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Literatura Brasileira IV Aula 03: Guimarães Rosa Tópico 02: Meu tio o Iauaretê Consta que Guimarães Rosa, enquanto escrevia Grande sertão: veredas, dedicava-se ao mesmo tempo a um outro texto, que se chamou depois Meu tio o Iauaretê. Esse texto apresenta condições de enunciação semelhantes às do romance de Riobaldo. No caso, temos um bugre, um "desonçador", isto é, um caçador de onças, como enunciador. Ele recebe em sua cabaninha perdida no meio do mato a visita de um estranho cavaleiro, armado, a quem ele conta sua história, ou, como queria Guimarães Rosa, sua estória. A relação entre os interlocutores é tensa, irresolvida, cheia de sobressaltos. À medida que o bugre vai fazendo seu relato, percebe-se uma fantástica transformação do narrador-personagem – uma metamorfose do ser e da linguagem. Curiosamente, Guimarães não publicou esse texto em vida; ele apareceu na publicação póstuma Estas estórias. VERSÃO TEXTUAL Seria esse texto o “patinho feio” da obra de Rosa? Seus traços extremamente avançados e inovadores seriam um impedimento de sua aparição pública enquanto o autor era vivo? O fato é que o conto apresenta elementos de um pós-modernismo radical. Neste tópico, vamos ler o conto Meu tio o Iauaretê. Vamos ler também um ensaio sobre o conto, escrito pelo autor destas aulas. Este texto pretende investigar como o desastre perpetrado pela narrativa do bugre-onça afirma a singularidade do extremo, em que o eu, em sua passividade e entrega, sai do eu para encontrar-se em um fora, em tempo de estar a morrer, em que o ser nem suporta nem é suportado, em que a morte é pura e vã. Esse tempo e lugar da ausência só podem ser marcados pela linguagem do fragmento, da explosão, da dispersão, que não logra nem relatar uma experiência exemplar nem invocar uma episteme, um código que não comporta o discurso da nominação. Ao invés do silêncio, o balbucio daquele que, não sabendo mais falar, não pode calar-se. Este homem submete-se a uma alienação radical que subverte o "eu" do mestre, o interlocutor que encena o saber da totalização da potência egoísta, o dominador que predomina e manipula a força ao extremo da perseguição inquisitorial. Essa subversão se dá pela força da paixão anônima, dionisíaca, que luta para corresponder a ela à revelia de seu consentimento. Esse ser, entretanto, também é acossado pela recusa, ou pelo vacilo, correndo igualmente o risco de retornar ao saber, ao eu que sabe, e que sabe que está exposto a uma onipotência egoísta, portadora da má consciência, a uma vontade assassina que mata por um motivo. Daí a existência de duas linguagens ou duas exigências, uma dialética, outra não-dialética, uma na qual a negatividade é o objetivo, que é a do domínio do homem superior, e outra na qual o neutro fala pelo ser e pelo não-ser, e que é a da escolha de Ariadne em relação a Dioniso. A lei do desastre é a lei do excesso, a lei não-codificável, a outra lei, o ilimitado cuja perda ou falha não podem ser medidas. FÓRUM Para este fórum, você deverá ler os dois textos indicados neste tópico: o conto "Meu tio o Iauaretê" (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) de Guimarães Rosa e o ensaio "A escritura do desastre: Meu tio o Iauaretê" (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.), 30