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Cefaleia causada por dissecção de artéria vertebral

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RELATO DE CASO
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dorc
Rev Dor. São Paulo, 2012 out-dez;13(4):382-4
Cefaleia causada por dissecção de artéria vertebral. Relato de caso*
Headache caused by vertebral artery dissection. Case Report
Sidney Sredni1, Rosemeire Aparecida Franchin Sredni2
*Recebido do Grupo Vale sem Dor. São José dos Campos, SP.
1. Médico Neurologista e Clinico de Dor; Diretor do Grupo 
Vale sem Dor. São José dos Campos, SP, Brasil.
2. Enfermeira Oncologista. São José dos Campos, SP, Brasil. 
Endereço para correspondência:
Dr. Sidney Sredni
Av. Adhemar de Barros, 566 – Sala 301
12245-010 São José dos Campos, SP.
Fone/Fax: (12) 3922-4771 
E-mail: grupovalesemdor@live.com
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A ocorrência de 
dissecção espontânea da artéria vertebral é rara, mas é 
uma causa bastante frequente de acidente vascular en-
cefálico isquêmico (AVEi) em pacientes jovens. O re-
conhecimento desta doença é de suma importância para 
intervenção clínica adequada e prevenção da isquemia 
cerebral.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 30 
anos, secretária, apresentou quadro ictal de dor intensa, 
profunda na região cervical com irradiação para a nuca 
e parte posterior da cabeça, do mesmo lado, à esquerda, 
que evoluiu com cefaleia e AVEi.
CONCLUSÃO: O reconhecimento da dissecção arte-
rial e o tratamento imediato e correto podem prevenir a 
ocorrência de lesões isquêmicas e dessa forma contribuir 
para melhorar a evolução clínica do paciente 
Descritores: Acidente vascular encefálico, Artéria ver-
tebral, Cefaleia. 
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Spontaneous 
vertebral artery dissection is rare, but it is a very fre-
quent cause of cerebral ischemic accident in young pa-
tients. The identification of this disease is paramount 
for adequate clinical intervention and brain ischemia 
prevention.
CASE REPORT: Female patient, 30 years old, secre-
tary, with ictal presentation of severe and deep cervical 
pain irradiating to nucha and posterior head, at the same 
side to the left, which has evolved with headache and 
cerebral ischemic accident.
CONCLUSION: Identification and immediate and ade-
quate treatment of arterial dissection may prevent ische-
mic lesions, thus contributing for better patients’ clinical 
evolution.
Keywords: Cerebral ischemic accident, Headache, Ver-
tebral artery.
INTRODUÇÃO
A dissecção espontânea das artérias cervicais carótidas e 
vertebrais é uma doença relativamente rara com incidên-
cia de 2,5 a 3/100.000 pessoas por ano para a primeira 
e de 0,5 a 2,5/100.000 habitantes por ano para a segun-
da1,2. É responsável apenas por 2% de todos os acidentes 
vasculares encefálicos (AVEi). Entretanto, quando se 
considera apenas pacientes com idade inferior a 40 anos, 
a dissecção é responsável por 10% a 25% dos casos2-4. 
Portanto seu reconhecimento precoce é fundamental 
para a prevenção do AVEi melhorando o prognóstico 
dos pacientes. 
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 30 anos, secretária, apresen-
tou subitamente dor intensa, profunda, na região cervical 
com irradiação para a nuca e parte posterior da cabeça, 
à esquerda. A dor, muito forte, impedia de realizar qual-
quer movimento. Sentiu formigamento no membro su-
perior esquerdo que irradiava desde a região cervical até 
os dedos da mão. Procurou o pronto-socorro (PS) sendo 
medicada com anti-inflamatório não esteroide (AINE) e 
analgésicos simples. O diagnóstico inicial foi de torcico-
lo. Radiografia de coluna cervical não evidenciou altera-
ções. Como não houve melhora do quadro, foi indicada 
a tomografia computadorizada (TC) de crânio, que não 
apresentou alterações. Recebeu 100 mg de tramadol, 
com discreta melhora em relação ao quadro inicial e re-
cebeu alta para acompanhamento ambulatorial. Ao ten-
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tar levantar, sentiu mal estar com náusea e tonturas. Pelo 
adiantado da hora foi internada no hospital da retaguar-
da. No dia seguinte, apresentava o mesmo quadro álgico, 
intenso, nas mesmas localizações, com tontura, náuseas, 
dificuldade para levantar e deambular. O exame clínico 
evidenciou Romberg positivo, alterações nas provas de 
coordenação index- nariz, index-index mais a esquerda 
e hipoestesia no membro superior esquerdo (MSE). Foi 
solicitado Doppler de carótidas e vertebrais que eviden-
ciou estreitamento na artéria vertebral esquerda, suge-
rindo dissecção de artéria vertebral. A angiorressonância 
dos vasos cervicais e intracranianos confirmou a dissec-
ção da artéria vertebral esquerda e a ressonância nuclear 
magnética de crânio (RNM) identificou área de infarto 
em hemisfério cerebelar à esquerda e ponte. Tratada 
com analgésicos e anticoagulantes, evoluiu de modo 
satisfatório com recuperação do quadro cerebelar, po-
rém com cefaleia leve durante 20 dias, com seguimento 
ambulatorial após a alta. 
DISCUSSÃO 
A frequência da cefaleia ou dor facial é alta, com inci-
dência de 60% a 95% na dissecção carotídea2,5 e de 70% 
na dissecção da artéria vertebral2,6-8. A descrição dos cri-
térios diagnósticos do quadro de cefaleia apresentada 
no item 6.5 da classificação internacional das cefaleias 
(IHS)9 descrita a seguir: a. Qualquer cefaleia, dor facial 
ou dor cervical novas, de início agudo, com ou sem ou-
tros sintomas ou sinais neurológicos que preenchem os 
critérios C e D; b. Dissecção demonstrada por investiga-
ção vascular e/ou de neuroimagem apropriada; c. A dor 
aparece em relação temporal estreita e no mesmo lado da 
dissecção; d. A dor desaparece dentro de um mês. 
A cefaleia com ou sem dor cervical pode ser a única 
manifestação da dissecção, e sem dúvida é o sintoma 
mais frequente em 55% a 100% dos pacientes, sendo 
também o sintoma inicial mais comum, em 33% a 86% 
dos pacientes2,9,10.
No presente caso, o quadro clínico iniciou com dor 
súbita, nova e aguda como apresentado no item A da 
IHS. É importante recordar os sinais de alerta na ava-
liação das cefaleias: primeira ou pior cefaleia, princi-
palmente se for de instalação súbita, cefaleia após o 
esforço, início após os 50 anos, febre, sinais menín-
geos, piora durante o período de observação, presença 
de sinal focal e papiledema. Quando presente algum 
desses sintomas, a realização de exames complemen-
tares é obrigatória. Entretanto, esses dados foram a 
princípio negligenciados pela equipe médica que fez 
o primeiro atendimento dando-se maior importância a 
cervicalgia e a investigação desta última.
A cefaleia e as dores faciais nas dissecções são usual-
mente unilaterais, intensas e persistentes, em média du-
rante quatro dias, melhorando gradualmente em até 30 
dias1,3-5,13. Não há, contudo, padrão específico e pode, 
muitas vezes, ser bastante enganosa, simulando outras 
cefaleias como a migrânea, cefaleia em salvas, cefaleia 
em trovoada e hemorragia subaracnóidea. Na pacien-
te as dores eram intensas, sem melhora com o fármaco 
e sem padrão definido. Este fato, associado aos dados 
descritos, deveria ser mais valorizado para identificar a 
etiologia do quadro. 
Em cerca de 2/3 (61%) dos pacientes com dissecção 
da artéria vertebral, a cefaleia ocorre simultaneamen-
te com sinais de isquemia vertebrobasilar1,5-8,10-12, e em 
1/3 a cefaleia precede outros sintomas neurológicos 
com intervalo de 1h a 14 dias1,2,5,10,12-14. A paciente 
apresentou parestesia em MSE no início do quadro, o 
que foi inicialmente interpretado como consequência 
do quadro cervical e não com um possível evento is-
quêmico. Porém, após várias horas, a paciente passou 
a apresentar claros sinais de lesões em território cere-
belar com tonturas e náuseas. 
Esses dados também não chamaram atenção da equi-
pe médica, pois a paciente só foi internada devido ao 
prolongado tempo de permanência no PS e pelo avan-
çado da hora, e não devido à pioraclínica, uma vez 
que estava de alta hospitalar. A presença de TC normal, 
permitindo descartar hemorragia subaracnóidea deu a 
falsa sensação de tranquilidade diante do quadro clíni-
co. A cefaleia precede o início da isquemia e, portanto, 
necessita diagnóstico e tratamento precoce.
O diagnóstico é baseado no Doppler colorido das artérias 
cervicais, na RNM, angioressonância e/ou TC helicoi-
dal e, em casos duvidosos, na angiografia convencional. 
Vários destes métodos podem ser necessários, uma vez 
que quaisquer deles podem ser normais15. No presente 
caso tanto o Doppler quanto a angiorressonância confir-
maram a presença da dissecção e a RNM de crânio, as 
lesões em hemisfério cerebelar e ponte2,14.
Não há estudos randomizados sobre o tratamento, mas 
há consenso em favor da utilização da anticoagulação 
por 3 a 6 meses, de acordo com a recuperação arterial e 
recanalização do fluxo na artéria lesionada4,5.
Apesar da gravidade do quadro, em geral o prognóstico 
é bom. Menos de 5% dos casos levam a morte e apro-
ximadamente 75% dos pacientes têm boa recuperação 
do AVEi14. É rara a recorrência de dissecção, mas pode 
ocorrer em outros vasos do mesmo paciente. A chance 
de recorrência em 2 meses é de 2% e diminui para 1% 
após um ano. 
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Sredni e Sredni
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CONCLUSÃO 
A dissecção dos vasos cervicais é transtorno pouco 
reconhecido e pouco diagnosticado, levando ao au-
mento da incidência de AVEi principalmente em in-
divíduos jovens. O seu diagnóstico precoce ajuda na 
prevenção de lesões que podem ser neurológicas de-
finitivas afetando a qualidade de vida do paciente ou 
levando-o a morte.
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Apresentado em 01 de agosto de 2012.
Aceito para publicação em 09 de novembro de 2012.
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