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A proliferação de neurônios granulares hipocampais aumenta e os dendritos dos novos neurônios são anormais no modelo experimental de ELT induzida por pilocarpin

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Journal of
Epilepsy and
Clinical
Neurophysiology
J Epilepsy Clin Neurophysiol 2006; 12(3):135-138
Prêmio Aristides Leão *
A Proliferação de Neurônios Granulares Hipocampais Aumenta
e os Dendritos dos Novos Neurônios São Anormais no
Modelo Experimental de ELT Induzida por Pilocarpina
Gabriel Maisonnave Arisi, Norberto Garcia-Cairasco
Departamento de Fisiologia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
* Prêmio concedido durante o XXXI Congresso Brasileiro de Epilepsia da LBE.
Received June 26, 2006; accepted July 07, 2006.
RESUMO
A imunohistoquímica para doublecortin (DCX), um marcador endógeno de neurogênese, foi utilizada para
quantificar e estudar a morfologia dos novos neurônios granulares no modelo de epilepsia do lobo temporal
induzida por pilocarpina. Vinte e sete ratos Wistar machos foram tratados com metil-escopolamina e
pilocarpina. Os animais foram tratados com diazepam 90 min após o início do status epilepticus (SE). Sete
ratos controles receberam injeções de escopolamina, salina no lugar de pilocarpina e diazepam. Os animais
foram monitorados 8 h por dia para observação de crises recorrentes espontâneas. Trinta dias após o SE os
animais foram profundamente anestesiados, perfundidos e o tecido nervoso foi congelado. Uma série de
cortes de todo o hipocampo foi realizada em criostato. Quatro secções de cada animal foram processadas
para a imunohistoquímica de DCX de acordo com Rao e Shetty (2004). As secções imunomarcadas foram
observadas em um microscópio conectado a um computador executando o programa Stereo Investigator. O
método estereológico do fracionador óptico foi utilizado com o delineamento da camada granular (GCL) e da
zona subgranular (SGZ) do giro denteado (GD) e os neurônios DCX-positivos presentes foram contados.
Neurônios DCX-positivos tiveram sua morfologia reconstruída (n = 20 por grupo) com o programa
Neurolucida. A análise de esferas concêntricas de Sholl foi utilizada para medir a distribuição dos dendritos.
A primeira esfera tinha o raio igual à espessura da GCL, as esferas seguintes possuíam raios com incrementos
de 50 µm a partir da primeira. A reação de neo-Timm foi realizada de acordo com Danscher (2004). A escala
de Cavazos (1991) foi utilizada para medir o brotamento das fibras musgosas na camada molecular interna.
Os grupos foram comparados utilizando-se o teste t de Student ou o de Mann-Whitney, e os valores expres-
sos como média ± EPM.
Dezessete ratos tratados com pilocarpina desenvolveram SE e dez desses ratos morreram. O monitoramento
registrou uma média de 8,4 crises límbicas por animal, sendo mais freqüente a crise classe 5. A contagem
estereológica revelou a presença de aproximadamente o dobro de neurônios DCX-positivos no GD dos ratos
epilépticos em relação aos controles (n = 7; p < 0,001).
Dendritos basais eram mais freqüentes e longos nos neurônios DCX-positivos dos ratos epilépticos que nos
controles (p < 0,01). Os dendritos apicais dos neurônios DCX-positivos apresentaram o mesmo comprimento
total (~500 µm) em ambos os grupos. Porém, os ratos epilépticos possuíam mais bifurcações que os controles
na GCL (p < 0,001) e mais dendritos emergiam da GCL nos epilépticos que nos controles (p < 0,05). Havia
mais extremidades dendríticas nos primeiros 50 µm da camada molecular (GCL+50 µm) nos animais epilépti-
cos (p < 0,001). Os ratos epilépticos possuíam maior comprimento acumulado de dendritos DCX-positivos
na GCL e na GCL+50 µm (p < 0,05). O contrário foi observado na esfera GCL+100 µm (p < 0,05).
A avaliação da reação de neo-Timm na camada molecular interna do GD revelou ausência de grânulos de
prata nos animais controle e um proeminente número de grânulos formando uma banda confluente nos
animais epilépticos, com largura média de 48 µm, equivalente à esfera GCL+50 µm da análise de Sholl.
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INTRODUÇÃO
A doublecortin (DCX) é uma proteína associada a
microtúbulos normalmente expressa no citoplasma e pro-
longamentos dendríticos de neurônios em diferenciação
durante o desenvolvimento. Recentemente a DCX tem
sido utilizada como um marcador endógeno de neurogê-
nese no sistema nervoso de animais adultos (Rao & Shetty,
Eur J Neurosci 19:234-46, 2004). A neurogênese ocorre
em determinados locais do sistema nervoso central como
a zona subgranular do hipocampo e a zona subventricular
dos ventrículos laterais. A neurogênese hipocampal é di-
minuída no envelhecimento e aumentada por exercícios
físicos e na fase aguda da epileptogênese (Ming & Song,
Annu Rev Neurosci 28:223-50, 2005). A epilepsia do
lobo temporal humana pode ser mimetizada em animais
experimentais com o uso de pilocarpina, um agonista
colinérgico muscarínico (Cavalheiro et al., Epilepsia 38:
778-2, 1991).
OBJETIVO
Quantificar e estudar a morfologia dos neurônios gra-
nulares positivos para doublecortin no modelo de epilep-
sia do lobo temporal induzida por pilocarpina.
MATERIAL E MÉTODOS
Ratos Wistar machos pesando 250-300 g, com 5-7 se-
manas de idade foram utilizados nesse estudo. O protoco-
lo experimental foi aprovado pela Comissão de Ética em
experimentação animal da FMRP-USP (243/2005). Os ani-
mais foram mantidos em ciclo claro-escuro de 12 h com
comida e água à vontade. Vinte e sete animais foram
tratados com metil-escopolamina (1 mg/kg, i.p.) para mi-
Arisi GM, Garcia-Cairasco N
As crises epilépticas estimularam a proliferação de novos neurônios granulares, com o dobro do número de
células DCX-positivas nos animais epilépticos em relação aos controles. Os dendritos basais no hilus foram
mais freqüentes, longos e ramificados e os dendritos apicais apresentaram maior número de ramificações na
camada molecular interna nos animais epilépticos, exatamente onde ocorreu o brotamento das fibras mus-
gosas. A formação de sinapses entre esses axônios e dendritos pode contribuir para o lento processo patoló-
gico de epileptogênese no hipocampo observado na epilepsia do lobo temporal.
Unitermos: epilepsia, neurogênese, doublecortin, reconstrução digital, estereologia.
ABSTRACT
Hippocampal doublecortin-positive granular neurons have abnormal dendritic morphology in the
temporal lobe epilepsy pilocarpine model
To quantify the number and morphology of doublecortin-positive (DCX+) granular neurons in a temporal
lobe epilepsy model, Wistar rats were treated with pilocarpine and, 90 min after status epilepticus (SE)
onset, with diazepam. Controls received saline instead of pilocarpine. Rats were monitored 8 h per day to
record spontaneous recurrent seizures (SRS) and perfused 30 days after SE. A series of sections containing
the hippocampus was immunolabeled for DCX. The stereological optical fractionator method was used to
count DCX+ neurons in granular cell layer (GCL) and subgranular zone of the dentate gyrus (DG). DCX+
neurons (n = 40) were digitally reconstructed and their dendritic distribution measured with Sholl’s
concentric spheres analysis. The first sphere has the radius equal to the GCL thickness followed by spheres
with increments of 50 µm in their radii. Neo-Timm staining was performed to evaluate the mossy fiber
sprouting. Statistical difference in Student and Mann-Whitney tests at p < 0.05, values are mean ± SEM.
Each animal had 8.4 ± 3.7 SRS recorded. The DCX+ counting revealed the presence of 8,987 ± 1,986
neurons in controls DG (n = 7) and 19,337 ± 4,715 neurons in epileptic DG (n = 7). Basal dendrites were
observed in 85% of DCX+ neurons in epileptics and in 30% of DCX+ neurons in controls with a length of
63.9 ± 9.7 µm and 19.8 ± 5.3 µm, respectively. Apical dendrites of DCX+ neurons had ~500 µm in both
groups, but the epileptics had more nodes (3.9 ± 0.3) and dendrites emerging from GCL (4.1 ± 0.4) than
controls (2.47 ± 0.2 nodes and 2.95 ± 0.3 dendrites). The epileptic rats had more dendritic endings
(4.55 ± 0.5) than controls (1.7 ± 0.4) in the first 50 µm of the molecular layer (GCL + 50). Epileptic
rats had more DCX+ dendritic length in GCL (168 ± 14 µm against 126 ± 11 µm in controls) and GCL +
50 (231 ± 26 µm against 163± 17 µm in controls); the contrary occurred in GCL + 100 (94 ± 23 µm
against 160 ± 23 µm in controls). Neo-Timm staining revealed a confluent band of silver granules in epileptic
DG with a mean thickness of 48 µm (equivalent to GCL + 50) and no band in controls.
Hilar basal dendrites were more frequent, long and ramified and the apical dendrites presented intense
ramification in the inner molecular layer of epileptic rats. Dendrites were more abundant in regions with
mossy fiber sprouting. Formation of synapses between these new dendrites and axons could contribute to the
pathological process of hippocampal epileptogenesis.
Key words: neurogenesis, epilepsy, doublecortin, dentate gyrus, mossy fiber sprouting, 3D reconstruction,
stereology.
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nimizar os efeitos periféricos da pilocarpina e, meia hora
depois, com pilocarpina (320 mg/kg, i.p.) para induzir o
status epilepticus (SE). O início do SE foi considerado quan-
do os animais sofreram uma crise motora de classe 3 na
escala de Racine (Electroen Clin Neuro 32:281-94, 1972),
caracterizada por mioclonias de membros anteriores. Os
animais foram tratados com diazepam (10 mg/kg, i.p.) no-
venta minutos após o início do SE. Sete animais controle
receberam injeções de escopolamina, salina no lugar de
pilocarpina e diazepam nas mesmas doses. Os animais fo-
ram monitorados 8 horas por dia para observação de crises
recorrentes espontâneas.
Trinta dias após o SE os animais foram profundamen-
te anestesiados com nembutal (80 mg/kg) e perfundidos
via aorta com solução salina seguida por solução fixadora
com formaldeído 4% e glutaraldeído 0,1%. Os encéfalos
foram removidos e imersos no fixador por 2 h. O tecido
nervoso foi crioprotegido em sacarose 30% e congelado
em álcool iso-pentano refrigerado com gelo seco.
Uma série de cortes, com 60 µm de espessura, con-
tendo todo o hipocampo foi realizada em um criostato en-
tre as coordenadas -1,7 e -6 mm a partir do bregma
(Paxinos e Watson, The rat brain in stereotaxic coor-
dinates, 2005). Quatro secções de cada animal foram
selecionadas em intervalos de 17 cortes com o sorteio da
primeira posição. A imunohistoquímica para doublecortin
foi realizada nessas secções de acordo com o método de
Rao e Shetty (Eur J Neurosci, 19:234-46, 2004). Lâminas
contendo as secções imunomarcadas foram observadas em
um microscópio Olympus BX-60 equipado com platina
motorizada LUDL, e câmera digital Optronics 750 L
conectada a um computador executando o programa
Stereo Investigator (Microbrightfield, EUA). O método
estereológico do fracionador óptico (West et al., Anat Rec
231:482-97, 1991) foi utilizado para estimar o número
total de neurônios granulares positivos para DCX no
hipocampo. A camada granular (GCL) e a zona subgra-
nular (SGZ) do giro denteado (GD) foram delineadas com
a função de traçamento do programa. Quadros de conta-
gem de 40 × 40 µm foram distribuídos em um retículo de
150 × 150 µm posicionado aleatoriamente sobre o con-
torno do giro denteado. Devido a uma espessura média de
20 µm do tecido na lâmina, o dissecador óptico possuía
uma profundidade de 10 µm com zonas de resguardo de
5 µm no topo e na base da secção. A contagem dos
neurônios positivos para doublecortin foi realizada em cada
um dos quadros de contagem com uma lente de abertura
numérica 1,35.
Vinte neurônios de cada um dos grupos tiveram sua
morfologia reconstruída digitalmente utilizando o mesmo
sistema de microscopia descrito acima. O programa
Neurolucida (Microbrightfield, EUA) gerou os arquivos de
A proliferação de neurônios granulares hipocampais ...
coordenadas que permitiram medir o perímetro e área
somática e as ramificações e comprimento dos dendritos.
A distância entre o soma do neurônio positivo para
doublecortin e a transição da GCL para a camada mole-
cular foi medida em cada neurônio reconstruído. A análi-
se de esferas concêntricas de Sholl (J Anat, 87:387-406,
1953) foi utilizada para medir a distribuição da árvore
dendrítica a partir do soma. A primeira esfera tinha o raio
igual à espessura da GCL medida para cada célula, as esfe-
ras seguintes possuíam raios com incrementos de 50 µm a
partir da primeira.
A autometalografia de neo-Timm foi realizada de acor-
do com Danscher (J Histochem Cytochem, 52:1619-25,
2004). Essa técnica revela a distribuição do íon zinco pre-
sente nos terminais sinápticos, ou seja, fibras musgosas,
dos neurônios granulares do GD. A escala de Cavazos
(J Neurosci, 11:2795-803, 1991) que varia de 0 a 5, foi
utilizada para medir o brotamento das fibras musgosas na
camada molecular interna do giro denteado.
Os grupos foram comparados utilizando-se o teste t
de Student ou o teste não paramétrico de Mann-Whitney,
com os valores expressos como média ± EPM.
RESULTADOS
Dezessete dos vinte e sete animais (63%) tratados com
pilocarpina desenvolveram SE, dez desses animais (59%)
morreram na fase aguda do tratamento. O monitoramento
registrou uma média de 8,4 crises límbicas por animal, sen-
do a crise classe 5, com elevação e queda do animal, a
mais freqüente (39% das crises).
A marcação imunohistoquímica para doublecortin re-
velou a presença de neurônios granulares novos na GCL e
na SGZ do giro denteado dos animais tratados com
pilocarpina (n = 7) e controles (n = 7). A quantificação
estereológica do número absoluto de células indicou a
presença de 8.987 ± 1.986 neurônios DCX-positivos no
GD dos animais controles e 19.337 ± 4.715 neurônios
DCX-positivos no GD dos animais epilépticos (p < 0,001).
A comparação da reconstrução digital dos neurônios
positivos para DCX dos grupos controle e pilocarpina de-
monstrou não haver diferenças no perímetro e área do
soma e no número de bifurcações e extremidades dos
dendritos apicais. Porém, dendritos basais foram observa-
dos em 85% dos neurônios DCX-positivos dos animais epi-
lépticos e em apenas 30% dos neurônios DCX-positivos
dos animais controle. Além disso, o comprimento dos
dendritos basais era de 63,9 ± 9,7 µm nos animais trata-
dos com pilocarpina contra 19,8 ± 5,3 µm nos animais
controle (p < 0,01).
Ao contrário dos dendritos basais, os dendritos apicais
dos neurônios DCX-positivos apresentaram o mesmo com-
primento total de aproximadamente 500 µm em ambos os
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grupos. No entanto, a distribuição espacial desses dendritos
apresentou grandes diferenças nos animais epilépticos em
relação aos controles. Os animais epilépticos possuíam mais
bifurcações (3,9 ± 0,35) que os controles (2,47 ± 0,23)
na GCL (p < 0,001) e mais dendritos emergiam da GCL
nos epilépticos (4,1 ± 0,38) que nos controles (2,95 ±
0,26; p < 0,05). Esse maior número de dendritos possuía
suas extremidades nos primeiros 50 µm da camada
molecular (GCL+50), com 4,55 ± 0,55 extremidades nos
animais epilépticos contra apenas 1,7 ± 0,36 extremidade
na camada molecular interna dos controles (p < 0,001).
Como resultado desse padrão de bifurcação e térmi-
no, os animais epilépticos possuíam maior comprimento
acumulado de dendritos DCX-positivos na GCL (168 ±
14 µm contra 126 ± 11 µm nos controles; p < 0,05), e
também nos primeiros 50 µm da camada molecular (231 ±
26 µm nos epilépticos e 163 ± 17 µm nos controles;
p < 0,05). O contrário foi observado no trecho de 50 a
100 µm da camada molecular (GCL+100), com os ani-
mais epilépticos apresentando apenas 94 ± 23 µm contra
160 ± 23 µm de comprimento dendrítico nos controles
(p < 0,05).
A reação de neo-Timm revelou a ausência de grânu-
los de prata na camada molecular interna do GD dos ani-
mais controle (grau 0) e um proeminente número de grâ-
nulos formando uma banda confluente na camada
molecular interna do GD dos animais epilépticos (grau 4).
A medição da largura dessa banda revelou uma espessura
média de 48 µm, sendo equivalente aos primeiros 50 µm
da camada molecular (GCL+50) da análise de Sholl.
CONCLUSÕES
As crises epilépticas estimularam a proliferação de
novos neurônios granulares no GD, pois foi encontrado o
dobro do número de células DCX-positivas nos animais
tratados com pilocarpina em relação aos controles.
Além de estar presenteem maior número, esses
neurônios novos tinham alterações em sua arborização
dendrítica. Os dendritos basais, comuns em células granu-
lares imaturas, foram mais freqüentes, mais longos e mais
ramificados nos animais epilépticos. Os dendritos apicais
apresentaram mais ramificações e estavam mais adensados
na camada molecular interna do GD. Portanto, os
dendritos basais e apicais dos neurônios novos dos animais
epilépticos estavam presentes em maior densidade no hilus
e na camada molecular interna do GD, exatamente onde
ocorreu o brotamento das fibras musgosas.
O aumento na contínua adição desses novos neurônios
à camada granular do GD e a coincidência de brotamento
axonal e alterações dendríticas podem formar circuitos
sinápticos aberrantes. Esses fenômenos em conjunto po-
dem contribuir para o lento processo patológico de
epileptogênese no hipocampo observado na epilepsia do
lobo temporal.
Apoio financeiro: CAPES, FAPESP, CNPq, PRONEX e FAEPA.
Endereço para correspondência:
Norberto Garcia-Cairasco
Departamento de Fisiologia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP
Av. Bandeirantes, 3900
CEP 14049-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil
E-mail: gabriel@rfi.fmrp.usp.br – ngcairas@fmrp.usp.br
Arisi GM, Garcia-Cairasco N

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