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Outro importante recurso da narrativa realista consiste na descrição detalhista como um eficiente processo de representação tanto do espaço quanto das personagens, como também a presença de um narrador onisciente e distanciado que apresenta os fatos sem emitir explicitamente uma opinião. Eça, como intérprete desse estilo produziu romances consideravelmente detalhistas e ricos, no que diz respeito aos espaços representados e às personagens caracterizadas; dentre as quais, salientam-se os tipos sociais, emblematicamente relacionados a importantes aspectos da vida pública portuguesa, na segunda metade de Oitocentos. De acordo com Reis (2019): [...] enquanto aceita os princípios do realismo e do naturalismo, Eça procura fundar a representação narrativa na observação dos cenários que privilegia; as personagens que os povoam (Luísa, Amaro, Amélia) surgem como figuras afetadas por fatores educativos e hereditários que os romances tratam de pôr em evidência, de forma normalmente muito crítica. Já, contudo, a terceira versão d'O Crime do Padre Amaro abre caminho a indagações de natureza histórica e a incursões pelo simbólico. O crime do Padre Amaro A obra foi reescrita três vezes: a edição publicada na Revista Ocidental, em 1875, sem a revisão das provas solicitadas por Eça de Queirós ocasionou as edições subsequentes, de 1876 e 1880, nas quais são percebidos, além da reestruturação mais cuidada, o aprimoramento do ponto de vista estilístico e um maior alinhamento com o Realismo e o Naturalismo, possibilitando, dessa forma, a discussão mais aprofundada de problemas sociais, como também das questões morais e motivações internas das personagens. O argumento principal é a trajetória do padre Amaro, desde sua nomeação como pároco de Leiria até a realização de um crime e posterior afastamento da cidade. Todavia, conforme observamos, a preocupação de alcançar a melhor forma estética levou Eça de Queirós a fazer modificações tão substanciais – acréscimos de personagens e de intrigas narrativas – que quase parece uma nova obra. Além de defender a tese de que a falta de vocação arruína o desempenho da ação religiosa, o autor realiza, ao longo do romance, uma crítica contumaz ao clero corrupto e a instituição eclesial que agem como parasitas hipócritas da sociedade, corroendo o andaime social e afastando-se do verdadeiro dever da religião. Assim, o narrador acompanha a deterioração moral de Amaro segundo o ambiente vicioso em que vive em Leiria. Apesar de não ter vocação e de já revelar um caráter egoísta, ambicioso e acomodado, os companheiros de batina de Amaro somente lhe mostram exemplos de venalidade, 142