Prévia do material em texto
PROFESSORA Me. Aline Ávila Brustolin História da Saúde Pública no Brasil ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! EXPEDIENTE Coordenador(a) de Conteúdo Sandra de Cássia Franchini Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Alan da Silva Francisco Design Educacional Ivana Cunha Martins Curadoria Ana Carolina Caputi Goncalves de Azevedo, Emerson Viera e Eloá Gama Revisão Textual Meyre Aparecida Barbosa da Silva Ilustração Geison Odlevati Ferreira Fotos Shutterstock NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. BRUSTOLIN, Aline Ávila. História da Saúde Pública no Brasil. Aline Ávila Brustolin. Maringá - PR: Unicesumar, 2022. 192 p. ISBN 978-85-459-2312-1 “Graduação - EaD”. 1. História 2. Saúde Pública 3. Brasil. 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 614 FICHA CATALOGRÁFICA 02511327 Aline Ávila Brustolin Olá, contarei um pouco da minha história profissional para você. Eu nasci em Astorga, uma cidade no interior do Paraná, próxima a Maringá, onde fica a sede da Uni- Cesumar. Foi em Astorga que tive a minha formação es- colar e onde despertou o meu interesse pela educação. Eu sempre gostei muito de estudar, e, ainda no Ensino Fundamental, tive meu primeiro aluno. Um colega de clas- se que tinha dificuldades em algumas disciplinas, e sua mãe pediu que eu o ajudasse uma vez por semana. Foi meu primeiro emprego. Nessa época, eu já sabia que queria ser uma profis- sional da área da saúde e que gostava muito de ensinar. Foi quando visitei a feira de profissões da UniCesumar e conheci o curso de Biomedicina, um curso novo, até en- tão pouco falado, mas que me encantou. Fiz o vestibular para Biomedicina sem saber ao certo o que esperar. Os anos passaram e aqui estou eu, sou biomédica, mestre e, atualmente, doutoranda em Ciências da Saúde pela Uni- versidade Estadual de Maringá (UEM). Durante o Mestrado e Doutorado, tive a oportunidade de estagiar e lecionar em diferentes áreas da saúde, como a imunologia, parasitologia, epidemiologia e saúde públi- ca. A saúde pública e o contato com pessoas, além do am- biente laboratorial ao qual o biomédico está acostumado, me fascinam. Foram essas experiências que me deram a certeza de que eu queria ensinar e cuidar de pessoas. Foi assim que descobri a área da saúde estética e bem- -estar e o quanto é importante para saúde física e psicológi- ca das pessoas, e que cuidar do próximo me faz ainda mais https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12287 realizada do que apenas analisar suas amostras biológicas em laboratório. A partir disso, encarei uma nova pós-gra- duação, aqui na UniCesumar e me tornei Biomédica Esteta. Hoje, sou biomédica com habilitação em estética, pes- quisadora, professora e apaixonada por ensinar. Acredito que estou conseguindo realizar o sonho de adolescente de usar o famoso “jaleco branco” e transmitir os conhe- cimentos que adquiri ao longo desses anos. Fico muito feliz de poder fazer parte desta instituição e de estar aqui como professora, compartilhando um pouco de tudo que aprendi como biomédica e as minhas vivências na saúde pública com você. Espero que este material possa auxiliar e contribuir na sua formação, aluno(a), e na compreensão do que é o Sistema Único de Saúde (SUS) e a sua impor- tância para todos nós brasileiros. http://lattes.cnpq.br/0556825524082011 Você cursará a disciplina História da Saúde Pública no Brasil. Logo, provavelmente, já teve algum contato com este tema em outras disciplinas e, também, já experienciou em sua vida algumas situações do cotidiano da saúde pública no Brasil, entre elas, enfrentar grandes filas à espera de atendimento, assistir nos noticiários ao cenário atual de saúde em nosso país, assim como os pontos positivos, pois você já deve ter ouvido que o sistema público de saúde brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS), bate recordes de vacinação e é exemplo para outros países. Porém você deve se questio- nar: como esse sistema de saúde cheio de falhas e com tantos usuários insatisfeitos é elogiado pelo mundo e serve como modelo internacional para outros países? Como o SUS surgiu? E o que é o SUS, afinal? Esta disciplina responderá estas e outras tantas perguntas sobre a saúde pública do Brasil. Sem dúvidas, ainda há muitos desafios para os gestores de saúde, e temos muito a aprender sobre a organização de um sistema público, por isso, a proposta desta disciplina é apresentar a você, futuro(a) gestor(a) de saúde, a história e a importância dos sistemas de saúde, principalmente, do SUS. A disciplina História da Saúde Pública no Brasil, inicialmente, apresentará a você os con- ceitos de saúde e doença, como eles se modificaram ao longo da história e influenciaram na necessidade de se organizarem os atendimentos em saúde. Você perceberá que os fatos históricos e políticos, a economia e a cultura, desde a colonização do Brasil até os dias de hoje, influenciam na formação do que conhecemos, atualmente, como sistema de saúde público. Caro(a) aluno (a), outra pergunta que você deve estar se fazendo é: “eu sou usuário do SUS?” Anote em um papel todos os motivos que lhe fazem ser, ou não, um usuário do SUS e o guarde, pois, durante a leitura deste livro, você terá a sua resposta. Você perceberá que, enquanto população brasileira, todos nós somos usuários do SUS, mesmo sem saber ou sem utilizar os espaços do SUS diretamente, como as Unida- des Básicas de Saúde (UBS) e as Unidades de Pronto Atendimento (UPA). E, além disso, que todos podem ser pessoas atuantes no SUS, reivindicando seus direitos e deveres. Ao longo deste livro, você refletirá sobre a construção do SUS ao longo dos anos, como resultados das lutas pelos nossos direitos de saúde que, hoje, são constitucionais, porém, HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL anteriormente à Constituição Federal de 1988, promulgada com a redemocratização do Brasil, não eram considerados direitos sociais, muito menos dever do Estado. Durante a pandemia causada pelo coronavírus, entre os anos de 2020 e 2022, o papel dos gestores de saúde tornou-se mais evidente para a população com a figura dos ministros da saúde, que emitiam comunicados diários, nos mais diversos meios de comunicação, sobre a situação do sistema de saúde brasileiro e as medidas para o enfrentamento da pandemia. Em vista disso, caro(a) aluno(a), como futuro(a) gestor(a) de saúde, eu desafio você a experenciar um pouco desta profissão que se faz tão importante na vida dos brasileiros. Voltando ao exemplo da pandemia da covid-19, pense, como gestor(a) de saúde da UBS do seu bairro, quais medidas você acredita que poderiam ter sido tomadas para minimizar o número de doentes e as suas sequelas? Essas medidas eram possíveis de serem implantadas, levando em consideração as outras áreas além da saúde, como a economia e a política? Agora, extrapole este pensamento em nível nacional, como ministro(a) da saúde, como você teria agido? Na prática, esta disciplina tem o propósito de auxiliar você no entendimento das bases organizacionais do sistema público de saúde brasileiro, assim como da saúde suplementar (atendimento privado), para que, assim, enquanto futuro(a) gestor(a) de saúde, nas mais diversas esferas de governo, você tenha mais clareza e discernimento ao tomar decisões e criar estratégias frente às inúmeras lacunas da saúde em nosso país. O conhecimento sobre a história e a organização do SUS, os direitos e os deveres dos usuários, como veremos nesta disciplina, é fundamental, não só para os profissio- nais da área da saúde, mas para todo cidadão que habita o território brasileiro. IMERSÃO RECURSOS DE Ao longo do livro, vocêserá convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 3 4 5 O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA E A NECESSIDADE DE UM SISTEMA DE SAÚDE 11 HISTÓRIA DA SAÚDE NO BRASIL ANTES DO SUS 43 75 OS PRIMÓRDIOS DO SUS 115 O SUS – ORGANIZAÇÃO, PRINCÍPIOS E FINANCIAMENTO 153 O SUS NA PRÁTICA 1O Processo Saúde-Doença e a Necessidade de um Sistema de Saúde Me. Aline Ávila Brustolin Na Unidade 1, você conhecerá os conceitos básico de saúde e doença, abrangendo as mudanças que estes termos sofreram ao longo da história e suas implicações no processo saúde-doença. Em seguida, teremos a oportunidade de compreender a história natural das doen- ças e a sua influência no desenvolvimento da saúde pública no Brasil. Além disso, discutiremos sobre as medidas de prevenção de doenças e agravos, e, por fim, você compreenderá a necessidade da criação de um sistema de saúde. UNIDADE 1 12 Você se recorda da última vez que você ou alguma pessoa próxima ficou doente e precisou de um atendi- mento urgente de saúde? Eu me lembro bem. Era mais um dia normal de trabalho e estudos, com os minutos cronometrados para conseguir realizar todas as me- tas do dia. Acordei cedo, preparei um café da manhã caprichado e fiz minha atividade física do dia. Eu me arrumei rapidamente e fui caminhando para o traba- lho. Enquanto caminhava, me senti mal e, de repente, tudo ficou preto. Foi um susto quando acordei. Eu não entendia o que estava acontecendo, via apenas vultos e sentia várias pessoas ao meu redor. Algumas dessas pessoas, que mais tarde fiquei sa- bendo que eram enfermeiros do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) tentaram conver- sar comigo, saber o que eu estava sentindo e entender o que havia ocorrido. Eu não compreendia por que estava desmaiada na rua. Eu era uma pessoa saudá- vel - ou pelo menos me considerava saudável, já que sempre me alimentei bem, pratiquei atividade física regular, fazia exames de check-up anualmente e não estava sentindo nada até poucos segundos antes. Isso era o que eu imaginava ser saudável. É comum olharmos pessoas que realizam ativi- dade física e pensarmos: “nossa, como essa pessoa é saudável”! Mas será que basta fazer atividade física e se alimentar bem para ter saúde? Você já parou para pensar que o peso na balança nem sempre signifi- ca saúde, e que cada indivíduo possui um sistema biológico único e, portanto, pode ter necessidades diferentes? Pensando sobre isso, o que é ser saudável? E o que é saúde para você? O que você acredita que seja essencial para ter uma vida saudável? Antigamente, acreditava-se que para ter saúde bas- tava não estar doente. Hoje, sabemos que ter saúde vai 13 muito além. Uma alimentação saudável associada à atividade física regular ajuda a manter a saúde física, mas, para ser saudável, é preciso um equilíbrio entre três pilares principais da saúde: o bem-estar físico, a saúde mental e a saúde social. A nossa saúde mental e a forma como nos relacionamos com as pessoas e o ambiente ao nosso redor interferem, diretamente, na saúde física e na nossa saúde como um todo. Para uma boa saúde mental, precisamos compreender melhor nossas emoções e vivências, e, quando necessário, procurar auxílio profissional adequado. Manter boas amizades, um bom relacionamento com familiares, com as pessoas que trabalhamos e com quem convivemos nos proporciona uma boa saúde social. Podemos observar que os três pilares principais da saúde estão interligados e um depende, diretamente, do outro; não conseguimos ter saúde física e social se a saúde mental não estiver em dia. Como você considera a sua saúde? Os seus três pilares da saúde estão em equilí- brio? Convido você, caro(a) aluno(a), a fazer uma análise sobre a sua saúde. Qual foi a última vez que você tentou se alimentar melhor ou realizou um exercício físico? Como está o seu relacionamento com as pessoas do ambiente de trabalho, estudos, família, amigos e colegas? Qual foi a última vez que você saiu para se distrair com os amigos, ou fez uma ligação para um colega para bater um papo? Agora, proponho a você uma experiência. Faça um check list com as atividades que você realiza hoje e que impactam sua saúde física, mental e social. Em seguida, com base nos conhecimentos que você aprendeu sobre saúde até aqui, faça outra lista com o que você acredita que poderia fazer para melhorar a sua saúde. Quando terminar este exercício, faça uma análise comparativa entre as duas listas. Esta experiência ajudará você a compreender e a identificar os pontos que podem ser melhorados para ter mais saúde. Comparando as duas listas, você per- ceberá que não é preciso realizar mudanças extraordinárias para ser mais saudável. Iniciamos esta unidade com o meu relato, de um dia com os minutos cronometra- dos. Apesar de me preocupar com a realização de exercícios físicos e alimentação saudável, eu não me preocupava com o descanso que meu corpo e a minha mente precisavam para conseguir realizar tantas atividades. Com a rotina movimentada de trabalho, estudos, cuidados com a casa, entre tantas tarefas, nós nos esquecemos de atitudes simples que podemos tomar para melhorar nossa qualidade de vida, como fazer uma alimentação sentados à mesa, na companhia dos familiares ou amigos, reservar alguns minutos do dia para passear com o animal de estimação, ou brincar com o filho e até reservar alguns poucos minutos para nós mesmos, para ler um livro, ver um filme ou qualquer outra atividade de que gostamos. UNICESUMAR UNIDADE 1 14 Estamos condicionados a deixar nossa saúde de lado para dar lugar ao trabalho, mas será que a falta de saúde não interfere, diretamente, em nosso rendimento no trabalho? Convido você, aluno(a), a registrar suas reflexões no Diário de Bordo. 15 Durante os anos de 2020 e 2021, com a pandemia provocada pelo coronavírus, doença até então conhecida como covid-19, muitas pessoas enfrentaram o iso- lamento social devido à adoção de medidas sanitárias para conter o vírus - fato que afetou sua qualidade de vida. De um dia para o outro, as pessoas foram obrigadas a se adaptar ao cenários de pandemia e, por isso, realizaram quase todas as atividades de forma remota dentro dos seus lares, sem convívio social. Ninguém estava preparado, não era possível frequentar os parques e academias para realizar atividade física, não era possível passar as datas especiais com as pes- soas que amamos. Os lares ficaram pequenos para tantas funções, e as incertezas trouxeram medo, angústiase ansiedade. Sem dúvidas o bem-estar físico, mental e social foram abalados, e a saúde virou um assunto muito comentado, seja nas rodas de conversa seja nas manchetes de notícias. Atualmente, fala-se muito sobre ser saudável e sobre valorizar a saúde como um todo, e você como futuro profissional da saúde precisa saber mais sobre os conceitos de saúde e doença, esses que foram se modificando ao longo dos tempos juntamente com a evolução histórica, o avanço das sociedades e dos estudos sobre o tema. Inicialmente, o termo saúde foi descrito como ausência de doença, ou au- sência de dor. No entanto descrever esses termos de forma dicotômica é muito simples e insuficiente para expressar o que ocorre no organismo, visto a comple- xidade da vida humana, e que apresentamos diferentes níveis de estado de saúde, para além de saudáveis ou doentes. Outras relações com o termo saúde foram criadas no decorrer dos anos, como as divisões entre pessoas fisicamente ativas e sedentárias e entre gordos e magros. Na Grécia Antiga, a magreza excessiva era vista como doença; consideravam belas as mulheres gordas e dotadas de curvas. Com o advento das doenças crônicas e dos padrões de beleza, as pessoas gordas passaram a ser vistas como doentes, enquanto que as pessoas magras e malhadas passaram a se encaixar em um pa- drão de beleza imaginário. Na atualidade, é grande a busca pela desmistificação da relação de saúde com peso medido na balança (SANT’ANNA, 2001). UNICESUMAR UNIDADE 1 16 Descrição da Imagem: a figura apresenta a foto de uma estátua de mármore branco de uma mulher nua. A mulher encontra-se de perfil, agachada, com o rosto levemente virado para a frente, com a perna e braço direitos cobrindo as partes íntimas. Figura 1 - Representação da beleza da mulher na Grécia Antiga Muitos autores demonstram, em suas obras, a mudança do pensamento ao longo dos anos na relação peso e saúde, e Denise Sant’anna é um destes autores, em sua obra “Cor- pos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea”, ela traz este trecho: “ Foram inúmeras as sociedades que acolheram com alegria a presença dos gor- dos e desconfiaram da magreza, como se esta expressasse um déficit intolerá- vel para o mundo. Magreza lembrava a doença e o peso do corpo não parecia pesar. Entretanto, no decorrer dos séculos, os gordos precisavam fazer esforço para emagrecer, que lhes pareceu bem mais pesado do que seu próprio peso. Ou então foram chamados a dotar sua gordura de alguma utilidade pública (SANT’ANNA, 2001, p. 20). Tal pensamento nos faz refletir até que ponto o peso medido na balança e as dobras visí- veis em nossos corpos podem ser considerados parâmetros de saúde ou doença. Fonte: o autor. EXPLORANDO IDEIAS 17 Por muito tempo, desde a Antiguidade e, principalmente, na Idade Média, a com- preensão do estado de doença baseava-se na filosofia da religião. A doença era vista como castigo ao desobedecer aos mandamentos divinos e quase sempre se manifestava de forma visível e contagiosa, como a Lepra. O leproso apresentava deformidades pelo corpo e, devido à elevada transmissão, o acometido era isolado do convívio social, enviado para o leprosário e considerado morto (BACKES et al., 2009). Hoje, sabemos que a Lepra, mais conhecida como Hanseníase, é uma doença infecciosa e crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, ou bacilo de Hansen, que é transmissível, mas possui tratamento e cura. Descrição da Imagem: a figura apresenta a imagem das palmas das mãos de um indivíduo negro com hanseníase. É possível observar que apresentam muitas feridas descamativas que alteram a coloração das mãos, com manchas esbranquiçadas de aparência dolorosa, e perda das digitais. Figura 2 - Sequelas da Hanseníase UNICESUMAR UNIDADE 1 18 Os escritos atribuídos a Hipócrates, antes de Cristo, trazem uma concepção diferen- te sobre a doença e a organização do corpo humano, com uma visão mais racional da medicina. Hipócrates dizia que a visão de doença com fundo religioso, como castigo, refletia a ignorância dos indivíduos e que a doença possuía uma causa natu- ral, já que para ele o homem era uma estrutura organizada e que a doença seria um desequilíbrio dessas estruturas. Portanto, a saúde era baseada no equilíbrio entre essas estruturas, que foram pressupostos por ele como os quatro fluidos principais do corpo, chamados de humores: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. Além dos fatores intrínsecos relacionados ao corpo humano, Hipócrates discutia que o ambiente poderia causar o desequilíbrio no indivíduo, e assim a doença. Com uma visão à frente do seu tempo, Hipócrates já mencionava que o pro- cesso de saúde-doença poderia estar relacionado ao equilíbrio entre homem e ambiente, o que só foi aceito e compreendido séculos mais tarde. Descrição da Imagem: a figura apresenta a foto de uma estátua do busto de Hipócrates. Um senhor na faixa dos 70 anos, careca, com barba por fazer e semblante sério. Figura 3 - Hipócrates, o pai da medicina 19 Baseado na teoria dos humores de Hipócrates, Galeno (129-199), médico grego, ressaltou a importância dos quatro fluidos no estado de saúde do indivíduo, po- rém com uma visão diferente. Galeno acreditava que o estado de saúde ou doença dependiam apenas da constituição e organização do corpo humano e dos hábi- tos de vida do indivíduo, sem a influência externa do ambiente. Na antiguidade clássica, ele estabeleceu a teoria das latitudes da saúde, que se divide em: saúde, estado neutro e má-saúde; que podiam ocorrer isoladamente ou em combinações (eram possíveis nove combinações de estados de saúde) (BACKES et al., 2009). Assim como Galeno, culturas orientais, ainda hoje, têm uma visão endóge- na da concepção de saúde, ou seja, acreditam que forças vitais habitam nosso corpo, e que quando estão em equilíbrio trazem o estado de saúde, quando em desequilíbrio, a doença. No século XVIII, com o avanço dos estudos anatômicos e da Era Moderna, a teoria dos quatro humores de Hipócrates foi substituída pela concepção do termo “órgãos”. Neste momento, passou-se a compreender que o corpo é constituído de órgãos e assim a saúde foi considerada por François Xavier Bichat como um “silêncio dos órgãos” decorrente do equilíbrio entre os diversos sistemas do corpo humano, ou seja, da ausência de doença. Desde a antiguidade, entendia-se que a doença era resultado da interação do indivíduo com o ambiente, já que para estar doente era necessário ser atingido. Nos tempos das guerras o termo “atingido” era interpretado como ser flechado ou golpeado. Paracelsus, em meados de 1500, já afirmava que as doenças eram causadas por agentes externos ao organismo. Mais adiante, no século XIX, Louis Pasteur, cientista francês, revelou para o mundo a existência dos microrganismos e que eles causavam doenças. A obra O Tratado da Doença Sagrada, que pertence à Coleção Hipocrática, demonstra a mudança de pensamento trazida por Hipócrates sobre a causa das doenças. As doenças até então eram consideradas castigos divinos, mas para ele, as doenças eram causadas por algo que ainda precisava ser descoberto, e não aceitar isso era ignorância do homem. Esse pensamento fica claro neste trecho: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem supostamente divina reflete a ignorância humana” (SCLIAR, 2007). Fonte: o autor. EXPLORANDO IDEIAS UNICESUMAR UNIDADE 1 20 Portanto, um novo pensamento é implementado, de que as doenças passam a não ser causadas apenas pelo desequilíbrio interno, mas também por agentes externos. A partir desse momento, Pasteur, traz a possibilidade de identificar os microrganismos, até então desconhecidos, utilizando microscópios, e a ideia de produzir soros e vacinas permitindo que as doenças possam ser prevenidas e até mesmo curadas. Nesse momento, também foi criada a microbiologia, e a concepção de que para cada doença háum agente etiológico e que este poderia ser combatido com uso de substâncias químicas e vacinas (BACKES et al., 2009). A palavra microbiologia vem do grego, mikos= pequeno; bios= vida e logos= ciência, ou ciência da vida pequena. É a ciência que estuda organismos microscópicos (invisíveis a olho nu), suas características, morfologia, funções, e principalmente sua relação com o corpo humano e o meio ambiente. Os principais microrganismos estudados por essa ciên- cia são bactérias, fungos, vírus e parasitos. Fonte: Pelczar, Chan e Krieg (1997). EXPLORANDO IDEIAS 21 O século XIX ainda foi marcado pela expansão da Revolução Industrial na Europa, os operários passam a exigir seus direitos e a se importar com os riscos envolvidos em seu ambiente de trabalho, e os proprietários das fábricas preocupavam-se com a ausência e a perda de funcionários, devido às condições precárias de atendimento de saúde. A luta pelos direitos e as descobertas do século XIX trouxeram um novo rumo para os estudos médicos. Começava a emergir os estudos estatísticos e com eles a ne- cessidade de se conhecer melhor as doenças endêmicas e epidêmicas, com o intuito de prevenir, tratar e curar. Assim surge a epidemiologia. John Snow realizava um estudo sobre os casos de cólera em Londres, visando controlar a doença, e, para isso, passou a fazer uma “contabilidade” dos casos. Neste momento, além das alterações nos sinais vitais que caracterizavam o desequilíbrio e o estado de doença a nível individual, a doença passava a ser expressa em números no âmbito coletivo (SCLIAR, 2007). Até o século XX as causas das doenças eram correlacionadas, separadamente, com o agente etiológico, o hospedeiro ou o meio ambiente. Até que passam a ver o homem como um ser biopsicossocial, já que passam a entender a multi- causalidade das patologias e consideram os fatores psíquicos como causadores de doenças. Passam a entender, também, a saúde não como uma experiência individual, mas como uma experiência multifatorial que envolve o coletivo, pois quando um indivíduo adoece toda a família é afetada. UNICESUMAR UNIDADE 1 22 As epidemias acontecem quando há muitos casos de determinada doença em diferentes regiões. Podem ocorrer em nível municipal, estadual e nacional. Por exemplo, quando há surto de casos de dengue em vários bairros de uma cidade, várias cidades de um estado ou diferentes regiões do Brasil. As doenças endêmicas são as doenças típicas, que ocor- rem com frequência, em determinado local. Como exemplo, a malária, que é uma doença endêmica (típica) da região norte do país. É considerado pandemia quando uma epidemia se espalha por diferentes regiões do pla- neta de forma descontrolada. Caracteriza o pior cenário de disseminação de uma doença. Os principais exemplos são as pandemias de gripe A (gripe suína), que ocorreu em 2009, e a pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19), que iniciou em 2019 e teve repercussões mesmo durante o momento da escrita do presente livro, em 2022. Fonte: adaptado de Gordis (2009). EXPLORANDO IDEIAS 23 Mesmo com o avanço da medicina e dos estudos sobre saúde-doença, ainda não havia um conceito definido sobre saúde. Após a Segunda Guerra Mundial, perío- do marcado pela desestabilização política, social e econômica por todo o mundo, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), órgãos internacionais que visam a um consenso entre as nações para resolução de problemas de impacto mundial. No dia 7 de abril de 1948 (Dia Mundial da Saúde), a OMS exigiu o reconhe- cimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. O estado de saúde, portanto, é um fenô- meno resultante de um equilíbrio dinâmico do indivíduo com o meio ambiente, entre outros fatores individuais e coletivos. Entre os fatores individuais estão os genéticos, biológicos, psíquicos e o estilo de vida; os fatores coletivos envolvem os aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais da sociedade ao qual o in- divíduo está inserido (ROBALO, 2009). Outro fator importante para a definição do conceito de saúde é a oportunidade de acesso aos serviços de saúde. Na segunda metade do século XX, na Conferência Internacional de Assis- tência Primária à Saúde, em Alma-Ata (1977), a OMS e a Fundação das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) enfatizaram as desigualdades em saúde entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, mostrando que era possível oferecer saúde de qualidade, e responsabilizou os governos pela providência de saúde de qualidade e acessível a todos, enfatizando a importância da população no planeja- mento dos cuidados de saúde. Este evento foi o marco do surgimento dos serviços que prestam cuidados na Atenção Primária à Saúde (APS), que visa à prevenção. “ Saúde – estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente à ausência de doença ou enfermidade – é um direito fundamental, e que a consecução do mais alto nível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1978, p. 1 ). Em 1986, na VII Conferência Nacional de Saúde, no Brasil, foram discutidos os di- reitos de saúde dos cidadãos, uma reformulação do Sistema Nacional de Saúde, que mais adiante viria a ser a organização de saúde que temos hoje, e o financiamento UNICESUMAR UNIDADE 1 24 setorial dos serviços de saúde. Em 1988, o direito à saúde foi incorporado na Cons- tituição Federal do Brasil com ampliação do conceito de saúde na Lei Orgânica de Saúde 8.080 (BRASIL, 1990, on-line), na qual foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), e na Lei 12.864 de 24 de setembro de 2013 (BRASIL, 2013, on-line). Contudo com a ampliação do conceito de saúde, outras dimensões da vida são incluídas, o que leva à definição de que a alimentação, moradia, transporte, trabalho, renda, lazer, meio ambiente, educação e o acesso aos bens e serviços essenciais são impor- tantes determinantes para avaliar a qualidade de vida e saúde de uma população. Muitas críticas foram feitas à definição de saúde concebida pela OMS, já que para muitos o conceito reflete uma idealização da saúde, que seria inatingível pelos servi- ços de saúde. Além disso, o conceito permitiria que o Estado intervisse na vida dos cidadãos com o pretexto de promover saúde. Por este motivo, o Artigo 196 da Cons- tituição Federal de 1988, evita discutir o conceito de saúde, apenas garante o direito à saúde como dever do Estado a todos os que habitam as terras brasileiras: “É direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços, para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988, on-line). Neste momento, no final do século XX, observaram-se avanços da engenha- ria genética e da biologia molecular, que viriam para revolucionar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças. Assim, surgiram novos modelos para explicar e compreender o processo saúde-doença. NOVAS DESCOBERTAS Título: A história da humanidade contada pelos vírus Autor: Stefan Cunha Ujvari Editora: Editora Contexto Ano: 2008 Sinopse: os passos do homem ao longo das épocas, pelos continentes, o início da utilização de vestimentas, a convivência com diversos animais, o encontro com outros seres humanos: tudo isso pode ser desvendado, agora, com o estudo microscópico de vírus, bactérias e parasitas que cruzaram - e cruzam - o nosso caminho. Por meio do DNA dos microrganismos, podemos saber quando e como as epidemias atuais se iniciaram e de que forma elas condicionaram a existência humana, dizimando populações, promovendo êxodos, propiciando miscigenação, fortalecendo ou enfraquecendo povos. 25 Até aqui, aluno(a),você compreendeu melhor os conceitos de saúde. Mas o que é doença? O termo doença foi definido na Portaria nº 204 de 17 de fevereiro de 2016 (BRASIL, 2016, on-line) como “enfermidade ou estado clínico, independente de origem ou fonte, que represente ou possa representar um dano significativo para os seres humanos”, e o agravo em saúde foi definido como “qualquer dano à inte- gridade física ou mental do indivíduo, provocado por circunstâncias nocivas, tais como acidentes, intoxicações por substâncias químicas, abuso de drogas ou lesões decorrentes de violências interpessoais” (BRASIL, 2016, on-line; BUSATO, 2016). Como foi visto, os estados de saúde e doença envolvem múltiplas e com- plexas interações, entre o agente, o hospedeiro e o meio ambiente, conhecida como tríade ecológica, que podemos observar na Figura 4. A tríade apresenta a multicausalidade do processo saúde-doença. O agente, ou fatores etiológicos, são os causadores da doença, como exemplo os microrganismos. O hospedeiro é o organismo que pode ficar doente, podendo ser o homem ou o animal. O ambien- te é o espaço físico ou lugar onde pode ocorrer a interação entre o hospedeiro e o agente e uma possível infecção. A doença seria resultante do desequilíbrio na tríade ecológica, e os três elementos apresentam igual importância neste processo. UNICESUMAR UNIDADE 1 26 Nesse sentido, a História Natural das Doenças é um modelo inovador, proposto por Leavell e Clark, em 1965, que nos ajuda a compreender o processo saúde-doença, já que estuda estas interações do indivíduo com os demais elementos da tríade ecoló- gica e como eles geram danos à saúde. Este modelo descreve a evolução do processo de adoecimento do homem até a sua cura ou morte, enfatizando as causas das patologias e, principalmente, aponta medidas de prevenção e controle de doenças. Para melhor compreensão, a História Natural das Doenças pode ser divi- dida em dois períodos: o pré-patogênico e o patogênico. A Figura 5 apresenta o modelo da História Natural das Doenças associada aos níveis das medidas preventivas cabíveis para cada período. Ambiente Agente Hospedeiro Descrição da Imagem: a figura ilustra um fluxograma em forma de triângulo. Em cada uma das três pontas do triângulo, há um círculo com as escritas: ambiente, agente e hospedeiro, que são interligados por setas de ponta dupla. Figura 4 - A tríade ecológica: modelo da explicação multicausal do processo saúde-doença Fonte: adaptada de Leavell e Clarck (1976). 27 ANTES DA DOENÇA Interação do: AGENTE / HOSPEDEIRO AMBIENTE Estímulo PERÍODO PRÉ-PATOGÊNICO Promoção à saúde Proteção especí�ca PREVENÇÃO PRIMÁRIA Diagnóstico precoce e tratamento imediato Limitação do dano PERÍODO PATOGÊNICO Reabilitação PREVENÇÃO TERCIÁRIA PREVENÇÃO SECUNDÁRIA NÍVEIS DE PREVENÇÃO Período de latência Mudança tissular Interação - Estímulo Hospedeiro Reação do hospedeiro Sinais e sintomas Defeito ou dano Óbito Estado Crônico HORIZONTE CLÍNICO CURSO DA DOENÇA NO HOMEM Descrição da Imagem: a figura ilustra um organograma, em tons de vermelho, que demonstra, da esquerda para a direita, as fases do modelo da História Natural das Doenças e, logo abaixo, os níveis de medidas pre- ventivas cabíveis para cada período. Há uma linha vertical que divide a figura em período pré-patogênico, à esquerda, e período patogênico, à direita. No período pré-patogênico, escrito “Antes da Doença”, há a repre- sentação da interação entre agente e hospedeiro no ambiente, que se dá pelo desenho de uma balança, que representa o ambiente, em um dos pratos da balança o desenho de microrganismos e, no outro, do homem. Logo abaixo, está escrito “prevenção primária”, que se subdivide em “promoção à saúde’’ e “proteção específi- ca”. À direita da linha, há o período patogênico, “Curso da Doença no Homem”, representado por uma escada azul ascendente com as etapas deste curso. No primeiro degrau da escada, está a figura representativa de um homem, e as palavras “período de latência”, seguido por “mudança tissular”, “sinais e sintomas”, “defeito ou dano” e, no último degrau, o “óbito” ou “estado crônico”. Logo abaixo da representação da escada, está escrito “prevenção secundária”, que se estende até o degrau da escada descrito como “defeito ou dano”. A prevenção secundária se subdivide em “diagnóstico precoce” e “tratamento imediato”, que se estende até o degrau de sinais e sintomas; e “limitação de danos” que se estende até “defeito ou dano”. Mais à direita, no final da figura, abaixo do último degrau da escada, representado pelo “óbito” ou “estado crônico”, está escrito “prevenção terciária” constituída pela “reabilitação”. Figura 5 - História Natural das Doenças / Fonte: Organização Pan-americana da Saúde (2010). O período pré-patogênico, ou pré-patológico, consiste na fase anterior à doença, na qual o homem ainda não manifesta sintomas, porém há a exposição ao agente patológico e interação entre eles. Além da exposição ao agente, o homem pode ser exposto a fatores de risco ou proteção que estão, diretamente, relacionados aos há- bitos e condições de vida, e às características pessoais, como sexo, idade, etnia, opção UNICESUMAR UNIDADE 1 28 sexual, entre outros (FONSECA; CORBO, 2007). Este período pode, ou não, evoluir para a fase patológica, o que depende dos fatores de risco e proteção envolvidos e das medidas preventivas tomadas no período de exposição à doença. É interessante lembrar, caro(a) aluno(a), que a doença possui um aspecto social, além do biológico, que existem hábitos e acontecimentos da vida de cada indivíduo que influenciam na ocorrência, ou não, da doença. Por exemplo, pes- soas que praticam atividade física regular e possuem uma alimentação balancea- da têm menos chance de desenvolver um problema de saúde (fator protetor), e as pessoas que têm o hábito de fumar têm maior probabilidade de desenvolver câncer de pulmão (fator de risco) (PEREIRA, 2002). Por isso, como gestores e profissionais da área da saúde, é preciso que você saiba identificar os fatores de risco e proteção envolvidos com cada um dos três elementos da tríade, para conseguir visualizar o ponto de desequilíbrio entre eles e, assim, intervir no que for necessário para evitar novos casos e minimizar os danos nos casos já existentes. Chamamos estas ações de prevenção. Entre os fatores relacionados ao hospedeiro, estão: A anatomia e a fisiologia – apesar de termos anatomia e funcionamento geral do corpo semelhantes, cada indivíduo é único e possui suas particularidades. Os aspectos imunológicos - incluindo as vacinas e as imunizações naturais ao longo da vida. Estilo de vida - estilo de vida saudável, sedentário, melancólico etc. Preferências sexuais e o hábito sexual - ter mais de um parceiro sexual e utilizar, ou não, preservativos. História patológica pregressa - doenças anteriores do indivíduo e familiares. Idade - cada período da vida traz consigo seus desgastes e suas vivências, que facilitam o aparecimento de determinadas doenças. 29 Sexo - algumas doenças, devido às bases genéticas, são mais relacionadas às mulheres ou aos homens. As bases genéticas e a etnia - sabe-se que muitas doenças apresentam forte fator genético associado, e que cada etnia apresenta características genéticas diferentes. As bases genéticas determinam maior ou menor susceptibilidade às doenças em um indivíduo, assim como interferem, diretamente, nas alterações anatômicas e fisiológicas de cada um, sendo assim, um fator muito importante. Quanto ao agente, ele pode ser biológico como os microrganismos; pode ser químico, como medicamentos, produtos de limpeza, metais pesados (mercúrio), uso de bebidas alcoólicas, exposição a agrotóxicos; e físicos, como o trauma, a radiação e o calor; ou agentes nutricionais caracterizados pela carência ou excesso de nutrientes que provem a subnutrição ou obesidade (GORDIS, 2009). O ambiente pode ser subdividido em ambiente físico,biológico e social, por- tanto, podem ser intrínsecos ou extrínsecos ao homem. No ambiente biológico, há os seres vivos que podem ser vetores, agentes ou reservatórios de doenças. O ambiente físico tem o aspecto das águas, solo, ar, temperatura, constituição de flora e fauna, ocorrência de chuvas, poluição, acidentes naturais e uso excessivo de agrotóxicos que podem influenciar na multiplicação de vetores e facilitar o aparecimento de doenças. O ambiente social, por sua vez, envolve os aspectos econômicos, políticos e sociais aos quais o homem está inserido, que podem ser exemplificados pelos fatores renda, escolaridade, condições de transporte, emprego, moradia, acesso aos serviços de saúde, entre outros que quando quan- tificados enfatizam as desigualdades sociais (BUSATO, 2016). Sabe-se que, infelizmente, as pessoas menos privilegiadas, financeiramente, são marginalizadas e possuem menos acesso à moradia e à alimentação de qualidade, saneamento básico, cultura, emprego, educação e menos acesso aos serviços de saúde. Nosso desafio é fazer o serviço público de saúde ser de fácil acesso para todos, em todo o mundo, independentemente da sua condição financeira, raça, cor ou opção sexual. Sendo assim, a saúde é resultado do equilíbrio entre os fatores que acabamos de dis- cutir, e a doença é resultado do desequilíbrio entre estes fatores. Na ausência de interven- ção na fase pré-patogênica, a maioria das doenças evoluem para o período patogênico. UNICESUMAR UNIDADE 1 30 O segundo período, o patogênico, é a fase em que o indivíduo foi infectado, e a doença já se desenvolveu. Os sinais e os sintomas da doença começam a se manifestar, e o corpo passa a sofrer com as perturbações causadas pelo agente. Nesse período a doença pode evoluir para cura ou, não havendo tratamento ou tratamento inadequa- do, pode progredir para a cronicidade, sequelas permanentes, invalidez e até a morte. O conhecimento do mecanismo de ação e evolução do ciclo natural das doenças permite que os profissionais da saúde adotem medidas adequadas para prevenção, diagnóstico e tratamento, na tentativa de evitar que o processo pato- lógico ocorra, e, quando isso não for possível, detectá-lo o mais rápido possível e minimizar os danos que podem ser causados ao organismo. O período patológico é dividido em três fases: pré-clínica, clínica e residual. Estu- daremos um pouco sobre cada uma dessas fases. A fase pré-clínica antecede as mani- festações clínicas, ou seja, antecede os sintomas decorrentes do processo patológico. Considerando o horizonte clínico da doença, representado na Figura 6, a fase pré-clí- nica representa a “base do iceberg”, a fase de infecção inaparente, que são os casos não discerníveis clinicamente (casos subclínicos) e, portanto, de diagnóstico mais difícil. É nesta fase que se fazem importantes as ferramentas de rastreio e triagem (screening), como exames laboratoriais, utilizados para identificar os indivíduos suspeitos de estarem doentes, ou com o risco de adoecer. A fase seguinte, fase clínica, representa a “ponta do iceberg”, a porção visível, carac- terizada pelas manifestações clínicas aparentes, o que facilita o diagnóstico e, conse- quentemente, a escolha de intervenções adequadas. É a fase que manifesta a doença em si, e, por ser aparente, o caso é facilmente notificado e utilizado como dado para as abordagens epidemiológicas e de prevenção. É na fase clínica que podemos ter diversos desfechos, desde cura, cronicidade do caso, sequelas, invalidez e óbito. NOVAS DESCOBERTAS Título: Contágio Ano: 2011 Sinopse: o filme retrata uma epidemia por um vírus letal, transmis- sível pelo ar, que se espalhou, rapidamente, por toda a população e mata em poucos dias. Em meio ao cenário de caos, políticos e comunidade científica se articulam para definir estratégias de controle da doença, en- quanto a sociedade luta para sobreviver ao momento de pânico. 31 Na fase pré-clínica, as intervenções são preventivas e protetivas, evitam que a doença se manifeste e progrida; e, na fase clínica, as intervenções são curativas, protegem o indivíduo acometido, evitando sequelas ou o óbito. Manifestações clínicas moderadas Proporção de casos clinicamente discerníveis Proporção de casos não discerníveis clinicamente Óbitos Casos graves Linha do horizonte clínico Infecção inaparente Descrição da Imagem: a figura ilustra um iceberg dividido em pico e base por uma linha horizontal, des- crita como “Linha do horizonte clínico”. No lado esquerdo da figura, acima da linha horizontal, há uma seta vertical apontando para cima e indica que o pico é uma “Proporção de casos clinicamente discerníveis”. Para baixo da linha horizontal, há uma seta vertical apontando para baixo e indica que a base é uma “Pro- porção de casos clinicamente não discerníveis”. O pico está subdividido em três porções descritas como: “óbitos” (uma fatia azul escuro do gelo, à esquerda), “manifestações clínicas moderadas” (uma grande fatia azul celeste do gelo, no centro) e “casos graves” (uma fatia azul-claro do gelo, à direita). A base é repre- sentada como uma grande porção do iceberg, única e em azul-claro, descrita como “infecção inaparente”. Figura 6 - Horizonte clínico da doença: o iceberg / Fonte: Waldman e Rosa (1998). Imagine que você sofreu um infarto agudo do miocárdio, causado pela obstrução do fluxo sanguíneo, devido ao acúmulo de placas de gordura nas artérias (ate- rosclerose), e precisou realizar uma cirurgia de urgência, utilizar medicamentos e mudar os hábitos alimentares. Estas intervenções foram realizadas após a per- cepção da doença instalada, ou seja, na fase clínica. Medidas preventivas, como exames de rotina, poderiam ter evitado o infarto e o procedimento cirúrgico se ele tivesse sido identificado na fase pré-clínica, na qual você ainda não tinha sintomas aparentes, mas já apresentava taxas de colesterol em níveis elevados e acúmulo de pequenas placas de gordura nas artérias. UNICESUMAR UNIDADE 1 32 A fase residual do período patológico consiste no momento em que o processo patológico não evoluiu para o óbito, mas também não houve cura. É a fase em que há a progressão e a instalação da cronicidade, que é considerada uma estabilização da doença, conquistada, muitas vezes, pelo uso de medicações e pela mudança dos hábitos de vida. Apesar da estabilização da doença, muitas vezes, há o aparecimento de sequelas, o que leva a necessidade de intervenções que reabilitem o indivíduo e recuperem o estado de saúde não só físico, mas a saúde mental e social. Após estudarmos os conceitos básicos da teoria do proces- so saúde-doença e da história natural das doenças, fica a curiosidade de conhecer como esses conceitos podem ser aplicados na prática, no cotidiano de um gestor de saúde. São conceitos muito importantes para a elaboração de me- didas de prevenção de doenças e agravos. Para saber mais sobre a contribuição destes conceitos para a organização do sistema de saúde, é só dar o play. Você estudou até aqui conceitos muito importantes sobre a evolução dos termos saúde e doença, e como ocorre o processo de adoecimento no homem. Foi possível com- preender a história natural das doenças e esta relação complexa do homem, agentes patológicos e o ambiente. Você aprendeu a identificar os fatores de risco e os fatores de proteção e o quão este conhecimento adquirido é importante na tomada de decisão para saber onde e quando intervir nos processos patológicos e evitar agravos em saúde. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12280 33 Agora, caro(a) aluno(a), você estudará as medidas de prevenção de doenças e agravos, na saúde individual e coletiva. A prevenção é caracterizada pela “ação an- tecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença” (VIANNA, 2011, p. 80), ou seja, a prevenção é toda a ação ou medida que visa evitar as doenças ou suas sequelas. As medidas preventivas devem ser prioridadeda saúde pública, já que evitam o adoecimento da população e, consequentemente, diminuem os gastos públicos com tratamentos, assim, os recursos podem ser direcionados para as ações pre- ventivas e outras necessidades da população. Por exemplo, um agente comunitário de saúde (ACS) percebe que, na sua área de atuação, na Unidade Básica de Saúde (UBS) na qual trabalha, estão aparecendo novos casos de dengue. Sabendo que é uma doença que pode ser epidêmica na sua cidade, o ACS convoca uma reunião com o gestor e a equipe multidisciplinar da sua UBS para discutirem as ações preventivas que devem ser tomadas, como: campanhas para o recolhimento de lixo e entulho, eliminação de focos de água parada, controle de veto- res com o fumacê, identificação e acompanhamento de casos suspeitos, entre outros. As ações preventivas podem ser de dois tipos: ações preventivas antecipa- das - que visam evitar o aparecimento de doenças, ou ações preventivas corre- tivas - que têm como objetivo evitar a cronicidade ou as sequelas das doenças. Ainda podem ser periódicas, que são aplicadas em casos de endemias e epi- demias, como vimos no exemplo da dengue apresentado e nas campanhas de imunização da população (vacina da gripe). Também são utilizadas as medidas específicas, como o tratamento para in- fecção pelo vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), no qual o sistema público de saúde brasileiro é referência. Também há as medidas inespecíficas, como a adição de cloro no abastecimento público de água e o saneamento básico, que controlam o aparecimento de doenças infecciosas e parasitárias e melhoram a qualidade de vida geral da população. A prevenção é classificada em: primária, secundária e terciária. Consegui- mos observar, na Figura 5, que a prevenção primária é caracterizada pelas me- didas preventivas antecipadas, que atuam no período pré-patogênico, antes do aparecimento da doença. Nesta primeira fase, temos dois níveis de prevenção, a promoção da saúde e a proteção específica. A promoção à saúde visa conquistar uma saúde ótima, evitando agravos de saúde e melhorando a qualidade de vida da comunidade em geral, visando ao coletivo. UNICESUMAR UNIDADE 1 34 As principais ferramentas de promoção à saúde são as ações educativas, a garantia de alimentação de qualidade, o saneamento básico, entre outros. A pro- teção específica visa criar barreiras entre o homem e os agentes patológicos do ambiente, ou seja, combater esses agentes. O principal exemplo de proteção es- pecífica, na prevenção primária, são as campanhas de vacinação. A prevenção secundária atua, diretamente, no período patogênico, seja na fase clínica seja subclínica da doença, prevenindo a evolução do processo patológico e, quando possível, promovendo a cura. Também é dividida em dois níveis. O primei- ro nível visa realizar diagnóstico e tratamento precoces, impedindo que a doença avance, podendo ser utilizadas ferramentas, como os inquéritos epidemiológicos, exames periódicos individuais e, até mesmo, o isolamento do indivíduo para evitar a propagação de doenças, como vimos no exemplo dos pacientes com hanseníase. Enquanto o segundo nível propõe limitar o dano ao indivíduo quando a doença já está estabelecida, para isso, utiliza-se terapias medicamentosas, mudanças de hábi- tos de vida, e, quando necessário, pode-se utilizar até mesmo intervenções cirúrgi- cas, sempre visando minimizar os danos causados pela doença (PEREIRA, 2002). Vale ressaltar que, na prevenção secundária, devemos avaliar a gravidade e os riscos que a doença oferece ao acometido, de forma individual. Se houver possibili- dade de diagnóstico e tratamento precoces, é preciso pensar o quão onerosos serão os procedimentos e quais benefícios o paciente poderá ter, equilibrando em uma balança os prós e os contras, visando ao bem-estar e à qualidade de vida em primeiro lugar. Quando a doença já está estabelecida e provocou sequelas no indivíduo, podem ser adotadas as medidas de prevenção terciária, que têm foco na fase residual do processo de adoecimento. Consiste na reabilitação do indivíduo, recuperando a capacidade fun- cional que foi reduzida com a doença. Um exemplo muito comum são as fisioterapias após quebrar uma mão ou uma perna. Englobamos, ainda, a adaptação do indivíduo quando ele perde alguma capacidade funcional, como ocorre na perda de um membro em um acidente automobilístico, por exemplo. Nessa terceira fase de prevenção, para reabilitar e adaptar o indivíduo, deve ser oferecido, sempre que necessário, o acompa- nhamento com terapia ocupacional e uma nova oportunidade de emprego. Um novo conceito que muitos autores não consideram é a prevenção qua- ternária. Não está relacionada ao processo patológico, mas ao risco do excesso de intervenção e aos tratamentos desnecessários. Portanto, consiste em ações preventivas para evitar os procedimentos desnecessários e diminuir os efeitos adversos dos medicamentos (GORDIS, 2009). 35 A abordagem ideal para prevenção de doenças e seus agravos é a união das ações primárias, secundárias, terciárias e quaternárias. Pense que, quando atuamos, cole- tivamente, em uma população, antes do aparecimento de uma doença, um número, significativamente, menor de indivíduos precisará dos cuidados secundários, e, quan- do utilizamos as medidas secundárias de forma adequada e no momento certo, um número ainda menor de pessoas precisará da reabilitação como ação terciária. Como profissionais da saúde, você e eu precisamos atuar de forma multidiscipli- nar para conseguirmos identificar o momento exato de atuar com o coletivo e com o individual, e antes da doença, trabalhamos com seres humanos dotados de vivências, valores e sentimentos, que em um momento da vida necessitam do nosso atendimen- to para superar o período de enfermidade. Por isso, é preciso construir estratégias para atuar com a saúde na atenção básica de forma mais humana e solidária. As medidas preventivas são de responsabilidade não só dos profissionais da saúde que atuam na linha de frente em contato com os pacientes, mas também dos gestores que direcionam os recursos para as áreas que a população mais pre- cisa e, principalmente, a sociedade, que deve atuar como protagonista, mostrando suas queixas e exigindo seus direitos e deveres como cidadãos. UNICESUMAR UNIDADE 1 36 Você aprendeu sobre as medidas preventivas e a importância delas para os cui- dados em saúde, viu, ainda, como as ações coletivas e individuais de prevenção são necessárias, e os momentos adequados de intervenção pelos profissionais de saúde para se evitar os agravos em saúde e melhorar a qualidade de vida da popu- lação. Agora, fica mais fácil compreender a necessidade de organizar os serviços de saúde, e é por isso que foram criados os sistemas de saúde. Mas o que é um sistema de saúde? A palavra sistema significa conjunto de elementos organizados, sendo assim, o sistema de saúde é um conjunto de serviços que, unidos, possibili- tam o acesso à saúde. É preciso a união da regulamentação com o financiamento, seja em nível federal, estadual seja municipal, com a infraestrutura, a gestão e os diversos serviços e ações prestados à população. Os sistemas de saúde podem ser públicos ou privados. Entre eles, o modelo universalista é caracterizado pelo acesso universal aos serviços de saúde, pres- tados por servidores públicos e financiado pelos recursos dos impostos, ou seja, financiamento público. Este é o modelo utilizado pela Inglaterra, desde 1948, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, ou National Health Service (NHS), com foco na saúde preventiva e curativa, equivalente ao sistema público de saúde brasileiro, o SUS, como veremos mais adiante neste livro. Já nos Estados Unidos, por exemplo, é utilizado o modelo de seguros privados, que você deve conhecer como planos de saúde, que são organizações fragmen- tadas e descentralizadas, com pouca intervenção do Estado, em que o indivíduo paga uma mensalidade para ter serviços de saúdequando necessário, podendo, ainda, pagar taxas, exames e medicações com custos elevados. A saúde pública é constituída de formas de agenciamento político governa- mentais para as necessidades sociais de saúde, coordenando programas, serviços e instituições para um ideal de bem-estar da população, utilizando as medidas preventivas que reduzem os agravos à saúde e proporcionam condições para a manutenção e a sustentação da vida humana. Portanto, a saúde pública deve ser multidisciplinar, abranger vários segmentos da vida humana, assim como pre- conizado pela OMS quando definiu o conceito de doença, visando promover a saúde física, mental e social dos indivíduos. A gestão, a regulamentação e o finan- ciamento da saúde pública são realizados em nível mundial pela OMS, em nível nacional no Brasil, pelo Ministério da Saúde, a seguir pelas Secretarias Estaduais de Saúde e Secretarias Municipais de Saúde (BARROS; PIOLA; ROA, 2016). 37 Ao avaliar a situação epidemiológica do nosso país, é possível observar quatro principais grupos de doenças que incapacitam os brasileiros. O primeiro grupo reflete o impacto que as doenças infecciosas, parasitárias e a desnutrição ainda têm em nosso país e que, infelizmente, acomete muitas pessoas, principalmente crianças em desenvolvimento (BRASIL, 2015). Estas doenças poderiam ter sido facilmente evitadas com ações preventivas primárias. Outro grupo traz as doenças maternas e perinatais, que compreendem os problemas na saúde reprodutiva durante a gravidez, que incapacitam as mulheres no pós-parto e que também podem ser transmitidas aos bebês. Alguns exemplos são a toxoplasmose e as doenças sexualmente transmissíveis, que ultrapassam a barreira transplacentária, afetando a mãe e o feto, além da hipertensão e da dia- betes gestacionais. Todas estas enfermidades tendem à cronificação e sequelas futuras, e poderiam ser evitadas se todas as gestantes tivessem acesso ao pré-natal e soubessem da importância deste acompanhamento (prevenção primária) e do tratamento quando necessário (prevenção secundária) (BRASIL, 2015). O crescente aumento da violência, dos acidentes automobilísticos, somado às catástrofes naturais, são classificados como causas externas, e são outros im- portantes fatores da incapacitação dos brasileiros. No entanto a principal causa de incapacidade no Brasil, assim como em outros países, são as doenças crônicas (BRASIL, 2015). Com o aumento da expectativa de vida e a mudança dos hábitos de vida, as doenças crônicas passam a prevalecer sobre as demais. Os principais fatores são o tabagismo, sobrepeso, inatividade física, alimentação inadequada, uso excessivo de álcool e drogas, além do uso de medicamentos sem orientação médica, o aumento do estresse e das doenças mentais. É de suma importância compreender este panorama geral sobre a situação epidemiológica do país, do estado, da regional de saúde, da cidade e do bairro, para que você, como futuro gestor de saúde, nos diferentes níveis de organização, possa identificar as necessidades da sua população alvo e mobilizar os recursos e os esforços necessários para controlar as situações adversas em saúde e proporcio- nar qualidade de vida para os indivíduos. Também é com esse panorama sobre a situação de saúde que os recursos financeiros são, proporcionalmente, distribuí- dos conforme a necessidade de cada região, seguindo o princípio da equidade. Como grande parte da população acometida por doenças crônicas e por se- quelas desses processos patológicos, faz-se necessário investir a maior parte dos recursos na prevenção terciária. No mundo ideal, a maior parte dos recursos em UNICESUMAR UNIDADE 1 38 saúde seriam investidos em ações coletivas de prevenção primária. É nosso papel, meu e seu, caro(a) aluno(a), como gestores e profissionais da área da saúde, enxer- garmos as adversidades na gestão da saúde, refletirmos, e procurarmos formas de conseguir mudar esta realidade. Para que a mudança ocorra, é preciso começar! No seu sentido literal a palavra equidade significa julgamento justo, e a palavra igualdade significa ausência de desigualdade. Enquanto que o princípio da igualdade visa tratar a todos da mesma forma, o princípio da equidade social trata as pessoas de formas diferen- tes, considerando as suas necessidades. Fonte: a autora. EXPLORANDO IDEIAS IGUALDADE EQUIDADEVS O sistema público de saúde brasileiro, o SUS, foi regulamentado e criado na Cons- tituição Federal (BRASIL, 1988, on-line) que diz: “É direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços, para sua promoção, proteção e recuperação”. Apesar das dificuldades que ainda enfrentamos na insuficiência de recursos financeiros e nas filas pelos serviços especializados, é elogiado, mundialmente, e serve como modelo para outros países. Agora, caro(a) aluno(a), reveja os conceitos que foram discutidos nesta unidade, e esteja atento, pois eles fazem parte do cotidiano dos gestores de saúde. Como gestor de saúde, é preciso ter o conhecimento sobre a regulamentação do sistema de saúde e sua evolução ao longo dos anos, além disso, é preciso ter a consciência sobre a im- portância da saúde pública em nosso país e saber identificar os problemas de saúde 39 da sua comunidade para que consiga buscar soluções e, assim, possa tomar decisões preventivas e curativas que impactem, positivamente, na saúde dos indivíduos. Pense no bairro ou na cidade em que você mora, quais são as necessidades de saúde dessa região? Quais intervenções você, como gestor de saúde, poderia realizar para melhorar a qualidade de vida destas pessoas? Anote estas respostas em um papel para que você possa consultá-las e refletir conforme for adquirindo conhecimento ao longo desta unidade. Lembre-se, sempre, de que você trabalhará com a saúde e a doença, mas, acima de tudo, com pessoas. Chegamos ao final desta unidade, aluno(a), com a expectativa de ter despertado em você a curiosidade de conhecer ainda mais sobre o processo saúde-doença e a abordagem teórica da saúde pública do Brasil, que será de grande importância para a sua vida profissional. Nas próximas unidades, você aprofundará seus conhecimen- tos sobre o surgimento da saúde pública no Brasil, desde o descobrimento até os dias de hoje; a criação do SUS, sua regulamentação e estruturação. Veremos, ainda, como o SUS está presente em nossos dias, mesmo que não percebamos. UNICESUMAR 40 1. De acordo com Scliar (2007), a saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. O significado do conceito de saúde dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá, ainda, de valores individuais, de concepções científicas, religiosas e filosóficas. Considerando os conceitos de saúde e doença, analise as afirmativas abaixo: I - Entende-se a saúde como o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade. II - O estado de doença está relacionado apenas com fatores intrínsecos dos indiví- duos, como o desequilíbrio interno dos órgãos. III - As causas das doenças estão correlacionadas com o agente etiológico, o hospe- deiro e o meio ambiente. IV - O estado de saúde resulta, exclusivamente, do equilíbrio e das relações entre o indivíduo e o meio ambiente. É correto o que se afirma em: a) I, III e IV. b) I e II. c) I e III. d) III e IV. e) I e IV. 2. A História Natural das Doenças (HND), proposta por Leavell e Clark, em 1965, é um modelo inovador que ajudou a compreender e a caracterizar as doenças bem como determinar suas causas e auxiliar no pensamento crítico para a tomada de decisões que interfiram no curso das doenças, que evitem, ou interrompam o processo pato- lógico e minimizem as sequelas. Assinale verdadeiro (V) ou falso (F) quanto à HND: ( ) A HND é dividida em dois períodos: pré-patogênico e patológico. ( ) O período pré-patológicoé caracterizado pela doença instalada, porém sem manifestar sintomas. ( ) O período patológico é aquele em que o indivíduo já desenvolveu a doença e seus sintomas, podendo evoluir para cura, cronicidade, sequelas permanentes, invalidez e até a morte. ( ) A HND compreende um conjunto de interações entre a relação do agente, o hospe- deiro e o meio ambiente, afetando o processo de desenvolvimento da doença. ( ) Promoção da saúde, proteção, diagnóstico precoce, limitação do dano e reabilitação são formas de intervenção nas diferentes etapas da HND. 41 Assinale a sequência correta. a) F, V, V, V, F. b) F, F, V, V, V. c) V, V, V, V, V. d) V, F, V, V, V. e) V, V, F, V, V. 3. A tríade ecológica, ou tríade epidemiológica, é um dos modelos que explica o pro- cesso saúde-doença. Sobre ela, assinale a alternativa correta. a) A tríade ecológica, estudada pela história natural das doenças, compreende o hospedeiro, o meio ambiente e a doença. b) A tríade ecológica foi um dos primeiros modelos de estudo que considerou o ambiente como parte determinante do processo saúde-doença, e sua relação com o hospedeiro e a doença. c) O meio ambiente é uma das peças principais da tríade ecológica e apresenta influência sobre o hospedeiro, mas não sobre o agente. d) A tríade ecológica nos ajuda a compreender a unicausalidade do processo saú- de-doença. e) A tríade ecológica é muito utilizada para estudar o processo saúde-doença, sendo constituída pelo agente, o hospedeiro e o ambiente, que representa os fatores etiológicos envolvidos em alguma situação de agravo à saúde. 4. Para Vianna (2011, p. 80), a prevenção é a “ação antecipada, baseada no conhe- cimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença”, ou seja, a prevenção de doenças e os agravos à saúde são caracterizados por ações que evitam o início da doença, ou impedem que ela progrida minimizando as sequelas. Existem três tipos de medidas de prevenção, sobre elas, considere as afirmativas a seguir: I - A prevenção primária é caracterizada por medidas preventivas de promoção à saúde e proteção específica, atuam no período patogênico e previnem o apa- recimento de doenças. Os principais exemplos da prevenção primária são as campanhas de vacinação e as ações de educação em saúde. 42 II - Ações preventivas que atuam diretamente no período patogênico caracterizam a prevenção secundária. As ações visam prevenir a evolução do processo patológico e, se possível, a cura. Alguns exemplos são o diagnóstico precoce e o tratamento específico para a doença. III - A prevenção terciária inclui as medidas que visam à reabilitação do indivíduo, após o estabelecimento da doença, como a fisioterapia, em casos de acidentes. IV - As medidas preventivas secundárias e terciárias atuam no período patogênico, com a doença estabelecida, enquanto que a prevenção primária atua no período pré-patogênico, evitando que a doença ocorra. É correto o que se afirma em: a) II e III. b) I, II e IV. c) I, II e III. d) II, III e IV. e) I e III. 5. A pandemia da covid-19 teve início no Brasil, ainda no primeiro trimestre de 2020. Ela nos trouxe muito medo e incertezas, principalmente sobre o funcionamento dessa doença, e o que ela poderia nos causar. Para o enfrentamento da pandemia causada pelo coronavírus, foram adotadas algumas medidas de prevenção, entre elas: I - Obrigatoriedade do uso de máscara. II - Isolamento social. III - Campanha de vacinação. IV - Fisioterapia respiratória. V - Testes diagnósticos. As medidas de prevenção apresentadas são, respectivamente, de prevenção: a) Primária, primária, primária, terciária e secundária. b) Primária, primária, primária, secundária e primária. c) Primária, secundária, primária, secundária e terciária. d) Secundária, secundária, primária, terciária e secundária. e) Secundária, secundária, secundária, terciária e secundária. 2História da Saúde no Brasil Antes do SUS Me. Aline Ávila Brustolin Nesta unidade, você fará uma viagem pela história do Brasil e aprenderá como os atendimentos em saúde evoluíram ao longo dos anos. Eu e você visitaremos vários marcos históricos importantes e você conhecerá quais eram os modelos de atenção em saúde existentes em cada época. Além disso, discutiremos como a economia, a cultura e os pensamentos de cada momento histórico influenciaram no processo de organização dos atendimentos em saúde. Começaremos a primeira etapa dessa viagem pelo descobrimento do Brasil, passando pelo Período Colonial, Primeiro Reinado e a Primeira República. Viajaremos por mais de 300 anos na his- tória do Brasil, mas essa viagem não acabará por aqui, ela continuará na próxima unidade. Fique atento, pois você estudará os principais motivos que levaram à criação do sistema de saúde que temos hoje. UNIDADE 2 44 Em nosso cotidiano, é comum recorrermos aos ser- viços de saúde quando não nos sentimos bem, ou até mesmo às farmácias para comprarmos medicamen- tos que aliviam nossas dores e cansaço. Você já ima- ginou passar mal ou se machucar a ponto de precisar de um atendimento médico e ele não existir? Imagine que você foi andar de bicicleta, no final de semana, com os amigos e, no decorrer do passeio, você caiu e se machucou. Você sente muita dor na per- na e não consegue se mover. O que você faria? Prova- velmente, pegaria o seu celular e ligaria para algum familiar ou amigo buscar você de carro e levar para o atendimento médico mais próximo; ou, até mesmo, ligaria para o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Na UPA (Unidade de Pronto Atendi- mento) ou no hospital, você faria exames de raio X para verificar o que houve com a sua perna, se hou- ve fratura, e, possivelmente, faria exames de imagem complementares para verificar se não tem mais ne- nhum ferimento, pois também bateu a cabeça. Ficaria internado em observação, por precaução, com soro e medicações para dor aplicados na veia, e só seria libe- rado quando estivesse recuperado ou houvesse a certe- za de que está tudo certo para você retornar para casa. Agora, imagine como seria se não houvesse telefo- nes e automóveis para que alguém fosse lhe socorrer para levar até o atendimento médico. Imagine mais além, se não existissem médicos, hospitais e aparelhos de diagnóstico por imagem para confirmarem se você quebrou a sua perna, ou se aconteceu algo ao bater a cabeça. E se não houvesse os tratamentos e os pro- cedimentos disponíveis hoje para aliviar a sua dor e recuperar a sua perna para as suas funções normais da forma mais rápida possível? Você já parou para pensar como eram os tratamentos antes de se ter uma 45 organização dos atendimentos em saúde e como as enfermidades eram resolvidas quando não havia as Unidades Básicas de Saúde (UBS), UPA, hospitais e farmácias? Antes de haver uma organização dos atendimentos de saúde, sejam eles públicos sejam privados, os indivíduos que adoeciam recorriam às pessoas com mais experiência e conhecimento popular sobre o uso das plantas medicinais, como os boticários, os curandeiros e os pajés. Quando as mulheres grávidas entravam em trabalho de parto, por exemplo, não havia a quem recorrer; as mulheres mais velhas e, por isso, mais expe- rientes, tornavam-se parteiras e auxiliavam as mães de primeira viagem nesse momento. Como é de se imaginar, não havia um local para recorrer aos atendimentos de saúde, muito menos às tecnologias de diagnóstico e medicamentos que temos hoje. Sendo assim, as pessoas que adoeciam eram acolhidas e recebiam um tra- tamento empírico com plantas e produtos naturais, com o objetivo de aliviar o sofrimento até que houvesse a cura, ou até mesmo a morte. Agora, eu desafio você a realizar uma pesquisa. Pergunte aos seus familiares ou conhecidos mais experientes, seus avós ou bisavós, como era o atendimento de saúde na época em que eles eram jovens. O que eles faziam ou a quem recorriam ao sentir um mal-estar prolongado ou quando se machucavam, por exemplo.Existia hospital? Existia UBS nos bairros da cidade? Havia onde comprar medicamentos ou realizar exames? Pergunte até mesmo aos seus pais e tios. Pegue uma caneta e anote estas informações no Diário de Bordo. Uma segunda opção, caso não tenha para quem perguntar, é buscar essas informações na internet, e, em seguida, pesquise os atendimentos de saúde aos quais você pode recorrer hoje, caso se machuque. Compare a assistência em saúde a que você tem acesso hoje com as formas de atendimento em saúde de antigamente. Provavelmente, eles relataram que antiga- mente não havia um local específico ao qual pudessem recorrer em caso de doença, portanto, não existiam UBS, UPA e as unidades de atendimento que conhecemos. E quando existiam hospitais, estes eram muito precários ou muito distantes. Você pode ter escutado, ainda, relatos de que não existiam vacinas e que era muito co- mum as pessoas morrerem de doenças que são erradicadas no Brasil, como a varíola e a poliomielite e que, muitas vezes, as pessoas morriam sem nem saber a causa. Hoje, a maior parte da população tem acesso a um telefone, e sabemos que, se adoecermos, nos machucarmos ou na ocorrência de qualquer acidente, basta discar o número 192 que seremos, imediatamente, encaminhados para os aten- dentes do SAMU, ou o 193 para os bombeiros. Além disso, temos todo o suporte em saúde disponível no sistema público de saúde, o SUS (Sistema Único de Saú- UNIDADE 2 UNIDADE 2 46 de). Podemos realizar desde consultas médicas e exames, até mesmo cirurgias e tratamentos complexos, todos pagos pelo sistema público de saúde. Inclusive, muitos tratamentos são fornecidos, exclusivamente, pelo SUS, como o tratamento para portadores do vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), e cerca de 90% dos transplantes de órgãos são realizados e financiados pelo SUS. Esta rápida comparação ajuda-nos a refletir sobre a evolução dos atendimen- tos em saúde ao longo dos anos e a compreender como os marcos históricos e o avanço das sociedades têm grande impacto nesse processo. Por isso, reflita, caro(a) aluno(a), sobre a importância dos sistemas de saúde, e principalmente do sistema público de saúde para o bem-estar e qualidade de vida de uma população. 47 É possível observar, ao longo da história, que as sociedades desenvolveram diversas for- mas de enfrentar as doenças e lidar com os enfermos; já que o indivíduo que fica doen- te não adoece sozinho, mas adoece a todo um grupo de pessoas da sua convivência, tornando a doença uma experiência de caráter social e o tratamento uma necessidade. As doenças, seus tratamentos e, portanto, a evolução dos atendimentos em saúde tem ligação direta com o momento histórico vivido, considerando tempo e espaço. É preci- so destacar vários aspectos importantes de cada período histórico, nos âmbitos sociais, culturais e econômicos, por exemplo: quais eram as doenças endêmicas, as atividades econômicas e políticas de saúde de cada época, para, assim, compreendermos quais eram os pensamentos sobre a atenção em saúde de cada período de desenvolvimento histórico e como esses pensamentos evoluíram ao longo dos tempos (FINKELMAN, 2002). Neste contexto, caro(a) aluno(a), você iniciará uma viagem pela história para que compreenda como eram realizados os cuidados em saúde desde a colonização do Brasil até os primórdios da organização em saúde que temos hoje. A partir de agora, você e eu visitaremos vários lugares e marcos históricos para que você tenha a opor- tunidade de aprender como ocorreram as conquistas em saúde ao longo dos anos. UNIDADE 2 UNIDADE 2 48 A primeira parada desta viagem será no ano de 1500, mais precisamente em 22 de abril de 1500, data oficial da chega- da dos portugueses ao Brasil. As embarcações comandadas por Pedro Álvares Cabral avistaram um paraíso, pois havia muitas árvores, águas cristalinas, alimentos em abundância e um clima ameno, o que, aos olhos dos que chegavam, era um ambiente que emanava saúde, muito diferente do continente europeu que passava por um período de muitas mortes de- correntes de enfermidades que se espalhavam rapidamente (BERTOLLI FILHO, 1996). Antes da chegada dos navios europeus, o território brasilei- ro era ocupado apenas por indígenas, que tinham suas próprias enfermidades, mas nunca havia entrado em contato com povos diferentes. Até então, quando enfermos, os índios se tratavam com recursos provenientes da terra, como chás e compressas de plantas e ervas, com ajuda dos curandeiros e pajés. Neste momento, aluno(a), quem governa Portugal é Ma- nuel I, o Venturoso (1469-1521), que estimulou as grandes navegações que levaram à descoberta do território brasileiro. Este processo de expansão marítima europeia levou à circu- lação de mercadorias e maior contato entre os povos, propor- cionando também o trânsito de doenças entre os territórios. As embarcações saiam do continente europeu para a descoberta de novas terras sem previsão de retorno, por isso, levavam muitos alimentos secos, carnes salgadas, vinho e bis- coitos. A maior parte desses alimentos estragava durante a viagem, e não era suficiente para toda a tripulação. Muitas vezes, passavam por imprevistos, como a entrada de água no convés, facilitando o aparecimento de mofo nos alimentos e no ambiente. As acomodações também não eram adequadas, sempre estavam acima da capacidade de ocupantes, eram es- curas, sem entrada de ar, não havia local adequado para rea- lizar as necessidades fisiológicas nem para o descanso. Tudo isso favorecia a disseminação de ratos e baratas. 49 Na obra Uma Breve História do Brasil, de Mary Del Priore e Renato Venâncio, há vários trechos de relatos da vida a bordo nas embarcações utilizadas nas grandes navegações, “ Nas pessoas e na comida, proliferavam todos os tipos de parasitas: pio- lhos, pulgas e percevejos. Confinados em cubículos, passageiros satisfa- ziam as necessidades fisiológicas, vomitavam ou escarravam próximos de quem comia. Por isso mesmo, costumava-se embarcar alguns litros de água-de-flor, destinada a disfarçar os odores nauseantes, além de ervas aromáticas, queimadas com a mesma finalidade. Em meio ao constante mau cheiro e associado ao balanço natural, o enjoamento era constante. A má higiene a bordo costumava contaminar os alimentos e a água embarcada. Os fluxos de ventre, para os quais não havia cura, ceifavam rapidamente indivíduos já desidratados e desnutridos. [...] A fome crônica e a debilidade física colaboravam para a morte de uma parcela importante dos marinheiros (PRIORE; VENÂNCIO, 2010). Descrição da Imagem: a figura mostra uma foto tirada de um barco ancorado no espaço cultural da Marinha do Brasil, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, Brasil. Trata-se de um barco de madeira escura, com um detalhe de pintura de losangos brancos e vermelhos na parte superior do casco. Possui três mastros, sendo que o mastro central é mais alto e possui um pequeno observatório em madeira. As velas não estão içadas. Figura 1- Réplica do barco utilizado por Pedro Álvares Cabral no descobrimento do Brasil UNIDADE 2 UNIDADE 2 50 Além disso, eram raros os tripulantes que não apresentavam sangramento e feri- das nas gengivas devido ao escorbuto, e, com isso, surgiam infecções e feridas pela boca, até mesmo a perda de dentes. Os soldados chegavam a situações extremas de exaustão e falta de alimento, “ Nas calmarias, quando a nau poderia ficar horas ou dias sem se mover, sob o calor tórrido dos trópicos, os marinheiros fa- mintos ingeriam de tudo: sola de sapatos, couro dos baús, pa- péis, biscoitos repletos de larvas de insetos, ratos, animais mortos e mesmo carne humana. Muitos matavam a sede com a própria urina. Outros preferiam o suicídio a morrer de sede (PRIORE; VENÂNCIO, 2010). Dessa forma, com a chegada dos europeus, os povos indígenas entraram em contato não somente com pessoas e objetos desconhecidos, mas também com doenças que, até então, não conheciam. Escorbuto é uma doença provocada