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MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO I Juliana Dorn Nóbrega Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água e consequências da construção civil no aquecimento global Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os impactos da poluição sonora da construção civil. � Analisar o aumento do consumo de energia e o desperdício de água na construção civil. � Definir os impactos da construção civil no aquecimento global. Introdução As atividades da construção civil compreendem as operações de mon- tagem, construção, demolições, reparo ou alteração de uma edificação ou de uma estrutura. E, ao mesmo tempo que a construção civil tem um papel fundamental no crescimento das cidades, na geração de emprego, na melhoria da qualidade de vida da população e no desenvolvimento econômico, pode provocar diversos impactos no meio ambiente. No que diz respeito aos impactos ambientais, o ramo da construção civil utiliza aproximadamente 50% do total de recursos naturais extraídos do meio ambiente (HERCZEG et al., 2014), sobretudo a água e a energia, utilizados desde a fabricação dos materiais até a construção e a vida útil do edifício pela população que o ocupa e pelas atividades desenvolvidas. Além disso, o setor construtivo produz uma grande quantidade de resí- duos, sendo responsável por grande parte da poluição do ar nas cidades e pela emissão de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento global. Entre os impactos negativos ocasionados no processo construtivo, a poluição sonora em decorrência do uso de máquinas e equipamentos pode promover prejuízos à qualidade de vida e à saúde dos trabalhadores, assim como da comunidade no entorno do local do empreendimento. Muitas vezes, os ruídos das máquinas e dos processos são acompanhados de emissão de vibrações, que, por sua vez, podem causar patologias nas edificações vizinhas, além de serem prejudiciais à saúde dos seres humanos. Este capítulo tem como objetivo apresentar alguns conceitos fun- damentais sobre os impactos ambientais gerados pela construção civil, para que os profissionais de engenharia possam compreendê-los e adotar soluções mitigatórias (tecnológicas, políticas e administrativas) em relação a essa problemática. Poluição sonora Um movimento mecânico repentino provoca flutuações na pressão e no des- locamento das partículas do ar, que, por sua vez, deslocam outras partículas vizinhas, e assim indefinidamente, criando um movimento de onda. A sensação de audição é produzida quando as ondas sonoras passam através do canal auditivo (formado pela orelha externa, média e interna) até chegarem à orelha interna, onde a energia da pressão sonora é convertida em impulsos nervosos. Os impulsos passam pelo nervo auditivo e chegam ao cérebro, onde, finalmente, são interpretados como sons. A sensibilidade ao ruído varia bastante entre as pessoas (KROEMER; GRANDJEAN, 2007). Uma unidade física da pressão do som muito utilizada é o micropascal (μPa) — a faixa de audição pelos seres humanos é bastante ampla: o som mais baixo que uma pessoa pode escutar é de, aproximadamente, 20 μPa. Para acomodar uma faixa tão grande em uma escala prática, as pressões são definidas em uma escala logarítmica, denominada decibel (dB), que corresponde à menor variação de pressão sonora que um ouvido pode distinguir. O decibel (dB) é uma unidade de intensidade física relativa do som, que representa o nível de intensidade sonora. Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...2 A definição mais simples para “ruído” consiste em qualquer som que seja indesejável (KROEMER; GRANDJEAN, 2007). O tempo de exposição a determinado ruído depende do seu nível de pressão sonora, de modo que, quanto maior o seu valor em dB, menor será o tempo de exposição de uma pessoa a esse som (Figura 1). Figura 1. Valores de decibéis e limites de exposição. Fonte: Adaptada de Eusebio (2018). Por consequência, a emissão de ruídos promove a poluição sonora, que pode ser definida como toda emissão de som ofensiva ou nociva à saúde, à segurança e ao bem-estar da coletividade, capaz de “lesar fisiologicamente e/ou psicologicamente a saúde, a segurança e o bem-estar dos seres vivos, podendo provocar efeitos clínicos, estresse, dificuldades mentais e emocionais, até surdez progressiva e imediata” (ANDRADE, 2004). A emissão de ruídos, que podem ser do tipo intermitente, contínuo ou de impacto, compreende um aspecto inerente à construção civil, de modo que, muitas vezes, grande parte dos ruídos que escutamos em um ambiente urbano advém das atividades desse setor. 3Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... Alguns exemplos de ruídos no setor construtivo são os geradores de energia a diesel, máquinas de transporte, serviços de manutenção e reparo, solda- gem, atividades de corte, execução de fundações, máquinas pesadas como caminhões, marteletes rompedores de concreto, bate-estaca, atividades de demolição, etc. (Figura 2). Os geradores de energia (utilizados para fornecer energia a equipamentos que requerem eletricidade, como máquinas de sol- dagem e iluminação de ambientes em áreas sem fornecimento de energia) e motores são algumas das máquinas elétricas que produzem um grande ruído nos locais de construção, operações que podem ocorrer simultaneamente ou em tempos diferentes. Figura 2. Níveis de intensidade do som de algumas atividades da construção civil, em decibéis (dB). Fonte: Adaptada de Eusebio (2018). Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...4 Efeitos da poluição sonora Os inconvenientes da poluição sonora proveniente do setor de construção civil têm impacto no bem-estar dos trabalhadores e da comunidade em geral, variando desde fatores psicológicos, como interferência na comunicação, irritabilidade e perda de sono, até problemas de saúde, como perda de audição temporária ou permanente, batimento cardíaco irregular, hipertensão, etc. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2018) dos Estados Unidos, 14% dos trabalhadores da construção civil apresentam consideráveis distúrbios na audição. O limite de exposição ao som recomendável é de 85 dB (NIOSH, 2018). Para sons com intensidades acima de 120 dB, sente-se dor no ouvido, definido como o limiar de dor. Exposições prolongadas a níveis sonoros iguais ou superiores a 85 dB são capazes de causar danos à audição, podendo evoluir para perda auditiva irreversível. Em muitos trabalhos de construção, os trabalhadores estão expostos a ruídos acima desse limite em 70% do turno, mas, apesar disso, eles relatam que utilizam dispositivos de proteção auricular em apenas 20% ou menos do tempo de trabalho (ZITZMAN, 2018). Se o ruído constitui um risco à saúde humana, por que os trabalhadores não utilizam os dispositivos de proteção? De acordo com Zitzman (2018), os trabalhadores geralmente desconhecem os riscos a que estão expostos, uma vez que os níveis de som na construção não são tão óbvios quanto os ruídos industriais. No entanto, a maioria dos ruídos da construção está na faixa de 80 a 90 dB, o que não causa dor imediatamente, mas pode apresentar efeitos a longo prazo. Veja o que Kroemer e Grandjean (2007, p. 260) falam sobre os riscos de perder a audição em razão da exposição inadequada a ruídos: A estimulação forte e repetitiva por um som intenso pode gerar a perda auditiva, que é apenas temporária no início, mas depois de “ensurdecer”, repetidamente, pode gerar um dano permanente. Isto é denominado perda auditiva induzida por ruído (PAIR), que geralmente ocorre pela degeneração lenta, mas progressiva, das células sensíveis ao som do ouvido interno. Quanto mais intenso e repetitivo é o ruído, quanto 5Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... maior é o dano para a audição. O ruído que consiste predominantemente de altas frequências é mais danoso do que os de baixa frequência. Por exemplo, um tiroou uma explosão pode danificar imediatamente as células do ouvido. A sensibilidade ao ruído varia bastante de uma pessoa para outra. Algumas pessoas que são particularmente sensíveis podem sofrer perda auditiva permanente em apenas alguns meses, enquanto pessoas menos sensíveis podem mostrar os primeiros sintomas somente depois de muitos anos de exposição. No Quadro 1, são apresentados alguns efeitos psicológicos e fisiológicos do ruído: no primeiro caso, o ruído pode provocar irritabilidade, alteração do estado de alerta e perturbação do sono; já os efeitos fisiológicos resultam de efeitos sintomáticos do estado de alarme mental, gerado pelo aumento da estimulação do sistema nervoso autônomo (KROEMER; GRANDJEAN, 2007). Muitas máquinas e equipamentos que provocam ruído também estão associados à emissão de vibrações, as quais podem causar danos à saúde, provocados pela ressonância nas partes internas do corpo e por exigirem uma resposta dos músculos e do esqueleto, além de provocar danos neurológicos e circulatórios. O efeito da vibração também pode colocar em risco a estabi- lidade estrutural e causar patologias não estruturais nas edificações vizinhas (ARAÚJO; CARDOSO, 2010). Fonte: Adaptado de Kroemer e Grandjean (2007). Efeitos psicológicos � Irritabilidade � Efeitos no desempenho de concentração mental, pensamento e reflexão � Interferência nas atividades mentais complexas, que exigem muita precisão e interpretação de informações � Redução do tempo total do sono e do sono profundo Efeitos fisiológicos � Aumento da pressão sanguínea � Aceleração da frequência cardíaca � Contração dos vasos sanguíneos da pele � Aumento do metabolismo � Redução da velocidade de digestão � Aumento da tensão muscular Quadro 1. Efeitos psicológicos e fisiológicos do ruído Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...6 Medidas mitigadoras Os métodos de controle do ruído no setor de construção civil podem envolver medidas de controle de engenharia e de controle administrativo, para con- servação do ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância, além de medidas de proteção individual, que reduzam a exposição dos trabalhadores aos riscos, conforme apresentado a seguir. Segundo Nwasinachi e Jonah (2015), as medidas de controle de engenharia consideram a manutenção periódica dos equipamentos existentes, a seleção de novas tecnologias e de máquinas com dispositivos de amortecimento e silenciadores que as tornem menos ruidosas, e a utilização de barreiras de proteção ao som. Como medidas de controle administrativo, de acordo com Berg e Nathanson (2019), incluem-se as restrições de acesso aos locais de constru- ção, a rotação apropriada dos trabalhadores envolvidos em atividades muito ruidosas, o planejamento das atividades e o desligamento dos equipamentos quando não utilizados. As medidas de proteção individual consistem na utilização de equipamen- tos de proteção, em situações em que as medidas de controle administrativo e de engenharia não são suficientes para reduzir os ruídos a um nível seguro, abaixo de 85 dB (BALLESTEROS; FERNANDEZ, 2010). Esses equipamentos são: a) os protetores auriculares do tipo tampão de inserção no canal auditivo, que reduzem o ruído em até 30 dB; b) os protetores auriculares do tipo concha que cobrem toda a orelha externa e reduzem o ruído em até 40 dB; e c) os capacetes que cobrem toda a cabeça. Recomenda-se a utilização dos protetores tampão quando o nível do ruído estiver entre 85 e 100 dB e as conchas para níveis acima de 100 dB (KROEMER; GRANDJEAN, 2007). Regulamentação Algumas normas de segurança e legislações regulamentam a exposição ao ruído por trabalhadores da construção civil e estabelecem valores de referência aceitáveis em áreas habitadas. A ABNT NBR 10.151:2000 define as condições para a avaliação da aceita- bilidade do ruído em comunidades, para o exterior e o interior de edificações, com base na medição do nível de pressão sonora equivalente. 7Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... A ABNT NBR 10.152:2017 estabelece os procedimentos técnicos a serem adotados na execução de medições de níveis de pressão sonora em ambien- tes internos a edificações, além de valores de referência para avaliação dos resultados em função da finalidade de uso do ambiente, como aeroportos, cinemas, escritórios, hotéis, etc. O Anexo nº.1 da Norma Regulamentadora NR 15 de Segurança de Trabalho (NR-15) para atividades e operações insalubres define os limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente, relacionando o nível do ruído à máxima exposição diária permissível. No Anexo nº. 2 da mesma norma, definem-se os limites de tolerância para ruído de impacto, que compreendem aqueles que apresentam picos de energia acústica de duração inferior a 1 seg (BRASIL, 1978). Ainda, é preciso respeitar as legislações municipais, estaduais e federais quanto ao controle e à fiscalização de atividades que promovam poluição sonora. Consumo de água e energia Nas últimas décadas, o processo de urbanização tem sido crescente: no ano de 1950, apenas 30% da população do mundo morava em áreas urbanas, número que aumentou para uma proporção de 55% em 2018 (NAÇÕES UNIDAS, 2018). Com o aumento populacional e da industrialização das cidades, surgiram demandas maiores por edificações e infraestruturas, suprimento de água, energia, alimentos, além de outros insumos. A construção civil utiliza mais da metade dos recursos extraídos do planeta para a produção e a manutenção do ambiente construído (CBCS, 2014). Diante disso, a disponibilidade dos recursos naturais fica comprometida não somente pelo aumento de exploração desses recursos, mas também pela poluição ambiental originada nas diversas atividades humanas, podendo afetar a qualidade dos recursos disponíveis, o que torna imprescindível a busca de um desenvolvimento sustentável para o suprimento das necessidades atuais e de gerações futuras. Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...8 Água e energia De toda a água existente no mundo, apenas 2,5% do volume total é classifi- cado como água-doce, total do qual 70% encontra-se nas geleiras, 0,3% em rios e lagos, e 30% compõe o manancial subterrâneo (CALIJURI; CUNHA; POVINELLI, 2010). As águas utilizadas para uso humano são provenientes de recursos hídricos superficiais, como rios e lagos, e de águas subterrâneas. Para a captação de água superficial, muitas vezes são necessárias estruturas de armazenamento (reservatórios), para regularização das vazões, a fim de garantir um suprimento de água de maneira contínua à população. Em virtude das variações climáticas, os regimes de precipitação têm sido modificados e os eventos extremos de seca ficada cada vez mais frequentes. A captação de água subterrânea é realizada pela extração de água dos aquíferos, formações geológicas capazes de reter a água em sua estrutura porosa. Quando a taxa de exploração é superior à taxa de recarga natural de água, acontece o rebaixamento do nível de água e, consequentemente, do volume armazenado pelo aquífero. O vazamento de contaminantes pode infiltrar no solo e chegar até a água subterrânea, promovendo uma poluição capaz de se estender por quilômetros. No que diz respeito à produção de energia, as fontes de energia podem ser classificadas em renováveis e não renováveis. A utilização de fontes de energia não renováveis provoca a emissão de gases de efeito estufa. As fontes não renováveis são aquelas passíveis de se esgotarem por serem utilizadas com velocidade bem maior que os milhares de anos necessários para a sua formação. Nesta categoria estão os derivados de petróleo, os com- bustíveis radioativos, a energia geotérmica e o gás natural. Fontes renováveis são aquelas cuja reposição pela natureza é bem mais rápida do que sua utilização energética, como no caso das águas dos rios, marés, sol e ventos, ou cujo manejo pode ser efetuado de forma compatível com asnecessidades de sua utilização energética, como no caso da biomassa — cana- -de-açúcar, florestas energéticas e resíduos animais, humanos e industriais (REIS; SILVEIRA, 2001, p. 44). O consumo de energia no mundo aumentou em 2,3% no ano de 2018, representando quase o dobro da taxa média de crescimento desde 2010 (IEA, 2019). Considerando ainda o ano de 2018, a energia renovável corresponde a 25% da matriz energética global. No Brasil, em virtude da disponibilidade de recursos hídricos, a energia hidroelétrica representa uma parcela significativa da matriz energética no país. 9Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... Água, energia e o setor construtivo O setor de edificações (incluindo o ambiente construído e a construção civil) é o maior consumidor final de energia no mundo, e, no Brasil, é responsável por 48,5% do consumo total de energia elétrica. O consumo de energia se dá em quatro áreas principais (CBCS, 2014): � extração, fabricação, produção e transporte de materiais de construção; � construção, que corresponde à energia no canteiro de obras; � operação de edificações e ambiente urbano; � demolição no final da vida útil da edificação. No Quadro 2, são apresentados alguns valores de energia “embutida” ou o custo energético de alguns produtos de extenso uso na construção civil. Fonte: Marques, Haddad e Martins (2001). Material (kJ/kg) Observações Aço 20 a 50 Produto acabado, a partir do minério Água tratada 0,001 a 0,01 A partir de reservatórios naturais Alumínio 227 a 342 Metal a partir da bauxita Calcário 0,07 a 0,1 A partir de jazidas naturais Cimento 5 a 9 A partir das matérias-primas Madeira serrada 3 a 7 A partir da árvore em pé Oxigênio 6 a 14 A partir do ar Papel 25 a 50 A partir da árvore em pé Polietileno 87 a 115 A partir do petróleo Quadro 2. Energia embutida ou custo energético de alguns produtos Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...10 O desperdício de energia pode ocorrer de diversas formas, desde os pro- cessos industriais até a sua utilização no ambiente construído. Uma tendência mundial consiste em optar por equipamentos e máquinas energeticamente mais eficientes. A seguir, são apresentadas algumas políticas públicas de eficiência energética voltadas a edificações, aparelhos e equipamentos, e indústria, definidas pela International Energetic Agency (2011 apud CBCS, 2014). Edificações � Códigos de obras mandatórios e padrões mínimos de desempenho. � Consumo zero net em edificações. � Melhorias na eficiência energética em edificações existentes. � Etiquetagem energética ou certificações para edifícios. � Desempenho energético para componentes construtivos e sistemas. Aparelhos e equipamentos � Padrões mínimos de desempenho obrigatórios e etiquetas. � Padronização de testes e protocolos de medição. � Políticas de transformação de mercado. Indústria � Gerenciamento energético. � Equipamentos e sistemas com alta eficiência energética. � Serviços de eficiência energética para pequenas e médias empresas. � Políticas complementares para incentivar a eficiência energética na indústria. É possível evitar o desperdício de água nas edificações a partir da utiliza- ção de equipamentos economizadores de água, como as bacias acopladas, as torneiras de fechamento automático, os dispersores nas torneiras e as válvulas redutoras de pressão. Novas tecnologias também têm sido desenvolvidas para o reuso da água e o aproveitamento da água pluvial em processos industriais e habitações, para consumos não potáveis. 11Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... Os consumos de água e energia estão diretamente interligados, uma vez que é necessário usar energia para o bombeamento de água, o aproveitamento dos recursos hídricos (fontes superficiais e subterrâneas) e o abastecimento das cidades e dos sistemas prediais, além de estarem interligados aos ciclos de vida dos materiais de construção. Algumas ações para a diminuição do uso de materiais construtivos, e, consequentemente, dos recursos naturais, incluindo a água e energia, consiste em: � maximização da vida útil dos componentes e edifícios; � estratégias para reduzir perdas na construção; e � melhoria do processo de gestão e aumento da reciclagem dos resíduos (CBCS, 2014). De maneira geral, algumas estratégias podem ser delineadas visando à sustentabilidade da construção, como aumentar o grau de industrialização, selecionar materiais adequados ao clima para reduzir o consumo de energia na fase de uso do edifício, melhorar a qualidade e o detalhamento dos projetos, melhorar o gerenciamento das obras e aumentar a durabilidade dos materiais (CBCS, 2014). Há programas de etiquetagem e certificação de desempenho energético em equipa- mentos individuais e edificações inteiras, como apresentado pelo Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS, 2014). O Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE) e o Selo Procel definem níveis mínimos de desempenho para equipamentos importantes, como geladeiras, ventiladores de teto, lâmpadas e pequenos sistemas de ar-condicionado. Já o Programa PBE Edifica define níveis de eficiência energética em edificações públicas, residenciais e de serviços. Impactos da construção civil no aquecimento global Uma das grandes preocupações atuais refere-se ao fenômeno de mudanças climáticas, que representa uma ameaça aos seres humanos e a outras formas de vida do planeta, definido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...12 Climáticas (IPCC) como uma variação estatisticamente significativa no estado médio do clima ou em sua variabilidade, que persiste por um período prolon- gado (BARRY; CHORLEY, 2013). Alguns efeitos das mudanças climáticas são aumento das temperaturas médias, aumento do nível dos mares, derretimento de geleiras e modificação da frequência e intensidade de fenômenos climáticos extremos, como chuvas extremas, furacões, secas e ciclones (KIBERT, 2020). Um dos fatores determinantes no aquecimento global consiste no aumento da concentração atmosférica de alguns gases, como gás carbônico (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e clorofluorcarbonos (CFCs), conhecidos como gases de efeito estufa, por sua capacidade de reter na atmosfera parte da radiação solar incidente sobre a superfície da Terra, provocando o aumento das temperaturas globais (Quadro 3). Fonte: Adaptado de Rosswell (1991 apud MARQUES; HADDAD; MARTINS, 2001). Gases Fontes antropogênicas Gás carbônico CO2 � Combustão de combustíveis fósseis � Desmatamento � Mudanças no uso da terra Clorofluorcarbonos CFC � Espuma plástica para embalagens � Solventes � Aerossol spray propelentes � Processos industriais � Refrigeração Metano CH4 � Atividades agrícolas � Combustão de combustíveis fósseis � Queima de biomassa � Vazamento de gás natural Óxido nitroso N2O � Fertilizantes � Queima de biomassa � Conversão da terra para fins de agricultura � Combustão de combustíveis fósseis Quadro 3. Fontes antropogênicas de gases de efeito estufa 13Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... Apesar de o gás carbônico apresentar um potencial multiplicador do efeito estufa inferior ao de outros gases (Quadro 4), é o principal contribuinte do aquecimento global, em razão das elevadas taxas de emissão de CO2 prove- nientes de atividades antropogênicas diversas, como queima de combustíveis fósseis em usinas de energia, transporte, sistemas energéticos prediais, pro- dução de cimento e agricultura (Figuras 3 e 4). É importante salientar que o CO2 está presente naturalmente na atmosfera como parte do ciclo de carbono, que representa a circulação natural de carbono entre a atmosfera, o oceano, o solo, as plantas e os animais. No entanto, as atividades humanas estão al- terando o ciclo de carbono pela adição de mais CO2 à atmosfera, assim como pelos desmatamentos, o que diminui a capacidade naturalde estabilizar as concentrações de CO2 pelas florestas e a armazenagem de carbono no solo (EPA, 2019). Fonte: Adaptado de Kilbert (2020). Gás atmosférico Multiplicador do efeito estufa CO2 (dióxido de carbono) 1 CH4 (metano) 21 NO2 (óxido nitroso) 310 Refrigerante CFC-11 (CCl3F) 1.320 Refrigerante CFC-12 (CF2Cl2) 6.650 Refrigerante HCFC-22 (CHClF2) 1.350 Ozônio superficial 100 Nota: O multiplicador indica quantos gramas de impacto de equivalente de CO2 são causados por um grama do gás. Quadro 4. Valores multiplicadores do efeito estufa de vários gases atmosféricos Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...14 Figura 3. Emissões globais de gases de efeito estufa por setor econômico. Fonte: Adaptada de IPCC (2014). Figura 4. Emissões globais de gases de efeito estufa. Fonte: Adaptada de IPCC (2014). 15Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... A construção civil contribui significativamente para as emissões de CO2, em grande parte pela produção da indústria cimentícia e pela utilização de recursos não renováveis nesse setor. A produção de cimento é fonte de aproxi- madamente 8% das emissões de CO2 do mundo (LEHNE; PRESTON, 2018). Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP24), realizada no ano de 2018 na Polônia, representantes do setor ci- mentício se reuniram para debater os meios para atender aos requerimentos estabelecidos no Acordo de Paris de 2015 sobre as alterações climáticas. Nessa conferência, estabeleceu-se que as emissões anuais da indústria de cimento devem ser reduzidas em pelo menos 16% até o ano de 2030 (LEHNE; PRESTON, 2018; RODGERS, 2018). Alguns progressos têm sido feitos no setor no sentido de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, principalmente pela melhoria na eficiência energética de novas plantas industriais e pela utilização de materiais alternativos para queima nos fornos, em substituição aos combustíveis fósseis. Na produção de cimento, a maior quantidade de emissão de CO2 se dá na etapa de produção do clínquer, o principal constituinte do material. Con- siderando o ciclo de vida do cimento, 95% das emissões do gás carbônico ocorrem na etapa de produção, havendo também contribuição dos sistemas de transporte, porém em uma escala muito inferior (LIMA; JOHN, 2010). O cimento é constituído essencialmente por calcário e argila, homoge- neizados e moídos até a obtenção de um pó bastante fino, uma mistura que é levada a grandes fornos cilíndricos rotativos e aquecida à temperatura de aproximadamente 1.500ºC. O processo de calcinação separa o material entre óxido de cálcio e CO2, e o material é parcialmente fundido gerando um produto na forma de esferas com diâmetros entre 3 e 25 mm, denominado clínquer. Então, este é resfriado e misturado com um pequeno teor de gipsita (sulfato de cálcio), sendo novamente moído para formação de um pó fino, resultando no cimento portland (NEVILLE, 2016). Geralmente, o forno é alimentado por carvão pulverizado ou outra fonte de calor, como gás ou outros materiais combustíveis. Para a produção de 1 tonelada de cimento, estima-se que sejam necessários entre 100 kg e 350 kg de carvão, conforme o processo empregado (NEVILLE, 2016). Dessa forma, as emissões de CO2 na produção de clínquer decorrem da queima de combustíveis e da decomposição química das matérias-primas (LIMA; JOHN, 2010). Aproximadamente 50% das emissões de CO2 são geradas na etapa de calcinação, 40% na queima de combustíveis fósseis utilizados nos fornos e o restante nas atividades de moagem, homogeneização e transporte das matérias-primas. Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...16 Podemos adotar algumas soluções para reduzir o impacto da construção civil sobre o aquecimento global, sendo exemplos de medidas mitigatórias (RODGERS 2018; TRENGA, 2018): � aumento do ciclo de vida dos materiais e dos edifícios; � aumento da vida útil das estruturas de concreto; � aumento do uso de elementos pré-fabricados, reduzindo a perda de materiais na obra; � melhoria no planejamento do projeto; � seleção de materiais com menor carbono incorporado; � seleção de fornecedores transparentes na produção dos manufaturados; � utilização de materiais recicláveis; � utilização de fontes de energia renováveis; � eficiência energética nas plantas industriais de cimento; � inovações e desenvolvimento de tecnologias voltadas à produção de cimento. No que diz respeito à redução das emissões provenientes do cimento, algumas ações e os respectivos potenciais de impactos são apresentados no Quadro 5. Como mais da metade das emissões do cimento é gerada pela rea- ção química de calcinação, a mudança no tipo de combustível ou o aumento da eficiência energética têm impactos menos significativos que a captura e o armazenamento de carbono, a produção e a utilização de novos tipos de cimento ou a substituição do clínquer por materiais alternativos (Quadro 6). Fonte: Adaptado de Rodgers (2018). Ações Impactos Captura de carbono e armazenamento 95 a 100% Novos tipos de cimento 90 a 100% Substituição ao clínquer 70 a 90% Combustíveis alternativos 40% Eficiência energética 4 a 8% Quadro 5. Porcentagem de redução nas emissões na fase de produção de cimento pela adoção de ações diversas 17Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água... Fonte: Adaptado de Timperley (2018). Captura de carbono e armazenamento Emissões dos fornos de cimento podem ser capturadas e armazenadas. No entanto, tais tecnologias ainda estão em estágios de pesquisa e demonstração Cimentos “novos” alternativos O desenvolvimento de cimentos sem clínquer pode reduzir as emissões significativamente Substituição ao clínquer A proporção de clínquer pode ser substituída por outros materiais, como cinzas volantes e escória de alto forno Redução do uso de cimento no ambiente construído Reciclagem ou reuso de concreto, além de projeção de edifícios com menos concreto Quadro 6. Medidas para redução das emissões de CO2 por cimento ANDRADE, S. M. M. Metodologia para avaliação de impacto ambiental sonoro da cons- trução civil no meio urbano. 2004. Tese (Doutorado em Ciências em Engenharia Civil) — Programa de Pós-Graduação de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. ARAÚJO, V. M.; CARDOSO, F. F. Análise dos aspectos e impactos ambientais nos canteiros de obras e suas correlações. 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Poluição sonora, consumo de energia, desperdício de água...18 BRASIL. Ministério do Trabalho. NR 15: atividade e operações insalubres. 1978. Dispo- nível em: https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_NR/NR-15.pdf. Acesso em: 18 dez. 2019. CALIJURI, M. C.; CUNHA, D. G. F.; POVINELLI, J. Sustentabilidade: um desafio na gestão dos recursos hídricos. São Carlos: EESC, 2010. CBCS. Aspectos da construção sustentável no Brasil e na promoção de políticas públicas: subsídios para a promoção da construção civil sustentável. 2014. Disponível em: http:// www.cbcs.org.br/_5dotSystem/userFiles/MMA-Pnuma/Aspectos%20da%20Cons-trucao%20Sustentavel%20no%20Brasil%20e%20Promocao%20de%20Politicas%20 Publicas.pdf. Acesso em: 18 dez. 2019. CDC. Occupational Hearing Loss (OHL) Surveillance. 2018. Disponível em: https://www. cdc.gov/niosh/topics/ohl/construction.html. Acesso em: 18 dez. 2019. EPA. Greenhouse Gas (GHG) Emissions. 2019. Disponível em: https://www.epa.gov/gh- gemissions. 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No entanto, pelo fato de a rede ser extremamente dinâmica e suas páginas estarem constantemente mudando de local e conteúdo, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre a qualidade, a precisão ou a integralidade das informações referidas em tais links. NAÇÕES UNIDAS. The speed of urbanization around the world. 2018. Disponível em: https://population.un.org/wup/Publications/Files/WUP2018-PopFacts_2018-1.pdf. Acesso em: 18 dez. 2019. NEVILLE, A. M. Propriedades do concreto. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2016. NIOSH. Noise and hearing loss prevention. 2018. Disponível em: https://www.cdc.gov/ niosh/topics/noise/default.html. Acesso em: 18 dez. 2019. NWASINACHI, U.; JONAH, C. A. . Assessment of noise pollution from electricity generators in a high-density residential area. African Journal of Science, Technology, Innovation and Development, [s. l.], v. 7, n. 4, p. 306–312, 2015. REIS, L. B.; SILVEIRA, S. 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