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Do eixo que Exu gira
João Daniel Dorneles Ramos
Universidade de São Paulo | São Paulo
jodorneles@gmail.com
Jean Filipe Favaro
Universidade Tecnológica Federal do Paraná | Pato Branco
jeanfilipe.favaro93@gmail.com
DOI 10.11606/issn.2316-9133.v33i1pe224338
SILVA, Vagner Gonçalves da. 2022. Exu: Um Deus Afro-atlântico no Brasil.
São Paulo: Edusp, 672pp.
Laroyê, Exu!
O antropólogo paulista Vagner Gonçalves da Silva (1960-), em sua obra “Exu: Um
Deus Afro-atlântico no Brasil” (2022a), nos brinda com um belo compêndio sobre a
presença e as transformações pelas quais Exu passou e criou, pela diáspora, partindo da
África até chegar às Américas. Tomando como fio condutor questões tanto teóricas (como
os conceitos de “sincretismo”, “agência africana”, entre outros) como, também, elementos
e224338
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v33i1pe224338
https://orcid.org/0000-0001-5531-2325
https://orcid.org/0000-0003-4892-6497
RESENHAS | 2
que envolvem os debates sobre relações raciais, racismo e intolerância religiosa, seu
principal objetivo é mostrar todas as dimensões possíveis que caracterizam Exu e afirmar
que sua presença pode ser, de algum modo, aglutinada numa tradição afro-atlântica1. É
apontado, ainda, que Exu, em seus atributos que carregam alegria, boemia, festividade,
sensualidade e malandragem representaria um “tipo ideal” para definir o povo brasileiro e a
sua cultura.
Silva atua junto às religiões afro-brasileiras desde 1977 e, em sua outra obra,
Orixás da Metrópole (2022b:13), diz que “quando já estava quase desistindo de frequentar a
academia, em geral elitista e discriminadora, a possibilidade de me tornar um intérprete do
universo religioso e cultural que me acolhera me motivou a continuar na universidade. Foi
o terreiro que me levou à antropologia”. Para ele, o envolvimento com a religião,
frequentando-a sistematicamente como participante e futuro candidato à iniciação, foi
elaborando a sua identidade religiosa, a partir da atribuição de um orixá “dono” da sua
cabeça, do que foi aprendendo das práticas rituais, “como saudar, cantar e rezar para as
entidades”, absorvendo “o ethos que caracteriza o povo do candomblé, e que se compõe
não só dos conhecimentos objetivos da liturgia, mas da introjeção de certos valores,
crenças e sentimentos” (2022b:24).
O pesquisador defende a tese de que o terreiro “é o primeiro lugar onde o Brasil
teve que se pensar enquanto Brasil”2. Nesses espaços, o corpo e a pessoa podem ter várias
entidades, no que poderíamos observar um potente contra-discurso à modernidade. O
terreiro promove esses encontros entre diferenças, a partir de outros referentes que não
são restritos, pois é uma “arquitetura viva do mundo”, onde se fazem oferendas, plantam-se
os axés e não se colocam as dicotomias entre o “animado” e o “inanimado”. Pode ser
reconhecido como o lugar onde se reúnem pessoas e formas, de diferentes territórios da
África, num processo histórico de ligação entre diversas cosmovisões, elaborando-se
movimentos de etnicidade e projetos coletivos, nos quais estão presentes entes
não-binários, relações lgbtqia+ e noções polissêmicas de corpo e pessoa.
Em confluência possível com o que diz José Carlos dos Anjos (2006), os terreiros
são os lugares de sobreposição de territórios e, como ele nos ensina (Anjos, 2019:508), a
matriz afrorreligiosa “atualiza-se em solo brasileiro em relações sociais configuradas nas
tramas do estado de terror racial relativamente aos descendentes de escravizados”
manifestando, entretanto, “diferentes respostas a essa violência”. Portanto, Silva escreve
desde essa encruzilhada que evoca a sua presença como membro de terreiro e, ao mesmo
tempo, de docente e pesquisador comprometido em mobilizar uma concreta filosofia
política afro-atlântica.
O livro que aqui resenhamos é a versão revisada e ampliada de sua tese de
livre-docência, defendida na Universidade de São Paulo, e é composto por três partes: Exu
na cosmovisão africana (Parte 1); Exu nas igrejas neopentecostais (Parte 2) e Exu na
mitologia Afro-Atlântica (Parte 3). Essa última, enfatizamos, apresenta a maior compilação
já realizada e que traz 183 mitos de Exu, recolhidos ao longo de muitos anos de pesquisa e
de interação com diversas pessoas, na convivência entre comunidades de candomblé e
2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QT67DlA2io4 . Acesso em: 16 jul.2023.
1 Disponível em: https://www.edusp.com.br/mais/exu-um-deus-afro/. Acesso em: 20 set.2023.
Cadernos de Campo (São Paulo, online) | vol. 33, n. 1 | p. 1-9 | USP 2024
RESENHAS | 3
umbanda de vários lugares do Brasil e de outros países3. Outros documentos (acadêmicos e
de divulgação religiosa), produzidos desde o século XIX e que abordam o culto aos orixás e
voduns na África ocidental e na diáspora, também fazem parte desse arquivo mitológico.
Houve ainda a consulta a uma vasta bibliografia (teses, artigos, livros etc.), obras artísticas
e de autores umbandistas e neopentecostais, junto à exposição de iconografias, fotografias
de momentos rituais e análises de músicas, sambas e pontos-cantados. Em termos teóricos,
o autor opta por “uma perspectiva analítica eclética que considera simultaneamente a
dimensão estrutural dos diálogos culturais e o contexto sócio-histórico” (2022a:34).
Esse exercício de compilação, por sua vez, não pretende esgotar a (re)criação
constante dos mitos, tampouco se propõe a ser uma análise estrutural, embora Silva afirme
que tenha inspirações em Claude Lévi-Strauss para o entendimento desse material. O livro
também apresenta três anexos contendo excelentes indicações musicográficas,
filmográficas e iconográficas, nas quais Exu está presente, que abrange desde a Música
Popular Brasileira, passando por sambas-enredos (de escolas de samba do Rio de Janeiro e
São Paulo), filmes e documentários (realizados desde o início dos anos 1970), até
referências a esculturas localizadas em espaços públicos.
De modo geral, a obra agrega uma diversidade de rituais, mitos, oferendas,
cantigas, pontos-cantados, pontos-riscados, ícones, signos e modos de culto em que a
potência cósmica Exu se configura nos diversos coletivos afrorreligiosos, seja enquanto
Orixá ioruba e das nações de candomblé, em suas múltiplas qualidades e identificações, seja
como entidade de umbanda e quimbanda (Exu e Pomba-Gira), ou com nomes
correspondentes a outras matrizes africanas, tal como Legba dos fon-ewe, Elegua da
santeria e Congojiro dos angolanos.
Na primeira parte do livro, “Um lado do gorro4: Exu nos Terreiros”, Silva
argumenta que houve tanto o processo de “demonização” de Exu, baseado na noção
europeia de mal, para acusar uma entidade que faz parte de um sistema que opera em
outras bases filosóficas, como também o processo inverso, a saber, a leitura africana do
diabo da tradição judaico-cristã, no que ele denomina “exuzização” do demônio. Os iorubás
encontraram uma forma de traduzir Exu para o sistema religioso europeu e, nesse
processo, aquilo que estava inscrito como mal, pode sair de tal posição, fazendo-se o bem.
Se Exu é o mensageiro dos iorubás e, no sistema cristão, o mensageiro de Deus é Jesus, o
autor aponta que – na encruzilhada entre esses mundos –, o cristianismo chegou à África
com sua visão maniqueísta de bem e de mal, associando Exu ao demônio e esse atravessa
“as águas do Atlântico” e “dança solene ou irreverentemente ao som dos atabaques no
interior dos terreiros ou de blocos afro e escolas de samba durante o carnaval” (2022a:31).
Desse modo, o autor descreve a relação dos europeus com os povos africanos e
indígenas, desde o século XV, que é operada por visões que desqualificam os modos de vida
não ocidentais e os classificam como “primitivos”, “idólatras”, entre outros tantos adjetivos,
registrados por meio de escritos produzidos por navegantes, missionários e acadêmicos
4 O autor parte do Mito 1: “Exu com seu chapéu multicolorido provoca desentendimento” para organizar o
livro, considerando que a “metáfora dos lados do chapéu de Exu” é “boa para pensar os caminhos e
descaminhos dessaentidade entre as duas margens do oceano Atlântico” (2022a:31).
3 Em experiências e diálogos de décadas junto a terreiros, principalmente, de São Paulo (SP), Porto Alegre
(RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Recife (PE), São Luís (MA), como também de outros países,
sobretudo Cuba.
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europeus, embebidos na teologia cristã e, mais tarde, em teorias evolucionistas e racistas.
Assim, o livro nos apresenta como Exu foi retratado por essa visão, tanto na relação dos
europeus em África quanto com os povos africanos nas Américas, via diáspora. No que é
uma encruzilhada de mundos, europeus com outros povos, Exu foi sendo descrito pelos
colonizadores – em referenciais estranhos ao universo cultural de matriz africana –, como
vinculado ao mal, oposto à civilização e associado, pelo imaginário construído pela
Inquisição, a práticas acusadas como “pagãs”.
Os atributos de Exu/Legba, como regente da sexualidade e do erotismo, do fogo
(Exu Iná), entre outros, bem como os modos pelos quais é iconografado, com formas
fálicas ou vaginais, além dos rituais que envolvem sacrifícios de animais (aves, porcos e
cabritos), tornaram-no possível de ser categorizado como o diabo cristão. A violência dessa
relação sobre os povos africanos culminou, inclusive, na tradução da palavra Exu – nas
bíblias e nos dicionários iorubá-inglês e inglês-iorubá –, como “demônio”, “Satã” e “espírito
maligno”. Até mesmo o termo elesu, a pessoa iniciada para Exu, aparece como “adorador
do demônio” e “possuído pelo demônio”.
Silva adverte que o processo de demonização de Exu afetou as relações entre essa
deidade com os demais seres do panteão fon-iorubá, culminando no embricamento das
cosmovisões europeias e africanas numa “mitologia de contato”. Na medida em que o polo
negativo, o “mal”, foi imputado à Exu, o polo positivo, o “bem”, fora alocado a forças
entendidas como criadoras do mundo e da humanidade (Oxalá, Obatalá, Mawu, Lisa) ou
associadas ao destino, como Orunmilá e Ifá, que corresponderiam a “Deus”. Nesse sentido,
entre os povos africanos, diversas narrativas evocavam os personagens bíblicos (Adão, Eva,
Jesus) e as divindades africanas (Exu, Olodumare, Oxalá, Orunmilá) para explicar estas
criações.
Silva evoca os mitos para apresentar-nos esse embricamento, evidenciando a
influência deletéria do cristianismo europeu sobre os povos de matriz africana. Entretanto,
enfatiza que a agência africana não deve ser totalmente ignorada pois, embora tenham
assimilado, em certa medida, a dicotomia Exu/Diabo vs Deus/Oxalá/Orunmilá, não a
reproduziram fielmente em antagonismos absolutos, relativizando-a. Assim, “essas
mitologias de Exu referendam simultaneamente uma visão iorubá de mundo em
transformação pela ação da ideologia cristã” (Silva 2022a:54). Dessa maneira, certos
atributos de Exu, tal como o seu caráter ambíguo e de mensageiro, mantiveram-se e
possibilitaram que o sistema cristão fosse interpretado por meio de princípios
cosmológicos africanos.
Considerando que Exu possui características territoriais de mediação (está nas
encruzilhadas, passagens, cruzamentos) e ainda cosmológicas, como fertilidade e
comunicação (cultuado em altares sob a forma de ou tendo um falo ereto), os colonizadores
europeus associaram-no ao imaginário do mal, da desordem, da sexualidade e de outras
formas antagônicas a suas bases civilizatórias. Exu é, no dizer de Anjos (2006:87), a
“subversão completa ao regime cristão de representação do sagrado” e, na assertiva de Silva
(2022a:47-48), ele possibilita “pela ação desordenadora, a própria ordenação do mundo”,
certamente, para religiões monoteístas – que advogam a ideia de que existe, sempre, um
“adversário do bem”. Passando por uma série de referências etnográficas, o autor vai
atravessando as encruzilhadas do Atlântico, suas rotas e caminhos, mostrando-nos as
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múltiplas faces de Exu naquilo que chama de “triangulação mítica”, realizada entre Europa,
África e Américas. Silva reitera que a presença “no catolicismo português e espanhol de
agentes mediadores […] como anjos, santos e mártires, facilitou a compreensão de Exu em
seu aspecto de mensageiro” (2022a: 54).
Nas Américas, com a travessia forçada de povos africanos pelo Atlântico, os
processos de intercâmbio tomaram proporções ainda mais complexas, com novos
contextos e interlocutores. O contato intenso com o catolicismo ibérico e seus inúmeros
mensageiros entre a humanidade e o divino, propiciou que Exu também pudesse ser
concebido enquanto um deles, de modo benevolente, a exemplo de Eleguá, em Cuba, que é
associado ao Menino Jesus de Atocha, o mediador entre os seres humanos e Deus. Nesse
particular, os termos Exu e Eleguá são empregados para identificar aspectos distintos dessa
divindade, pois o primeiro é associado ao aspecto negativo e o segundo ao positivo. De
modo bastante similar, no Batuque afro-gaúcho existe uma diferenciação entre Exu e Bará,
nos quais este é associado a São Pedro e/ou Santo Antônio e o primeiro é referenciado
como entidade da umbanda e da quimbanda. De modo geral, quando a agência de Exu é a
de “abertura de caminhos”, ele é compreendido enquanto “do bem” e, quando os “fecha”,
“do mal”.
Nesse sentido, o próprio diabo pode se tornar “do bem”, pois o Exu-Demônio não
se trata, em nenhum momento, de um mal absoluto, pois “Exu não é o diabo e o diabo não
é Exu, mas ambos podem estabelecer relações (‘um está para o outro’) que ampliam seus
significados com base no contato entre os sistemas culturais que os originaram”. Assim, é
“por meio da linguagem de demônios, santos e anjos católicos” que podemos ver se
expandirem “as versões africanas de Exu, e vice-versa, como propulsor ou bloqueador de
caminhos” (Silva, 2022a:57).
Em relação ao que o livro apresenta sobre as paramentas de Exu, vemos que elas
podem aludir tanto aos atributos referentes ao Diabo (tridentes, chifres, tiras de pano
vermelhas e pretas) como a correntes, que podem associá-lo ao ente que as quebra pelos
caminhos. É mencionada também a “reorixalização” de Exu, fruto do intercâmbio entre
sacerdotes brasileiros e africanos que recuperam as indumentárias africanas para
adicioná-las a seus terreiros.5 “Enfim, orixás, demônios, falos, chaves, paramentos, danças,
flautas, assobios são apenas alguns indícios desse diálogo entre as cosmologias africanas,
americanas e europeias que, desde o século XVI, fluem umas nas outras” (Silva, 2022a:75).
Outrossim, ao tecer passagens afro-atlânticas de Exu, Silva (2022a:125) nos chama
para segui-lo numa interessante análise sobre os assentamentos, abordando a existência de
uma “influência banta, católica e fon-iorubá”6, o que nos apresenta uma dimensão
importante, ao considerar a particularidade dos grupos bantos, mas tão subestimada em
estudos mais clássicos sobre as religiões afro-brasileiras. A partir da cosmovisão
congo-angolana, os signos da cruz e da encruzilhada (Mpambu Nzila), por exemplo,
6 O autor aponta a diversidade de concepções cosmológicas de Exu nas tradições Queto (Tiriri, Bará,
Elegbara, Iná), Jeje (enquanto Vodun Legba e Légua Bogio) e Angola (de influência bantu, presente na
umbanda e quimbanda, como os Nkissi Bombojira, Mpambu a Nzila, Mavambo, Mavile, Aluvaiá,
Cariapemba, Compadre, Padilha entre outros). Vale ressaltar que, nestas tradições, existem vários
entrecruzamentos.
5 Silva apresenta imagens de acervo pessoal, de pesquisa e de outras etnografias, de terreiros na qual essa
reorixalização está presente.
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emergiram com potência nas cosmologias afro-brasileiras, em geral, sintetizando a relação
e os cruzamentos do mundo visível com o invisível, sendo reproduzidas por meio da
multiplicidade dos pontos-riscados, assentamentos e da lógica de entrecruzamentos.
O autor, com base num referencial etnográfico robusto, chama a atenção paraum
determinado “semipadrão”, presente nos assentamentos de Exu e em suas composições
(feitas com argila, terras, okutás7, cabaças, búzios, pembas), nos tratamentos rituais
(sacrifícios animais, oferendas) e nos simbolismos (objetos fálicos, cruzes, chifres,
tridentes, pontos-riscados esculpidos em ferro), que apresentam rupturas e continuidades
com os feitos em diferentes regiões da África. Para ele, se “as cruzes e pontos-riscados nos
quais esses garfos-tridentes se baseiam aludem aos cosmogramas bantos, os assentamentos
compostos com eles” não estariam “imersos em uma mesma orientação cognitiva, religiosa
ou filosófica?”. Será que “não encerrariam as visões de mundo bantas como ngangas ou
prendas do palo monte, em Cuba e assentamentos de Exu”, no Brasil? (Silva, 2022a:122).
Os assentamentos operam enquanto encruzilhadas (Ramos, 2015; Favaro, 2023), nas quais
se encontram “derivações criativas de uma filosofia, religião e arte de influência banta,
católica e fon-iorubá na diáspora americana” (Silva, 2022a:125). Desse modo, é interessante
apontar que as “experiências sociais são expressas”, nos assentamentos, “por meio do
cruzamento de cosmologias e estéticas religiosas” (Silva, 2022a:130).
A segunda parte, intitulada como “Outro lado do gorro: Exu nas Igrejas
Neopentecostais”, aborda o acirramento dos ataques perpetrados por essas igrejas contra as
religiões afro-brasileiras e, por extensão, às que se localizam em países como Argentina e
Uruguai, onde, mais recentemente, tanto terreiros como igrejas neopentecostais têm se
expandido. Considerando vários fatores que embasam esses ataques, o autor evidencia que
são investidas de um grupo intolerante a outro(s) e que ocorrem dentro de um esquema de
percepção que busca tanto a evangelização e a disputa por adeptos quanto para seguir
elementos morais religiosos, numa “cruzada proselitista” (Silva, 2022a:265), marcada por
um léxico de caráter bélico, tais como “libertação”, “guerra santa” e “batalha contra o mal”.
Se levarmos em conta que, anteriormente, a Igreja católica foi e, em alguns casos, ainda é
bastante repressiva em relação às populações afrorreligiosas, podemos visualizar que um
sistema cosmológico concretizado em práticas é bem mais relativista do que a instituição
em si. No catolicismo, há um panteão de intermediários (santos, anjos e mártires), mas, a
partir da Reforma Protestante, ocorrida no século XVI, há um rompimento dentro do
cristianismo e, nesse sentido, o pentecostalismo olha as práticas afro-brasileiras de maneira
muito radical.
Segundo demonstram vários estudos, as igrejas neopentecostais possuem uma
aproximação e uma intrínseca relação com meios de comunicação de massa (como rádio,
TV e, hoje, diversos canais da internet), com os quais conseguem, não só arregimentar
milhares de fiéis como também propagar – de modo muito mais rápido e abrangente – os
seus princípios morais e religiosos, visto que há legislações que garantem a liberdade
religiosa e de expressão, bem como sua atuação na política. Conforme lembra Ari Pedro
Oro (2020:88), “trata-se de um novo ator religioso que ocupou um lugar de destaque no
7 Segundo Anjos (2008:89), o “acutá – essa pedra sagrada aqui e agora – já carrega de imediato a totalidade do
ser da divindade. Esta pedra sagrada, aqui e agora, é o Xangô, o Ogum, a Iemanjá”.
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espaço público brasileiro, desalojando, ao menos parcialmente, a Igreja Católica do
confortável lugar histórico que ocupou nesses domínios no Brasil”.
No neopentecostalismo, um fenômeno que diz respeito a mudanças significativas
entre eles e os pentecostais ocorreu nos anos 1970, quando houve centralidade na teologia
da “batalha espiritual” contra as religiões afro-brasileiras e o espiritismo. Processo esse que
está focado muito mais no âmbito do “avivamento religioso”, ou seja, na característica de
“transformar a religião em uma experiência vivida no próprio corpo” (2022a:267),
elemento presente tanto na umbanda e no candomblé quanto no espiritismo kardecista, do
que na estratégia de puro proselitismo e na atração de fiéis, embora isso não seja
descartado, já que essas igrejas também possuem fortes apelos mágicos e de transe
religioso, postos em suas práticas. No capítulo “Exu na prática”, o autor sistematiza uma
série de informações sobre a extensão e a natureza dos ataques neopentecostais às religiões
afro-brasileiras, trazendo casos representativos, publicados na imprensa e na literatura
acadêmica, nos últimos anos.
Silva (2022a:351) finaliza a segunda parte do livro trazendo uma interessante
visão sobre essa “batalha espiritual”, empreendida pelo neopentecostalismo contra as
religiões afro-brasileiras, afirmando que ela destoa daquele ideal de que o Brasil é o país da
“tolerância religiosa” e “espelha o preconceito racial ou o racismo religioso”. Para o autor, o
“Exu africano […] batizado de diabo cristão, atravessou as encruzilhadas do oceano
Atlântico, assumiu diferentes nomes e faces” e se converteu em “Exu brasileiro” e agora ele
veste “a carapuça, rouba a cena nos cultos neopentecostais, passando-se por demônio”,
operando um paradoxal cruzamento entre Exu, Jesus e Satanás, nas suas jornadas.
Podemos reconhecer, ao longo do livro, que os ataques vistos como recentes,
perpetrados pelas igrejas neopentecostais, estão na mesma esteira ideológica e dicotômica
de uma suposta luta do “bem contra o mal” que, historicamente, o cristianismo vem
operando em suas práticas violentas, concretas, simbólicas e epistêmicas contra os povos
indígenas e negros, pois está pautado numa “teologia assentada na ideia de que a causa de
grande parte dos males deste mundo” é “atribuída à presença do demônio”, associado “aos
deuses de outras denominações religiosas” (2022a:280). Esse ideário é muito bem analisado
quando acompanhamos os argumentos do autor na primeira parte, já, na segunda parte, há
um aprofundamento na questão da violência racista contra as práticas afrorreligiosas. A
terceira parte, com os 183 mitos de Exu, enfatiza a importância de partirmos de diversos
territórios e narrativas para compreendermos os elementos tão profundos e, ao mesmo
tempo, tão difusos, que envolvem as cosmologias de matriz africana.
Conforme lemos na contracapa, “Exu é o deus africano mais saudado no mundo
afro-atlântico”. Se a assertiva é verdadeira, podemos reconhecer que é pela oralidade, ora
transposta na compilação de mitos, ora presente nas séries rituais, relacionais e
transgressoras, que Exu carrega a prática comunitária e a transmissão de saberes ancestrais,
pois está em todos os lugares e, assim, “todas as criaturas existentes devem dirigir-se a ele
antes de serem entendidas pelos deuses” (Silva, 2022a:372)8.
Referências Bibliográficas
8Mito 12: “Legba se torna o tradutor dos deuses e dos homens”.
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RESENHAS | 8
ANJOS, José Carlos dos. 2006. No Território da Linha Cruzada: a cosmopolítica
afro-brasileira. Porto Alegre: Ed. UFRGS.
ANJOS, José Carlos dos. 2008. A filosofia política da religiosidade afro-brasileira como
patrimônio cultural africano. Porto Alegre: Debates do NER, Ano 9, n. 13, p. 77-96.
ANJOS, José Carlos dos. 2019. Brasil: uma nação contra as suas minorias. Revista de
Psicanálise da SPPA, v. 26, n. 3, p. 507-522.
FAVARO, Jean Filipe. 2023. Territorialidades do axé: as múltiplas encruzilhadas da
cosmopolítica afro-religiosa na Região Sudoeste do Paraná. Tese (Doutorado em
Desenvolvimento Regional) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco.
ORO, Ari Pedro. 2020. “No Brasil as tendências religiosas continuam: declínio católico
e crescimento evangélico.” Debates do NER, Porto Alegre, ano 20, n. 37, p. 69-92.
RAMOS, João Daniel Dorneles. 2015. O Cruzamento das Linhas: Aprontamento e
Cosmopolítica entre umbandistas em Mostardas, Rio Grande do Sul. Tese (Doutorado em
Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
SILVA, VagnerGonçalves da. 2022a. Exu: Um Deus Afro-atlântico no Brasil. São Paulo:
Edusp.
SILVA, Vagner Gonçalves da. 2022b. Orixás da Metrópole. São Paulo: FEUSP.
sobre os resenhistas João Daniel Dorneles Ramos
Cientista Social pela Universidade Federal de Pelotas,
Mestre em Sociologia, Doutor e Pós-Doutor em
Antropologia Social, pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. É Pesquisador do Instituto de Estudos
Brasileiros, da Universidade de São Paulo, vinculado ao
Projeto Temático “Semânticas da criação e da memória”
(Fapesp nº. 2020/07886-8). É vice-líder do Grupo de
Pesquisa Artemis - Gênero e Cartografias da Diferença
(Universidade Tecnológica Federal do Paraná). Tem
experiência e interesses de pesquisa em Comunidades
Quilombolas, Terreiros de Matriz Africana,
Conhecimentos e Práticas Ancestrais de Relação com a
Terra, Antropoceno e Plantationoceno, Povos
Indígenas e Filosofia da Diferença.
Jean Filipe Favaro
Possui Graduação em Engenharia Florestal (2015),
Mestre (2018) e Doutor (2023) em Desenvolvimento
Regional, pela Universidade Tecnológica Federal do
Paraná, atuando nos seguintes temas: cosmopolítica
afrorreligiosa, epistemologia socioambiental,
territórios, etnobotânica e decolonialidade. Integrante
da Rede de Estudos da Diversidade Socioambiental –
Ariadne (UTFPR), e do Grupo de Pesquisa Ártemis –
Gênero e Cartografias da Diferença (UTFPR).
Cadernos de Campo (São Paulo, online) | vol. 33, n. 1 | p. 1-9 | USP 2024
RESENHAS | 9
Pai-de-Santo do Terreiro Encruzilhada do Axé (Pato
Branco/PR).
Autoria: O autor é responsável pela coleta de dados,
sistematização e síntese dos argumentos apresentados
ao longo do texto, bem como por sua escrita.
Financiamento: Não houve financiamento.
Recebido em 30/10/2023.
Aprovado para publicação em 20/12/2023.
Cadernos de Campo (São Paulo, online) | vol. 33, n. 1 | p. 1-9 | USP 2024

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