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. . Bem-vindo (a) à Unidade III da disciplina Clínica Saúde Mental. Nessa Unidade iremos conhecer a atuação da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS. Então, vamos lá! 1. A ATUAÇÃO DA RAPS Como visto nessa disciplina, em 2001 o Brasil passa a ter, legalmente, diretrizes para política de saúde mental, em uma perspectiva antimanicomial. A substituição progressiva dos manicômios no país por uma rede complexa de serviços que compreendem o cuidado em liberdade como elemento fundamentalmente terapêutico passa a ser o norte no tratamento dos transtornos severos de saúde mental. Ficou estabelecido assim, que a pessoa com transtorno mental, “sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno (…)”, deve ser “tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade [art. 2º, § II]”. Uma das transformações mais expressivas da mudança de perspectiva teórica e assistencial, com o advento da lei que tornou normativa a Reforma Psiquiátrica, foi a diminuição significativa dos leitos psiquiátricos, com uma redução de quase 70% entre a década de 1970 e 2014. Depois de cinco anos da promulgação da lei (a promulgação ocorreu em 6 de abril de 2001), os gastos repassados aos serviços de base comunitária foram maiores que os gastos com leitos hospitalares e o repasse financeiro para a atenção psicossocial aumentou em mais de 50% entre 2002 e 2013. Esse cenário de investimento contribuiu para que em 2014 fossem registrados os serviços de 2 mil Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 610 Serviços . Residenciais Terapêuticos (SRT) direcionados à atenção em saúde a mais de dois mil sujeitos egressos de internações em processo de desinstitucionalização e mais de quatro mil beneficiários do Programa de Volta Para Casa (PVC) (AMARANTE; NUNES, 2018; TRAPÉ; ONOCKO-CAMPOS, 2017). É importante destacar que o processo de consolidação da redemocratização acompanha o desenvolvimento de diversas políticas públicas, inclusive no âmbito da saúde pública e, em especial, da atenção psicossocial. É através do laço construído entre o usuáriofamília-equipe, se constitui uma rede de cuidado que viabiliza o acolhimento dentro dos dispositivos de saúde, que deve acontecer, preferencialmente, dentro do território do usuário. Segundo Fagundes Júnior, Desviat e Silva (2016), o Território Integrado de Atenção à Saúde (TEIAS) determina ao CAPS o território onde serão desenvolvidas as suas atividades com os demais serviços de saúde. De maneira consoante, a inserção do serviço dentro do território e o trabalho assim delineado possibilita que o usuário seja assistido no seu ambiente de familiaridade e de suas relações interpessoais, que irão viabilizar a manutenção desses laços, o exercício da cidadania como sujeitos de direito, a continuidade dos cuidados fora dos serviços e a reinserção social após períodos críticos (BARBOSA et al., 2016). A proposta da Reforma Psiquiátrica é desconstruir a lógica praticada dentro dos manicômios, não sendo limitada pelo ambiente concreto. Essa mesma perspectiva está presente na centralidade da patologização, no controle dos corpos por contenções físicas, químicas e morais, as práticas estigmatizantes e excludentes (ARGILES et al., 2017). Portanto, viabilizar a produção subjetiva dos sujeitos, a produção de sentidos e significados, os saberes e fazeres distantes da dimensão “normalizadora” e disciplinar, dentro dos serviços e para além das suas paredes, constitui um dos desafios contemporâneos da atenção psicossocial e a continuidade do caminho que a Reforma Psiquiátrica ainda falta percorrer. . A Reforma Psiquiátrica envolve uma mudança de modelo aplicado no acompanhamento do paciente. O que antes prevalecia, segundo Costa-Rosa (2000), o paradigma biomédico tem o hospital psiquiátrico como o local típico para o tratamento; os meios de trabalho incluem recursos multiprofissionais, mas não ultrapassam a fragmentação de tarefas e a supervalorização do saber médico; há ênfase nas determinações orgânicas dos problemas (doenças) e na terapêutica medicamentosa. Outra peculiaridade desse modelo é a exclusão de familiares e dos usuários de qualquer participação no processo de tratamento. Em contraposição, o paradigma psicossocial, advindo com a Reforma Psiquiátrica, caracteriza-se pelo trabalho em equipe interprofissional e pelo uso de diferentes recursos terapêuticos, enfatizando a reinserção social do indivíduo, investindo no trabalho com a família, com a comunidade e com o próprio sujeito, incentivando o uso de dispositivos extra-hospitalares. Esse paradigma propõe a promoção de uma assistência eficaz e humanizada, redução das internações manicomiais, participação da família, da comunidade e dos usuários como corresponsáveis na reabilitação e na reintegração social. Assim, o paradigma psicossocial caracteriza-se como uma diretriz da reforma assumindo o importante papel de nortear a construção de novas práticas e serviços em saúde mental (Acioli Neto & Amarante, 2013; Costa-Rosa, 2000; Maciel, 2007; Silva et al., 2014). É nesse cenário desafiador que, paulatinamente, o movimento da Reforma Psiquiátrica busca alterar concepções, reconstruir representações arraigadas e convocar a sociedade a refletir e a produzir mudanças, com o objetivo de desenvolver estratégias que possam abrir possibilidades de respeito aos direitos sociais das pessoas em sofrimento psíquico e, assim, romper com a cultura de exclusão construída através dos tempos (Martins, Soares, Oliveira, & Souza, 2011). Sobre isso, Maciel, Barros, Silva e Camino (2009) ressaltam que para haver transformação nessa realidade é necessário muito mais que uma mudança nos . dispositivos institucionais, é preciso que o modelo asilar seja superado quantitativa e qualitativamente, é necessário que haja uma reestruturação social segundo uma lógica oposta a essa ideia: a lógica da desospitalização e da inclusão social. De acordo com Salles e Barros (2013) na origem dos hospitais psiquiátricos está o conceito de que toda pessoa em sofrimento psíquico é perigosa. Tal conceito, criado a partir da ideologia dominante da época, vem sendo endossado e difundido na sociedade, instalando-se no senso comum. Conforme a ideologia da época, a função dos hospitais psiquiátricos não era de tratar o doente, mas de proteger os sãos dos excessos e da periculosidade do louco. A visão do louco, segundo os autores, é associada a maior temor e perigo, por meio das evocações psicopata e drogas. Ochoa et al. (2011) menciona que a sociedade comumente associa a loucura ao uso de drogas, apontando as drogas como causadoras dos transtornos mentais e isso gera ainda mais preconceito, pois associa-se a imagem do louco a outro grupo estigmatizado, os usuários de drogas. A imagem de um assassino conturbado, psicótico, é repetidamente veiculada em jornais e filmes; sugerindo a associação entre loucura e perigo; essa concepção, amplamente divulgada na sociedade pelos meios de comunicação, instaurou-se no senso comum. Apesar de difundida na sociedade, a informação de que toda pessoa em sofrimento psíquico é potencialmente perigosa não encontra confirmação nos estudos acadêmicos e parece estar respaldada nos mais de duzentos anos de aprisionamento e isolamento do louco por parte do saber médico (Guarniero, Bellinghini, & Gattaz, 2012; Salles & Barros, 2013). Nesse contexto de transformações, a comunidade tem um papel preponderante, pois esta deve estar preparada para receber em seu cotidiano os usuários desospitalizados. . Ao olhar a trajetória de construção da Rede de Atenção Psicossocial(RAPS) encontramos a dimensão jurídicopolítica dos sujeitos em sofrimento psíquico, até então desconsiderada pelas práticas tradicionais da psiquiatria clássica centradas na perspectiva biomédica patologizante. Desse modo, a RAPS se constituiu como uma rede composta por diversos dispositivos que prestam atenção à saúde mental em todos os níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Se propõe a realizar o cuidado dentro do território, com o intuito de fortalecer os vínculos sociais dentro e fora do serviço, a construir o PTS com os usuários e suas famílias e a utilizar alternativas terapêuticas, preferencialmente coletivas, que respeitem a singularidade dos sujeitos, suas histórias e contextos socioculturais. É possível constatar que há inúmeros avanços muito significativos, contudo existem fragilidades na estrutura da rede que ainda se relacionam com a lógica manicomial, principalmente a centralização dos CAPS, o que provoca uma sobrecarga e inviabiliza o desenvolvimento de atividades, e na dificuldade de construir uma articulação efetiva, através do apoio matricial, entre os serviços de saúde. Outro ponto importante a ser considerado e que ainda persiste em algumas práticas, é a preferência da terapia farmacológica, em detrimento de práticas psicoterápicas e técnicas grupais, por exemplo. É preciso enfatizar que a reforma, enquanto processo, se dá na construção de práticas cotidianas e no abandono de paradigmas que guiaram os cuidados e determinaram práticas por um longo período, dessa maneira as fragilidades identificadas demonstram que, embora a lei exista a mais de vinte anos, a Reforma Psiquiátrica ainda está se consolidando dentro dos serviços e da sociedade. Vale salientar que, a luta por uma sociedade livre de práticas manicomiais e de controle está ligada ao exercício da democracia e da cidadania. . REFERÊNCIAS: AYRES, J. R. C. M. et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Org.). Promoção da Saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. CAMPOS, G. W. S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas: o caso da saúde. In: CECÍLIO, L. C. O. (Org.). Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Hucitec, 1994. Acioli Neto, M. L., & Amarante, P. D. C. (2013). O Acompanhamento Terapêutico como Estratégia de Cuidado na Atenção Psicossocial. Psicologia Ciência e Profissão, 33(4),964-975. Recuperado em http://www.scielo.br/pdf/pcp/v33n4/v33n4a14.pdf Brasil. Ministério da Saúde. Clínica Ampliada e Compartilhada. EDITORA MS: 2009. http://www.scielo.br/pdf/pcp/v33n4/v33n4a14.pdf .