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JUDSON LIMA Formação Histórica Dos Batistas BARRO PRETO – BA 2017 Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados, etc.), a não ser em citações breves, com indicação de fonte. Contato Judson S. Lima Rua Deputado Paulo Nunes, 113, Centro – barro Preto – Bahia – Brasil Cep: 45.625-000 (73) 98144-4646 CONTEÚDO INTRODUÇÃO 1. ORIGENS DENOMINACIONALISMO 2. OS BATISTAS PENSAM SUAS ORIGENS 3. REFORMA PROTESTANTE NA INGLATERRA 4. OS BATISTAS NOS EUA 5. OS BATISTAS NO BRASIL CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agradecimentos Aos meus pais e meus irmãos pelo apoio, À minha esposa Iêda pela dedicação e cuidado, Aos meus filhos pelo carinho, Aos meus alunos e ex-alunos, do STBG, onde nasceram as ideias para este livro nas aulas de História dos Batistas. INTRODUÇÃO A história das origens dos batistas é eivada de muitas opiniões divergentes. Alguns consideram os batistas como um grupo distinto que desde remontando a João Batista tem preservado os ensinos de Cristo ao longo dos séculos, outro grupo de batistas se considera herdeiros dos anabatistas do século XIV, um terceiro grupo consideram os batistas originários dos separatistas ingleses, sendo este último com maior consistência histórica. Os batistas ao longo da história têm se destacado pelo esforço em resgatar princípios neotestamentários como o batismo de crentes adultos, a centralidade de Cristo e das Escrituras, a separação entre igreja e Estado, os direitos civis. Apesar desses princípios não serem exclusivos dos batistas, é este movimento que irá se destacar na luta pela liberdade religiosa, e pela liberdade de consciência. Neste trabalho pretende-se refletir um pouco mais sobre algumas questões em torno desta denominação, que muito contribuiu na defesa de direitos essenciais, como a liberdade religiosa e liberdade de consciência. Além de servir como modelo democrático para nações inteiras, como os Estados Unidos da América. O livro está dividido do segundo modo: o primeiro capítulo será abordado as origens do denominacionalismo. O segundo capítulo versará alguns enfoques sobre teorias em torno das origens dos batistas com destaque para uma análise do movimento landmarquista, que veio ao Brasil juntamente com os primeiros missionários norte-americanos, provenientes do Sul. No terceiro capítulo destacaremos a Reforma Protestante, com foco na Reforma Inglesa, como pano de fundo da origem dos batistas. O quarto capítulo será tratado o desenvolvimento dos batistas em solo norte-americano, o seu crescimento e expansão destacando sua ação missionária de alcance mundial. Por fim destaca-se a inserção do protestantismo no Brasil e o percurso de imigrantes norte-americanos em solo brasileiro na segunda metade do século XIX, e o seu estabelecimento em território nacional. Este livro pretende ser uma síntese ao estudo da história dos batistas desde as suas origens na Inglaterra até a sua implantação e desenvolvimento na América latina e particularmente no Brasil. Capítulo 1 ORIGENS DO DENOMINACIONALISMO O termo denominacionalismo vem do verbo denominar, do latim denominare, dar nome; denominacionalismo, portanto é um movimento dentro do cristianismo protestante cuja expressão maior se deu no Novo Mundo, cujas raízes remontam o período imediatamente posterior à Reforma Protestante, com as dissensões teológicas e políticas no seio das igrejas da Reforma, nascendo daí uma variedade de seitas e igrejas que se opunham e resistiram às ideias e práticas das igrejas da reforma, propriamente ditas. O termo denominacionalismo denota não apenas um movimento particular do século XVI e XVII, mas alcança a igreja cristã desde os primórdios. Desde o momento quando uma interpretação particular das Escrituras, uma discórdia pessoal motivada por fatores vários, causou ruptura na igreja ainda no primeiro século, temos aí as raízes do que, na modernidade, veio a ser chamado de denominacionalismo. A DIVERSIDADE NA IGREJA NOS PRIMEIROS SÉCULOS Havia unidade na igreja nos três primeiros séculos? Podemos afirmar que durante os três primeiros séculos da Era Cristã a igreja gozava de uma aparente unidade. Como assim? Examinando as cartas do apóstolo Paulo, ainda em meados do século I, encontramos em suas cartas um constante apelo à unidade. Não foi fácil para Jesus unir doze homens com personalidades e temperamentos totalmente diferentes e torna-los seus apóstolos, aqueles que dariam continuidade à sua missão de reconciliação do ser humano com Deus. Não foi, tampouco, para esses apóstolos unir em torno da fé em Cristo dois povos distintos, judeus e gentios. Não foi, em se tratando de gênero, unir homens e mulheres como participantes em comum, da comunidade eclesial. Quando tratamos das questões sociais pensar escravos e livres, servos e senhores, comungando, participando juntos da mesa do Senhor parece um contrassenso para uma sociedade altamente estratificada. Na primeira carta que o apóstolo Paulo escreve aos corintos lemos: E eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo. Leite vos dei por alimento, e não comida sólida, porque não a podíeis suportar; nem ainda agora podeis; porquanto ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja e contendas, não sois porventura carnais, e não estais andando segundo os homens? Porque, dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo; não sois apenas homens? (1 Co 3.1-4) Os apóstolos tentaram a todo custo manter a unidade da igreja, isto é, manter a igreja livre dos interesses pessoais, das vontades dos seus líderes em detrimento da vontade soberana do cabeça da Igreja, Cristo. A igreja em Corinto expressa muito bem isso. Uma igreja dividida pela predileção de líderes proeminentes que haviam marcado de algum modo a vida daquela igreja e que por ali passando deixaram para trás as marcas do seu trabalho que agora era por uns admirados quase ao ponto de idolatria tornando a igreja, nascida para ser um organismo dinâmico, acabava com isso tornando-se estática por estarem presos não ao nome de Cristo, mas de homens. Em Efésios Paulo escreve ainda sobre a essencialidade da unidade da igreja Percebemos o impacto da mensagem de Cristo, da fé evangélica sobre o Império Romano, quando este, solapado pela fragmentação politica, é salvo pela “unidade” da igreja cristã. Com a aliança entre Estado e Igreja esperava-se a continuidade do ideal universalista da igreja, e em consequência do Reino de Deus na terra. No entanto, esse ideal já nascera fadado ao fracasso. A igreja tornou-se mais um aspecto do Estado. Sobre esta situação de dependência e acomodação, H. Richard Niebuhr apresenta as consequências desse infortúnio para a cristandade: "Não somente o interesse do Estado na Igreja e vice-versa estariam destinados a produzir cismas eclesiásticos na esteira das divisões politicas, mas também a acomodação do cristianismo à cultura predominante, que a posição de uma igreja privilegiada tornava inevitável, estava fada a envolver a igreja em todas as desintegrações da unidade cultural" (1992:74) Já nos três primeiros séculos da história da igreja cristã, encontramos os conflitos existentes na igreja. As disputas se acirraram ainda mais com a intervenção do Estado. A fé cristã passou a ser produto do Estado gerido e mantido pelo Império. A voz dos apóstolos é substituída pelas decisões dos concílios nos quais a palavra do Imperador se coloca acima das Escrituras. Cismas internos são provas contundentes do aparente fracasso do ideário de unidade da Igreja. Arianismo, nestorianismo, monofisismo, foram alguns dos "ismos" da igreja nos primeiros séculos, que provocaram cisão na igreja, sem, no entanto, romper radicalmente com a Igreja instituída. Mais tarde a divisão em Igreja Oriental (grega) e Igreja Ocidental (latina), uma com sede em Roma e a outra em Constantinopla, expuseram questões que iam além de questões teológico-doutrinárias, essas divisões foram resultadosacima de tudo por questões culturais e politicas. DENOMINACIONALISMO E REFORMA Mudanças de mentalidade na Europa afluíram para o surgimento do denominacionalismo. O primeiro passo neste sentido se deu com as mudanças de paradigmas do mundo moderno com o humanismo e suas ramificações que traziam o homem para o centro do Universo e da sociedade, superando, assim, o paradigma medieval que colocava Deus no centro. O racionalismo, filho mais velho do humanismo, punha a razão acima da fé. Aqui a Igreja Católica começa a sofrer críticas juntamente com seus dogmas. O humanismo produz o renascimento que, por sua vez, irá gerar os primeiros pensadores da modernidade como Erasmo de Roterdam que restaura o texto grego do Novo Testamento. Neste mesmo período a Bíblia é impressa por Guttemberg, causando uma revolução nas comunicações. Bíblia agora se torna acessível aos leitores modernos. Com este livro em mãos a autoridade da Igreja e seus dogmas seriam avaliados à luz da revelação escrita. A Reforma Protestante é o resultado da confluência dos diversos movimentos sociais europeus que viam no autoritarismo católico romano um retrocesso frente a uma nova era que estava nascendo. Não é à toa que a Reforma terá o apoio de príncipes interessados em livrar-se do jugo católico. Diversos estados europeus irão apoiar líderes reformadores de onde nascerão igrejas independentes do poder papal, mas que terão os seus príncipes como chefes supremos da igreja. Aí teremos o luteranismo (Alemanha), calvinismo (Genebra e França), zwinglianismo (Suíça), anglicanismo (Inglaterra). Uma das consequências mais óbvias das Reformas foi a divisão da Igreja Católica medieval numa série de igrejas. O processo pelo qual essas várias comunidades estabeleceram suas próprias identidades é conhecido como confessionalização. "(...) Esse termo “designa a fragmentação da cristandade unitária (Christianitas latina) da Idade Média em pelo menos três igrejas confessionais – a luterana, a calvinista ou ‘reformada’ e a católica romana ou pós-tridentina. Cada uma delas formou um sistema sumamente organizado, que tendia a monopolizar a visão de mundo no tocante ao indivíduo, ao Estado e à sociedade, e que assentou regras rigorosamente formuladas na política e na moral (Shilling)”. (LINDBERG, 2001: 424). As consequências dessa “confessionalização” segundo Carl Lindberg são as seguintes: (1) “as comunidades protestantes começaram a desenvolver suas próprias identidades culturais e sociais”; (2) “os diálogos entre as igrejas até no seio delas consistiam, em grande parte, de condenações e anátemas mútuos”; (3) “construção de sistemas teológicos para proteger suas igrejas e excluir alternativas”; (4) “consolidação do incipiente Estado moderno e sua concomitante imposição da disciplina social”; (5) “surgimento do racionalismo, deísmo e pietismo que alimentaram iluminismo dos séculos 18 e 19”. (idem p. 424-5) Em cada Estado protestante, todavia, surgirão grupos dissidentes que não irão concordar com os abusos operados por estas igrejas nacionais. Clamarão por plena liberdade de expressão e liberdade religiosa. Nascem as chamadas “seitas” protestantes: entre as diversas seitas do período da reforma citamos os anabatistas, menonitas (Países Baixos) e batistas (Grã-Bretanha). A reforma protestante tinha como base comum a justificação pela fé, a centralidade das Escrituras, o sacerdócio de todos os crentes. A reforma radical, ou o “sectarismo reformado”, se caracterizou pela ênfase na separação entre igreja e estado, que a reforma não abriu mão. O denominacionalismo que daí deriva, não negará as doutrinas essenciais da reforma, defenderá o estado laico, mas defenderá doutrinas próprias a cada grupo (por exemplo, batismo somente de adultos, imersionismo, predestinação). A Reforma não negou a maior parte dos credos da igreja dos séculos 4 e 5, como o Credo dos Apóstolos, o Credo Niceno e o Credo Atanasiano. Elaboraram suas confissões fé peculiares ao protestantismo em geral (séculos XVI e XVII), desenvolvidos e reinterpretados pelas diversas denominações dele decorrentes. Earle E. Cairns (1995: 290) apresenta o seguinte diagrama da fé protestante: DESENVOLVIMENTO DO DENOMINACIONALISMO O denominacionalismo tem suas raízes na emergência das nações na virada do período medieval para o moderno. Na América suas fontes básicas devem ser procuradas nas igrejas europeias que emigraram para o novo mundo. “As denominações não são propriamente uma invenção americana mas elas ganharam aí tamanha força que parecem ser” (AZEVEDO, 2004: 143). (...) O denominacionalismo desenvolveu-se a partir da separação entre igreja e estado. (...) A tolerância e a liberdade religiosa criaram a necessidade de um apoio voluntário à igreja e de um controle mais democrático dos seus negócios pelos leigos. (...) Já que as pessoas não eram obrigadas a pertencer a uma igreja oficial, a evangelização se tornou um meio importante de levá-las ao cristianismo. (...) A separação criou o estado secular do século XX, que em alguns lugares ameaçou a existência da igreja (CAIRNS, 1995: 307). No Novo Mundo as denominações protestantes provenientes da Europa irão incorporar um novo modus vivendi e um novo modus operandi. A realidade social, política, econômica e religiosa da América proporcionará novos modos de ser igreja. O sonho da Terra Prometida mostrará a esses novos cristãos os desafios de uma nova era do protestantismo. A necessidade de expansão das colônias revelará também a necessidade da expansão da sua denominação. Aqui começam a surgir a empresa evangelística e missionária do Novo Mundo. H. Richard Niebuhr diz que apesar de a imigração europeia já trazer em si o espírito do denominacionalismo por meio das suas varias organizações religiosas “muitas das duzentas variedades de cristianismo que floresceram nos Estados Unidos nasceram dentro de suas fronteiras e muitas outras cujas origens derivam-se da Europa devem seu atual insulamento à operação das forças sociais naturais ao novo ambiente” (NIEBUHR, 1992: 87). Três fatores principais são apresentados por NIEBUHR para o desenvolvimento do denominacionalismo nos Estados Unidos: (1) “a heterogeneidade de uma população de imigrantes e a presença de duas raças diferentes”; (2) “substituiu as linhas horizontais da estrutura de classes europeias pelas linhas verticais de uma sociedade regionalizada”; (3) “migração forçada da raça africana para o Novo Mundo e da subsequente relação entre brancos e negros” (idem). AZEVEDO acrescenta afirmando que esta consciência [denominacionalista] foi gerada por uma necessidade de organização para defesa contra a ausência de liberdade e para o crescimento interno, e alimentada permanentemente por um espírito de repúdio ao catolicismo. (2004:143) O denominacionalismo apresenta as seguintes características (REILY, 2003: 38-9): Princípio do voluntarismo – “Este princípio, mais do que adequado ao desestabelecimento da Igreja na América (após a Revolução) e à rápida expansão do país, tornou evidente o gênio da livre empresa do povo anglo-saxônico e da religião americana, e ainda da disposição dos americanos para fazer funcionar a liberdade religiosa em prol do Reino de Deus”. Propósito ou intenção – “frequentemente, a denominação via o seu propósito, a razão da própria existência, como divino”. Unitiva ou ecumênica – “A palavra ‘denominação’ sugere que o grupo referido é apenas membro de um grupo maior chamado ou denominado por um nome particular. A afirmação básica da teoria denominacional da Igreja é que a Igreja verdadeira não deve ser identificada em nenhum senso exclusivo com qualquer instituição eclesiástica particular” Meio para um fim – “A denominação era instrumental à cristianização da sociedade – à cristianização da nova Republica e também do mundo”. Aspecto missionário – “A denominação era então uma estrutura missionária e por intenção nacional nas aspirações”. “O aspecto missionário (...) não se esgotou, é claro, na América do Norte, pois as principais confissões enviaram missõesao estrangeiro, muitas das quais se estabeleceram no Brasil. (...) Seu propósito central [das denominações] era levar outros a compartilharem os benefícios da Bíblia, da Reforma e da civilização cristã; mas não puderam esquecer-se das ênfases particulares e, como entendiam, das vantagens que sua denominação particular oferecia”. O denominacionalismo, portanto, é o resultado das transformações sofridas pelas organizações religiosas vindas da Europa que tiveram que se adaptar a uma nova realidade social diversa da vivida em seus países de origem. (...) O denominacionalismo desenvolveu-se a partir da separação entre igreja e estado. (...) A tolerância e a liberdade religiosa criaram a necessidade de um apoio voluntário à igreja e de um controle mais democrático dos seus negócios pelos leigos. (...) Já que as pessoas não eram obrigadas a pertencer a uma igreja oficial, a evangelização se tornou um meio importante de levá-las ao cristianismo. (...) A separação criou o estado secular do século XX, que em alguns lugares ameaçou a existência da igreja (CAIRNS, 1995: 307). As denominações não se consideravam a Igreja verdadeira, mas detentoras de uma missão divina de propagar o Reino de Deus primeiramente no Novo Mundo e como extensão além de suas fronteiras. Os batistas foram uma das denominações que no continente americano se firmou com todas as características do denominacionalismo que viria alcançar o Brasil com as boas novas do evangelho. Capítulo 2 OS BATISTAS PENSAM SUAS ORIGENS Nos últimos anos têm-se publicado artigos monografias sobre a história dos batistas, principalmente quanto a história de igrejas e a sua relação com suas igrejas fundadoras. Esse interesse pela história é fundamental para a preservação da memória dos batistas a nível local e global. Escrever a História dos Batistas é uma tarefa bastante árdua. Durante muito tempo se predominou no Brasil, importado dos EUA a interpretação landmarquista da história dos batistas. No entanto, estudos sérios a partir de fontes confiáveis, tem-se abandonado essa mentalidade, apesar de em muitos púlpitos e algumas instituições de ensino teológico manter essa concepção. Os batistas, portanto, tem se colocado a favor da historicidade deixando um pouco de lado a paixão e procurado fundamentar sua história em bases críveis, historicamente fundamentadas e sustentadas pelo crivo cientifico, sem, contudo, abrir mão dos valores cristãos tão caros à igreja cristã e particularmente aos batistas. TEORIAS DA ORIGEM DOS BATISTAS No estudo da história dos batistas aparecem três teorias que tentam explicar a sua origem, (1) a teoria JJJ, (2) o parentesco ananbatista e (3) separatistas ingleses. Apresentamos ainda uma síntese que é a questão central que dá nome aos batistas que são as controvérsias em torno do batismo infantil representado pelo antipedobatismo, que apresentamos abaixo. TEORIA JJJ Os defensores dessa teoria acreditam que os batistas vêm em linha ininterrupta desde os tempos em que João Batista efetuava seus batismos no rio Jordão, daí a abreviatura JJJ (Jerusalém-Jordão-João). Abaixo apresentaremos o desenvolvimento desta teoria dentro do movimento landmarquista. Segue aqui alguns autores que defenderam essa teoria: Thomas Crosby escreveu entre 1738 e 1740 uma História dos Batistas Ingleses, em quatro volumes. G. H. Orchard, em 1855, escreveu História Concisa dos Batistas Estrangeiros. J. M. Cramp publicou em 1868 História dos Batistas: desde os princípios até o fim do século XVIII. John T. Christian escreveu, em 1922, História dos Batistas. J. M. Carrol escreveu O Rastro de Sangue, livro amplamente difundido no Brasil por defensores dessa teoria. PARENTESCO ANABATISTA Essa teoria argumenta que os batistas possuem parentesco espiritual com os anabatistas do século XVI . Existem semelhanças, mas as diferenças superam. Por exemplo a sua aversão pelos juramentos e pelos cargos públicos, pacifismo, defendiam a doutrina do sono da alma e a necessidade da sucessão apostólica para a ministração do batismo. Defensores desta teoria podemos citar: David Benedict publicou em 1848, História Geral da Denominação Batista na América e em outras partes do mundo; Richard Cook, em 1844, História dos Batistas em todos os tempos e países; Thomas Armitage escreveu Historia dos Batistas (1889); Albert Henry Newman, 1897, História do Antipedobatismo; Walter Rauschenbusch, iniciador do Evangelho Social, concorda com essa teoria apostólica para a ministração do batismo. Os Batistas rejeitaram o nome anabatista, não querendo ser confundido com ou identificados com as pessoas que levavam esse nome. (Na verdade, os anabatistas verdadeiros não gostavam que os chamassem deste nome, porque tinha conotações desfavoráveis da história da igreja primitiva.) Até o fim do século XVIII, muitos batistas se referiram como “os cristãos frequentemente (porém falsamente) chamado anabatistas".[1] SEPARATISTAS INGLESES Esse terceiro movimento defende a ancestralidade dos batista a partir do movimento separatista inglês (2001:13,14). Abordaremos mais amplamente essa perspectiva no capítulo 3, onde esboçaremos a reforma na Inglaterra como pano de fundo para a história dos batistas. Como defensores desse ponto de vista podemos citar: Henry C. Vedder, Breve História dos Batistas (1907); Augustus Hopkins Strong; Robert G. Torbert, História dos Batistas (1950). ANTIPEDOBATISTA (TEORIA CONCILIAR) Acrescentamos aqui a esta classificação de J. R. Pereira, a de Justo C. Anderson, citado por João Falcão Sobrinho em seu livro A Túnica Inconsútil: a teoria da relação antipedobatista. Esta teoria apresenta os batistas como herdeiros espirituais de todos os grupos que, sob diversos nomes, lutaram contra o batismo infantil durante os séculos que precederam a Reforma. Sem se importarem com uma linha sucessória forma, esses historiadores ligam os batistas a todos os grupos que lutaram contra o batismo de infantes por entenderem que essa prática fere doutrinas essenciais da fé cristã (1998:105). Este último autor citado, após apresentar as três teorias a partir do método dialético de Hegel, onde a tese seria a relação antipedobatista, a antítese a teoria da sucessão histórica e a síntese a restauração separatista, João Falcão Sobrinho, diz o seguinte a cerca de seu pensamento: Para Anderson, a vantagem de considerar as três teorias como não mutuamente excludentes, resolve questões como, por exemplo, colocar dentro de uma mesma linha sucessória, grupos que tinham em comum a posição antipedobatista mas em outros pontos de doutrina eram diferentes uns dos outros. Entre os antipedobatistas houve grupos que sustentavam as mesmas doutrinas que vieram a ser defendidas pelos batistas. Em outras palavras, sempre houve batistas, mesmo que não usassem esse nome. Eram batistas e não sabiam! A conclusão da síntese andersoniana é que onde quer que um grupo de cristãos decida sustentar suas doutrinas do Novo Testamento e reger suas vidas exclusivamente pela Bíblia, ali estará uma Igreja Batista (idem). Apesar de bem elaborada, e transmitida através da literatura produzida pelos batistas (JUERP), a hipótese de J. C. Anderson, apresentada por J. Falcão Sobrinho, tende a repetir que ser Batista é ser essencialmente cristão. Essa concepção, portanto, se tornou popular entre os batistas, sintetizada na ideia de que os batistas se originaram dos apóstolos numa linha sucessória, perpassando os diversos “períodos” da história com nomes diferentes. José Reis Pereira segue essa mesma linha quando se refere à igreja neotestamentária. Ele diz que assim como a Igreja Católica Apostólica Romana e muitas igrejas protestantes arrogam uma origem apostólica, os Batistas ainda mais. Resta ver quem pode diante do Novo Testamento comprovar a alegação. Nossa tese é a seguinte: os discípulos de Cristo que a partir dos séculos XVII e XVIII passaram a ser conhecidos como Batistas têm as mesmas doutrinas e práticas das igrejas do primeiro século de nossa Era. Mais ainda: as igrejas batistas de hoje podem resistira uma comprovação com as igrejas cristãs do primeiro século. Acrescente-se que através destes vinte séculos de História do Cristianismo muitos discípulos de Jesus mantiveram essa identificação com o cristianismo neotestamentário. Não tinham o nome de Batistas mas, pela comparação, se pode verificar um estreito parentesco entre eles e os Batistas de hoje. Por isso dizemos que o nome não nos deveria perturbar (2001:14). O MOVIMENTO LANDMARQUISTA Esse modo de pensar a origem dos batistas recebeu o nome de landmarquismo. Este termo foi extraído de um panfleto de James M. Pendleton, An Old Landmark Re-Set (“Um Antigo Marco Divisório Recolocado”) de 1856. “Landmark, portanto, é esta divisa, linha ou marco divisório”. O movimento landmarquista foi proposto por James R. Graves (1820-1893), e “representa várias convicções sustentadas por alguns batistas, mormente no sudeste dos Estados Unidos, no tocante a natureza da igreja”. Os seguintes pontos são afirmados por este movimento: congregacionalistas (autoridade da assembleia local) Ceia – limitada aos membros da assembleia Batismo – numa congregação local corretamente instituída “linhagem batista” – desde João Batista até As igrejas batistas da atualidade A igreja católica e as igrejas da Reforma não são igrejas genuínas segundo o Novo Testamento. Os missionários que vieram para o Brasil, oriundos do sudeste dos EUA, implantaram esse modo de pensar landmarquista na mentalidade da população. Um livro que se tornou popular entre os batistas foi O Rasto de Sangue de J. M. Carrol que descreve o “percurso” dos batistas desde os dias apostólicos. Na apresentação deste livro em sua edição no Brasil, o missionário batista Walter B. McNealy assim escreve: “Quase sempre encontramos pessoas que nos perguntam qual é a Igreja mais antiga e este livro responde satisfatoriamente àquela pergunta. Não há razão, pois, para o povo não saber a verdadeira história da Igreja de Jesus Cristo [os batistas]” (s.d.: p.1; grifo meu). Na página 39 de O Rasto de Sangue, Carrol diz orgulhosamente (ou pretensiosamente!) que o nome Batista é um apelido e lhes foi dado por seus inimigos. (Se é que não o fôra dado legitimamente pelo próprio Salvador, quando Êle se referiu a João como o ‘Batista’). Até o dia de hoje o nome batista nunca foi oficialmente adotado por qualquer grupo de batistas. O nome, entretanto, se fixou e foi voluntariamente aceito e orgulhosamente recebido. Êle se ajustou perfeitamente. Êste foi o nome distintivo do precursor de Cristo, o primeiro a ensinar a doutrina que os batistas agora mantêm. Assim, Carrol busca a partir de uma bibliografia bastante esparsa defender sua teoria, as quais todavia, na maioria das vezes não se referem aos batistas em si, mas a grupos anabatistas, ou grupos que cristãos não simpatizantes com o batismo de infantes. Ele recorre também à tradição a fim de justificar sua tese a exemplo da inserção do evangelho na Inglaterra: “O Evangelho foi levado à Inglaterra pelos apóstolos e o sêlo apostólico permaneceu na sua religião até depois da organização da Hierarquia no início do quarto século, e realmente, por mais um século” (idem, 40). “A lógica do landmarquismo”, segundo Israel Belo de Azevedo em seu livro A Celebração do Indivíduo, se constituía na seguinte assertiva: “o Reino de Deus prevaleceu; o Reino sempre incluiu todas as igrejas verdadeiras; os batistas são a única igreja verdadeira; logo, os batistas sempre existiram” (2004:214). O Pr. Carlos César P. Novaes escrevendo em O Jornal Batista a respeito deste modo de pensar landmarquista, descreve o movimento nos seguintes termos: O movimento landamarquista norte-americano surgiu no século 19 a partir de uma ideia bastante simples, e ao mesmo tempo pretensiosa, proclamada inicialmente por James R. Graves (editor do Tennessee Baptist) e J. M. Pendleton, do Kentucky: os cristãos apostólicos já eram batistas, e qualquer pessoa não vinculada a uma igreja batista não pode ser considerada um cristão autêntico. Em outras palavras: os batistas são os únicos cristãos verdadeiros – modéstia à parte naturalmente. Como consequência desse pressuposto fundamental, desdobram-se as demais posturas assumidas pelos batistas norte-americanos e devidamente transportadas para as igrejas brasileiras, organizadas por missionários da Convenção do Sul dos Estados Unidos desde o final do século 19, posturas estas que se tornaram elementos basilares nos concílios formados para a ordenação de pastores e nas eclesiologias batistas divulgadas nos púlpitos, ensinadas nos seminários e registradas na literatura para a edificação da doutrina das igrejas. Neste mesmo artigo o autor afirma que apesar da resistência ao landmarquismo, três propostas principais continuavam em vigor na década de 50 (XX): a) o batismo por imersão em outras igrejas não-batistas (denominado pelos landmarquistas de allien immersion, isto é, imersão alheia ou estranha) não deve ser reconhecido como batismo cristão autêntico e, por isso, de acordo com o raciocínio do landmarquismo, a pessoa que deseja ingressar numa congregação batista precisa ser rebatizada; b) só podem participar da Ceia os batistas, e em alguns casos somente os batistas da congregação local [ceia restrita e ultra-restrita]; c) a prática de estender convites a pastores de outras denominações para pregar nas igrejas batistas, a pulpit affiliation, não deve ser tolerada, pois afinal os pregadores batistas são os únicos detentores da verdade (grifo meu). LANDMARQUISMO NO BRASIL Israel Belo de Azevedo trata essa questão a partir do princípio de autocompreensão do povo batista o qual é feito “do fio do orgulho denominacional”. Citando diversos autores batistas clássicos, ele mostra como esse “modo de ser, pensar e agir” está presente na história dos batistas do Brasil desde sua implantação. Ele cita W.B. Bagby numa carta escrita para a sua Junta Missionária: Uma igreja batista não pode estar em absoluta fraternidade com instituição alguma fora de outra igreja batista (...) Devemos estar em paz e boas relações para com igrejas e outras instituições fora da nossa denominação, mas somente quando for possível, e até onde foi possível. É preciso que a pessoa, instituição ou igreja se harmonize primeiro com o evangelho, para que assim possa estar em completas e absolutas relações fraternais com as igrejas batistas (apud, 2004:212). Para Azevedo essas exigências não poderiam abarcar nenhum outro grupo a não ser os próprios batistas. “Completas e absolutas relações fraternais” somente é possível nessa concepção com os iguais. Por exemplo, a partir desta perspectiva não poderíamos estabelecer nenhuma relação com presbiterianos, nem tampouco com os pentecostais, revelando, assim um isolacionismo e antiecumenismo em todos os seus aspectos (idem, 213). Ainda sobre a influência do modo de ser landmarquista na mentalidade do povo batista Azevedo apresenta através de citações fundamentadas que, em alguns autores, não havia uma defesa de uma sucessão apostólica, e sim relacionada às doutrinas. Não cremos em sucessão apostólica. S. João, o último dos apóstolos, morreu nos fins do primeiro século, e não existiu outro apóstolo depois dele. (...) Mas cremos na sucessão e continuação das doutrinas e ordenanças da Igreja Cristã desde seu fundamento por todas as idades, e que continuarão até a consumação dos séculos. Nos tempos da maior depravação, e durante as mais sanguinolentas perseguições de Roma pagã e Roma papal têm existido verdadeiras testemunhas – os fiéis conservadores e propagadores dos mandamentos e ordenanças de Cristo, como foram recebidos do seu Fundador (Z. C. Taylor, apud, 2004:214). Alguns autores batistas renunciavam a palavra sucessão, por esta estar relacionada à sucessão apostólica do catolicismo romano, como J. R. Graves, preferindo falar em “continuidade ininterrupta do reino de Cristo, desde os dias de João Batista até agora, segundo as expressas palavras de Cristo” (apud. 2004:215). A perspectiva sucessionista, segundo Azevedo, é fruto do século XIX, principalmentecomo consequência dos movimentos avivalistas, que promoveu um grande crescimento nas denominações que enfrentavam disputas entre si. Ele diz que a teoria da sucessão nasceu de forma explícita na primeira metade deste século, primeiramente com David Benedict que entendia que “alguns sentimentos peculiares” aos batistas “sempre existiram” em diferentes seitas do passado. O conceito de sucessão, porém, como uma linha intata de batistas desde a era apostólica surgiu com G. H. Orchard em seu livro A Concise History of Foreign Baptist. Nos Estados Unidos esta teoria ficou sedimentada no pensamento batista sendo seguida ao pé da letra por uns e modificada por outros. Outra teoria surgida nos mesmo período, a do parentesco espiritual dos anabatistas, veio competir com a da sucessão apostólica. A posição dominante, apesar das várias teorias referentes às origens dos batistas continua sendo a dos pioneiros. Portanto, está enraizada na mente da maioria dos batistas mesmo inconscientes essa posição que diz ser os batistas sucessores dos apóstolos. No entanto, as nossas práticas cristãs demonstram o contrário: estamos longe de ser apostólicos, somos simplesmente batistas. O resultado dessa concepção de história linear, sem descontinuidade, das origens dos batistas, apresentada pelo movimento landmarquista ,segundo Gilson Santos, apresenta as seguintes ênfases que ainda permeiam o pensamento de alguns batistas no Brasil: “esforços para se confirmar uma linhagem histórica batista desde os tempos do Novo Testamento; tentativas de dissociar os batistas do protestantismo; e uma resistência em reconhecer como válida qualquer ordenança realizada por igrejas evangélicas não-batistas” [2]. Essa perspectiva, portanto, promove o divisionismo, a hostilidade, e o exclusivismo. O cristianismo tem sofrido ao longo das eras exatamente por se comportar deste modo. Como uma igreja que se diz “fiel” aos princípios neotestamentários esse movimento não deveria ser apoiado por qualquer igreja verdadeiramente cristã pois fere diretamente os princípios bíblicos da unidade do Corpo – ao invés de ferir os princípios batistas. Em meio à diversidade precisamos cooperar para a expansão do Reino de Deus, não do nosso ethos denominacional. O denominacionalismo, do qual os batistas são fruto, deve nos fazer pensar em nossas diferenças e não promover a desigualdade. Afinal, como pregamos, na consumação dos séculos somente haverá uma Igreja, e esta não terá o nome de batista, e sim o nome de Jesus. Capítulo 3 REFORMA PROTESTANTE NA INGLATERRA Um dos fatores que favoreceu a explosão das reformas protestantes foram as mudanças políticas na Europa. A igreja católica e todas as suas pretensões de um Estado universal, estava cedendo ao novo conceito de nação-estado. Estas nações-estados eram nacionalistas, opondo-se ao domínio de um governo religioso universal. A unidade política foi substituída pela ideia de independência e soberania nacional. O modelo feudal estava em ruínas. Quando eclode a Reforma alguns príncipes intentam apoiá-la a fim de terem o controle sobre a igreja. É bom lembrar que as nações que aceitaram o protestantismo durante a Reforma estavam localizadas fora da órbita do velho Império Romano, cujas poderosas classes médias tinham uma ótica cultural diferente das nações latinas. Alguns têm tomado a Reforma como uma revolta das nações teutônicas do norte contra as nações latinas de cultura mediterrânea e com um conceito de organização internacional, herdado do velho Império Romano. Os governantes dessas nações-estados rejeitavam a jurisdição do papa sobre seu território; jurisdição esta temporal e espiritual, uma vez que a igreja Romana possuía grandes propriedades de terra em toda a Europa. A propriedade de terras criou uma divisão de soberania no estado que governantes despóticos como os Tudors, da Inglaterra, na podiam aceitar. Cargos importantes da Igreja Romana eram preenchidos por um estrangeiro, o papa. Os clérigos eram julgados em cortes eclesiásticas e nas cortes civis do estado. Além do mais, aquelas cortes podiam apelar diretamente para a Sé romana. (CAIRNS, 1995:226) Esses estados nacionais com o movimento reformista irão exercer o domínio sobre as igrejas nacionais (luterana, calvinista, presbiteriana, anglicana, etc.) surgidas com o apoio, e ao serviço, do Estado (alemão, escocês, inglês, suíça, etc.). Essas igrejas nacionais possuem as seguintes características, conforme H. Richard Niebuhr (1992:81-4): “compartilham com o catolicismo (...) o princípio institucional de organização social. Em suas concepções de sacramentos, conversão, educação e ofício ministerial, representam o institucionalismo e o autoritarismo em oposição à concepção individualista e democrática do cristianismo”. “são de caráter doutrinário e litúrgico, encarando a submissão ao credo e ao ritual como exigências essenciais do cristianismo”. tendem a “restringir a aplicação da ética cristã aos aspectos mais individuais da conduta humana ou à conduta social dentro dos limites da família”. Assim, as igrejas nacionais surgem como instrumento nas mãos dos príncipes europeus cansados de se sujeitarem ao poderio de Roma. Esses príncipes agora serão, eles mesmos, “papas” em seus Estados, como é o caso da igreja da Inglaterra, de onde sairá, em oposição a este estado de coisas, a “seita” batista. ANTECEDENTES DA REFORMA NA INGLATERRA HENRIQUE VIII A fim de traçarmos a história dos batistas é preciso iniciar a nossa caminhada nas reformas protestantes especialmente na Inglaterra e então percebermos as tensões aí existentes que deram origem ao grupo que denominamos batistas. É somente a partir da compreensão da formação do Estado nacional inglês que podemos perceber o germe formativo do pensamento e dos princípios que constituíram as igrejas batistas. A Reforma empreendida por Lutero na Alemanha abalou todas as estruturas dos Estados europeus, católicos, porém insatisfeitos desde a muito com a Igreja pelo poder que exercia frente às autoridades civis. Na Inglaterra esse confronto se deu a nível primeiramente pessoal e consequentemente político entre o rei Henrique VIII e a Igreja. Henrique VIII casado com a viúva de seu irmão, Catarina de Aragão em 1509, alegou diante do papa Júlio II que seu casamento era inválido, referindo-se a Levítico 18.6-18. Catarina diante de suas gravidezes, somente sobreviveu uma filha, Maria Tudor (1516). Henrique se envolvera com muitas mulheres, se apaixonando por uma irmã de suas amantes, Ana Bolena. Ele queria ter um filho a fim de manter a estabilidade do seu reino, para isso apela ao papa Clemente VII para anular seu casamento, apesar das tentativas não obteve êxito. Por intermédio de Tomás Cromwell (1485-1540), o desejo do rei foi atendido através de uma decisão tomada pelas universidades da Inglaterra e Europa. Além disso ele sugeriu que a coroa substituísse o papa como cabeça da Igreja na Inglaterra (2001:378). O tribunal inglês concedeu a dispensa para a anulação do casamento, diante deste ato o papa anulou a anulação e excomungou o rei (1533). Em 1534 o Henrique VIII editou o Ato de Supremacia separando a Igreja da Inglaterra de Roma e colocando o rei como único Cabeça da Igreja da Inglaterra. Carl Lindberg nos lembra de que “o Ato de Supremacia foi uma ruptura constitucional com a autoridade papal, não uma introdução do protestantismo” (ibid., 379). Além do Ato de Supremacia outro documento importante editado por Henrique e aprovado pelo parlamento foi o Estatuto dos Seis Artigos, em 1539, que reafirma o dogma católico (transubstanciação, a comunhão de uma espécie para os leigos, o celibato clerical, a santidade dos votos monásticos, confissão auricular e as missas privadas); apesar da separação de Roma, em teologia continuava católica. Em 1536 Henrique fizera concessões à Reforma ao promulgar os Dez Artigos e ao autorizar a tradução da Bíblia inglesa por Tyndale. Tendo-se casado com Ana Bolena, não lograra o filho esperado. Acusada de adultério foi julgada e decapitada (1556). Em seguida Henriquecasou-se com Jane Seymour com quem teve um filho (Eduardo VI) antes que ela morresse. Depois contraiu núpcias com Ana de Cleves, da qual se divorciou, seguindo a esta, Catarina Howard a quem executou, e finalmente Catarina Parr, a única sobrevivente (1995:269). Apesar de ter morrido católico, Henrique VIII (1491-1547) deixou aberta as portas da Inglaterra para a entrada do protestantismo. Podemos destacar o fechamento dos mosteiros, a tradução da Bíblia inglesa. EDUARDO VI Seu filho, Eduardo VI, foi o responsável pelo estabelecimento do protestantismo na Inglaterra. Seu tio Eduardo Seymour, indicado regente, imediatamente pôs fim a toda perseguição de protestantes e liderou o parlamento na revogação da maioria das leis relativas a traição e heresia, incluindo os Seis Artigos. Isso não só estimulou o retorno dos protestantes que haviam fugido sob Henrique VIII, mas também atraiu reformadores continentais, a maioria dos quais era de persuasão zwingliana (LINDBERG, 2001:382). Quem encabeçou o protestantismo inglês foi Tomás Cranmer. Ele foi o arcebispo de Cantuária na época de Henrique; sua orientação protestante exerceu influência significativa sob Eduardo. Cranmer foi responsável pela elaboração do Livro de Oração Comum de 1549, o qual foi revisado em 1555, pois julgavam conter muito dos usos do catolicismo romano. Vejamos algumas novidades no protestantismo inglês da época de Thomas Cranmer: Agora o casamento de clérigos floresceu (...). O primeiro Livro de Oração de Cranmer, de 1549, foi revisado em 1555. Esse Livro de Oração Comum definiu o caráter de um protestantismo inglês que evitava extremos na doutrina e na liturgia, mas excluía as ambiguidades que haviam permitido aos católicos prestar culto de acordo com a edição de 1549. A eucaristia foi agora apresentada em termos memoriais suíços. De modo semelhante, em 1553, Cranmer produziu uma declaração de fé para a Igreja inglesa que representava um meio termo entre as teologias luterana e calvinista. Esses Quarenta e Dois Artigos constituíram o fundamento para os posteriores Trinta e Nove Artigos que definiram a Igreja da Inglaterra sob Elisabete I e continuam a moldar a Igreja Anglicana na atualidade (op. Cit., 383). Na época de Cranmer, além das reformas citadas acima, os bispos católicos foram substituídos por protestantes. Cranmer ainda revisou o direito canônico através da Reformatio legum ecclesiasticarum (1552) que “visava substituir a base católica medieval da sociedade pela disciplina reformada, a terceira ‘marca’ da Igreja além da doutrina verdadeira e do uso correto dos sacramentos” (idem). A promulgação desse documento não logrou êxito.Com a morte de Eduardo VI (1553) inicia-se o processo de sucessão ao trono. Antes de sua morte, Eduardo havia deserdado suas meia-irmãs, a fim excluir Maria, filha de Catarina, como herdeira natural ao trono. No lugar propuseram Lady Jane Grey, sobrinha-neta protestante de Henrique VIII e nora de João Dudley (Warwick) Duque de Northumberland[3], que substituíra Somerset da posição de Protetor. Esse plano, todavia, não deu certo, custando a sua vida e da liderança do protestantismo eduardiano. MARIA TUDOR, A SANGUINÁRIA Finalmente Maria Tudor, de fé católica, ascende ao trono inglês (1553-1558), ameaçando a Reforma inglesa. Segundo Earle E. Cairns, “seu reinado coincidiu com o desenvolvimento da Contra-Reforma na igreja romana no continente e pode ser entendido como a Contra-Reforma inglesa” (1995:270). “Contudo”, de acordo com Lindberg, “ironicamente, a preocupação assoberbante de Maria com a fé católica romana serviu para fortalecer a causa protestante” (op. Cit., 384). O reinado de Maria Tudor (conhecida como Maria Sanguinária por suas atrocidades) não agradou à maioria dos seus súditos, primeiro por causa do seu casamento com Filipe II da Espanha, católica; além disso na tentativa de introduzir Contra-Reforma, tornou-a ainda mais impopular. Outro fator de insatisfação em seu governo foi a tentativa de devolver as terras monásticas à Igreja, agora no poder de particulares que as haviam comprado. Ela perseguiu ainda líderes protestantes sem contudo erradicar o protestantismo. Cerca de 800 protestantes foram exilados para Genebra, Frankfurt e Estrasburgo, importantes centros do protestantismo continental. Os planos de Maria de restaurar o catolicismo foram frustrados. Depois de várias atrocidades a fim de conseguir seus intentos político-religiosos, após muitos protestantes terem se tornados mártires da Reforma, Maria morreu em 1558, e doze horas depois o representante de Roma o cardeal Reginald Pole (1500-1558). Maria Tudor morreu desacreditada, resultando na ascensão de Elisabete I, filha de Henrique VIII, sem reações contrárias. ELISABETE I Elisabete I (reinou de 1558-1603) encontrou a Inglaterra dividida entre católicos e protestantes, ela, todavia, se tornou protestante por nascimento, por educação, e pelas negações romanas do casamento de sua mãe. No entanto, ela se manteve neutra quanto à posição religiosa preferindo favorecer o lado que fosse mais aceito pelo povo da Inglaterra, buscando sempre uma via intermediária entre protestantes e católicos. O parlamento aprovou, em 1559, o Ato de Supremacia de Elizabete. Por essa lei eram rechaçados a autoridade do papa e todos os pagamentos e apelos a ele. Porém, foi feita uma mudança de título significativa por insistência da própria Isabel. Em lugar do antigo ‘Suprema Cabeça’, tão desagradável aos católicos e muito pouco aceitável aos protestantes militantes, ela seria agora designada ‘Governadora Suprema’ da igreja na Inglaterra –expressão muito menos censurável mas que, na prática, significava a mesma coisa. Os testes para a heresia seriam agora as Escrituras, os quatro primeiros concílios gerais e as decisões do parlamento (WALKER, vol. VI, s/d; s/p). Seguiu-se a este o Ato de Uniformidade (1563) que, além de instituir o uso do Livro de Oração Comum (1552), estabeleceu o que segue: Os Quarenta e Nove Artigos foram revisados, transformando-se nos Trinta e Nove Artigos. A própria Elisabete se envolveu nessa revisão. Os artigos se destinavam a acomodar as principais teologias evangélicas ao negar a transubstanciação, por um lado, e o simbolismo zwingliano, por outro, permanecendo, ao mesmo tempo, abertos à gama das interpretações luterana e calvinista. As Escrituras foram declaradas a fonte e norma da fé, e os credos foram aceitos porque podiam ser provados pela Escritura. Os concílios gerais ou ecumênicos foram declarados não infalíveis em si mesmos. O artigo sobre a predestinação foi apresentado de uma forma magistralmente ambígua” (LINDBERG, 2001:389-90). Esses atos receberam o nome de “Acordo Elisabetano”. Pensava-se que com esse acordo as guerras religiosas da Inglaterra seriam resolvidas, mas isso só durou por um pouco de tempo. Muitos protestantes ficaram ofendidos com as medidas tomadas por Elisabete. Eles queriam purificar a Igreja de todos os resquícios do catolicismo romano. Eles queriam a remoção das cerimônias e formas católicas como os vestidos clericais[4], o sinal da cruz, os dias de santos, entre outros. Esses protestantes radicais foram chamados de “puritanos”, (que falaremos mais abaixo). Em 1570, o papa Pio V emitiu uma bula[5] excomungando Elisabete e liberando os católicos ingleses de submissão a ela (CAIRNS, 1995:271). Além da excomunhão, outros fatores ameaçavam a coroa: a conjuração de Ridolfi[6] descoberta em 1571 e pelo massacre do Dia de São Bartolomeu de 1572. Este último suscitou o espectro de uma conspiração internacional para destruir o protestantismo em toda a Europa. Depois de 1575, houve uma preocupação crescente de que os sacerdotes católicos romanos enviados a Douai (o seminário inglês nos Países Baixos espanhóis fundado em 1568 pelo exilado de Oxford Guilherme Allen) e os jesuítas enviados do Colégio Inglês em Roma fossem uma quinta-coluna internacional para a eliminação de Elisabete (LINDBERG, op.cit., 392). As tentativas de Elisabete I de barrar o avanço do catolicismo (destarte asconspirações contra o seu reinado), também a levou a uma perseguição acirrada aos grupos protestantes que não concordavam com as novidades políticas, nem tampouco com as ações conciliares entre os principais grupos religiosos. OS PURITANOS Um dos primeiros atos de Elisabete I foi permitir que os exilados do período de Maria Tudor retornassem à pátria. Esses exilados voltaram imbuídos do espírito evangélico que haviam encontrado em Genebra e noutras partes, insistindo que os ingleses não sabiam o que era Reforma. Como dissemos acima, as controvérsias quanto às vestimentas dos sacerdotes, e a tentativa de conciliar católicos e protestantes em torno do poder real, surgiu no seio do protestantismo inglês um grupo que se opôs à liturgia da igreja e propunha um novo modelo eclesiástico para a igreja da Inglaterra, eram os puritanos[7]. Para os puritanos a Bíblia era a autoridade básica. Eles queriam banir tudo aquilo que fosse remanescente da superstição romana. Como nos referimos acima, eles eram contrários às vestes clericais prescritas, entendendo que era uma continuidade do sistema religioso anterior que perpetuava na mente popular a ideia do ministério restrito a um grupo limitado de indivíduos, negando, assim, o sacerdócio de todos os crentes. A esse respeito escreve Carl Lindberg: “A manutenção das vestimentas e da liturgia católica permitia à pessoa tradicional, iletrada vivenciar o culto anglicano quase do mesmo modo como vivenciara o culto católico” (2001:388). Os puritanos se opunham ainda à genuflexão para a recepção da Ceia, e a execução do sinal da cruz no ato do batismo. Além disso, eles combatiam o uso de alianças no casamento, considerado uma continuação da concepção de sacramento do matrimônio. Muitos puritanos começaram a adotar práticas mais simples no culto e a usar roupas comuns. A universidade de Cambridge muito simpatizava com os puritanos. Mas neste assunto a política da rainha se opunha com vigor a qualquer modificação. Em 1566 o Arcebispo Mateus Parker publicou seus “Anúncios”, exigindo dos pregadores novas licenças dos bispos, proibindo sermões que suscitassem controvérsias, prescrição das vestes clericais. Vários clérigos puritanos foram afastados de seus cargos (WALKER, vol. VI. s/d; s/p). Outra questão suscitada por esses puritanos dizia respeito à forma de governo eclesiástico. “Eles começaram a questionar se um sistema eclesiástico que depõe ministros que se recusam a usar vestes e adotar cerimônias impossíveis de se demonstrar pelas Escrituras é o que Deus deseja para a igreja” (op. Cit.). Pela influência recebida em Genebra, esses puritanos propunham um padrão de governo eclesiástico totalmente diferente do da Inglaterra. Eles rejeitavam o governo episcopal e defendiam a igualdade clerical. Nesse modelo a disciplina era mantida pelos anciãos, os ministros oficiavam com o consentimento da congregação e havia paridade espiritual entre eles (bispos, presbíteros e pastores são sinônimos). O representante desse movimento foi Tomás Cartwright (1535?-1603). Em 1569, Cartwright, em Cambridge, advogou a nomeação de anciãos nas paróquias, a eleição de pastores pelos membros dessas comunidades, a abolição dos ofícios de arcebispos e arcediagos e a equiparação essencial entre o clero. Isso era presbiterianismo prático, o que foi seguido pelos puritanos. Cartwright e seus companheiros puritanos não se opunham a qualquer separação da igreja da Inglaterra, esperando que através da disciplina e práticas puritanas o governo operasse as reformas necessárias à forma de governo presbiteriano. Em 1593, foi promulgado um decreto contra os puritanos que permitia às autoridades prendê-los por faltarem à igreja anglicana. No entanto, como vimos não era intenção desses puritanos se separar da igreja. Outro grupo puritano importante nesse momento, todavia, queriam a separação entre a igreja e o Estado e adoção do sistema congregacional de governo, isto é, eles queriam que toda a autoridade religiosa estivesse em mãos locais. Esse grupo foi liderado por Henry Jacob (1563- 1624), considerado seu fundador. Jacob foi um dos que assinaram a chamada Petição Milenária ao rei Tiago I, em 1603, que pedia uma mudança do episcopado na Inglaterra. Ele foi preso por suas convicções congregacionais. Por volta de 1606, Jacob emigrou para a Holanda e se fez ministro dos ingleses em Middleburg. Jacob e Robinson, pastor da congregação separatista na Holanda, cujos membros emigraram mais tarde para Plymouth (EUA), influenciaram-se mutuamente. Jacob voltou à Inglaterra, em 1616, e pastoreou uma congregação de Independentes em SouthWark, Londres, de 1616 a 1622. O puritanismo independente ou congregacional, de começo humilde, foi aos poucos se firmando sob a liderança de Oliver Cromwell, até se tornar mais forte que o presbiterianismo. Cromwell e Milton eram independentes (CAIRNS, 1995: 274). A ideia de congregações locais aparece na Declaração de Savoy (Londres), de 1658, que recusa a ideia de qualquer outra igreja além das comunidades particulares (AZEVEDO, 2004:70). SEPARATISTAS Outro grupo puritano de fundamental importância para o nosso estudo foram os separatistas. Sendo o primeiro grupo separatista baseado na ideia dum pacto eclesiástico foi organizado por Richard Fritz, por volta de 1567. Foi com Robert Browne (1550-1633) que o movimento separatista tomou corpo. Richard Browne, formado em Cambridge quando da disseminação das ideias presbiterianas de Cartwright. Por volta de 1580 adotou princípios separatistas e juntou-se com Robert Harrison a um grupo do pacto eclesiástico, em Norwich, em 1581. Foi preso várias vezes por causa de sua pregação. Ele e sua congregação buscaram segurança em Middleburg, nos Países Baixos. Publicou em 1582 um tratado de três volumes intitulado A Treatise of Reformation Without Tarryng for Anie[8] (Um Tratado sobre a Reforma que não espera por ninguém). Esta obra indicava, entre outras propostas, que os crentes devem se unir um ao outro por um pacto voluntário e que nenhuma igreja local deveria ter jurisdição sobre a outra (Azevedo, 2004:70). O separatismo inglês surgiu principalmente do movimento puritano. Browne não permaneceu como seu principal defensor por muito tempo. Sua permanência na Holanda foi curta. Sua igreja era cheia de turbulência e, após algum tempo na Escócia, ele retornou para a Inglaterra, onde se conformou à igreja estabelecida., tornando seu ministro (1591-1633) (Walker, op.cit.). Os princípios separatistas de Browne foram ligeiramente modificados pela congregação que surgiu em Londres (1586), liderada por John Greenwood e Henry Barrow, procurados e presos pelas autoridades por suas ideias em 1593. Da prisão enviavam manuscritos atacando tanto anglicanos, quanto puritanos, e defendendo princípio separatistas mais radicais que os de Browne. Em 1592 foi organizada uma igreja separatista tendo como pastor o ex-ministro puritano Francis Johnson (1562-1618), e Grenwood como mestres. No ano seguinte (1593) foram enforcados por negarem a supremacia da rainha em assuntos eclesiásticos. O parlamento aprovou uma lei proclamando o banimento de todos quantos desafiassem a autoridade eclesiástica da rainha, recusassem a frequentar a igreja ou se reunissem para celebrar culto ilegal. Muitos da congregação de Londres, tiveram que se refugiar em Amsterdã por causa dessa lei. (Walker, op.cit.). Outro grupo de separatistas congregacionais surgiu em Gainsborough e Scrooby, em 1606. O grupo de Scrooby era dirigido por John Robinson (1575-1625), sob cuja liderança o grupo finalmente se estabeleceu em 1608, em Leyden, Holanda. William Bradford (1590-1657), famoso depois em Plymouth, fazia parte deste grupo. DE SEPARATISTAS A BATISTAS No princípio do reinado de Tiago (James) I, John Smith (1565-1612), ex-clérigo anglicano, adotou princípios separatistas e se tornou pastor de uma congregação em Gainsborough. De imediato conseguiu adeptos nos distritos rurais adjacentes, e uma congregação se formou na casa de William Brewster (1560-1644), em Scrooby. Devido àperseguição o grupo de Gainsborough também emigrou para Amsterdã (1606/1607), sob a liderança de Smith, com apoio financeiro de Thomas Helwys (1550-1616). Helwys, como muitos outros imigrantes, deixaram esposa e filhos na Inglaterra, na expectativa de que eles não seriam afligidos pelas autoridades, todavia, a esposa de Helwys foi presa. Em Amsterdã a igreja esteve em contato com diversos grupos religiosos, entre eles os menonitas que irá influenciar decisivamente o grupo de Smith. Estudando o Novo Testamento grego, Smith se convenceu de que o batismo infantil não era escriturístico, concluindo que o batismo recebido por ele e seus seguidores na igreja da Inglaterra não era válido. John Smith, então, começou a ensinar que uma congregação só pode ser formada de crentes adultos, batizados segundo a consciência (AZEVEDO, 2004:77). O Dr. Zaqueu M. de Oliveira, no livro Liberdade e Exclusivismo, trás o seguinte questão quanto ao novo modo de batismo que já era praticado pelos menonitas: Por que eles não se uniram a uma igreja menonita na cidade, já que os menonitas praticavam o batismo de crentes? – A resposta dada pelo próprio Smith foi que eles não conheciam qualquer igreja á qual eles pudessem se unir em boa consciência. O grupo estava tentando reconstituir uma igreja de acordo com os padrões do Novo Testamento, e desde que não encontraram alguma, cujas doutrinas e práticas conferissem com a consciência de seus líderes, organizaram nova Igreja, ‘não sob uma base de mútuo convênio entre os seus membros, mas pelo batismo de todos os crentes professos’ (1997:37-8). Smith, então, sugeriu que Thomas Helwys, que era ordenado clérigo, batizasse a congregação. Com a recusa deste, Smith aspergiu-se a si mesmo e depois aos outros membros, inclusive Helwys. Sobre sua nova posição, Azevedo cita um trecho dum escrito de Smith: Que nós deixamos a profissão do puritanismo para o brownismo e do brownismo para o verdadeiro batismo cristão não mal ou reprovável em si mesmo, exceto se ficar provado que nós deixamos a verdadeira religião. Se nós, entretanto, estando anteriormente enganados no caminho do pedobatismo, agora abraçamos a verdade no verdadeiro batismo cristão apostólico, então que nenhum homem nos impute isto como erro (op. cit. 2004:77). A posição de Smith acerca do batismo, e sua atitude de batizar a si mesmo (pelo que ficou conhecido como o “se-batista”), resultou em controvérsia com líderes separatistas em Amsterdã. Diante das acusações e críticas por não haver procurado um grupo que defendesse aquela posição, Smith acaba se dirigindo para o grupo de menonitas ali existente (Waterlanders). Em 1609, Smith já havia pedido admissão ao grupo menonita, seguido de uma confissão de fé de vinte artigos, escrita por ele mesmo O grupo de Gainsborough estava, enfim, dividido. Uma parte liderada por Helwis voltou para a Inglaterra em 1611, o outro grupo liderado por Smith se uniram aos menonitas em 1615. Neste período Smith foi criticado pelo seu ex-discípulo, Helwys, que após terem deixado tudo para trás, inclusive suas famílias, agora era abandonado por seu pastor. Helwys escreveu cartas à Igreja Menonita, aconselhando-a a não se apressar a receber Smith e seu grupo, além de considerar que seu líder havia pecado contra o Espírito Santo, pelo que merecia a condenação eterna (OLIVEIRA, op. cit. p. 40). Helwys tornou-se o pastor dos que retornaram à Inglaterra, e organizaram a primeira Igreja Batista Inglesa (1612), cuja missão era “voltar para ministrar a mensagem de liberdade aos seus compatriotas”. A igreja foi fundada em Spitafields, nas proximidades de Londres. Antes de regressar, porém, Helwys preparou uma confissão de fé, em que afirmava o batismo como uma manifestação exterior da morte de Cristo e novidade de vida, pelo que não deveria ser ministrado a crianças, e defendia a independência entre a consciência e lei (AZEVEDO, op. cit. p. 78). Helwys considerava a sua congregação como a única verdadeira igreja cristã inglesa (OLIVEIRA, op. cit. p.64). A posição teológica adotada tanto por Helwys, quanto por Smith era o arminianismo[9]. Devido ao ensino arminiano de que Cristo morreu propiciatoriamente por todos os homens e não apenas para os eleitos, a igreja dirigida por Helwys, foi chamado de batistas gerais. Preso e morto, a liderança da igreja passou a John Murton. As igrejas batistas gerais se multiplicaram. De poucos simpatizantes em 1612 chegaram a 150 em 1626, em 1660 já eram 150 igrejas. Um novo movimento batista surge na Inglaterra, os chamados batistas particulares, que defendiam a posição calvinista da expiação limitada apenas aos eleitos. Este movimento tem suas raízes numa congregação independente puritana não-separatista, fundada em 1616, em Southwark (Londres), por Henry Jacob (1563-1624). Empenhados em evitar a separação da igreja da Inglaterra, Jacob e alguns outros teólogos puritanos, trabalharam a favor de um sistema nacional de igrejas congregacionais dentro da igreja estabelecida (WALKER,op.cit). Jacob pretendia “que cada congregação fosse livre da igreja oficial para escolher seu pastor, determinar sua conduta e administrar seus negócios” (AZEVEDO, 2004:76). A igreja de Henry Jacob experimentou várias divisões, duas delas relacionadas ao batismo infantil. Em 1630 um grupo da igreja de Jacob se convenceu de que o batismo verdadeiro segundo as Escrituras, era somente para crentes. Esse grupo se separou e criou uma Segunda linha batista na Inglaterra de teologia calvinista, os batistas particulares. Quanto a este particular, AZEVEDO apresenta um problema quanto a origem desse movimento. Em 1633, um das divisões foi liderada por Samuel Eaton e a outra, em 1638, por John Spilsbury. Qual dessas duas representava os batistas particulares? Azevedo cita um parágrafo de John Shakespeare: Em 1638, surgiu a primeira igreja batista calvinista, com John Spilsbury como pastor, tendo Samuel Eaton, Mark Lukar e outros. Ou (...) No mesmo ano, havia duas igrejas batistas calvinistas em Londres, uma sob [a liderança] de John Spilsbury e a outra sob [a liderança] de Samuel Eaton” (op.cit. p.79). A forma do batismo, até então, se constituía em aspergir o crente adulto. Foi um membro da igreja batista particular, Richard Blunt, quem, entre os batistas, praticou o batismo por imersão, certo de que este era o modelo neotestamentário. Como não havia quem o imergisse na Inglaterra, viajou para a Holanda, onde um grupo de dissidentes do menonismo (Collegiants) agia assim. Tendo sido batizado em 1641, retorna a Inglaterra e imerge a Blacklock, mestre da igreja, e ambos batizam a 51 outros em 1642. Adotada pelas igrejas, a imersão passou a fazer parte da Confissão de Fé[10] dos batistas particulares de 1644. Sendo adotada, também, pelos batistas gerais como única forma legítima de se ministrar o batismo. Alguns fatores contribuíram para a solidificação dos grupos batistas: ✓ Os debates em torno da liberdade religiosa (garantida só em 1689); ✓ A maioria dos batistas vinham de estratos pobres da sociedade. ✓ A perseguição de que foram vítimas contribuiu para forjar sua teoria de separação entre igreja e estado. ✓ A participação no exército e no governo de Cromwell. ✓ Organização em associações voluntárias de igrejas (consciência denominacional) (AZEVEDO, op. Cit. 2004:79-80). TEOLOGIA DOS PRIMEIROS BATISTAS Os princípios básicos da teologia batista já estava praticamente definida por volta de 1644. As divergências quanto ao calvinismo e arminianismo estavam presentes em suas confissões de fé. Em suma, a teologia batista deste período era puritano-calvinista, excetuando as questões referentes à predestinação, em que não havia unanimidade. John Smith havia preparado uma longa confissão com mais de 100 artigos que mostra que os primeiros batistas eram arminianos. Deus criou o homem com livre-arbítrio. “Smith criticava o termo ‘pecado original’, por entender que Deus ameaçou com a morte apenas a Adão e não a sua posteridade; por isto o homem é concebido sem pecado, pelo queas crianças que morrem são salvas” (AZEVEDO, op. Cit. 2004:81). “A igreja visível, na qual não existe sucessão, consiste das pessoas que creem em Cristo, os quais dão frutos dignos de arrependimento”. Todos os crentes podem participar da ceia e do batismo, os quais não conferem graça. Os oficiais da igreja são pastores e diáconos (idem). A teoria política de Smith se aproximava dos anabatistas. O ofício de magistrado é permitido por Deus para o bem da humanidade, para preservar a justiça entre os homens. Os cristãos não devem exercer este cargo. Os cristãos devem procurar resolver suas disputas entre si. John Smith foi um dos primeiros, na língua inglesa, a levantar a voz em defesa da liberdade religiosa plena: Cremos que o magistrado não deve em função do seu ofício imiscuir-se em religião ou assuntos de consciência para forçar ou compelir os homens a esta ou aquela forma de religião, mas deixar a religião cristã livre para as consciências dos homens e tratar apenas de transgressões civis, ofensas e erros dos homens contra o homem, como assassinato, adultério, roubo, etc., pois apenas Cristo é o rei e o legislador da igreja e da consciência (idem). A produção das confissões de fé são testemunhos do nascimento dos batistas. A sua primeira confissão de fé foi redigida em 1609, na Holanda. Era teologicamente arminiana e anticalvinistas. Essa confissão não fez qualquer alusão à liberdade de consciência e ao poder civil. A Segunda confissão, também arminiana, redigida pelo grupo de Smith era baseada na confissão menonita holandesa de 1580. O grupo de Helwys, por sua vez, insatisfeito com o desejo de Smith em passar para o menonismo, fez sua própria confissão em 1611, com 27 artigos. Em 1644 apareceu a primeira declaração batista formal, a chamada “London Confession”. Nela, pela primeira vez se estabelece que o batismo deve ser por imersão. A confissão aceita a predestinação dos eleitos, num calvinismo abrandado. Em 1651 nasce uma nova confissão que também transitava entre o arminianismo e o calvinismo. Outras confissões apareceram entre elas a de 1656 elaborada entre os batistas particulares com 46 artigos. Essa confissão enuncia três princípios considerados distintivos dos batistas: “o dever da igreja em receber somente aqueles que desse evidência de terem sido regenerados, o direito de convocar e ordenar seus próprios ministros e a obrigação da igreja de enviar representantes para pregar o evangelho ao mundo”. Outras confissões surgiram entre os batistas gerais, entre elas destacam-se: 1660 (“Standard” ou “Brief confession ou declaration of faith”) – nega que Deus tenha predestinado alguém para a condenação; o princípio da liberdade religiosa é destacada. 1677 (“Second London Confession”) – tende para o calvinismo; Bíblia como regra infalível; a ideia do pacto é explanada detalhadamente; a doutrina da dupla predestinação é afirmada, embora a perdição seja decorrência da decisão livre do homem; a impossibilidade da perda da salvação (calvinismo). 1679 (“Orthodox Creed” ou “Protestant Confession”) – reafirmação do calvinismo; ideia do pacto reforçada; negação da liberdade de consciência pelos magistrados é traição. Os batistas ingleses, seguindo a inspiração de Calvino, falavam muito nos decretos soberanos de Deus, destacando, todavia, a sabedoria e a misericórdia destas decisões. Soberano, sim, autocrático, não. Conceitos como a normatividade da Bíblia foram radicalizados, outros como a predestinação, ficaram irresolvidos, neste último caso, ficando uma tensão entre calvinismo e arminianismo. O princípio da representação congregacional, marca distintiva dos batistas, já estava bem desenvolvida no século 17; do mesmo modo a autonomia da igreja local. O associacionismo estava emergindo. “Não havia uma doutrina acerca do dízimo como a forma de sustentação financeira da máquina da igreja, simplesmente porque não havia ainda esta máquina” (AZEVEDO: op. Cit. Pg. 88). Os batistas só sofreriam transformações significativas nos EUA, onde a teologia será desenvolvida, o essencial do seu pensamento, porém já estava presente nas confissões de fé de 1609 a 1677. As confissões de fé batistas foram elaboradas inicialmente dentro de uma perspectiva arminiana (geral), passando para uma teologia calvinista moderada. A confissão de fé dos batistas no Brasil filiados à Convenção Batista Brasileira (CBB) baseada na confissão de New Hampshire, dos Batistas do sul dos Estados Unidos, é uma confissão que concilia o aspecto da eleição e predestinação à presciência divina, e não a uma eleição incondicional seguida pelos calvinistas ou reformados. Capítulo 4 OS BATISTAS NOS EUA É nos EUA que os batistas irão se consolidar como denominação. A esperança da Nova Terra trará para o Novo Mundo de colonização inglesa o desejo de formar uma sociedade democrática e livre. Vejamos, então, como foi forjado esse novo mundo e qual o papel dos batistas neste contexto. A COLONIZAÇÃO INGLESA Os motivos que levaram a colonização anglo-saxônica podem ser assim resumidos: ✓ encontrar a rota marítima ocidental para as riquezas da Ásia; ✓ absorver a população excedente dos lugares de origem; ✓ a fundação de colônias ajudaria a descartar para o novo Mundo a ameaça militar da Espanha. ✓ Os motivos que mais nos interessam aqui são os de origem religiosa: ✓ desejo dos financiadores de converter os nativos e estender o domínio cristão; ✓ cultuar ao seu modo segundo julgavam melhor. A imigração de ingleses, franceses, suecos, espanhóis e holandeses para os EUA não pode ser dissociado de sua religião. Em sua maioria eles eram calvinistas. Quem primeiro se instalou na colônia foram os anglicanos, em 1607, que vieram para estabelecer e explorar terras nos Estados Unidos. Esta colônia foi organizada sob uma base comunal e a administração era feita através da igreja Anglicana. Em 1619, as terras e o privilégio de eleger um governo representativo foram assegurados aos colonos pela Companhia (Virginia Company). Neste mesmo período a escravidão foi estabelecida com a compra de escravos de mercadores holandeses. Em agosto de 1620, cerca de 100 colonos, deixaram a Inglaterra para obter liberdade e para vivenciar a obediência da fé. Eles aportaram no porto de Plymouth, na Nova Inglaterra, no famoso navio Mayflower. Antes de aportarem na nova terra os chamados “pais peregrinos” elaboraram uma espécie de constituição como um instrumento de disciplina a fim de evitar que rebeldes provocassem distúrbios na colônia. “O documento era uma extensão da ideia do pacto elaborado anteriormente pelos separatistas, e ficou como sua constituição principal até Plymouth Ter sido incorporada em 1691 às colônias de Salém e Massachusetts”. Vejamos o que José Reis Pereira diz acerca deste grupo: “Religiosamente eram congregacionais e, conquanto vítimas da intolerância religiosa, ali organizaram um sistema intolerante também: só podia fazer parte da colônia quem professasse a mesma religião. A Nova Inglaterra era uma teocracia” (2001: 53). Outro grupo, agora de puritanos ingleses, formaram a Massachusetts Bay Company, “desejosos de organizar uma comunidade conforme os ditames de sua consciência” (GONZALEZ, Vol. IX 1984:197). Ao se mudarem para o Novo Mundo levaram a Companhia, desse modo esperavam evitar as intervenções reais. Mil puritanos partiram em mais de uma dezena de navios. Eles esperavam concretizar na colônia uma igreja (Anglicana) que se adaptasse ao uso do Novo Testamento. Num primeiro momento era essa a intenção. ROGER WILLIAMS E OS BATISTAS A perseguição religiosa continuou na Nova Inglaterra. É por isso que ficamos conhecendo Roger Williams (1603?-1683). Formado pela Universidade de Cambridge, Roger Williams, logo adotou ideias separatistas, sua independência intelectual levou-o a imigrar para Boston, em 1631. De Boston partiu para Plymouth por entender que a igreja ali não estava totalmente purificada. Foi convidado para pastorear uma igreja em Salém (1634). Por defender o direito dos índios à terra,e a separação entre igreja e estado, a Corte Geral interveio e ordenou sua saída em seis semanas. Obrigado a deixar esposa e filhos, mergulhou na floresta num rigoroso inverno, até que encontrou os índios que lhe deram ajuda. Fixou-se primeiro em terras que pertenciam a Plymouth, depois em outras na Baía de Narragansett (1636) que comprou de índios e fundou Providence – a base do postulado da liberdade de consciência. Em 1663, o rei Carlos II reconheceu a Carta Constitucional da Colônia, a qual erigia como norma o princípio da absoluta liberdade religiosa. Em Providence foi fundada uma igreja no ano de 1639. Williams chegou à conclusão de que a aspersão de água numa criança não a tornava cristã, vários outros membros chegaram à mesma conclusão. Assim ele chegou à conclusão de que deveria ser batizado[11]. Um dos membros batizou Williams, que por sua vez batizou os demais. Deste modo foi organizada a primeira igreja batista de Providence[12]. Williams não permaneceu muito tempo no grupo. Suas ideias iam se tornando cada vez mais radicais. Ele chegou a dizer que a religião dos índios era tão aceita aos olhos de Deus como a dos brancos, portanto, eles não precisavam se tornar cristãos para obterem a salvação. Ele declarou ainda que todas as igrejas eram falsas ao interpretar a Bíblia num sentido puramente “espiritual” (GONZÁLEZ, p. 204). O Dr. Zaqueu M. de Oliveira escreve o seguinte: Contudo, Williams não permaneceu nas fileiras batistas, sendo considerado batista ‘somente no sentido de que ele permaneceu mais próximo deste grupo em sua filosofia religiosa, do que qualquer outra comunhão religiosa contemporânea. Ele pode ser propriamente olhado como um individualista inteiramente emancipado, cuja filosofia religiosa nunca se acomodou a um rígido padrão dogmático’. (OLIVEIRA, 1997: 113-4, apud W.K. Jordan) Sobre a formação dos batistas na fronteira da Nova Inglaterra, em Rhode Island, H. R. Niebuhr, diz que Condições religiosas e culturais combinaram-se para erigir um muro de separação entre a Baía de Massachusetts, Nova York e Connecticut, de um lado, e as fazendas de Providence e Narraganestt, de outro. Foi, no entanto, uma divisão ocorrida no Velho Mundo que manteve batistas e calvinistas separados durante o primeiro século. Rhode Island, aos olhos de Nova York e Nova Inglaterra não era somente a fronteira, mas o ‘receptáculo de toda sorte de gentalha’, ‘nada mais do que a latrina da Nova Inglaterra’. (NIEBUHR, 1992:106) O movimento batista na colônia, todavia, seguiu crescendo e, apesar das perseguições em várias colônias, “pouco a pouco se foi abrindo caminho à tolerância religiosa, os grupos batistas surgiram na superfície e mostraram quanta estabilidade haviam conseguido” (GONZALEZ, Vol. 8, p. 205). Neste primeiro momento o destaque é para os batistas gerais, no entanto, após o Grande Avivamento, são os particulares que irão sobressair no avanço da mensagem do evangelho. TRANSFORMAÇÕES NO PROTESTANTISMO O protestantismo colonial e pós-colonial será moldado a partir da manifestação de alguns movimentos que irão afetar não apenas o aspecto religioso da colônia, mas também a política e a economia. CONCEPÇÃO DE LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E RELIGIOSA Roger Williams como foi visto acima foi um dos primeiros a defender a liberdade de consciência na colônia, criando uma colônia onde esse princípio era observado. Outros também defenderam esse princípio como John Clarke (1609-1676), o quaker William Penn (1644-1718). Pelo menos na Nova Inglaterra, a tolerância foi garantida somente em 1691, a partir dos termos do Ato Britânico de Tolerância (1689). Esse ato é considerado insatisfatório, porque queriam a completa separação do Estado. A igreja continua estatal. Mesmo os não-congregacionais tinham que pagar impostos religiosos para sustentá-la. Os batistas se organizaram formando em 1767 uma associação de igrejas (Warren Association) para lutar pela liberdade religiosa. (AZEVEDO, 2004:105-6) ECLOSÃO DOS GRANDES AVIVAMENTOS O chamado Grande Despertamento não apenas fez avançar as denominações, também permitiu que elas contribuíssem para a causa da independência. Entre 1725 e 1825 houve uma série de despertamentos independentes entre si. Esses despertamentos surgem quando tinha desaparecido a vitalidade puritana e as denominações que emergiam não tinham nenhum vigor. Num ambiente rodeado pelo deísmo e pelo arminianismo, o calvinismo encontrava dificuldades. Os despertamentos irão dar uma sacudida na vida desses cristãos. Como resultado, as denominações populares cresceram rapidamente. A religião, que até esta época tinha sido a preocupação dos eleitos, torna-se agora uma inquietação do povo, das massas. Novos conceitos e padrões de culto e de vida da igreja emergem destes convulsos e transformadores movimentos, algo bastante diferente das igrejas nacionais e dos ministérios paroquiais da Europa. (HAHN, 2011, p. 132) Os grandes avivamentos receberam a influência do movimento pietista surgido na Europa no século XVII. “Ele acentuou e acelerou a individualização e a interiorização da vida religiosa, desenvolvendo novas formas de piedade pessoal e de vida em sociedade. Além disso, provocou mudanças na teologia e na Igreja. Não ficou restrito a um país ou a uma denominação”. Algumas características do pietismo são (DREHER, Vol. 4; 1999:120-1): ✓ Acentuado individualismo ✓ Espiritualização da fé (internalização da fé) ✓ Superação do confessionalismo ✓ Teologia experiencial X Teologia cognitiva ✓ Regeneração pessoal ✓ Afirmação do pecado pessoal ✓ Conversão provocada pelo Espírito Santo ✓ Vida santificada (chamado à perfeição) Nos EUA os principais líderes do Grande Avivamento eram calvinistas convictos. Os batistas se beneficiaram do movimento. Pelo “fato de ter uma experiência de conversão era tão importante para a vida cristã, cabia pôr em dúvida o batismo das crianças”. Muitos presbiterianos e congregacionalistas rebatizaram-se, tornando-se batistas. Esses “novos batistas”, frutos do avivamento, diferente dos batistas da colônia, eram calvinistas (batistas particulares). Estes avivamentos se estendeu às treze colônias. Este movimento causou um impacto significativo nessas colônias produzindo um clima propício à reivindicação pela independência (GONZALEZ, Vol. 8; 2001:209-210). PARTICIPAÇÃO NA GUERRA PELA INDEPENDÊNCIA No século XVIII na colônia a independência foi tema de centenas de sermões pregados nas diferentes igrejas da colônia. As treze colônias estabelecidas na costa atlântica da América do Norte haviam paulatinamente criado certo sentimento de comunidade entre elas. No fim do século XVIII, o governo britânico começou a tomar medidas para governar as colônias de maneira mais direta, a partir de então os conflitos foram aumentando. As principais causas do conflito foram: (1) A presença de dezessete regimento britânicos nas colônias; (2) Os impostos para cobrir despesas com este regimento e (3) a questão das terras dos índios, que estavam além dos montes Apalaches, as quais muitos colonos tinham a intenção de estabelecer-se como agricultores, e aristocratas especuladores tinham a intenção de explorá-la. “Em 1775, quando um contingente britânico se dispunha a destruir um arsenal colonial, a milícia ofereceu-lhe resistência, e com isso começou a Guerra da Independência”. No ano seguinte, no dia 4 de julho, representantes das treze colônias se reuniram em um congresso continental em Filadélfia e proclamaram a sua independência da coroa britânica, recebendo a apoio de França e Espanha. Em 1782, a Inglaterra reconheceu a independência dos Estados Unidos (GONZALEZ, Vol. 9, 2001:19). Os batistas exerceram significativa influência na elaboração da Constituição dos EUA. GUERRA DE SECESSÃO A escravidão dividiu o povo americano. Diante da escravidão era preciso elabora uma “defesa adequada” para ela. Samuel B. How, em 1855, sugeriu ao sínodo de sua igreja que aceitasse membros escravagistas. Ele usou como argumento o chamado de Deus a Abraão (que