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1 O ACESSO DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS1 ACCESS FOR PERSONS WITH DISABILITIES FUNDAMENTAL RIGHTS Hermano Maia de Almeida Wanderley2 Resumo: De acordo com o Censo 2010 - IBGE, quase 46 milhões de brasileiros, cerca de 24% da população, declarou ter algum grau de dificuldade em pelo menos uma das habilidades investigadas (enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus), ou possuir deficiência mental/intelectual. Considerando somente os que possuem grande ou total dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus (ou seja, pessoas com deficiência nessas habilidades), além dos que declararam ter deficiência mental ou intelectual, temos mais de 12,5 milhões de brasileiros com deficiência, o que corresponde a 6,7% da população. Essa população convive diariamente com o descaso decorrente da má prestação de serviços, tanto pelas instituições públicas, quanto pelas instituições privadas, gerando uma descrença em relação ao sistema jurídico de proteção às pessoas portadoras de necessidades especiais, nas quais se inserem os deficientes físicos, ainda que o legislador tenha buscado tratar do tema, conferindo a ele status constitucional. Assim, apesar da Constituição Federal conferir uma gama de princípios e direitos fundamentais a essas pessoas, na prática, ainda não se constata a efetividade de tais normas. A partir do tema proposto, o presente artigo reflete acerca da existência e da efetividade dos direitos fundamentais das pessoas com necessidades especiais, a com ênfase na deficiência física, à luz da Constituição Federal de 1988. Palavras-chave: Pessoas portadoras de deficiência; acesso; direitos fundamentais Abstract: According to the 2010 Census - IBGE, almost 46 million Brazilians, about 24% of the population, declared that they had some degree of difficulty in at least one of the investigated skills (seeing, hearing, walking or climbing stairs), or having mental / intellectual disability. Considering only those who have great or total difficulty in seeing, hearing, walking or climbing stairs (that is, people with disabilities in these skills), in addition to those who declared they have mental or intellectual disabilities, we have more than 12.5 million Brazilians with disabilities , which corresponds to 6.7% of the population. This population lives daily with the neglect resulting from the poor provision of services, both by public institutions and private institutions, generating disbelief in relation to the legal system of protection for people with special needs, in which the physically disabled are still inserted. that the legislator has sought to address the issue, giving it constitutional status. Thus, despite the Federal Constitution granting a range of fundamental principles and rights to these people, in practice, the effectiveness of such rules has not yet been verified. Based on the proposed theme, this article reflects on the existence and effectiveness of the fundamental rights of people with special needs, with an emphasis on physical disability, in the light of the 1988 Federal Constitution. Keywords: People with disabilities; access; fundamental rights 1 Artigo/Trabalho de Conclusão do Curso de Direito do Centro Universitário UNA/BH. Orientação: Professora Doutora Natália Silva Teixeira Rodrigues de Oliveira. 2 Discente do 10º período do Curso de Direito do Centro Universitário UNA/BH. Email: hermanomaia@terra.com.br 2 1 Introdução As pessoas com deficiência, historicamente, sofrem com um processo de exclusão e invisibilidade social, tendo dificuldade de acesso à assistência médica, educação e oportunidades de emprego, muito por parte da escassez de estatísticas e falha na conscientização. Apesar da existência do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), que atua em âmbito nacional a fim de garantir a inclusão e o respeito aos direitos das pessoas com deficiência, ainda falta informação científica e permanece uma visão infantilizada e estereotipada dessa população, que constitui 23,92% dos brasileiros, de acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo Dantas, Silva e Carvalho (2014), a perspectiva atual da sociedade reduz a pessoa com deficiência a um indivíduo infantil, vulnerável e necessitado de cuidados em tempo integral. Assim, é possível dizer que esse grupo social é diminuído, uma vez que se reduz sua autonomia às decisões daqueles que os assistem, o que vai em direção contrária ao decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que assegura às pessoas com deficiência o direito de ter direitos (BRASIL, 2009). A discriminação social se contrapõe ao princípio da dignidade da pessoa humana sendo altamente prejudicial à sociedade e às pessoas que são estereotipadas na categoria de à margem da sociedade. As pessoas assim rotuladas são enxergadas pela sociedade discriminatória como representatividades dos rótulos, sem levar em conta as verdadeiras qualidades. A discriminação social favorece um cenário suscetível à falta de planejamento e adequação social às minorias, além de propiciar um ambiente favorável à ausência de aplicabilidade da legislação existente relativa às pessoas portadoras de deficiência. Desse modo, o respeito à dignidade da pessoa humana é essencial para que a sociedade seja mais igualitária e possibilite melhorias na qualidade de vida das pessoas que são desprivilegiadas em decorrência dos reflexos da discriminação social. A Constituição Brasileira, a mais importante definidora dos princípios e regras básicas da sociedade, prevê, entre diversas outras garantias, o direito à 3 dignidade de todo cidadão brasileiro. Para igualar as condições de conforto obtenção desta garantia, foi necessário implementar uma série de direitos das pessoas com deficiência. Importante citar que, acordo com o Censo 2010, quase 46 milhões de brasileiros, cerca de 24% da população, declarou ter algum grau de dificuldade em pelo menos uma das habilidades investigadas (enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus), ou possuir deficiência mental / intelectual. Portanto, na prática, os direitos das pessoas com deficiência buscam apenas a equalização das condições dos cidadãos, ou seja: através das leis, suprimir o máximo possível das desvantagens existentes para deficientes físicos em diversos aspectos da sociedade. 2 Da proteção jurídica às pessoas portadoras de necessidades especiais: evolução histórica A história das pessoas com deficiência no Brasil evoluiu a partir do final do século XIX com a educação especial de cegos e de surdos em internatos, conforme já ocorria na Europa. Nessa época foi introduzido o sistema Braille de escrita para os cegos e, entre 1880 e 1960, os surdos foram proibidos de usar a língua de sinais para não comprometer o aprendizado compulsório da linguagem oral. No início do século XX, estabeleceram-se as escolas especiais para crianças com deficiência mental nas redes paralelas ao ensino público, devido à omissão do Estado. Destaca-se, aqui, as associações Pestalozzi e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE. Ao final dos anos 1970, a consciência acerca dos direitos das pessoas portadoras de deficiência aumentou bastante no Brasil, o que acabou por fomentar um movimento em prol da referida pauta, culminando na ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no Brasil. Conforme cronologia apresentada a seguir, perceber-se-á que o conjunto das leis brasileiras destinadas aos direitos das pessoas com deficiência é reconhecido como um dos mais abrangentes do mundo, destacando-se a própria Constituição Federal de 1988, em que foram elencados os direitos específicos do segmento distribuídos em vários artigos. A partir dela várias leis foram sendoaprovadas, garantindo uma maior abrangência aos direitos relativos às referidas pessoas. 4 Assim, a primeira lei federal mais abrangente sobre as pessoas com deficiência é a Lei 7.853/1989, regulamentada pelo Decreto 3.298/1999. A referida lei dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde, que institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público e define crimes. A Lei 8.112/1990 determinou a reserva de cargos nos concursos públicos e a Lei 8.213/1991 estabeleceu a reserva de 2 a 5% dos cargos nas empresas com 100 ou mais empregados para beneficiários reabilitados e pessoas com deficiência habilitadas profissionalmente. A Lei 8.742/1993 estabeleceu o atendimento da pessoa com deficiência em diversos tipos serviços da Assistência Social, tais como residências inclusivas, modelo de moradia com apoios para a autonomia e a vida independente na comunidade. Já o direito à educação especial está assegurado na Lei 9.394/1996, referente às bases da educação nacional e prevê recursos pedagógicos específicos para cada aluno com deficiência. A acessibilidade é tratada nas Leis 10.048 e 10.098/2000 e no Decreto 5296/2004, que regulamenta a prioridade de atendimento às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida (idosos, gestantes) e estabelece normas para a promoção da acessibilidade. O referido Decreto trata da acessibilidade amplamente: acesso aos espaços públicos e edificações, moradias, bens culturais imóveis, todos os modais de transportes coletivos e terminais de embarque e desembarque. Essa legislação assegura a acessibilidade na comunicação e informação, telefonia fixa e móvel, legendas, janela com intérprete da Libras, narrativa de imagens para cegos na televisão, no cinema, no teatro, em campanhas publicitárias e políticas; sites acessíveis e tecnologia assistida (equipamentos que conferem autonomia, desde talher adaptado à embreagem manual de carro ou o programa computacional de leitura da tela para cegos). A Lei 10.436/2002 é específica para a pessoa surda, ao oficializar a Língua Brasileira de Sinais – Libras, mantido o português escrito como segunda língua. É obrigatória a capacitação dos agentes públicos em Libras. O Decreto 5.626/2005 define a educação bilíngue, a formação de tradutores e intérpretes de Libras, que 5 tiveram a profissão regulamentada pela Lei 12.319/2010, fato que permite concursos públicos e contratação desses profissionais. As pessoas cegas ou com baixa visão, após a Lei 11.126/2005 e o Decreto 5.904/2006 podem ingressar e permanecer com o cão-guia em ambientes e transportes coletivos, com espaço preferencial demarcado. Em 2007, o MEC editou a Política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, obedecendo à Convenção da ONU: sistema de ensino inclusivo, com aula na classe comum e atendimento educacional especializado em turno oposto, para garantir a inclusão com qualidade. No Brasil, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi ratificada com base no § 3º do artigo 5º da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, passando a marco constitucional. O Decreto legislativo 186/2008 ratificou-a e o Decreto 6.949/2009 completou o processo de internalização e ratifica a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Tal Convenção estabelece a acessibilidade como princípio e como direito, a condição para a garantia de todo e qualquer direito humano. Devido à força constitucional, a Convenção condiciona todas as leis, decretos e outras normas relativas às pessoas com deficiência, assim como aumentaram as obrigações do Estado, em todas as esferas de governo com ativa participação da pessoa com deficiência e das suas famílias. Tão importante quanto a Convenção é o seu Protocolo Facultativo, pois, se não forem suficientes às instâncias nacionais, o Comitê da Convenção atuará no monitoramento e na apuração de denúncias de violações dos direitos humanos, individuais e coletivos, oriundos dos países signatários do documento opcional. Importante destacar alguns artigos da Convenção que trazem significativos avanços à proteção e garantia dos direitos das pessoas com deficiência: O art. 1º permite o entendimento do modelo social da deficiência adotado: Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 6 O art. 2º define “discriminação por motivo de deficiência” como qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos. É essencial para o enquadramento de casos de denúncia do cotidiano. Já o art. 3º apresenta os princípios da presente Convenção, a saber: a) o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) a não-discriminação; c) a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) a igualdade de oportunidades; f) a acessibilidade; g) a igualdade entre o homem e a mulher; h) o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. O art. 12 – igualdade perante a lei - estabelece que todas as pessoas com deficiência gozem de capacidade legal, a ser exercida de forma independente ou com os apoios sociais necessários para a expressão da sua vontade. A atuação do representante legal passará por revisão regular de uma autoridade competente, que impeça conflitos de interesse. Somente é permitida a interdição parcial prevista na lei brasileira, sob a supervisão do Ministério Público e da Justiça. O art. 13 – acesso à Justiça - determina adaptações processuais para facilitar o efetivo papel das pessoas com deficiência como participantes, inclusive como testemunhas, em todos os procedimentos jurídicos, tais como investigações e outras etapas preliminares: I - Os Estados Partes assegurarão o efetivo acesso das pessoas com deficiência à justiça, em igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive mediante a provisão de adaptações processuais adequadas à idade, a fim de facilitar o efetivo papel das pessoas com deficiência como participantes diretos ou indiretos, inclusive como testemunhas, em todos os procedimentos jurídicos, tais como investigações e outras etapas preliminares. II - A fim de assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso à justiça, os Estados Partes promoverão a capacitação apropriada 7 daqueles que trabalham na área de administração da justiça, inclusive a polícia e os funcionários do sistema penitenciário. No art. 14 - liberdade e segurança da pessoa – assegura-se que, se pessoas com deficiência forem privadas de liberdade mediante algum processo, receberão apoios e adaptações razoáveis de acordo com sua deficiência. No art. 15, observa-se a prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes: I - Nenhuma pessoa será submetida à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Em especial, nenhuma pessoa deverá ser sujeita a experimentos médicos ou científicos sem seu livre consentimento.II - Os Estados Partes tomarão todas as medidas efetivas de natureza legislativa, administrativa, judicial ou outra para evitar que pessoas com deficiência, do mesmo modo que as demais pessoas, sejam submetidas à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Ressalta-se que o art. 16 trata da prevenção contra a exploração, a violência e o abuso apresentado de forma didática. O art. 17 - proteção da integridade da pessoa – toda pessoa com deficiência tem o direito a que sua integridade física e mental seja respeitada, em igualdade de condições com as demais pessoas. Já o art. 23 – respeito pelo lar e pela família – aborda os diretos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos. Espera-se, com essa exposição, que tenha sido demonstrado o panorama legal acerca da situação das pessoas com deficiência, do envolvimento das instâncias públicas, das mudanças em todo o sistema e que o enfretamento eficaz às diversas formas de violência represente um novo marco para a inclusão e a justiça social das citadas pessoas. 3 Dos princípios constitucionais relativos à proteção as pessoas portadoras de necessidades especiais 3.1 Princípio da dignidade humana A dignidade humana é um dos preceitos fundamentais presentes na Carta Política brasileira de 1988, que está intimamente ligada aos direitos básicos e sociais do homem. Proclama o valor distinto da pessoa humana e tem, como consequência lógica, a afirmação de direitos específicos de cada ser humano, sem 8 distinções de gênero, raça, cor, credo, sexo e outras. Objetivo e fundamento dos direitos humanos é dar unidade ao sistema constitucional brasileiro. Como se afirmou, a Constituição Federal de 1988 institui a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III). Todavia, Pietro de Jesús Lora Alarcón (2004, p. 254) entende dignidade humana não apenas como fundamento do Estado Democrático de Direito, mas também como um valor constitucional. O ser humano, em sua essência, não pode ser desrespeitado. Com base nisso, o referido autor (2004, p. 254) afirma que: [...] o ser humano não pode ser objeto de humilhações ou ofensas, mas se deve reconhecer na sua essência de liberdade, responsabilidade e finalidade em si mesmo. Em função disso, a impossibilidade de degradação do ser humano impede redução do homem a mero objeto do Estado ou de terceiros, o que incluía impossibilidade de coisificação da pessoa, um ponto de não retorno da pessoa ao estado de simples coisa. O respeito à dignidade da pessoa humana implica respeito e proteção à integridade física, moral, à individualidade e espiritualidade do ser humano. Logo, o Direito, que tem sua razão de existir no homem, deve ter instrumentos que visem a impedir qualquer tipo de degradação do gênero humano. É pertinente se fazer menção à Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada em dezembro de 2006 pela ONU, e vigorada a partir de maio de 2008. Em artigo publicado no “Correio Braziliense”, de 3 de dezembro de 2008, página 17, o Senador Flavio Arns (2008, p. 17), sob o título “Valorização das Pessoas com Deficiência”, consignou que [...] o Senado ratificou a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que veio para revolucionar o tratamento dispensado às pessoas com deficiência em todo o mundo, especialmente em países onde essas pessoas não contam com qualquer legislação específica, ou seja, dois terços dos países partes da ONU. Vale ainda, motivada pela relevância social dessa Convenção, enumerar os princípios trazidos pelo documento em seu artigo terceiro: 1. O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, incluída a liberdade de tomar as próprias decisões, e a independência das pessoas; 2. A não discriminação; 3. A participação e inclusão plenas e efetivas na sociedade; 9 4. O respeito pela diferença e a aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade e a condição humanas; 5. A igualdade de oportunidades; 6. A acessibilidade; 7. A igualdade entre o homem e a mulher; 8. O respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiência e respeito pelo seu direito a preservar sua identidade. Observa-se mais uma vez a dignidade humana como princípio geral dos direitos das pessoas com deficiência. Assim, o respeito ao ser humano fica novamente evidenciado em um documento internacional, que vai ao encontro da proteção contra qualquer discriminação. A Lei nº. 7.853, de 24/10/1989, em seu artigo 1º, §§ 1º e 2º, traz as seguintes previsões, em suas normas gerais: Art. 1° - Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. § 1° - Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem- estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. § 2° - As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade. Como se pode observar, devido a sua importância, o respeito à dignidade humana – presente na Constituição Federal de 1988 – encontra-se também em outras legislações infraconstitucionais. Essas leis expressam maneiras como pessoas com deficiência podem obter essa dignidade através dos direitos fundamentais e sociais, como saúde, educação, trabalho, moradia, previdência social, entre outros. Nesse pensamento, Daniel Sarmento (2002, p. 59) discorre sobre o princípio da dignidade, dizendo que: [...] a despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é o que confere unidade de sentido e 10 valor ao sistema constitucional, que repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano – razão última do Direito e do Estado. O autor refere que o princípio da dignidade não representa apenas um limite à atuação do Estado, sendo um norte para a sua ação positiva. Que o Estado além da imposição de não praticar atos atentatórios à dignidade humana, haverá também de promover esta dignidade através de condutas ativas, a fim de assegurar o mínimo existencial para cada ser humano. 3.2 Princípio da igualdade. Tomando por base o conceituado Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva (2005, p. 696), tem-se que igualdade é [...] uniformidade de grandeza, de razão, de proporção, de extensão, de peso, de altura, enfim, de tudo que possa haver entre duas ou mais coisas. É a evidência de coisas perfeitamente similares ou idênticas, de modo que uma se apresenta como uma semelhança da outra, com os mesmos requisitos e elementos que se possam exibir. Em certos casos, porém, a igualdade não pode ser tomada em tamanho rigor, de modo que se exija um realismo absoluto, em relação a seu conceito jurídico. É assim que duas coisas podem não se apresentar materialmente iguais, e, no entanto, podem exprimir uma igualdade. Pela instituição do princípio, não dita o Direito, uma igualdade absoluta. A igualdade redunda na igual proteção a todos, na igualdade das coisas que sejam iguais e na proscrição dos privilégios, isenções pessoais e regalias de classe, que se mostrariam desigualdades. Desse modo, a igualdade é perante a lei e perante a justiça, para a proteção ou castigo, para a segurança de direitos ou imposição de normas coercitivas. O princípio da igualdade é considerado umdos princípios basilares da Constituição Federal de 1988, o qual tem por fundamento promover o tratamento igualitário entre os indivíduos, levadas em conta as diferenças entre eles. Este princípio, que também é conhecido como princípio da isonomia, surge com o objetivo de corrigir injustiças sociais históricas, provenientes do tratamento igual que não pode ser disponibilizado a uma pessoa com deficiência. Nesse caso, o tratamento desigual constitui um elemento extremamente necessário, pois é por meio dele que o constituinte originário brasileiro busca a igualdade e elimina toda e qualquer forma de exclusão da pessoa no que diz respeito aos direitos assegurados pela Carta Magna. Percebe-se que a pessoa com deficiência incluiu-se como beneficiária de direitos e garantias, e dá mostras do significado do que a doutrina denomina de 11 igualdade material: tratar os iguais de forma idêntica e os desiguais de forma distinta. A título de exemplos, cite-se o disposto nos arts. 7º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 203, IV e V; 208, III; 224; 227, § 1º, II e § 2º; e art. 244, todos da Constituição Federal de 1988. O professor e constitucionalista Alexandre de Moraes (2003, p. 47), em Direito constitucional discorre, com propriedade, sobre o tema, afirmando que a Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, presumindo aptidões iguais, entendidas estas como uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Diz, ainda, o autor, que as denominadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, objetivo a ser alcançado, através da legislação e da aplicação de políticas ou programas de ação estatal. Há de se observar que a igualdade é um conceito relacional, pois só se pode extrair sua definição ao se usar uma comparação. Assim como as Constituições da Alemanha, de Portugal, da Espanha e da Itália consagram o princípio da igualdade, a Constituição Federal assegura em seu artigo 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei” e, desse modo, esse princípio, como é cediço, é utilizado, tanto pelo legislador como pelo aplicador da lei. A igualdade prevista em nossa Constituição determina a redução das desigualdades. Vale dizer então que o Estado tem o dever de agir positivamente no sentido de reduzir as desigualdades sociais. Destarte, quando a Constituição permite um tratamento diferenciado, tem como objetivo atingir uma igualdade real. Afirma-se, a partir dessa idéia que a discriminação pode apresentar-se de forma negativa ou positiva. A primeira é aquela que não tem por fundamento a adoção de medidas tendentes a diminuir as diversidades sociais e econômicas e limita-se a acentuar a regra da plena igualdade de todos perante a lei. Estabelece-se, portanto, um desfavor à pessoa discriminada. Já a discriminação positiva estabelece vantagens a um grupo de pessoas que, por algum motivo, apresenta-se em real desvantagem em relação às demais. De forma compensatória, visa a colocar aquele em condições de competir com estas, na tentativa de efetivamente alcançar o ideal de igualdade. 12 Luiz Alberto Davi Araújo (2001, p. 36-7), em “A proteção constitucional dos direitos do portador de necessidades especiais”, acrescenta a ideia de que a igualdade deve ser o preceito que tem o condão de orientar a aplicação de todo entendimento jurídico que direciona a forma de como se deve efetivar a integração das pessoas com deficiência. A igualdade formal deve ser desconsiderada quando a situação apresentada autoriza tal ruptura. Desta forma, é plausível o entendimento de que a pessoa com deficiência tem, necessariamente, que receber um tratamento diferenciado quando estiver participando ou concorrendo com pessoas sem deficiência. Portanto, o princípio da igualdade garantirá o rompimento da isonomia, para que a pessoa com deficiência seja protegida, quando a circunstância autorizar. O ilustre autor Luiz Alberto David Araujo (2001, p. 36-7) aborda especificamente o direito à igualdade da pessoa com deficiência, e ressalta a necessidade de atendimentos especiais, para assegurar garantias especiais, com a finalidade de proporcionar a almejada igualdade. Afirma, então: Seria, portanto, lógico afirmar que a pessoa portadora de deficiência tem direito a um tratamento especial dos serviços de saúde ou à criação de uma escola especial ou, ainda, a um local de trabalho protegido. Todas as situações quebram a igualdade (inicialmente entendida), mas apresentam autorização lógica para tanto. Bom é falar que a legislação precisa vir acompanhada de instrumentos que possam tornar a igualdade um princípio eficaz, sob pena de ser inócua. Em nosso entender, o princípio da não-discriminação é um desdobramento do princípio da igualdade. Percebemos que nosso Legislador Constituinte Originário ressalta, desde o Preâmbulo, a igualdade como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. No artigo 3º da CF/88 vemos os objetivos fundamentais de nossa República, dentre os quais destacamos aqui a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 3.3 Princípio da liberdade. Em seu Vocabulário Jurídico, De Plácido e Silva (2005, p. 1095) traz a seguinte definição de liberdade [8]: Do latim libertas, de líber (livre), indicando genericamente a condição de livre ou estado de livre, significa, no conceito jurídico, a faculdade ou o poder outorgado à pessoa para que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas, no entanto, as regras legais instituídas. A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre 13 determinação da pessoa, quando não haja regra proibitiva para a prática do ato ou não se institua princípio restritivo ao exercício da atividade. No Direito Constitucional, as liberdades públicas, ou simplesmente liberdades, expressam os direitos liberais que são aqueles direitos fundamentais (também chamados direitos humanos ou direitos individuais) a garantir o indivíduo da imiscuição na sua personalidade pelo Estado ou pelos demais integrantes da sociedade; através das liberdades, pretende-se reservar à pessoa uma área de atuação imune à intervenção do poder. Na Constituição Federal de 1988, Capítulo I, art. 5º, que diz respeito aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da pessoa, há incisos que tratam da liberdade de que todos os indivíduos possuem, como, por exemplo, os incisos alistados a seguir: II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; IV - É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; VI - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VIII - Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir- se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX - É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIII - É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XV - É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; XVI - Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde quenão frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; [...] A definição feita por De Plácido e os incisos mencionados na Carta Magna dizem respeito a todos. Porém, para a pessoa com deficiência, são necessários alguns investimentos em infraestrutura que promovam sua acessibilidade a esses direitos. A questão arquitetônica, por exemplo, deve obedecer ao projeto universal dos Direitos Humanos, que determina as adaptações necessárias a cada deficiência na 14 sua especificidade. É previsto também à pessoa com deficiência o direito de ter os espaços públicos e privados e os transportes, devidamente adaptados, de tal forma a propiciar o livre acesso da pessoa, sem que haja constrangimentos onde quer que seja. Outro aspecto importante é a acessibilidade à informação por meio da internet. Este acesso está condicionado a algumas adequações, como, por exemplo, adaptações dos componentes físicos e periféricos do computador – teclado, mouse, microfone, placa de som, etc. –, existência de programas específicos e sites adaptados. Na área de trabalho, devem-se garantir o acesso a equipamentos e as ajudas técnicas que propiciem à pessoa com deficiência um maior desenvolvimento e um melhor desempenho ao exercer as funções daqueles. Na educação, o aluno deve ter acesso ao conhecimento. Este deve ser transmitido de acordo com as necessidades de aprendizagem de cada um. Os professores devem ser capacitados para esse fim. Deve haver um espaço físico adequado; apoio do corpo docente; bem como a locomoção facilitada por meio de adaptações necessárias que propiciem uma completa autonomia nas dependências da escola. A liberdade constitucional, garantida a todos, não é absoluta, uma vez que se limita às imposições da Lei. Para as pessoas portadoras de deficiência, a liberdade se restringe ainda mais, quando se têm em vista as limitações físicas, sensoriais e/ou mentais delas. Por isso, faz-se necessária a existência de recursos que visem a amenizar esses cerceios. 3.4 Princípio da cidadania Segundo o entendimento de Pietro de Jesús Lora Alarcón, cidadania pode ser caracterizada e definida como a situação em que o indivíduo se encontra, vinculado à vida do Estado, com participação na direção da sociedade política. Na conceituação histórica, cidadania é a ação do homem livre na cidade e Estado em que vive, estando o homem, ligado juridicamente à vida do Estado, desde a constituição do mesmo. Nos dias atuais, a cidadania está intimamente ligada a um conjunto de práticas que concedem a pessoa o atributo de membro ativo 15 da sociedade. De Plácido e Silva (2005, p. 288) amplia esse conceito quando afirma que: [...] a cidadania tanto se diz natural como legal. Será natural, quando decorre do nascimento, isto é, da circunstância de ser nacional por nascimento. Será legal, quando, em virtude da residência fixada em certa parte do território, esta lhe é outorgada por uma declaração legal, a naturalização. A cidadania é expressão, assim que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos, que se indicam, pois, o gozo dessa cidadania. Logo, pode-se observar que os portadores de deficiência, como qualquer outro indivíduo, têm direito a exercer sua cidadania. Deve-se garantir, então, às pessoas com deficiência, seus direitos políticos e às oportunidades de desfrutá-los em condições de igualdade com as demais pessoas. É baseado nisso que o art. 29, tópico “a” da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em dezembro de 2006, afirma que os portadores de deficiência devem ter assegurados: 1. Garantia de que os procedimentos, instalações e materiais para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso; 2. Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a candidatarem-se às eleições, efetivamente ocuparem cargos eletivos e desempenharem quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, se couber; 3. Garantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam atendidas na votação por uma pessoa de sua escolha. A Convenção, em seu art. 29, tópico “b”, corrobora o fato de que se devem promover ambientes propícios para que os portadores de deficiência possam participar efetiva e plenamente na condução das questões públicas, a fim de que se elimine todo e qualquer tipo de discriminação e se una a igualdade de oportunidades com as demais pessoas, garantindo-lhes: 1. Participação em organizações não-governamentais relacionadas com a vida pública e política do país, bem como nas atividades e na administração de partidos políticos; 2. Formação de organizações para representar pessoas com deficiência em níveis internacional, regional, nacional e local, e sua afiliação a tais organizações. 3. O direito ao voto previsto nessa Convenção foi previsto também no Código Eleitoral brasileiro de 1965. Desde então, a forma 16 de execução e de acesso a esse direito é modernizada por tecnologias assistivas. É patente que para se exercer cidadania plena, não basta somente ter assegurados os direitos políticos – liberdade de associação para fins políticos, direito de participar do governo, direito de votar e ser votado –, mas também se devem ter garantidos os direitos civis – direito à liberdade e segurança pessoal, à igualdade perante lei, à livre crença religiosa, à propriedade individual ou em sociedade e o direito de opinião –, os direitos econômicos – direito ao trabalho, à proteção contra o desemprego, à remuneração que assegure uma vida digna, à organização sindical e direito à jornada de trabalho limitada –, e os direitos sociais – direito à alimentação, à moradia, à previdência e assistência, à educação, à cultura, e direito à participação nos frutos do progresso científico. 4 Pessoas portadoras de necessidades especiais e os direitos fundamentais 4.1 Direito à vida e à saúde Os serviços de saúde pública devem oferecer a habilitação e a reabilitação para qualquer tipo de deficiência , visando melhorar a qualidade de vida da pessoa portadora de deficiência física. Também é direito da pessoa com deficiência ter acesso a prótese e órtese, meios auxiliares de locomoção, bem como medicamentos que se fizerem necessários, pois em decorrência da deficiência , podem surgir algumas doenças e sequelas definitivas. 4.2 Direito à educação e ao trabalho É direito das pessoas com deficiência ter uma educação de qualidade, e um trabalho que lhes garanta o sustento. Para que esses direitos sejam assegurados, é necessário que quotas sejam destinadas em concursos públicos e sua utilização rigorosamente controlado. A de Lei de Cotas para PCD 8213/91 – Lei nº 8.213/1991, conhecida como lei de contratação de PCD (Deficientes) nas Empresas. Lei 8213/91, lei de cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência e dá outras providências a contratação de portadores de necessidades especiais. 17 4.3 Direito à acessibilidade e ao transporte O direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso. Está disposto no art. 46 da LBI (Lei Brasileira de Inclusão). A garantia do direito à acessibilidade deve ser assegurada a todo cidadão, com ou sem deficiência,para promoção da qualidade de vida tanto das pessoas adultas e do idoso, quanto da criança e do adolescente, já que todo ser humano enfrenta barreiras à acessibilidade ao longo de sua existência. 4.4 Direito à seguridade social Visando ampliar a essencial rede de proteção previdenciária, nos últimos anos vem sendo adotada uma série de medidas inclusivas. Dentre elas, podemos citar: a) O sistema especial de inclusão previdenciária, instituído pela EC nº 47/05, que introduziu os §§ 12 e 13 no art. 201 da CRFB/1988; o direito da pessoa física empregadora doméstica, até o exercício de 2015 (ano calendário de 2014), deduzir do imposto apurado na declaração de ajuste anual, a contribuição patronal de 12% por ela paga à previdência social (IN-RFB 1.131, de 21.02.2011); b) A LC nº 128/2008, que criou a figura jurídica do microempreendedor individual, com alíquotas reduzidas, incluindo, conforme estudos elaborados pela PNAD 2009, cerca de 10,8 milhões de trabalhadores por conta própria que não contavam com proteção social ou proteção previdenciária. Todavia, apesar de todo esse sistema protetivo, afirmar que a inclusão é um direito não significa sustentar a autoaplicabilidade das leis, nem supor que sua mera existência resolva os problemas ou que baste a presença e a manifestação da coerção para que sejam efetivas. Uma mudança legislativa é uma mudança imposta pelo Estado. Reflete a relação Estado-coletividade. Em virtude de imposição legal, o Estado força mudanças sociais. Muitas são as leis que a partir da Constituição Federal de 1988 pretendem promover eficazmente a inclusão das pessoas portadoras de deficiência na escolha, na família e na sociedade. Contudo, segundo Eugênica Augusta Gonzaga Fávero 18 (2006, p.165), bastariam os dispositivos constitucionais relacionados ao tema para que as pessoas com deficiência fossem efetivamente incluídos na sociedade. A legislação inclusiva somente se efetivará se houver ação conjunta do Estado, das pessoas com deficiência, seus representantes e se a sociedade responsável por implementá-la trabalhar para esse fim. Há de existir sempre a fiscalização do Ministério Público que, por definição, é órgão responsável, perante o Poder Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade e pela fiel observância da Constituição Federal e de todo o ordenamento normativo. 5 Considerações finais A história brasileira de exclusão ou isolamento das pessoas com deficiência, começou a ter fim a partir do ano de 1981, momento em que a ONU declarou o “Ano Internacional da Pessoa Deficiente”. De acordo com Figueira (2008, p. 115): Se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente -, tomando consciência de si, passou a se organizar politicamente. E, como consequência, a ser notada na sociedade, atingindo significativas conquistas em pouco mais de 25 anos de militância. Assim, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é desenvolvido um sistema normativo de proteção às pessoas portadoras de deficiência, apresentando-se, assim, como verdadeiros marcos, os dispositivos constitucionais dos arts. 227, §1º, II, e §2º e 244. Tem-se, ainda, a significativa ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, sendo este um tratado de direito humanos e, portanto, com status de emenda constitucional, em face do art. 5º, §3º, da CRFB/1988. No contexto da legislação infraconstitucional, ao ser publicada a Lei 7.853/1989, estabeleceu-se a obrigatoriedade de respeito e apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, bem como institui-se a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplinando a autuação do Ministério Público. Todavia, a efetivação dessa proteção depende da forma como cada cidadão brasileiro vê a inclusão da pessoa portadora de deficiência física no sistema de proteção à cidadania no Brasil. Enquanto se permitir atitudes simples, como o uso 19 indevido de vagas de estacionamento para deficientes nas ruas e estabelecimentos comercias, pouco adiantará esse sistema normativo tão sofisticado. A atitude se muda nas pequenas esferas. Na realidade, a melhoria da qualidade de vida dos portadores de deficiência física, para além da existência de um cabedal de leis protetivas, alcança a realização de valores básicos de cidadania, como respeito, empatia e alteridade, o que só é possível desde que trabalhado na educação básica e fundamental. 6 Referências: ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004. ALMEIDA, Sandra Cristina Filgueiras de. Legislação aplicável aos portadores de deficiência: legislação relacionada com os portadores de deficiência. Disponível em: http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/publicacoes/estnottec/p df/306981.pdf. Acesso em: 10 mai. 2021. ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2001. FIGUEIRA, Abdiel Ramos. Principais direitos das pessoas com deficiência. Disponível em: http://docplayer.com.br/15563202-Principais-direitos-das-pessoas- com-deficiencia-danielly-bernardes-rezende-fernandes-assessora-juridica.html. Acesso em: 14 abr. 2021. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 abr. 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990- 1994/D98822impressao.htm. Acesso em: 14 abr. 2021. Disponível em: http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Co nvencao_Comentada.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021. Censo IBGE 2010. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em: 16 mar. 2021. 20 Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao- social/orgaos-colegiados/conade/conselho-nacional-dos-direitos-da-pessoa-com- deficiencia-conade. Acesso em: 16 mar. 2021. Disponível em: https://www.oab.org.br/arquivos/a-convencao-sobre-os-direitos-das- pessoas-com-deficiencia-comentada-812070948.pdf. Acesso em: 20 mai. 2021. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. SILVA, Luzia Gomes. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito- constitucional/portadores-de-deficiencia-igualdade-e-inclusao-social-principio-a- dignidade-da-pessoa-humana/. Acesso em: 24 mai. 2021.