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CASOS CLÍNICOS EM NEUROLOGIA 427 A avaliação de problemas com o desenvolvimento é facilitada pela verificação de quatro aspectos distintos do desenvolvimento: habilidades motoras grosseiras, habilidades motoras finas, interações pessoais-sociais e capacidades linguísticas. Por exemplo, um déficit isolado de linguagem pode ser causado pelo comprometimen- to auditivo isolado, enquanto um atraso global do desenvolvimento (envolvendo os quatro aspectos) é mais provavelmente causado por um distúrbio intrauterino, pe- rinatal ou genético. Um atraso nas habilidades grosseiras, que se inicia antes de um ano, sugere fortemente o diagnóstico de paralisia cerebral. A avaliação de quais são as áreas do desenvolvimento impactadas é facilitada pela utilização do Denver Developmental Screening Test (DDST), sendo confirmada com outras medidas psicométricas mais sofisticadas, disponíveis para o uso no con- sultório ou encaminhando o paciente a um neuropsicólogo pediátrico. Aplicando esta abordagem ao paciente, nota-se que embora a criança esteja ad- quirindo as habilidades motores grosseiras de maneira adequada, ela está um pouco atrasada em relação às habilidades finas, na área da linguagem e na área pessoal-social. Com relação à linguagem, as crianças normalmente começam a balbuciar por volta dos seis meses e articulam uma palavra por volta de um ano. Aos dois anos, aproxima- damente, são capazes de combinar duas palavras para formar sentenças rudimentares, assim como são capazes de seguir comandos verbais simples. Esse paciente, no entanto, apresenta um retardo significativo, uma vez que ele somente é capaz de balbuciar e parece não obedecer a comandos. Embora a maioria dos recém-nascidos seja exami- nada para problemas auditivos no berçário (por meio de um teste neurofisiológico denominado Respostas Auditivas Evocadas do Tronco Cerebral), os médicos devem ter certeza de que a audição é normal quando são confrontados com um retardo da linguagem. Esse paciente, no entanto, tem mais atrasos do que um atraso isolado da linguagem. Segundo o relato dos pais e com base nas observações, o paciente também apresenta problemas significativos de interação social. O paciente não é carinhoso com os pais e é incapaz de manter contato pelo olhar. Às vezes ele parece tratar as pessoas da mesma maneira que trata os objetos a seu redor. Embora o jogo solitário seja um estágio normal do desenvolvimento, essa criança nunca progrediu a ponto de incluir qualquer tipo de jogo social, o que certamente é anormal para sua idade. Além disso, o paciente apresenta vários comportamentos estranhos e idiossincráticos. Por exemplo, a criança é fascinada pela remoção de livros das prateleiras, mas o faz de forma mecâ- nica e não como uma brincadeira. Além disso, usa comportamentos repetitivos, como balançar-se, girar lentamente ou bater suas mãos com rapidez para se acalmar quando fica irritado, em vez de procurar conforto com seus cuidadores. Esses comportamentos estereotipados e repetitivos de autoestimulação são conhecidos como estereotipias e podem muitas vezes ser observados em crianças com autismo ou portadoras de com- portamentos do espectro autista. Se analisarmos o quadro como um todo, a condição clínica dessa criança parece cumprir todos os critérios para o autismo. Toy - Neurologia.indd 427 21/8/2013 15:20:59