo poderá se tornar sódico e ter sua estrutura destruída. A recuperação deste tipo de solo deve ser feita com a lavagem do excesso de sais, ao mesmo tempo em que são aplicados corretivos de cálcio com a finalidade de substituir o sódio do complexo do solo. A substituição do sódio por cálcio deve ser feito antes que a lavagem produza a difusão das 4 2 Drenagem como Instrumento de Dessalinização e Prevenção da Salinização de Solos partículas do solo. Com a substituição do sódio pelo cálcio e sua posterior eliminação pelas águas de percolação, o solo vai gradativamente melhorando a sua estrutura e consequentemente a sua condutividade hidráulica. Em casos extremos de difusão a argila pode, eventualmente, percolar e formar uma camada impermeável. Recuperação de solos sódicos É necessário instalar drenos subterrâneos, aplicar corretivos que provoquem uma recuperação na estrutura do solo e promover lavagens, principal- mente de parte do sódio existente no solo. Vários produtos químicos podem ser empregados na recuperação de solos sódicos, dependendo da disponibilidade no mercado, do preço, da eficiência do produto e do tipo de solo e seus componentes químicos. São agrupados em três grupos: a) Sais de cálcio solúveis, • cloreto de cálcio, CaCl2) • gesso (CaSO4 , 2H2O) b) Ácidos ou formadores de ácido, • enxofre, • ácido sulfúrico, • sulfato de ferro ou alumínio • óxido de cálcio. c) Sais de cálcio de baixa permeabilidade, • carbonato de cálcio, • derivados de fábrica de açúcar. Os produtos mais comumente empregados para substituir o sódio do complexo do solo por cálcio são o gesso (CaSO4 , 2H2O) e o enxofre. A aplicação de enxofre é recomendada para solos sódicos que apresentem cálcio no corpo do solo. 1.4.1. Cálculo da quantidade de gesso a aplicar O gesso devido ao fato de ser comumente encontrado no mercado, além de ser de custo relativamente baixo e de boa solubilidade é o corretivo mais usado na recuperação dos solos sódicos. É aplicado ao solo e incorporado por meio de uma aração para em seguida ser adicionada água que servirá de meio nas reações de troca e como veículo no carreamento do sódio para fora da zona das raízes. Na recuperação de solos sódicos, o valor final da PST (porcentagem de sódio trocável) deve ser estimada. O valor escolhido dependerá tanto da tolerância da cultura como da resposta do solo em função das suas condições físicas. O gesso é adicionado dissolvido na água; neste caso deve-se proceder da seguinte maneira: 1) Calcula-se a relação de adsorsão de sódio (RASsw) da solução solo-água requerida para ser alcançado o valor da porcentagem final de sódio trocável desejada: (PSTf) 2) Calcula-se a quantidade de gesso a ser adicionado à água de irrigação em função do RASsw obtida. Não sendo consideradas as possíveis precipitações ou dissolução de CaCo3 no solo, pode-se estimar grosseiramente a quantidade de gesso, em me/1, a ser adicionado à água de irrigação de modo a se obter uma RASiw = RASsw da seguinte forma: Na = concentração de sódio da água de Irrigação - mE/l RASiw = relação de adsorsão de sódio da água de irrigação. Salinização de Solos 4 3 x= quantidade de gesso - me/1. Ci= concentração inicial de Ca + Mg na água de irrigação (obtido de análise) - me/1. 3) Calcula-se a quantidade total de (Ca + Mg) necessária para recuperar um solo sódico pela fórmula: PSTi = percentagem inicial de sódio trocável - % PSTf = percentagem final de sódio trocável - % CTC = capacidade de troca de cátions - mE/100g h = profundidade de solo a melhorar - cm da = densidade aparente do solo - g/cm3 . A percentagem de sódio trocável deve ser reduzida de acordo com tabelas de tolerância. 4) Calcula-se a lâmina de água requerida para suprir a quantidade de (Ca + Mg) necessária para a recuperação do solo pela fórmula: Lâmina = = mm, sendo (Ca + Mg) = eq/ha Ci = eq/1 5) Calcular-se a quantidade de gesso em Keq/ha através da a fórmula: (Ca + Mg) = Keq/ha de gesso (Ca + Mg) = Keq/ha x = mE/1 6) Calcula-se a quantidade de gesso (CaSO4 . 2H2O) em kg/ha multiplicando o seu valor em keq/ ha pelo peso equivalente do corretivo a ser usado, conforme tabela que segue. A quantidade de gesso necessário deve ser corrigida considerando qualquer quantidade de gesso existente inicialmente no solo. É interessante considerar que somente uma pequena fração da água adicionada é retida a potencial equivalente a capacidade de campo e que o restante da água percola através dos macroporos podendo ser considerada como não reativa, daí ser mais eficiente a lixiviação do solo através de aspersão (onde o solo pode ser mantido próximo da capacidade de campo) ou então a inundação intermitente - inundar e deixa secar em fase alternadas. Exemplo: Deseja-se recuperar os primeiros 50 cm de um solo sódico usando o processo de inundação: A percentagem inicial de sódio trocável (PSTi) é de 25, devendo a PSTf ser equivalente a 5%; os demais parâmetros são: • Densidade aparente =1,8 g/cm3 • Capacidade de troca de cátions = 20 mE/100 g • Água de irrigação contendo 12 mE/1 de sódio e 3 mE/1 de (Ca + Mg), ou Ci=3 Deseja-se saber: 1 - A relação de absorção de sódio da solução solo-água 2 - A quantidade de gesso que tem que ser adicionado a água de irrigação 3 - A quantidade de (Ca + Mg) necessária em keq/ ha 4 - A lâmina de água necessária para recuperar o solo. 5 - A quantidade de gesso necessária em keq/ha 6 - A quantidade de gesso em kg/ha. Resposta: 1) Para estimar a RAS da solução solo-água a partir da porcentagem final de sódio trocável (PSTf) desejada usa-se a seguinte equação: 2) A quantidade de gesso a ser adicionada à água de irrigação para se obter este valor é de: 4 4 Drenagem como Instrumento de Dessalinização e Prevenção da Salinização de Solos 3) Cálculo da quantidade de (Ca + Mg) necessária (Ca + Mg) = (PSTi - PSTf)/100 x CTC x da x h (Ca + Mg) = ( )25 5 100 − x 20 mE/100g x 1,8 g/cm3 x 50 = Ca + Mg = 360 Keq/ha 4) A lâmina de água necessária para recuperar o solo admitindo-se uma eficiência de lixiviação de 100% é de: lâmina de água = = Ci = concentração inicial de Ca + Mg na água de Irrigação, Onde: (Ca + Mg) = eq/ha (Ci + x ) = eq/1 5) A quantidade de gesso necessária em Keq/ha é de: 6) A quantidade de gesso em kg/ha = Keq/ha x Pe (g/eq). Como o equivalente grama do CaSO4 . 2H2O = 86.0g/eq Tem-se: 313.8 Keq/ha x 86.0 Kg de gesso/ha Calculando-se a quantidade de gesso necessária e usando-se a tabela 1 obtém-se a quantidade equivalente de um outro produto químico que possa ser usado como corretivo. 1.4.2. Lâmina de lixiviação para balanço de sais É a fração da água de irrigação que deve atravessar a zona das raízes. A fração da água de irrigação a ser lixiviada vai depender do nível de salinidade desta e da tolerância das plantas cultivadas. Tabela 1 Corretivos de aplicação direta no solo ou dissolvidos na água de irrigação e suas capacidades relativas de fornecimento de cálcio ao solo. Corretivo Peg/eq Toneladas equivalentes a 1 ton de gesso 100% material puro gesso (CaSO4 . 2H2O)* 86 1.00 enxofre (S) ** 16 0,19 ácido sulfúrico (H2SO4) * 49 0,16 cloreto de cálcio (CaCl2 . 2H2O)* 73 0,86 nitrato de cálcio (Ca (NO3) . 2H2O)* 69 1,06 sulfato férrico (Fe2(SO4) . 9H2O)** 185 1,09 cal-enxofre (9% Ca + 24% S)* - 0,78 /Pe/86 Sulfato de alumínio Al2(SO4)3-18H2O 111 1,29 Carbonato de Cálcio CaCo3 50 0,58 * aplicando diretamente no solo ou com água de irrigação. ** somente adicionado ao solo. Salinização de Solos 4 5 Tabela 2 Tolerância de várias culturas à porcentagem de sódio trocável (PST) Tolerância a PST e faixa Cultura Resposta da cultura de acordo com as condições do solo em que a planta é afetada muito sensíveis (2 a 10) plantas cítricas, sintomas de toxidade a valores baixos de PST abacateiro, etc. sensíveis (10 a 20) feijão reduz seriamente o desenvolvimento da cultura mesmo que as condições estruturais do solo estejam boas. moderadamente tolerantes centeio, arroz redução séria da produção devido a (20 a 40) problemas nutricionais e também à deterioração das condições do solo. tolerantes (40 a 60) trigo, algodão, redução séria da produção devido a alfafa, cevada, deterioração física do solo. tomate, beterraba muito tolerante PST > que 60E capim Rhodes redução séria do desenvolvimento devido a deterioração física do solo. - Segundo a publicação SALT-AFECTED SOIL, LECTURE NOTES. BY J.J. Jurinak - 1978, Utah State University. USA Deve ser aplicada uma lâmina de água suficiente para satisfazer as necessidades da cultura, adicionada da lâmina de lixiviação. "A parte inferior da zona das raízes terá a concentração máxima de sais, que será igual à concentração da água de drenagem, quando a aplicação da lâmina de irrigação for uniforme. O aumento da concentração de sais na água de drenagem é uma conseqüência do uso consuntivo de água pelas plantas, que extraem muita água, ao mesmo tempo em que a quantidade de sais retirada do solo é mínima; somando-se a isto tem- se a evaporação. Pode-se dizer que as plantas extraem a água deixando os sais, tal a pequena quantidade de sais extraída. No cálculo da lâmina de lixiviação é assumida uma irrigação uniforme, sendo que muitas vezes as chuvas não são consideradas nos cálculos. Também não são considerados: • a adição de sais com a adubação; • a quantidade de sais removido pelas culturas; • a precipitação de sais no solo; • a quantidade de sais existentes no solo; • a profundidade da zona das raízes e o teor de umidade do solo. Segundo Luthin página 159, este tipo de raciocínio tem provado ser bastante útil. Lixiviação é a relação entre a lâmina de água drenada e a lâmina aplicada. Pode também ser obtida pela relação entre a condutividade elétrica da água de drenagem e a condutividade elétrica da água de irrigação. Onde: RL = requerimento de lixiviação Ld = lâmina de água a ser drenada; 4 6 Drenagem como Instrumento de Dessalinização e Prevenção da Salinização de Solos Li = lâmina de água de irrigação; CEi = condutividade elétrica da água de irrigação em mmhos/cm a 25oC. CEd = condutividade elétrica da água de drenagem. Para ser mais realista toda a água que infiltra deve ser considerada, o que implica em adicionar toda a precipitação efetiva. Assim sendo, CE ( i + c) = condutividade elétrica das águas de irrigação e chuvas. Lc = lâmina de chuva. CEc = condutividade elétrica da águas de chuva em mmhos/cm a 25oC. Os valores da CEd são obtidos a partir de tabela de tolerância à salinização para diversas culturas, sendo que o valor da condutividade elétrica assumida para a água de drenagem vai depender do nível de redução da produção assumido para a cultura. Quando existem várias culturas juntas, pode-se assumir como guia um decréscimo de 25% de produção para a cultura menos tolerante. Exemplo de cálculo da fração de lixiviação Assumindo-se que as culturas principais de uma área são: Tomate CEd = 5 Feijão = 2,3 Milho = 3,8 A concentração de sais na água de irrigação e chuvas (média) é de 320 ppm que divididos por 640 resulta na obtenção de 0,50 mmhos/cm. Aplicando a fórmula tem-se: ou 22%; para a água do Rio São Francisco RL= 0,08/2,3 = 0,034 ou 3,4% Para o caso de cultura que tolere valor de condu- tividade elétrica na zona das raízes de 8 mmhos/ cm e usando-se uma água de irrigação de, 0,50 mmhos/cm e excluindo as águas das chuvas, a lâmina de lixiviação será de: Este valor de 6% é bastante conservador tendo em vista que as precipitações naturais podem, por si só recuperar o solo, desde que um sistema adequado de drenagem subterrânea seja instalado. Na realidade, toda a água que penetra no solo e atravessa a zona das raízes deve ser considerada nos cálculos. Cálculos da lâmina de água a ser aplicada É necessário conhecer os tipos de plantas a serem cultivadas e uso consuntivo de cada uma delas. A lâmina de água a ser aplicada será então igual ao uso consuntivo adicionado da lâmina a ser drenada ou: Li = Luc + Ld; como Ld = RL x Li, tem-se: Li = Luc + RL x Li. Dividido por Li resulta: como Luc = lâmina de uso consuntivo Como o emprego desta fórmula obtém-se a lâmina de água a ser aplicada, a fim de não ser ultrapassado o teor máximo de sais tolerado na zona das raízes das plantas cultivadas. A essa lâmina (líquida) adicionar as perdas do sistema (eficiência) para obter a lâmina bruta de irrigação. Exemplo de uso da fórmula A condutividade elétrica da água de irrigação (CEi) é igual a 0,5 mmhos/cm. A cultura é capaz de Salinização de Solos 4 7 tolerar, sem prejuízos apreciáveis, uma condu- tividade elétrica na zona das raízes igual a 4 mmhos/cm. Se o uso consuntivo é de 7 mm/dia, calcular a lâmina líquida de irrigação. a) A lâmina bruta de Irrigação b) A lâmina de percolação profunda ou lâmina de drenagem c) o requerimento de lixiviação a) b) Ld = Li - Luc = 8,9 - 7,0 = 1,9 mm/dia; c) Para a irrigação com água do RioSão Francisco, o requerimento de lixiviação seria de: a) b) Ld = Li - Luc =7,25 - 7,00 = 0,25 mm/dia; c) Para culturas onde uma grande quantidade de massa é removida da área de cultivo, a quantidade de elementos químicos (sais) removidos poderia ser deduzida quando do uso da fórmula, o que resultaria em uma menor lâmina de drenagem. Este refinamento pode ser justificado para o caso de cultura de cana de açúcar, sendo que neste caso a redução da RL pode situa-se em torno de 1/3 do valor obtido. Bibliografia 1 -BUREAU of Reclamation. Drainage Manual; A Water Resources Technical Publication. Washington: 1978. 268 p. 2 - MANUAL de adubação. São Paulo: Associação Nacional para Difusão de Adubos. 1971. 265 p. 3 - MARTINEZ BELTRAN, Julián. Drenaje agrícola. Madrid: Institute Nacional de Reforma y Desarrollo Agrário, 1986. 239 p i1. 4 - BATISTA, Manuel de Jesus. Drenagem Subterrânea por Tubos Corrugados. Brasília: 1989. 26 p. 5 - NIMER, Edmon. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE/SPREN, 1970 p. 353-358. 6 - MELLO, Aristóteles Fernandes de. PROJETO TOURÃO. IN: ESTUDOS GEOLÓGICOS GEOTÉCNICOS NOS PROJETOS CURAÇÁ, MANIÇOBA, TOURÃO. 1978. Brasília: CODEVASF, 1978. (Item C.) 7 - ORLANDO FILHO, José. Coord. Nutrição e adubação de cana-de-açúcar no Brasil. Piracicaba: IAA/PLANALSUCAR, 1983. 368 p. i1.