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Emoção, Cognição e Aprendizagem Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª M.ª Ana Claudia Baratieri Zampieri Revisão Textual: Prof.ª M.ª Sandra Regina Fonseca Moreira Emoção, Cognição e Aprendizagem Emoção, Cognição e Aprendizagem • Compreender, em uma abordagem prática, a interface entre as diversas dimensões do pro- cesso de aprendizagem. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Introdução; • A Interface Entre a Cognição e a Emoção; • O Papel do Professor no Processo de Aprendizagem. UNIDADE Emoção, Cognição e Aprendizagem Introdução Pensar sobre o processo de aprendizagem de um sujeito implica levar em conside- ração uma série de aspectos que, por vezes, podem parecer contraditórios. Quantas vezes nos vemos invocados a ceder a certas dicotomias que permeiam o nosso contexto? Desde as mais antigas teorias de aprendizagem, muitas abordagens são propostas, cada qual fazendo referência a algumas questões específicas. Nossa intenção nessa unidade é convidá-lo(a) pensar a aprendizagem como um fenô- meno complexo e, por se tratar de uma faculdade humana, composta por inúmeras variá- veis, todas elas importantes para que efetivamente aconteça. O convite é para encontrarmos aproximações entre os conceitos de emoção, cogni- ção e aprendizagem, e pensá-los em uma atmosfera prática, como ocorrem no espaço/ contexto escolar. Além disso, vamos abordar também um ator fundamental para auxiliar nos processos de aprendizagem: o professor. Figura 1 Fonte: Getty Images A Interface Entre a Cognição e a Emoção A suposta dicotomia entre cognição e emoção não é recente e, por muitos fatores, tem razão de existir, principalmente quando nos dedicamos a voltar na história para compreender como filósofos e pensadores consideravam essa questão. Arantes (2002) ajuda-nos a retomar eventos importantes que podem nos auxiliar a compreender essa questão. A autora busca recursos desde Platão, que defendia a troca de todas as paixões, prazeres e valores individuais pelo pensamento, sendo isso entendido como virtude, até quando Descartes criou a afirmação “Penso, logo existo”. 8 9 A separação entre razão e emoção ainda era prevista como a assunção de uma hierar- quia implícita, na qual o pensamento e o raciocínio ocupavam um lugar de excelência. A autora avança lembrando que, na mesma direção, Immanuel Kant também postu- lou sobre a impossibilidade do encontro entre razão e felicidade, afirmando que quanto mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da vida e da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento. Considerava, ainda, as paixões como enfermidades da alma, denotando clara hierarquia entre razão e emoção, na qual a pri- meira prevalece sobre a segunda (ARANTES, 2002). Durante muito tempo a emoção foi analisada como oposta à razão, sendo a razão uma das capacidades mais refinadas da espécie humana e completamente independente da emoção (SANTOS, 2007, p. 181). Longe de terem sido esquecidas, essas premissas da filosofia permanecem vivas até os dias atuais, muitas vezes traduzidas sob metáforas que ouvi- mos frequentemente na vida cotidiana: “não aja com o coração”, “coloque a cabeça para funcionar”, “seja mais racional”. Nessa perspectiva, parece- -nos que para uma pessoa tomar decisões corretas é necessário que ela se livre ou se desvincule dos próprios sentimentos e emoções. Fica a im- pressão de que, em nome de uma resolução sensata, deve-se desprezar, controlar ou anular a dimensão afetiva. (ARANTES, 2002, p. 2) A autora segue quando afirma que, na história da psicologia, o cenário também não é muito diferente. Por ser uma ciência fortemente influenciada pela filosofia, por muitas décadas as teorias psicológicas estudaram separadamente os processos afetivos e cogni- tivos. Tal separação parece ter nos conduzido a uma visão parcial e distorcida da reali- dade, com reflexos nas investigações científicas e no modelo educacional ainda vigentes. Por um lado, os teóricos comportamentalistas ocupavam-se com os comportamentos externos dos sujeitos, pouco atentando aos aspectos subjetivos. Os cognitivistas, por sua vez, ocupavam-se em compreender o raciocínio, e os teóricos que privilegiavam aspectos inconscientes e afetivos atribuíam à cognição um papel secundário (ARANTES, 2002). Figura 2 Fonte: Getty Images 9 UNIDADE Emoção, Cognição e Aprendizagem A ciência ainda busca por evidências para elucidar como as emoções influenciam nos processos de tomada de decisão e, consequentemente, no pensamento e aprendizagem. Damásio (1996), em seus estudos com indivíduos que sofreram lesões neurológicas, concluiu que uma redução seletiva da emoção é tão prejudicial para a racionalidade quanto o excesso de emoção. Concluiu ainda que diferente da dicotomia entre razão e emoção, não é verdade que a razão é otimizada na ausência da emoção. Contrariando essa afirmação, o autor afirma que provavelmente a emoção auxilia o raciocínio, espe- cialmente em se tratando de questões sociais e pessoais que envolvam conflitos ou riscos. Você Sabia? O Erro de Descartes, Emoção, Razão e Cérebro humano é um livro de 1994, escrito pelo neurologista António Damásio. O livro lida com a teoria do dualismo mente/corpo pro- posto por René Descartes, retratando com detalhes neuroanatômicos o modo de funcio- namento da mente. O erro de Descartes, segundo Damásio, terá sido a não apreciação de que o cérebro não foi apenas criado por cima do corpo, mas também a partir dele e junto com ele. Disponível em: https://bit.ly/3rvClZF De acordo com Santos (2007, p. 181), as emoções e sentimentos constituem aspec- tos centrais na regulação biológica e estabelecem uma ponte entre os processos racio- nais e os não racionais. Nessa perspectiva, Fonseca (2016, p. 366) afirma que em função das necessidades, interesses e motivações das pessoas, as emoções fornecem dados fundamentais para ima- ginar e engendrar ações e para satisfazer os seus objetivos. No ser humano, ao longo da sua evolução, e na criança, ao longo da sua trajetória desenvolvimental, todas as ações e pensamentos (como sinônimo de cognição) são coloridas pela emoção. Assista ao vídeo: “Emoções: o maior desafio educacional do século” e conheça por que compreender e trabalhar as emoções em sala de aula faz toda a diferença para a educação. Disponível em: https://youtu.be/U0dSGCF2mwg Fica claro que tanto no campo da Psicologia, quanto no campo das Neurociências, a busca por conhecimentos que aproximam razão e emoção, afeto e pensamento são atuais, propondo uma intersecção entre saberes, até pouco tempo vistos como indepen- dentes, o que nos aproxima da realidade do ser humano. Esses estudos contribuem para avanços na área da Educação, possibilitando compre- ender o aluno e o professor como sujeitos completos, ou seja, biopsicossociais, que na interação fazem com que a efetiva aprendizagem possa ocorrer. Pense em uma sala de aula. Agora, observe as imagens a seguir: 10 11 Figura 3 Fonte: Getty Images Figura 4 Fonte: Getty Images As duas imagens retratam salas de aula. Em qual delas você acredita que a aprendizagem pode ocorrer de maneira mais efetiva? Em qual delas você acredita que as emoções estão sen- do consideradas? Qual das duas imagens considera com ênfase maior a subjetividade dos alu- nos e professor? Procure fundamentar suas análises com o conteúdo proposto nesta disciplina. De acordo com Fonseca (2016), é na aprendizagem que a emoção e a cognição se encontram. Para o autor, a emoção envolve processos de atenção, sensação, apreensão, excitação, propensão, inclinação, predileção, gosto, sensibilidade, focagem, intuição, preferência, impressão, receio, suspeição, susceptibilidade, pressentimento, ideação, premunição, consciencialização etc., porque está relacionada com ganhos e perdas, desafios ou ameaças e, assim, provoca respostas somáticas, corporais e motoras de antecipação muito importantes para o processo de aprendizagem. Ao longo da infância é a emoção que abre o caminho à cognição, alenta emergência da conscientização de si ou o sentimento de si (em termos psi- comotores, é sinônimo de noção do corpo ou de somatognosia) na criança faz emergir a sua cognição, ou seja, as funções cognitivas superiores das aprendizagens humanas mais complexas, que se vão construindo e re- construindo face à dinâmica das suas reações comportamentais emocio- nais e afetivas, evoluem a partir da integridade antecipatória das funções emocionais. (FONSECA, 2016, p. 371-372) O autor afirma ainda que emoção e cognição não se sobrepõem, mas sim, são inse- paráveis. A aprendizagem sem a emoção fica comprometida, assim como a maturação do cérebro humano e todo o neurodesenvolvimento, responsável por dar suporte às aprendizagens de uma criança, reforçam o papel da afetividade e das interações emo- cionais precoces. Em tempo, por ser a emoção menos objetiva e menos mensurável que a cognição, tem sido menos estudada, mas ela faz parte do desenvolvimento da criança e é parte integrante das suas aprendizagens (FONSECA, 2016) A imagem a seguir ilustra o que é afirmado por Fonseca (2016, p. 372). 11 UNIDADE Emoção, Cognição e Aprendizagem Processos somáticos relacionados com o corpo Razão superior e pensamento racional Pensamento Emocional A plataforma para a aprendizagem, a memória, a tomada de decisão e a criatividade, joga com ambas... Sensações corporais atuais ou simuladas, contribuem para a formação de sentimentos, que por sua vez podem in�uenciar o pensamento. Os pensamentos podem disparar emoções, que atuam na mente e no corpo. O pensamento racional pode informar o pensamento emocional pela via superior das emoções sociais e morais, da ética e do raciocínio motivado. A criatividade pode ser informada pela razão superior. A Evidência racional pode in�uenciar a decisão. EMOÇÃO COGNIÇÃO Figura 5 Fonte: Adaptado de FONSECA, 2016, p. 372 Assim, ao considerarmos que não é possível dissociar pensamento e emoção, e que ambos estão presentes em sala de aula e são condições indispensáveis para a aprendi- zagem, vamos abordar a seguir, qual o papel do professor como agente nesse contexto. O Papel do Professor no Processo de Aprendizagem Tente recordar dos seus melhores professores, independentemente de terem sido pro- fessores da educação infantil, do ensino fundamental, médio, ou ainda professores da graduação. Por que foram os seus melhores professores? Quais as suas características? Quais as suas competências? Em que se diferenciaram dos demais? É sabido que o professor tem um papel muito importante na aprendizagem, mas por que essa afirmação é verdadeira? Qual o efetivo papel do professor no processo de apren- dizagem de seus alunos? O quanto é ele o responsável por efetivar que uma criança, adolescente ou adulto aprenda? Para iniciarmos nossos estudos nessa área, convido você a assistir ao vídeo a seguir. “Sapateiro faz Sapato, Professor faz Gente”. Lourdes Atié fala da sua experiência conversando e trabalhando com milhares de professores pelo Brasil. Disponível em: https://youtu.be/91Uh4tME7KY Santos (2007) afirma que muitos dos aspectos que promovem uma relação mais esti- mulante dos alunos com o conhecimento científico estão relacionados não só à compe- tência discursiva do professor na promoção do processo de significação, nas interações 12 13 em aula ou na contextualização do conhecimento científico. A autora afirma que as emoções que permeiam as interações em aula são fatores que determinam a motivação do estudante para a aprendizagem. Para tanto, a construção de emoções que facilitem a aprendizagem, exige do professor uma postura ativa e crítica na constante avaliação de suas estratégias pedagógicas, refletindo também constantemente sobre os efeitos de seus comportamentos, sejam eles verbais ou não verbais, sobre seus diferentes alunos. Dessa forma, o professor precisa não somente compreender a dinâmica da aprendi- zagem, considerando cognição e emoção, como, de certa forma, gerenciar as emoções, sejam primárias ou secundárias, para que essas possam ser catalizadoras no processo de aprender. Dorneles (2016) também aponta para o desafio da docência em possibilitar uma relação docente-discente em que a emoção envolvida seja positiva, transmitindo mais prazer do que desprazer, mais tranquilidade do que ansiedade, mais segurança do que medo e mais alegria do que tristeza. Ou seja, é papel do professor gerir as emoções em suas estratégias, para que na sua interação essas se constituam elementos facilitadores da aprendizagem. Figura 6 Fonte: Getty Images Ainda, Santos (2007) aponta como importante a ressalva de que as emoções ocor- rem na interação. Nossos estudos sustentam nossa hipótese de que os sentimentos de fundo que permeiam as interações nas aulas são, em parte, determinados pelas características do primeiro encontro e pelo reforço cotidiano (positivo ou negativo) de determinados padrões interativos, ao longo do ano letivo. Não consideramos que as interações sejam construídas em função de uma “simpatia” ou “antipatia” recíproca e imediata, visto que mesmo que em outros espaços interativos as simpatias possam parecer gratuitas, nas aulas de aula esse processo é construído por meio da trama cotidiana das interações. (SANTOS, 2007, 184-185) 13 UNIDADE Emoção, Cognição e Aprendizagem Assista ao vídeo a seguir, no qual Rubem Alves fala como é a Escola Ideal e qual o papel do professor. Disponível em: https://youtu.be/qjyNv42g2XU Na perspectiva de que o professor tem uma responsabilidade e um papel fundamen- tal no desenvolvimento da aprendizagem significativa para seus alunos, Fonseca (2016) apresenta três estratégias que ele nomeia como estratégias de crescimento emocional. Elas serão apresentadas a seguir, de forma resumida. Quadro 1 1ª • Fomentar conexões emocionais com as matérias a serem apren- didas: a estratégia a desenhar e a implementar deve envolver ex- periências educacionais que encorajem conexões relevantes com os conteúdos a serem aprendidos, com formas cooperativas, sérias, responsáveis e criativas de selecionar, com a participação ativa dos alunos, tópicos ou temas de pesquisa em pequenos grupos, com calendários e processos de planificação, execução e exposição devi- damente acordados. 2ª • Encorajar os estudantes a desenvolverem intuições escolares inteligentes: esta estratégia prende-se com a promoção e enrique- cimento do pensamento intuitivo e estratégico dos estudantes, na medida em que se torna hoje, numa sociedade global em mudança acelerada, cada vez mais necessário potenciar a sua criatividade e o seu raciocínio crítico. Aprender a colocar perguntas relevantes, saber questionar e dispor de instrumentos mentais analíticos, são condi- ções críticas para desenvolver, aprofundar e criar conhecimento. 3ª • Gerir intencionalmente e ativamente o clima emocional e social da sala de aula: Esta estratégia de aprendizagem emocional relacio- na-se com a possibilidade de cometer erros e aprender com eles, algo só possível de ocorrer numa atmosfera pedagógica de confiança e de respeito. O clima e o envolvimento social onde decorrem as inter- -relações entre experientes e inexperientes ou entre professores e alunos etc., contribui de forma crucial para a aprendizagem, pois só nesses ambientes as emoções positivas podem fazer parte das inte- rações dinâmicas de transmissão e recepção da cultura. Fonte: Adaptado de FONSECA (2016, p. 380-381) Assim, o professor, tanto quanto o aluno, tem um papel fundamental na aprendiza- gem, uma vez que cabe a ele promover um clima aderente à aprendizagem, do ponto de vista tanto de estratégias pedagógicas, quanto no fomento a estratégias emocionais, que permitam interferir positiva no curso de desenvolvimento de seus educandos. A escola, de um modo geral, tem muito a evoluir no aspecto do gerenciamento das emoções, mas o caminho que vem sendo trilhado pela ciência em busca de maiores evi- dências acerca da aproximação entrecognição e emoção, faz jus a avanços significativos e necessários na área da educação. 14 15 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Entrevista com Ausonia Donato https://youtu.be/XowcHQHNWX4 Educação para o Futuro | Atila Iamarino | TEDxUSP O biólogo Átila Iamarino fala sobre o estado atual dos métodos educacionais e o que podemos fazer para melhorá-los. https://youtu.be/B_x8EccxJjU Leitura Neurociência: uma abordagem sobre as emoções e o processo de aprendizagem https://bit.ly/3jc3Ap5 Afetividade como condição para a aprendizagem https://bit.ly/3jce0VA A influência das emoções (e da confiança) na aprendizagem https://bit.ly/2LeCGjI 15 UNIDADE Emoção, Cognição e Aprendizagem Referências ARANTES, V. A. Afetividade e Cognição: rompendo a dicotomia na educação. Videtur, n. 23, 2002. DAMÁSIO, A. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. DORNELES, T. M. As bases neuropsicológicas da emoção: um diálogo acerca da apren- dizagem. Revista Acadêmica Licencia&acturas, v. 2, n. 2, p. 14-21, 2016. FONSECA, V. da. Importância das emoções na aprendizagem: uma abordagem neurop- sicopedagógica. Revista Psicopedagogia, v. 33, n. 102, p. 365-384, 2016. SANTOS, F. M. T. dos. As emoções nas interações e a aprendizagem significativa. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte), v. 9, n. 2, p. 173-187, 2007. 16