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Nietzsche e a Ciência

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Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | letra1@editoraletra1.com.br
http://dx.doi.org/10.1590/2316-82422021v4201ec
* A primeira versão deste trabalho foi publicada com o título “Le recours à la science chez Nietzsche: 
une étude à partir de L’Antéchrist”, em DENAT, C.; WOTLING, P. (Orgs). Nietzsche. Les textes 
de 1888. Reims: Éditions et presses universitaires de Reims, 2020. Para a presente publicação, 
realizamos modificações no texto e no título. O artigo resulta de pesquisa apoiada pela Fapesp 
(processo 2016/04380-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
** Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, São Paulo, Brasil.
ORCID https://orcid.org/0000-0001-7916-5788
Correio eletrônico: edercorbanezi@hotmail.com
Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021. | 61
Nietzsche e a prerrogativa 
da ciência como forma 
de inverdade: visão de 
mundo científica versus 
visão de mundo cristã*
Eder Corbanezi**
Resumo: Partindo da análise de O Anticristo, investigamos a 
função que Nietzsche atribui à ciência, entendida como forma 
de inverdade, em relação a outras formas de inverdade, como o 
cristianismo. Primeiro, buscamos mostrar que, nesse escrito, o 
autor estabelece a incompatibilidade entre ciência e cristianismo 
atribuindo-lhes características específicas e inconciliáveis (como 
a probidade intelectual, própria da ciência, e a exigência de fé, 
típica do cristianismo). Depois, evidenciamos que qualificativos 
como “falsa”, “errônea”, “fictícia” e “mentirosa”, aplicados em 
tom pejorativo à concepção religiosa de mundo em O Anticristo, 
determinam igualmente, em outros escritos, o conhecimento 
científico. Ora, se as concepções de mundo cristã e científica têm 
características semelhantes, por que Nietzsche recorre à ciência 
para rejeitar o cristianismo?
Palavras-chave: Ciência, cristianismo, verdade, inverdade, 
erros-verdades, erros-erros. 
Corbanezi, E.
Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | letra1@editoraletra1.com.br
62 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021.
Tomando como ponto de partida a análise de O Anticristo, 
propomo-nos a investigar certo aspecto do papel que Nietzsche 
atribui ao pensamento científico. De início, buscamos mostrar 
que, nesse escrito, o autor procura estabelecer uma relação de 
incompatibilidade entre ciência e cristianismo em função das 
maneiras opostas pelas quais eles consideram a noção de verdade, 
observada sob três ângulos conectados, a saber, do ponto de vista 
dos valores, do conhecimento e dos modos de realidade. Em seguida, 
esperamos fazer notar que Nietzsche pretende basear aquela 
incompatibilidade na distribuição de características específicas 
e inconciliáveis, tais como a probidade intelectual, própria da 
ciência, e a exigência de fé, típica do cristianismo. No entanto, 
depois de expor essa distribuição de características específicas e 
incompatíveis, evidenciamos que qualificativos como “fictícia”, 
“errônea”, “falsa” e “mentirosa”, aplicados em tom pejorativo 
à concepção religiosa de mundo em O Anticristo, determinam 
igualmente, em outros escritos de Nietzsche, a concepção científica 
de mundo. Por fim, examinamos o problema que daí decorre: se 
as concepções de mundo tanto cristã como científica apresentam 
as mesmas características, por que Nietzsche recorre à ciência 
para rejeitar o cristianismo? É a análise desse problema que nos 
permitirá identificar uma determinada função atribuída à ciência 
pelo autor de Zaratustra.
O Anticristo apresenta uma crítica ao cristianismo entendido 
como obstáculo a uma forma superior de vida e de humanidade. 
Segundo Nietzsche, “o cristianismo tomou o partido de tudo o que 
é fraco, baixo, malogrado” (AC/AC 5, KSA 6.171)1. Além disso, ao 
considerar a compaixão não apenas como uma virtude, mas como 
“a virtude”, essa religião “cruza a lei do desenvolvimento, que é a 
lei da seleção” (AC/AC 7, KSA 6.173)2. A compaixão, com efeito, 
1 Tradução de Paulo César de Souza, doravante designado PCS.
2 Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho, doravante designado RRTF.
Nietzsche e a prerrogativa da ciência como forma de inverdade...
Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | letra1@editoraletra1.com.br
Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021. | 63
“conserva o que está maduro para sucumbir, arma-se em favor dos 
deserdados e condenados da vida e, pela multidão de malogrados de 
toda espécie que mantém firmes na vida, dá à vida mesma um aspecto 
sombrio e problemático” (AC/AC 7, KSA 6.173, RRTF). Desse modo, 
“a religião da compaixão” (AC/AC 7, KSA 6.172, RRTF) contribui 
para o cultivo do que Nietzsche denomina “o animal doméstico, 
o animal de rebanho, o animal doente homem – o cristão...” (AC/
AC 3, KSA 6.170, PCS). Mas o cristianismo vai além. Trava “uma 
guerra de morte” contra um “tipo mais elevado de homem” (AC/AC 
5, KSA 6.171, PCS), precisamente aquele que, na visão de Nietzsche, 
“deve-se cultivar, deve-se querer, como de mais alto valor, mais 
digno de vida, mais certo de futuro” (AC/AC 3, KSA 6.170, PCS). 
Desse homem superior, que representa “os instintos de conservação 
da vida forte”, o cristianismo faz “o homem mau” (AC/AC 5, KSA 
6.171, PCS).
Com base em sua própria concepção de vida, entendida como 
“instinto de crescimento, de duração, de acumulação de forças, de 
potência” (AC/AC 6, KSA 6.172, RRTF), Nietzsche estima “bom [...] 
tudo o que eleva o sentimento de potência, a vontade de potência, 
a própria potência no homem” (AC/AC 2, KSA 6.170, PCS, trad. 
modificada). Inversamente, ele julga “ruim [...] tudo o que vem da 
fraqueza” (AC/AC 2, KSA 6.170, PCS, trad. modificada). Ora, se o 
cristianismo significa “a ativa compaixão por todos os malogrados 
e fracos”, que, segundo o autor, “devem perecer” (AC/AC 2, KSA 
6.170 PCS), então essa religião é naturalmente alvo de sua crítica3.
Em seu ataque contra a visão cristã do mundo, Nietzsche 
defende a ideia de que ela inverte a aplicação dos conceitos de 
3 Num fragmento póstumo de 1888, Nietzsche censura o cristianismo na medida em que, “em vez 
de encorajar à morte e ao autoaniquilamento, protege tudo o que é malogrado e doente e faz com 
que se reproduza”. O autor de Assim falava Zaratustra, ao contrário, pergunta-se “com que meios 
se alcançaria uma forma estrita do grande niilismo contagioso: uma forma que, com consciência 
científica, ensinasse e praticasse a morte voluntária...” (Nachlass/FP 1888, 14 [9], KSA 13.222). A 
respeito do eugenismo na filosofia de Nietzsche, cf. Salanskis, 2013.
Corbanezi, E.
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64 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021.
verdadeiro e de falso considerados como juízos de valor. É que o 
cristianismo considera como verdadeiro tudo o que danifica a vida 
e como falso, tudo o que a favorece: 
O que um teólogo percebe como verdadeiro tem de ser falso: aí se tem quase 
que um critério da verdade. [...] Até onde vai a influência do teólogo, o 
julgamento de valor está de cabeça para baixo, os conceitos de “verdadeiro” 
e “falso” estão necessariamente invertidos: o que é mais prejudicial à vida 
chama-se “verdadeiro”, o que a realça, eleva, afirma, justifica e faz triunfar 
chama-se “falso”... (AC/AC 9, KSA 6.175-176, PCS)4.
Além de posicionar-se com base em sua própria concepção de 
vida ascendente e de vida decadente, Nietzsche supõe, portanto, que 
a ideia de verdade, quando utilizada em julgamentos de valor que 
qualifiquem o que é digno da mais elevada estima, não convém ao 
que implique, sob qualquer forma, a negação da vida e do mundo. 
Daí asseverar o autor de O Anticristo que os sacerdotes invertem 
os julgamentos de valor. Eis a consequência e o pressuposto de tal 
inversão:
Enquanto o padre vale ainda comouma espécie superior de homem, esse 
negador, caluniador, envenenador da vida por profissão, não há nenhuma 
resposta para a pergunta: o que é verdade? Já se tem a verdade de ponta-
cabeça, quando o advogado consciente do nada e da negação vale como 
representante da “verdade” (AC/AC 8, KSA 6.175 RRTF). 
De fato, assegura Nietzsche, o “sacerdote dominou até agora” 
e “determinou os conceitos de ‘verdadeiro’ e ‘não verdadeiro’!” (AC/
AC 12, KSA 6.179, PCS). Ao fazê-lo, todavia, negligenciou a ciência: 
4 Mais adiante, insiste Nietzsche: “Toda palavra na boca de um ‘primeiro cristão’ é uma mentira, toda 
ação que ele realiza, uma falsidade de instinto – todos os seus valores, todos os seus fins são nocivos, 
mas quem ele odeia, o que ele odeia, isso tem valor... O cristão, em especial o cristão sacerdote, é 
um critério de valores” (AC/AC 46, KSA 6.224-225, PCS).
Nietzsche e a prerrogativa da ciência como forma de inverdade...
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Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021. | 65
“Que importa a ciência para um sacerdote? Ele está muito acima 
disso!” (AC/AC 12, KSA 6.179, PCS)5.
Ao opor-se aos julgamentos de valor invertidos pelo sacerdote, 
que considera como verdadeiro o que prejudica a vida e como 
falso o que a favorece, Nietzsche apoia essa sua posição em outra 
recusa. O filósofo rejeita os procedimentos que outrora se estimavam 
adequados para determinar o que se deve qualificar de verdadeiro 
ou de falso: 
Não subestimemos isto: nós mesmos, nós, espíritos livres, já somos uma 
“transvaloração de todos os valores”, uma encarnada declaração de guerra 
e de vitória em relação a todos os velhos conceitos de “verdadeiro” e “não 
verdadeiro” (AC/AC 13, KSA 6.179, PCS, trad. modificada). 
Um exemplo desses antigos procedimentos é oferecido 
pelos filósofos que, “em quase todos os povos”, são “apenas o 
prosseguimento do tipo sacerdotal” (AC/AC 12, KSA 6.178, PCS). 
Desprovidos de “consciência intelectual”, eles ignoram “as exigências 
primeiras da retidão intelectual” (AC/AC 12, KSA 6.178, PCS) e 
valorizam condutas que, a rigor, não servem para estabelecer o que 
se acredita dever qualificar de verdadeiro e real. É assim que “tomam 
os ‘belos sentimentos’ por argumentos, o ‘peito erguido’ por um fole 
da divindade, a convicção por critério da verdade” (AC/AC 12, KSA 
6.178, PCS)6. A esse modo filosófico-sacerdotal de estabelecer e de 
sustentar pretensas verdades opõe Nietzsche os métodos científicos de 
sua época, cujos requisitos foram alvo de desprezo por muito tempo:
5 A oposição entre ciência e religião já havia sido mencionada: “Exatamente como o sacerdote, o 
idealista tem na mão todos os grandes conceitos (– e não só na mão!), com benévolo desprezo ele 
os põe em jogo contra o ‘entendimento’, os ‘sentidos’, as ‘honras’, o ‘bem viver’, a ‘ciência’, ele vê 
tais coisas abaixo de si, como forças nocivas e sedutoras, sobre as quais ‘o espírito’ paira em pura 
‘para-si-mesmidade’” (AC/AC 8, KSA 6.174-175, PCS).
6 Cf. também AC/AC 52, KSA 6.232-234. Para uma análise da “psicologia da crença” do cristianismo, 
cf. Sommer, 2000, pp. 475 e seguintes.
Corbanezi, E.
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66 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021.
As percepções mais valiosas são alcançadas por último; mas as percepções 
mais valiosas são os métodos. Todos os métodos, todos os pressupostos 
da cientificidade de hoje tiveram contra si, por milhares de anos, o mais 
profundo desprezo; por causa deles o indivíduo era afastado do convívio 
com pessoas “honestas” – era considerado “inimigo de Deus”, desprezador 
da humanidade, “possesso”. Como natureza científica era chandala... 
Tivemos contra nós todo o páthos da humanidade – sua noção daquilo que 
deve ser verdade, do que deve ser o serviço da verdade (AC/AC 13, KSA 
6.179, PCS).
Além de inverter o uso das noções de verdadeiro e de falso nos 
julgamentos de valor, o sacerdote desconsidera, segundo Nietzsche, 
as exigências que, de um ponto de vista cognitivo, a ciência admite 
como válidas para estabelecer o que se pode e se deve designar como 
verdadeiro no sentido de correto e de real. Assim, o raciocínio do 
autor de O Anticristo supõe que os julgamentos de valor devem ser 
submetidos à apreciação cognitiva científica. Desse modo, ele dá 
a entender que, à diferença do cristianismo, a ciência seria capaz 
de julgar corretamente, subsumindo à noção de verdadeiro o que 
realmente favorece a vida e à noção de falso o que efetivamente 
a prejudica. Portanto, no âmbito cognitivo, a ciência desempenha 
o papel de autoridade e estabelece os requisitos para o emprego 
correto dos qualificativos “verdadeiro” e “falso”. Mais do que 
isso, o que se considera como verdadeiro sob o ângulo cognitivo e 
científico deve ser decisivo em relação ao que se deve considerar 
como verdadeiro nos julgamentos de valor em que se subsume à 
noção de verdadeiro o que beneficia a vida e à noção de falso o 
que a arruína.
O objetivo de Nietzsche, percebe-se, não é apenas inverter a 
inversão cristã dos julgamentos de valor em que operam as noções 
de verdadeiro e de falso, como se o assunto se reduzisse a mera 
convenção, suscetível das mais arbitrárias manipulações. Sinalizando 
o contrário, ele faz intervir o conceito de realidade em apoio a sua tese.
Nietzsche e a prerrogativa da ciência como forma de inverdade...
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Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021. | 67
De início, tal conceito aparece em sentido negativo. A 
“defeituosa ótica” do teólogo, segundo Nietzsche, “proíbe que a 
realidade [Realität] receba honras ou mesmo assuma a palavra em 
algum ponto” (AC/AC 9, KSA 6.175-176, PCS)7. Por essa razão, lê-se 
com frequência em O Anticristo a objeção de que “nem a moral nem a 
religião, no cristianismo, têm algum ponto de contato com a efetividade 
[Wirklichkeit]” (AC/AC 15, KSA 6.181, RRTF); ao contrário, elas 
não são mais do que um “puro mundo de ficções” que “falsifica, 
desvaloriza, nega a efetividade” (AC/AC 15, KSA 6.181, RRTF)8. 
Mas Nietzsche não se contenta em afirmar que a representação 
cristã do mundo não reflete a realidade sob nenhum aspecto; ele 
assegura também que, para fazer ruir esse mundo imaginário, basta 
confrontá-lo com um ponto qualquer da realidade:
No mundo cristão das ideias nada houve que apenas tocasse a realidade: 
e no ódio instintivo a toda realidade reconhecemos o único elemento 
impulsor na raiz do cristão. Que se segue daí? [...] Um conceito fora, uma 
única realidade em seu lugar – e todo o cristianismo desaba!” (AC/AC 
39, KSA 6.21, PCS).
Ao reiterar essa posição, Nietzsche acrescenta que, da 
irrealidade do mundo concebido pelo cristianismo, decorre a 
necessária hostilidade dessa religião em relação à ciência: “Uma 
religião como o cristianismo, que não tem nenhum ponto de contato 
7 Sobre a irrealidade do mundo representado pelo cristianismo, cf. também, no mesmo livro, os 
parágrafos 15, 29, 39, 42, 47, 58 e 62.
8 Nesse parágrafo, Nietzsche apresenta o universo fictício do cristianismo nos seguintes termos: 
“Somente causas imaginárias (‘Deus’, ‘alma’, ‘eu’, ‘espírito’, ‘a vontade livre’ – ou ainda a ‘não-livre’); 
somente efeitos imaginários (‘pecado’, ‘redenção’, ‘clemência’, ‘castigo’, ‘remissão dos pecados’). Uma 
transação entre seres imaginários (‘Deus’, ‘espíritos’, ‘almas’); uma ciência imaginária da natureza 
(antropocêntrica; total ausência do conceito de causas naturais); uma psicologia imaginária (somente 
mal-entendidos sobre si, interpretações de sentimentos gerais agradáveis ou desagradáveis, por 
exemplo, os estados do nervus sympathicus, com auxílio da linguagem simbólica da idiossincrasia 
moral-religiosa – ‘arrependimento’,‘remorso de consciência’, ‘tentação do diabo’, ‘a proximidade 
de Deus’); uma teleologia imaginária (‘o reino de Deus’, ‘o Juízo Final’, ‘a vida eterna’” (AC/AC 
15, KSA 6.181, RRTF).
Corbanezi, E.
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68 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021.
com a efetividade, que desmorona tão logo a realidade, em um ponto 
sequer, adquire seus direitos, tem, como é justo, de ser inimiga 
mortal da ‘sabedoria’, que dizer, ‘da ciência’” (AC/AC 47, KSA 
6.225, RRTF).
Ora, ao afirmar que o cristianismo, na medida em que não 
toca a realidade e na medida em que desmorona assim que o 
mundo real adquire seus direitos, tem de ser inimigo da ciência, 
o raciocínio de Nietzsche necessariamente supõe que a ciência 
concerne à realidade e, por conseguinte, tem condições de arruinar 
a religião mencionada9.
Assim, parece-nos, a estratégia de Nietzsche consiste em 
estabelecer em O Anticristo uma relação de incompatibilidade entre 
ciência e cristianismo. Para tanto, o autor evidencia os respectivos 
modos pelos quais eles concebem a noção de verdade considerada 
sob três aspectos interconectados: primeiramente, do ponto de vista 
axiológico, toma-se verdade como noção que opera em julgamentos 
de valor em que se supõe qualificar de verdadeiro o que favorece a 
vida e de falso o que a prejudica (o cristianismo engana-se, mas a 
ciência pode fazê-lo corretamente); em segundo lugar, sob o ângulo 
cognitivo, entende-se verdade como designação aplicável a resultados 
obtidos por determinados procedimentos (apropriados, no caso da 
ciência, e inapropriados, no caso do cristianismo); em terceiro lugar, 
no que diz respeito ao modo de existência, compreende-se verdade 
como sinônimo do que se concebe como realidade em contraste 
com a ficção (a ciência se vincularia com o mundo real, enquanto 
a concepção cristã do mundo seria pura imaginação). Para frisar a 
incompatibilidade entre ciência e cristianismo, Nietzsche exclama 
de um lado: “acabam-se os sacerdotes e deuses, se o homem se torna 
9 Em Humano, Demasiado Humano, Nietzsche já se havia proposto a evidenciar os “erros” que 
encerram certas concepções cristãs, resultantes de uma “interpretação falsa, não científica” (MA I/
HHI 134, KSA 2.128, PCS). Após insistir na ideia de que o cristianismo repousa numa “determinada 
psicologia falsa” e numa “espécie de fantasia na interpretação”, o autor afirma que, “percebendo a 
aberração do raciocínio e da imaginação, deixa-se de ser cristão” (MA I/HHI 135, KSA 2.129, PCS).
Nietzsche e a prerrogativa da ciência como forma de inverdade...
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Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021. | 69
científico!” (AC/AC 48, KSA 6.227, PCS); e, de outro lado, assevera 
que “a ‘crença’ como imperativo é o veto contra a ciência” (AC/AC 
47, KSA 6.225, RRTF). Em suma, a ciência não pode existir onde 
existe o cristianismo, e vice-versa, uma vez que suas respectivas 
condições de existência são inconciliáveis.
A exclusão mútua entre cristianismo e ciência baseia-se, 
portanto, numa certa distribuição de características apresentadas 
como específicas e incompatíveis. Ao cristianismo Nietzsche atribui 
de maneira pejorativa propriedades, como a exigência de fé10, que 
não poderiam pertencer à ciência11; à ciência, por seu turno, ele 
confere com conotação positiva qualidades que não conviriam ao 
cristianismo, como a integridade intelectual12: 
O homem de convicção tem nela [na crença] sua espinha dorsal. [...] Mas 
com isso ela [essa espécie de homem] é o oposto, o antagonista do verídico 
– da verdade... O crente não está livre para ter em geral uma consciência 
para a questão “verdadeiro” e “não-verdadeiro”: ser honesto nesse ponto 
seria desde logo sua ruína (AC/AC 54, KSA 6.237, RRTF)13.
Todavia, quando se levam em conta outros escritos de 
Nietzsche, percebe-se que certas características atribuídas 
pejorativamente em O Anticristo ao cristianismo, mas não à ciência, 
têm em realidade uma extensão bem mais geral – ou, em todo 
caso, geral o bastante para se aplicarem igualmente à ciência. 
Nesses casos não se trata, portanto, de propriedades específicas 
10 Cf. AC/AC 50, KSA 6.229-230.
11 Cf. AC/AC 47, KSA 6.225-226.
12 Cf. AC/AC 59, KSA 6.247-249.
13 Para opor o cristianismo, baseado na fé, à ciência, apoiada na probidade cognitiva, Nietzsche 
afirma ainda: “Como a doença é da essência do cristianismo, também o típico estado cristão, a ‘fé’, 
tem de ser uma forma de doença, todos os caminhos retos, honestos, científicos para o conhecimento 
têm de ser rejeitados como caminhos proibidos pela Igreja. [...] ‘Fé’ significa não querer saber o que 
é verdadeiro. O pietista, o sacerdote de ambos os sexos, é falso porque é doente: seu instinto exige 
que em nenhum ponto a verdade obtenha seu direito” (AC/AC 52, KSA 6.232-233, PCS). Sobre a 
relação entre corrupção dos instintos e má filologia no cristianismo, cf. Marton, 2014a, pp. 227-244.
Corbanezi, E.
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70 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021.
do cristianismo, mas sim de propriedades comuns a essa religião 
e à ciência. Ora, se a oposição entre o cristianismo e a ciência 
depende de uma certa distribuição de características pretensamente 
específicas, então, ao se observar que em certos casos se trata a 
rigor de propriedades comuns, torna-se manifesta, parece-nos, 
uma dificuldade digna de ser investigada.
Como já mencionado, ao opor a ciência ao cristianismo, 
Nietzsche censura essa religião na medida em que ela constrói uma 
representação do mundo fictícia, errônea e mentirosa, a qual, além 
de não tocar a realidade, falsifica-a, desvaloriza-a e a nega. Não faria 
a ciência, entretanto, o mesmo? Num célebre parágrafo do Livro V 
de A Gaia Ciência, lê-se que a ciência que faz jus ao nome não tem 
o direito de reivindicar mais do que ficções reguladoras: 
Na ciência as convicções não têm nenhum direito de cidadania, assim se 
diz com bom fundamento: somente quando elas se resolvem a rebaixar-se 
à modéstia de uma hipótese, de um ponto de vista provisório de ensaio, 
de uma ficção regulativa, pode ser-lhes concedida a entrada e até mesmo 
um certo valor dentro do reino do conhecimento [...] (FW/GC 344, KSA 
3.574, RRTF).
As ficções não constituem, pois, um momento provisório a 
ser ultrapassado pela ciência; elas são um limite intransponível. 
Aliás, é a própria ciência, afirma Nietzsche em outra página dessa 
mesma obra, que nos proporciona “a compreensão da universal 
inverdade e mendacidade [...] – a compreensão da ilusão e do erro 
como uma condição da existência que conhece e que sente” (FW/
GC 107, KSA 3.464, RRTF). É a ciência que nos faz conhecer o 
caráter universal e incontornável do não verdadeiro, da mentira, 
da ilusão, do erro e da falsificação. Mesmo “a melhor ciência”, 
assegura o autor de Para além de Bem e Mal, encontra-se imersa 
na inverdade: ela “procura nos prender do melhor modo a esse 
mundo simplificado, completamente artificial, fabricado, falsificado, 
Nietzsche e a prerrogativa da ciência como forma de inverdade...
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e [...], involuntariamente ou não, ela ama o erro [...]” (JGB/BM 24, 
KSA 5.41-42, PCS)14.
Num fragmento póstumo de 1888 intitulado “A ciência”, 
Nietzsche questiona um tipo de filosofia que considera “a lógica e 
as categorias da razão” não como simples “falsificação útil” para 
conservar uma determinada espécie de animal, mas como “o critério 
da verdade ou da realidade”. “A ingenuidade”, aponta o autor, 
“consistiu em tomar a idiossincrasiaantropocêntrica como medida 
das coisas, como pedra de toque sobre ‘real’ e ‘irreal’: em suma, [em] 
absolutizar uma condicionalidade” (Nachlass/FP 1888, 14[153], 
KSA 13.336). Com essa última afirmação, todavia, ele não se limita 
a dizer que o critério particular em questão (a lógica e as categorias 
da razão) é inadequado à função a ele atribuída (a de ser o critério 
da verdade ou da realidade); mais do que isso, o autor dá a entender 
que nenhum critério poderia desempenhar semelhante papel. O 
caminho para a verdade e a realidade absolutas, portanto, encontra-
se interditado não só para o critério lógico, mas também para todo 
e qualquer critério.
Se a verdade ou a realidade em si são em definitivo inacessíveis, 
e se a ficção, a ilusão, o erro, a falsificação e a mentira reinam de 
modo fundamental, universal e necessário, então a ciência, assim 
como o cristianismo, inevitavelmente constrói um mundo fictício, 
ilusório, errôneo, falso e mentiroso.
Assim, é preciso compreender de que modo Nietzsche, para 
opor-se ao cristianismo, pode recorrer à ciência e pode distingui-los 
14 A ciência, que nos revela a necessidade e a universalidade do não verdadeiro, está ela própria, por 
conseguinte, envolta em inverdades. Sob esse aspecto geral, ciência e religião assemelham-se. De 
fato, ao refletir retrospectivamente sobre O Nascimento da Tragédia, Nietsche assevera: “A metafísica, 
a moral, a religião, a ciência – elas são consideradas nesse livro apenas como diferentes formas 
da mentira [...]” (Nachlass/FP 1887-1888, 11[415], EC). Ciência e religião se parecem ainda na 
medida em que se apoiam em crença, mesmo que sob formas diversas. Com efeito, se o cristianismo 
faz da fé um imperativo, a ciência (FW/GC 344, KSA 3.575), assim como tudo o que se toma por 
conhecimento (Nachlass/FP 1886-1887, 7[4], KSA 12.259-270) e por verdade (Nachlass/FP 1887, 
9[38], KSA 12.352), repousa igualmente em crenças.
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com base no argumento de que aquela religião, negligenciando o 
pensamento científico, constrói um mundo fictício, ilusório, errôneo, 
falso e mentiroso (em suma: nem verdadeiro, nem real), como se 
a ciência pudesse evitar uma concepção de mundo suscetível de 
receber os mesmos epítetos.
Em nosso entender, a posição de Nietzsche é possível. Com 
efeito, defender a ideia de que em certo sentido todas as concepções 
de mundo consistem em ficção, ilusão, erro, falsidade, mentira, engano 
e aparência não significa afirmar que todas essas formas de inverdade 
se equivalem necessariamente. É que, embora tenham em comum o 
fato de serem formas de inverdade, estas não são totalmente idênticas; 
assim, quando consideradas em suas diferenças, elas se deixam 
distinguir e hierarquizar. Ora, compete precisamente à ciência a tarefa 
de discernir as diferenças de grau de falsidade presentes nas diversas 
formas de inverdade. É o que se lê num fragmento póstumo em que 
Nietzsche considera a falsidade e o erro não como possíveis resultados 
indesejados da busca por conhecimento, mas como pressupostos 
(tais como as noções de identidade e de permanência) do que se 
chama de conhecer: 
Assim, certamente todo conhecimento é falso, mas ainda assim existe um 
representar, e entre as representações, muitos graus do falso. Estabelecer 
os graus do falso e a necessidade do erro fundamental como a condição de 
vida do ser que representa – tarefa da ciência. A questão não é saber como 
o erro é possível, mas: como é possível uma espécie de verdade, apesar da 
inverdade fundamental no conhecimento? (Nachlass/FP 1881, 11[326], 
KSA 9.568)15.
O que se chama de conhecimento, sustenta Nietzsche, implica 
falsidade ou inverdade, o mesmo é dizer, a não correspondência da 
15 Sobre a concepção nietzschiana de verdade e de conhecimento, cf. o capítulo “Perspectivismo e 
experimentalismo”, em Marton, 2000, pp. 197-227. Sobre a ideia de que a crítica das noções de 
verdade e de conhecimento constitui, para Nietzsche, uma condição da filosofia, cf. Wotling, 2016, 
pp. 7-17 e pp. 19-89.
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representação com o real. Assumir tal posição, porém, não significa 
interditar nem recusar toda e qualquer concepção de conhecimento e 
de verdade. Essas noções, com efeito, não se reduzem necessariamente 
à ideia de conhecimento e de verdade absolutos, isto é, concebidos 
como adequação a uma pretensa realidade em si. Aos conceitos de 
conhecimento e de verdade tampouco repugnam inevitavelmente a 
ficção, a ilusão, o erro, a falsidade, a mentira e a aparência. Pelo 
contrário, liberados da exigência de adequação à realidade em si e 
redefinidos, os conceitos de conhecimento e de verdade podem ser 
vistos como espécies de não correspondência. Ademais, aceitando-
se que as formas de inverdade não se equivalem, a distinção e a 
hierarquização delas não dependem forçosamente da admissão da 
possibilidade de um conhecimento e de uma verdade absolutos, 
entendidos como representações do mundo em si, para desempenhar 
o papel de critério. Tal distinção e tal hierarquização podem efetuar-
se a partir de uma ideia de conhecimento e de verdade como formas 
de não correspondência e, nesse sentido, de inverdade. Desse modo, 
Nietzsche pode adotar uma concepção de conhecimento e de verdade 
que não se opõe sob todos os aspectos às noções de ficção, de ilusão, 
de erro, de falsidade, de mentira e de aparência, e que ao mesmo 
tempo lhe permite distinguir e hierarquizar todas essas formas de 
inverdade. Assim, em vez de serem abandonados, os conceitos de 
conhecimento e de verdade recebem novo significado e novo papel: 
entendidos como formas de não correspondência, na medida em que 
não tocam o mundo em si, eles desempenham, entretanto, a função 
de critério para distinguir e hierarquizar as formas de inverdade.
Se inexiste acesso à verdade absoluta e à realidade em si, e 
se a inverdade se revela fundamental no âmbito do conhecimento, 
como pode Nietzsche, tal como ele o faz em O Anticristo, conservar 
a distinção entre verdade e falsidade, pretendendo apoiar-se na 
realidade, ou melhor, na realidade tal como concebida pela ciência?
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Primeiro, tentemos mostrar como é possível conservar a distinção 
entre verdade e falsidade, após admitir a “inverdade fundamental no 
conhecimento” (Nachlass/FP 1881, 11[326], KSA 9.568). Ao rejeitar 
a possibilidade de correspondência entre pensamento e realidade 
em si, a face crítica da filosofia de Nietzsche anula a concepção de 
conhecimento e de verdade como adequação a um pretenso mundo 
considerado em si mesmo: “Sem a admissão de uma espécie de 
ser oposta à verdadeira realidade, não teríamos nada com que se 
poderia medir e comparar e reproduzir: o erro é o pressuposto do 
conhecimento. Permanência parcial, corpos relativos, processos 
iguais, processos semelhantes – com isso, falsificamos o verdadeiro 
estado de coisas, mas seria impossível dele saber algo sem tê-lo 
antes falsificado desse modo” (Nachlass/FP 1881, 11[326], KSA 
9.567-568).
Num primeiro nível, básico e incontornável, reina a “inverdade 
fundamental no conhecimento” (Nachlass/FP 1881, 11[326], KSA 
9.568). Visto que o conhecimento se funda em inverdades, isto é, em 
algo que não corresponde à “verdadeira realidade”, pode-se afirmar 
que não é possível compreender o qualificativo “verdadeiro” como 
designação da correspondência entre aquilo a que ele se aplica 
e a realidade em si. Portanto, a oposiçãoentre verdadeiro e falso 
não pode basear-se no critério da adequação entre aquilo a que se 
aplicam tais qualificativos e a realidade em si.
Num segundo nível, entretanto, Nietzsche faz operar de duas 
maneiras a oposição entre verdadeiro e falso: primeiro, ele critica o uso 
tradicional de tal oposição; depois, ele institui um uso próprio dessa 
distinção – sem desconsiderar aquele primeiro nível de inverdade 
fundamental, isto é, de não correspondência, e a ideia de que as 
inverdades não se equivalem. Em outros termos: embora seja incorreto 
utilizar a oposição entre verdadeiro e falso tomando por critério 
a adequação entre aquilo a que se aplicam tais qualificativos e o 
mundo em si, é possível conceber de outra maneira a distinção entre 
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verdadeiro e falso, atribuindo outro significado a esses adjetivos, sobre 
um fundo de inverdade e referindo-se a certa noção de realidade.
O que tradicionalmente se chama de “verdade”, assegura 
Nietzsche em um fragmento póstumo já mencionado, consiste num 
“sistema de falsificação por princípio” útil à conservação de certa 
espécie animal: “e, já que uma espécie de animal nada conhece de 
mais importante do que conservar-se, então seria permitido falar de 
‘verdade’ nesse caso” (Nachlass/FP 1888, 14[153], KSA 13.336). 
Numa anotação póstuma anterior, já se podia ler:
“Verdade”: em meu modo de pensar, não designa necessariamente uma 
oposição ao erro, mas, nos casos mais fundamentais, apenas uma posição 
de diferentes erros em relação uns com os outros: um [erro] é mais antigo, 
mais profundo do que outros, talvez até mesmo inexterminável, na medida 
em que um ser orgânico de nossa espécie não poderia viver sem ele; no 
entanto, outros erros não nos tiranizam de igual modo como condições de 
vida, mas, pelo contrário, à diferença de tais “tiranos”, podem ser eliminados 
e “refutados”. Uma suposição que seja irrefutável, – por que deveria ser 
ela, só por isso, verdadeira? (Nachlass/FP 1885, 38[4], KSA 11.598)16.
Em textos semelhantes aos mencionados, a noção de verdade 
possui duplo sentido, um presumido e outro efetivo: de um lado, ela 
designa supostamente a correspondência entre aquilo a que ela se 
aplica e a realidade em si; de outro, ela significa efetivamente que 
aquilo a que ela se aplica é indispensável à vida. Já observamos que 
não tem sentido tomar a verdade como adequação ao mundo em si, 
pois a inverdade, a não correspondência, revela-se fundamental. Por 
conseguinte, não se pode opor o conceito de verdade, entendido como 
correspondência à realidade em si, ao conceito de erro, compreendido 
como não correspondência; é preciso, isto sim, subsumir o conceito de 
verdade ao de erro, já que existem apenas erros, não correspondência, 
“inverdade fundamental no conhecimento” (Nachlass/FP 1881, 
16 Em outra anotação, Nietzsche assevera: “Verdade é a espécie de erro sem a qual uma determinada 
espécie de seres vivos não poderia viver” (Nachlass/FP 1885, 34[253], KSA 11.506).
Corbanezi, E.
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11[326], KSA 9.568). Eis por que mesmo aquilo que, de um ponto de 
vista axiológico, considera-se como “verdadeiro” graças ao seu caráter 
indispensável à conservação de uma determinada forma de vida não 
constitui uma “verdade” entendida, de um ponto de vista cognitivo, 
como adequação ao mundo em si: aqui, o que se chamou de “verdade”, 
com o propósito de indicar sua correspondência à realidade em si, 
é a rigor uma espécie de erro, de não correspondência. O fragmento 
póstumo mencionado acima17 também busca evidenciar um engano 
quanto ao significado efetivo do epíteto “verdadeiro” no uso que dele 
se faz tradicionalmente: com tal qualificativo, acredita-se designar 
a correspondência entre o que é qualificado e a realidade em si, 
mas, a bem dizer, não se faz senão valorizar o que é indispensável 
à conservação da vida.
No entanto, embora num primeiro nível, fundamental e 
incontornável, o erro entendido como não correspondência seja 
exclusivo, ainda permanece possível, num segundo nível, distinguir 
os erros como, por assim dizer, erros-verdades e erros-erros. É o que 
se fez tradicionalmente, como sugere o fragmento póstumo citado há 
pouco18. Todavia, costuma-se chamar elipticamente os erros-verdades 
tão somente de verdades e os erros-erros, de erros. O primeiro termo 
de cada um desses pares conceituais (erros-verdades e erros-erros) 
refere-se à não correspondência fundamental e universal, ao passo 
que o segundo termo (erros-verdades e erros-erros) indica a oposição 
entre erros e verdades em outro nível e noutro sentido, que diz respeito 
a uma certa relação com a vida: nesse segundo plano, “verdade” 
quer dizer indispensável para conservar a existência, enquanto 
“erro” tem o sentido de dispensável para a preservação da vida. 
Se num primeiro nível as pretensas verdades (como designação de 
suposta correspondência com o mundo em si) são, a bem dizer, meras 
espécies de erro (pois este, entendido como não correspondência, é 
17 Nachlass/FP 1885, 38[4], KSA 11.598.
18 Nachlass/FP 1885, 38[4], KSA 11.598.
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fundamental e universal), num segundo nível certos erros constituem 
uma espécie de verdade (quando designam o que é indispensável 
para conservar a vida) e se opõem a outros erros (que designam o 
que é dispensável para preservar a vida). A tradição engana-se ao 
acreditar que distingue o que julga ser verdadeiro do que julga ser 
falso tomando por critério efetivo a correspondência com o mundo 
em si; engana-se igualmente ao pensar que tal distinção ocorre num 
primeiro nível, pois aí reina a “inverdade fundamental” (Nachlass/
FP 1881, 11[326], KSA 9.568). Tal distinção baseia-se na mera 
utilidade para a conservação de uma determinada forma de vida. 
Por certo, nada impede que se nomeie “verdadeiro” o que se estima 
indispensável para preservar a existência. Daí não se segue, porém, 
que o que se designa verdade corresponda ao mundo em si. Com 
efeito, “a vida não é argumento” (FW/GC 121, KSA 3.477-478, 
RRFT): o fato de que algo a preserve não basta para considerá-lo 
como verdadeiro no sentido de adequado à realidade em si.
O próprio Nietzsche, contudo, toma a vida como critério para 
distinguir o verdadeiro do falso19. Mas ao menos em dois pontos tal 
operação difere do procedimento adotado pela tradição criticada pelo 
filósofo. Em primeiro lugar, o autor de Para além de Bem e Mal dá 
a ver que a sua distinção entre verdadeiro e falso ocorre sobre um 
fundo de inverdade, isto é, de não correspondência com a realidade 
em si: em todo caso, se “o mundo que nos diz respeito” pode ser 
“uma ficção”, argumenta ele, então nada “obriga, em geral, a admitir 
uma oposição essencial entre ‘verdadeiro’ e ‘falso’”; pelo contrário, 
“basta admitir graus de aparência” (JGB/BM 34, KSA 5.53-54, 
RRTF, pontuação alterada) ou, de acordo com o fragmento póstumo 
já mencionado, “graus do falso” (Nachlass/FP 1881, 11[326], KSA 
9.568). Em segundo lugar, Nietzsche estabelece como fator decisivo 
não a preservação ou a ruína da vida tout court, mas o favorecimento 
ou o prejuízo do tipo de vida que ele estima ascendente; para o 
19 Sobre a vida como critério de avaliação das avaliações, cf. Marton, 2014b, pp. 321-342.
Corbanezi, E.
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filósofo, o que conta é, portanto, a elevação ou o declínio da vida, 
tal como ele define essas duas situações. No entender do autor de 
Zaratustra, já apontamos, a visão cristã de mundo merece censura na 
medida em que considera como verdadeiro o que implica o declínio 
da vida e como falso o que produz a elevação da existência. Ora, tal 
repreensão sugere que deve valer o modo inverso de considerar. E, 
dado que Nietzsche desaprova o modo cristão de considerar porque 
não toca a realidade, pode-se inferir que o filósofo observa a sua 
própria posição como ancorada no mundo efetivo.
O filósofo reivindica, portanto, uma espécie de verdade. Com 
efeito, ao apresentar no “Prólogo” de O Anticristo as condições 
para que se compreenda seu pensamento, ele menciona “a coragem 
para o proibido” e “uma nova consciência para verdades que até 
agora permaneceram mudas” (AC/AC, “Prólogo”, KSA 6.167). No 
“Prólogo” de Ecce homo, empregando terminologia semelhante para 
definir sua própria filosofia, assevera: “Nitimur in vetitum: neste 
signo vencerá um dia minha filosofia, pois até agora o que se proibiu 
sempre, por princípio, foi somente a verdade” (EH/EH, “Prólogo”, 
3, KSA 6.259, RRTF).
Mas o que Nietzsche quer dizer ao reivindicar uma espécie 
de verdade? Em primeiro lugar, a noção de verdade desempenha 
um papel negativo em sua obra. Ela qualifica uma posição que, com 
justeza, indique que algo não existe (quando se trata de determinar se 
algo existe ou não) ou uma posição que, com correção, estabeleça o que 
algo não é (quando se trata de caracterizar algo existente): “a maioria 
das verdades, de fato, são apenas verdades negativas[:] ‘isto e isso 
não são aquilo’ (embora geralmente expressas de modo positivo). Aí 
reside a fonte de todo progresso do conhecimento” (Nachlass/FP 1880, 
6[441], KSA 9.312). Com efeito, argumenta Nietzsche no fragmento 
póstumo em tela, ainda que o homem construa inevitavelmente um 
mundo pleno de falsidade, é-lhe sempre possível “refinar” e “reduzir” 
os erros, mediante, por exemplo, a descoberta de contradições. As 
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verdades negativas, isto é, as negações corretas, contribuem para 
afastar erros: “O caráter negativo da ‘verdade’ – como supressão de 
um erro, de uma ilusão” (Nachlass/FP 1884, 25[165], KSA 11.58). 
É precisamente essa tarefa negativa que, em Humano, Demasiado 
Humano, vemos atribuída ao pensamento científico: realizando uma 
“história genética do pensar”, a ciência poderia mostrar, embora 
apenas parcialmente, que “aquilo que agora denominamos mundo 
é o resultado de uma multidão de erros e fantasias” (MA I/ HH I 
16, KSA 2.37, RRTF)20.
Em O Anticristo, as noções de verdade e de ciência, entendida 
em sentido amplo como conhecimento em geral21 e em sentido estrito 
como âmbitos particulares de saber22, também parecem desempenhar 
esse papel negativo, na medida em que são empregadas para indicar 
a falsidade, a inverdade, do cristianismo. Nietzsche desacredita essa 
religião por ter ela desprezado as conquistas científicas do mundo 
antigo: 
Todos os pressupostos para uma cultura douta, todos os métodos científicos 
já estavam presentes, já se havia fixado a grande, a incomparável arte de 
ler bem – esse pressuposto para a tradição da cultura, para a unidade da 
ciência; a ciência natural, em aliança com a matemática e a mecânica, 
estava muito bem encaminhada – o sentido dos fatos, o último e mais valioso 
de todos os sentidos, tinha suas escolas, sua tradição já de séculos! (AC/
AC 59, KSA 6.247-248, PCS).
Apesar de tamanho desprezo por parte do cristianismo, “hoje 
em dia reconquistamos [...] toda a retidão do conhecimento” (AC/
AC 59, KSA 6.247-248, PCS). Levando em conta a reconquista 
20 Mais adiante no mesmo livro, Nietzsche afirma que “a ciência da arte” também deve executar essa 
função negativa, denunciando a ilusão segundo a qual o que é perfeito não vem a ser. Cabe a essa 
ciência “apontar as falsas conclusões e maus costumes do intelecto, que o fazem cair nas malhas 
do artista” (MA I/ HH I 145, KSA 2.141, PCS)
21 Cf. AC/AC 48, KSA 6.226-227.
22 Cf. AC/AC 47, KSA 6.225-226.
Corbanezi, E.
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80 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021.
da probidade intelectual, Nietzsche julga poder afirmar que, “na 
época moderna, na nossa época”, o reconhecimento da falsidade do 
cristianismo constitui um saber incontornável, que mesmo o sacerdote 
não tem o direito de ignorar:
Nossa época sabe [...], já não aguentamos, se um sacerdote apenas pronuncia 
a palavra “verdade”. Hoje temos de saber, mesmo com uma exigência 
ínfima de retidão, que um teólogo, um sacerdote, um papa, não apenas 
erra, mas mente a cada frase que enuncia – que já não é livre para mentir 
por “inocência”, por “insciência”. Também o sacerdote sabe, como sabe 
todo indivíduo, que não existe mais “Deus”, “pecador”, “Salvador” – que 
“livre-arbítrio”, “ordem moral do mundo”, são mentiras: a seriedade, a 
profunda autossuperação do espírito já não permite a ninguém não saber 
a respeito disso... (AC/AC 38, KSA 6.210, PCS).
Os textos de Nietzsche indicam, portanto, que a verdade sobre o 
cristianismo é a sua inverdade, entendida em três sentidos conectados. 
Essa religião constitui uma inverdade primeiro porque a sua visão de 
mundo resulta de procedimentos julgados pela ciência como ilegítimos 
para o estabelecimento do que se pode qualificar de verdadeiro: 
tomam-se, por exemplo, bons sentimentos por argumentos e a 
convicção por critério da verdade; a adoção de meios inadequados para 
se estabelecer o que se crê poder chamar de verdade expõe a ausência 
de probidade e de consciência intelectual no cristianismo23. Além 
disso, a inverdade do cristianismo deve-se ao fato de que sua visão 
de mundo, apoiada em meios duvidosos do ponto de vista cognitivo, 
não pode ser considerada como verdadeira, já que não representa 
algo real e existente, mas apenas como imaginária e fictícia – ainda 
que a representação desse mundo fictício produza efeitos (nocivos, 
segundo Nietzsche) e que, nesse sentido, esse universo imaginário 
possa ser qualificado de efetivo (wirklich). Enfim, o cristianismo 
constitui uma inverdade porque aqueles que sustentam essa visão 
23 Cf. AC/AC 52, KSA 6.232-234.
Nietzsche e a prerrogativa da ciência como forma de inverdade...
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de mundo, notadamente o teólogo, o sacerdote e o papa, mentem: 
com efeito, dado o nível alcançado pelo conhecimento científico, 
eles não têm o direito de acreditar na verdade dessa concepção de 
mundo, como se o universo nela representado existisse para além 
da representação; assim, mentirosos e inverazes, eles são ímprobos 
em relação a si próprios e em relação àqueles a quem apresentam 
como verdadeira a visão de mundo cristã.
Identificar erros e ilusões, já apontamos, constitui um papel 
negativo das noções de conhecimento e de verdade: conhecer o caráter 
errôneo e ilusório de algo equivale a saber que esse algo não existe ou 
a saber o que esse algo não é. Em resumo, reconhecer o caráter errôneo 
e ilusório de algo consiste em evidenciar a inverdade e a irrealidade 
desse algo, o mesmo é dizer, a verdade de sua inverdade e a realidade 
de sua irrealidade. Ora, esse aspecto negativo do conhecimento e 
da noção de verdade vale como “uma única realidade” (AC/AC 39, 
KSA 6.212, PCS)24 capaz de desmontar o cristianismo, na medida 
em que se expõem, sob vários aspectos, a inverdade e a irrealidade 
do mundoque essa religião representa – o mesmo é dizer, a verdade 
de sua inverdade e a realidade de sua irrealidade.
Todavia, embora a identificação de formas de inverdade 
possa ser considerada, em sentido negativo, como uma espécie de 
conhecimento e de verdade, discernir e suprimir inverdades não 
implica, por si só, estabelecer positivamente outros conhecimentos e 
verdades: dizer o que algo não é produz apenas uma indeterminação, 
pois não equivale automaticamente a determinar de modo positivo 
o que esse algo é – ainda que uma negação possa contribuir para a 
determinação positiva de algo, já que exclui o que não pode constituir 
esse algo cujas propriedades devem ser indicadas. Com efeito, se, no 
fragmento póstumo mencionado há pouco25, Nietzsche considera a 
supressão de erros e ilusões como uma face negativa da verdade, em 
24 Cf. ainda AC/AC 47, KSA 6.225-226.
25 Nachlass/FP 1884, 25[165], KSA 11.58.
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82 | Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.42, n.1, p. 61-88, janeiro/abril, 2021.
outra anotação, é ao observar sua face positiva que ele afirma que “a 
destruição de uma ilusão ainda não dá nenhuma verdade, mas apenas 
um fragmento a mais de ignorância” (Nachlass/FP 1885, 35[47], 
KSA 11.533). Quando considerada como destruição de ilusões, “a 
evolução da ciência dissolve cada vez mais o ‘conhecido’ em um 
desconhecido” e “prepara uma soberana ignorância” (Nachlass/FP 
1886-1887, 5[14], KSA 12.189).
Nietzsche, portanto, não parece limitar-se a reivindicar 
verdades em sentido negativo: de fato, ele não se contenta em 
identificar e afastar inverdades. Quando, por exemplo, mais do 
que assegurar que a maneira cristã de subsumir aos conceitos de 
verdadeiro e de falso é errada, o autor de O Anticristo assevera 
que ela se encontra invertida, ele sugere que o modo inverso de 
subsumir seria o correto: este constituiria o verdadeiro modo de 
subsumir aos conceitos de verdadeiro e de falso. Todavia, uma vez 
que num primeiro nível, se a noção de verdade é considerada a partir 
da ideia de correspondência à realidade em si, faz-se necessário 
admitir a “inverdade fundamental no conhecimento” (Nachlass/FP 
1881, 11[326], KSA 9.568), isto é, a sua inadequação ao mundo 
em si, então é preciso tentar compreender como se justifica, de um 
ponto de vista cognitivo, a oposição nietzschiana a certos erros em 
favor de outros, o mesmo é dizer, a rejeição a certas formas de não 
correspondência em favor de outras. Dito de outro modo, é preciso 
entender como o autor restabelece, num segundo nível e com outro 
sentido, a oposição, impossível no primeiro nível e com base na 
ideia de correspondência ao mundo em si, entre verdades e erros ou, 
para falar de modo não elíptico, a oposição entre erros-verdades e 
erros-erros, fazendo intervir, em apoio à sua posição, uma concepção 
de realidade dada pela ciência. Para tanto, temos de saber como 
determinar positivamente o que Nietzsche julga digno de ser chamado 
de verdade e em que sentido o mundo fictício da ciência pode ser 
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considerado como verdadeiro e real, enquanto o mundo fictício da 
religião não é apreciado do mesmo modo26.
De acordo com Nietzsche, a ciência, o conhecimento e a verdade 
têm um caráter necessariamente condicionado e relativo, quer dizer, 
não incondicionado e não absoluto. Tal concepção desempenha 
um papel manifestamente crítico em seu pensamento. Mas ela 
exerce também uma função positiva, na medida em que lhe permite 
considerar, ao menos até que se demonstre o contrário, algo como 
“ciência”, como “conhecimento” e como “verdade”.
Num fragmento póstumo em que se coloca “contra o preconceito 
científico”, Nietzsche busca inviabilizar toda pretensão de apreender 
“as coisas em si” ou “algo incondicionado” (Nachlass/FP 1885-
1886, 2[154], KSA 12.141). Ao assegurar que “conhecer é sempre 
‘colocar-se-em-relação-condicional-com-algo’” (Nachlass/FP 1885-
1886, 2[154], KSA 12.142), ele indica que não há conhecimento 
absoluto nem conhecimento do absoluto. Numa nota póstuma datada 
de anos anteriores, o autor precisa que “todas as nossas relações, 
por mais exatas que possam ser elas, são descrições do homem, 
não do mundo: são as leis dessa ótica suprema, para além da qual 
não nos é possível ir” (Nachlass/FP 1880, 6[429], KSA 9.308). Em 
outro fragmento póstumo, ele assevera ainda: “Para nós, o mundo é, 
portanto, a soma das relações relativamente a uma esfera limitada de 
errôneas admissões fundamentais. As leis da ótica são todas erros, 
também as da acústica” (Nachlass/FP 1880, 6 [441], KSA 9.312).
A ciência, como todos os outros domínios, não pode livrar-se 
de seu caráter condicionado e relativo ou, mais especificamente, da 
ótica humana, com todos as limitações e os erros nela implicados. Daí 
não se segue a impossibilidade da ciência, mas apenas a necessidade 
de identificar e de aprimorar as condições que a determinam. Em 
Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche assevera: “Nós possuímos ciência, 
hoje, exatamente na medida em que resolvemos aceitar o testemunho 
26 Cf. AC/AC 15, KSA 6.181-182.
Corbanezi, E.
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dos sentidos – em que aprendemos a ainda aguçá-los, armá-los, 
pensá-los até o fim” (GD/CI, A “razão” na filosofia 3, KSA 6.76, PCS).
Ainda que não possamos nos livrar das condições humanas que 
determinam nossas interpretações de mundo, é possível, tomando 
consciência de tal limitação, distinguir e hierarquizar as diferentes 
formas de antropomorfismo. Para tanto, pode-se comparar a ciência 
com outros domínios, como a religião, conforme faz Nietzsche em 
O Anticristo, ou ainda cotejar os diversos estágios do pensamento 
científico, tal como procede o autor em A Gaia Ciência, num parágrafo 
intitulado “Causa e efeito”:
“Explicação”, dizemos; mas é a “descrição” o que nos distingue de estágios 
anteriores do conhecimento e da ciência. Nós descrevemos melhor – e 
explicamos tão pouco como aqueles que nos precederam. Descobrimos 
múltiplas sucessões, ali onde o homem e pesquisador ingênuo de culturas 
anteriores via apenas duas coisas, “causa” e “efeito”, como se diz; 
aperfeiçoamos a imagem do devir, mas não fomos além dessa imagem, não 
vimos o que há por trás dela. [...] Basta considerar a ciência a humanização 
mais fiel possível das coisas, aprendemos a nos descrever de modo cada 
vez mais preciso, ao descrever as coisas e sua sucessão. (FW/GC 112, 
KSA 3.472-473, PCS)27.
A ciência, portanto, não pode senão formar uma imagem 
antropomórfica do mundo. Evoluindo, todavia, o pensamento científico 
percorre diversos estágios e se revela perfectível. Ele se aperfeiçoa na 
medida em que torna mais precisas as suas observações e descrições, 
processo cujo limite é a maior “exatidão possível” para o homem 
(Nachlass/FP 1881, 11[255], KSA 9.538, EC). Tal aperfeiçoamento 
não se mede pela referência ao mundo em si, o que seria impossível. 
A ciência acura-se pelo refinamento da ótica humana, a única de que 
o homem dispõe e da qual não pode esquivar-se. O grau de perfeição 
científica mede-se, por conseguinte, com base no aprimoramento 
27 Ver ainda o parágrafo 246 da mesma obra.
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dos fatores que determinam a imagem antropomórfica do mundo e, 
mais precisamente, a imagem antropomórfico-científica do mundo. 
Não se estabelecesem disputa quais são esses fatores nem o que 
significa aperfeiçoamento. Parece-nos que, no entender Nietzsche, 
para aperfeiçoar a ciência mediante o aprimoramento dos fatores que 
determinam a imagem antropomórfico-científica do mundo, faz-se 
necessário aguçar os sentidos28, evitar os “maus hábitos do raciocínio” 
(MA I/ HH I 30, KSA 2.50 PCS) e utilizar com rigor cada vez maior 
os conceitos sem os quais o homem talvez não possa viver, como o 
de causalidade29. É a imagem antropomórfico-científica do mundo, 
concebida a partir da ótica humana aperfeiçoada e em constante 
aperfeiçoamento, que tem valor e autoridade cognitiva e que se 
pode qualificar em sentido positivo, ao menos provisoriamente, de 
científica e de verdadeira.
Se inevitavelmente antropomorfizamos o mundo, a ciência é, 
para Nietzsche, a humanização mais fiel possível: ela constitui o melhor 
aperfeiçoamento alcançável das condições necessariamente humanas 
de conhecimento. Assim, embora não consiga apreender a realidade 
em si, o pensamento científico pode, dentro das possibilidades e 
limitações típicas das condições humanas de conhecimento, formar 
28 Cf. GD/CI, A “razão” na filosofia 3, KSA 6.75-76.
29 Ainda que os conceitos de causa e efeito não permitam apreender o mundo em si, eles podem e 
devem ser utilizados como “ficções convencionais” (JGB/BM 21, KSA 5.36, PCS). Contudo, não se 
costuma empregar tais noções do mesmo modo. Notam-se diferenças no uso do conceito de causalidade 
quando se comparam os diversos estágios do pensamento científico (FW/GC 112, KSA 3.472-473) 
ou ainda quando se contrastam a ciência e a religião. Em O Anticristo, Nietzsche atribui à ciência 
“a sadia noção de causa e efeito” (AC/AC 49, KSA 6.228, PCS). Já na interpretação sacerdotal do 
mundo, que toma a bondade por recompensa e a felicidade por castigo divino, “o conceito natural 
de ‘causa’ e ‘efeito’ é definitivamente virado de cabeça para baixo” (AC/AC 25, KSA 6.194, PCS). 
Excluindo “a causalidade natural”, a única admitida pela ciência, a visão religiosa de mundo promove, 
ao contrário, “uma causalidade antinatural”, da qual decorre “toda a restante inaturalidade” (AC/
AC 25, KSA 6.194, PCS). Com efeito, o “puro mundo de ficções” do cristianismo compõe-se apenas 
de causas e efeitos imaginários (AC/AC 15, KSA 6.181, RRTF). Assim, Nietzsche indica que é 
possível e necessário aperfeiçoar a concepção e o uso dos conceitos de causa e efeito, mesmo que 
eles não eliminem o caráter condicionado e relativo do conhecimento. Sobre esse tema, cf. ainda: 
Nachlass/FP 1884, 26[12], KSA 11.152-153; M/A 10, KSA 3.24-25; JGB/BM 36, KSA 5.54-55; 
GD/CI, Os quatro grandes erros 3, KSA 6.90-91.
Corbanezi, E.
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a imagem antropomórfica do mundo mais rigorosa possível do ponto 
de vista cognitivo. De um lado, essa imagem resulta da identificação 
e do afastamento de certas inverdades (o que caracteriza a verdade 
em sentido negativo, a qual produz apenas indeterminações); de 
outro lado, esse descarte de erros beneficia certas concepções que, 
num primeiro nível, também são errôneas, pois não correspondem ao 
mundo em si, mas que, num segundo nível, podem ser consideradas, 
mesmo que provisoriamente, como verdades em sentido positivo, na 
medida em que oferecem determinações positivas do mundo tal como 
concebido pela ciência. Portanto, é a ciência – enquanto imagem de 
mundo que resulta do melhor aperfeiçoamento possível das condições 
necessariamente humanas de conhecimento – que tem autoridade para 
distinguir e hierarquizar os diferentes graus de falsidade constitutivos 
de toda imagem humana de mundo. Daí Nietzsche, em O Anticristo, 
recorrer à ciência para rejeitar o cristianismo.
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Nietzsche and the prerogative of science as a 
form of untruth: scientific worldview versus 
Christian worldview
Abstract: Starting from the analysis of The Antichrist, we investigate 
the function that Nietzsche attributes to science, understood as 
a form of untruth, in relation to other forms of untruth, such as 
Christianity. First, we seek to show that, in this writing, the author 
establishes the incompatibility between science and Christianity 
by assigning them specific and irreconcilable characteristics (such 
as the intellectual probity, proper to science, and the requirement 
of faith, typical of Christianity). Then, we show that qualifications 
such as “false”, “erroneous”, “fictitious” and “lying”, applied 
in a derogatory way to the religious conception of the world 
in The Antichrist, also determine, in other writings, scientific 
knowledge. Now, if the Christian and scientific worldviews have 
similar characteristics, why does Nietzsche turn to science to 
reject Christianity?
Keywords: Science, Christianity, truth, untruth, errors-truths, 
errors-errors. 
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Horizonte: Editora UFMG, 2000.
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SALANSKIS, E. Sobre o eugenismo e sua justificação maquiaveliana em Nietzsche. 
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Enviado: 16/10/2020
Aceito: 18/11/2020

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