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1 A Organização e Modificação de Crenças1 Milton Rokeach Todos, aproximadamente, concordariam que o número total de crenças que uma pessoa adulta possui é grande. Quando atingimos a idade madura, temos possivelmente centenas de milhares de crenças relativas ao que é ou não verdadeiro, bonito e bom sobre o mundo social e físico no qual vivemos. É inconcebível que essas crenças incontáveis sejam mantidas num estado desorganizado, caótico dentro das nossas mentes. Mais certamente, deve ser admitido que as crenças do homem – como os elétrons e prótons do físico, como as luas, planetas e sóis do astrônomo, como os cromossomos e genes do geneticista – estejam organizados de qualquer maneira em sistemas arquitetônicos possuindo propriedades estruturais descritíveis e mensuráveis que, por sua vez, possuem consequências comportamentais observáveis. Quando uso o termo crença, não estou, necessariamente, referindo-me a relatórios verbais tomados como valor nominal; as crenças são inferências feitas por um observador sobre estados de expectativas básicos. Quando uma pessoa diz: “Nisto eu acredito...”, ela pode ou não estar representando exatamente aquilo em que verdadeiramente acredita, porque há, frequentemente, razões sociais que ela não contará ou não nos pode contar. Por estas razões, as crenças, como os motivos, os genes e nêutrons não podem ser diretamente observadas, mas podem ser inferidas da melhor forma possível, com quaisquer artifícios psicológicos disponíveis, de todas as coisas que o crente diz ou faz. Um sistema de crenças pode ser definindo como tendo representado dentro de si, organizado de alguma forma psicológica, mas não necessariamente lógica, cada uma e todas as crenças incontáveis de uma pessoa sobre a realidade física e social. Por definição, nós não permitimos que as crenças existam fora do sistema de crenças, pela mesma razão que o astrônomo não permitem que as estrelas fiquem fora do universo. Há, pelo menos, sete perguntas principais inter-relacionadas que é possível perguntar sobre a natureza do sistema de crenças do homem. Primeiro, que propriedades estruturais todos os sistemas de crenças tem em comum, mas que não diz respeito ao conteúdo? Segundo, em que modos estruturais os sistemas de crenças se diferenciam uns dos outros? Terceiro, como são desenvolvidos e aprendidos? Quarto, a que funções motivacionais os sistemas de crenças servem? Quinto, qual a relação entre a crença e emoção, em outros termos, entre cognição e afeição? Sexto, como os sistemas de crenças controlam a percepção, o pensamento, a memória, a aprendizagem e a ação? E, finalmente, que condições facilitam ou impedem a modificação dos sistemas de crenças? 1 Capítulo 1 do livro Crenças, Atitudes e Valores, Uma Teoria de Organização e Mudança. Milton Rokeach, Ed. Interciência. 1981. 2 Não é minha intenção discutir aqui todas essas perguntas; elas são mencionadas apenas para mostrar uma estrutura teórica mais ampla para o interesse presente, que é focalizar uma atenção particular na teoria, método e descobertas relevantes para a primeira e última das sete perguntas mencionadas, aquelas relacionadas com a organização e a modificação dos sistemas de crenças. É meu desejo que a discussão aumente a compreensão de uma variedade de situações de vida real nas quais os sistemas de crenças do homem parecem suportar mudanças. Por exemplo, as mudanças no sistema de crenças são sempre vistas como resultantes de uma terapia bem sucedida ou de uma conversão política ou religiosa, ou, de modo inverso, seguidas de uma decepção e deserção ideológicas. Poderia também ser feita uma menção às várias tentativas coercitivas para alterar os sistemas de crenças, tais como os procedimentos da “reforma de pensamento”, empregados na China Comunista e as assim chamadas técnicas de “lavagem cerebral”, empregadas nos campos de prisioneiros de guerra na Coréia do Norte e, um tanto mais cedo, pela própria admissão de Khrushchev nos julgamentos dos grandes expurgos soviéticos em meados da década de 1930. ANÁLISE DOS TIPOS DE CRENÇAS Inicio a análise com três simples suposições. Primeiro, nem todas as crenças são igualmente importantes para o indivíduo; as crenças variam ao longo de uma dimensão periférica – central. Segundo, quanto mais central uma crença, tanto mais resistirá a mudança. Terceiro, quanto mais central for a crença que mudou, tanto mais difundidas as repercussões no resto do sistema de crenças. Estas suposições não são diferentes das suposições feitas pelo físico atômico que concebe um núcleo central dentro do átomo, no qual as partículas do núcleo estão encerradas juntas numa estrutura estável e contêm grande quantidade de energia potencial. Sob tais circunstâncias, por exemplo, através de processos de desintegração ou fusão, a energia potencial contida no núcleo será libertada, mudando assim a estrutura do núcleo e, deste modo, a estrutura de todo o átomo. É possível, de uma forma análoga grosseira, conceber o sistema de crenças como tendo crenças “nucleares”? E poderia uma compreensão de suas naturezas e de como alterar esta natureza, levar- nos a compreender melhor porque os sistemas de crença estão, caracteristicamente, num estado relativo de estabilidade altamente resistentes à mudança, e sob que condições eles mudariam? Através de que critérios lógicos pode-se decidir quais das inúmeras crenças de uma pessoa são centrais ou importantes e quais são menos centrais ou importantes? Obviamente, todas as crenças não desempenham um papel igualmente proeminente dentro de um sistema de crenças de uma pessoa, nem elas desempenham um papel igualmente importante para determinar o seu comportamento. A determinação da importância é uma questão com a qual muitos estudantes de atitude social se interessam. Assim, Katz (1994, p. 51) diz: “O problema da profundidade ou da intensidade da crença é, talvez, uma das questões mais básicas de medida da opinião pública”. Krech e Crutchfield (1948, p. 251) aparentemente compartilham o ponto de vista de Katz: “O grau em que uma atitude é importante ou central para o indivíduo é um dos mais críticos atributos que requerem medida”. E Pepitone (1966, p. 267), numa revisão crítica dos modelos de consistência contemporâneos, salienta que eles “ou não lidam em absoluto com o problema de importância ou lidam com ele inadequadamente.” 3 Pode-se ficar interessado nas variações de importância de uma crença particular entre diferentes pessoas ou nas variações da importância das várias crenças dentro do sistema de crenças de uma única pessoa. É possível, em cada caso, medir a importância por meios estritamente empíricos tais como avaliação (Rosenberg, 1960); classificação ou métodos de comparação em pares (Rokeach e Rothman, 1965); ou as crenças podem ser classificadas a priori, variando de importância, como base em um ou mais critérios conceituais, podendo, então, ser empiricamente validados. Um enfoque conceitual para as variações de importância de uma dada crença (ou opinião, ou atitude) através de pessoas e grupos é melhor exemplificado no trabalho de Sherif e companheiros (1965). Eles, conceitualmente, definem as variações de importância de uma atitude em termos do conceito do envolvimento do ego e assumem que as variações no envolvimento do ego com uma ordem específica são abertamente manifestadas por uma extensão de rejeição, ou por um número de membros ou não-membros de um grupo social compromissado com uma dada ordem. Eagly (1967), definiu uma dada centralidade de atitude em termos de números de outros conceitos subordinados a ela, admite que uma atitude que se refere a um autoconceito é mais central do que uma atitude que não se refere a este autoconceito. Rosenberg (1960) define a importância de uma dada atitude como dependendo da extensãona qual é percebida como instrumental de auxílio ou obstáculo de valores importantes, mas a importância de valores é empiricamente determinada. Nossa principal preocupação aqui é com o desenvolvimento de um enfoque conceitual para a importância relativa ou centralidade de vários tipos de crenças de um sistema de crenças. Nós, primeiramente, propomos e elaboramos um atributo definido de importância e, enão, identificamos cinco classes de crenças do sistema de crenças que podem ser ordenadas por este atributo ao longo de uma definição periférica-central. Desta formulação, derivamos várias hipóteses relativas a resistência diferencial da mudança de crenças, variando em centralidade, e os efeitos de tal mudança diferencial para o resto do sistema de crenças. Nós definimos importância, apenas em termos de encadeamento lógico: quanto mais uma dada crença é funcionalmente ligada ou está com comunicação com outras crenças, tanto maiores consequências e implicações traz para outras crenças e, consequentemente, para crença mais central. Esta definição, no entanto, requer uma posterior elaboração se tiver que ser útil. Que tipos de crenças podem, razoavelmente ser vistas como relativamente superiores em encadeamento lógico-funcional ou em comunicação funcional com outras crenças? Nós proposmos as quatro seguintes proposições ou critérios de encadeamento lógico: 1. Crenças existenciais versus crenças não existenciais: As crenças que diretamente dizem respeito a própria existência e identidade no mundo físico e social são tomadas como tendo mais ligações e consequências funcionais com outras crenças do que com aquelas que se referem menos à própria existência e identidade. 2. Crenças compartilhadas versus crenças não compartilhadas sobre a existência e a auto identidade: As crenças que se referem a existência e à auto identidade podem ser compartilhadas ou não com as outras. Aquelas compartilhadas com as outras são tidas como tendo mais ligações e consequências funcionais com as outras crenças do que aquelas não compartilhadas com outras. 3. Crenças derivadas versus crenças não derivadas: Muitas crenças são aprendidas não com o encontro direto com o objeto da crença mas, indiretamente, com pessoas e grupos de 4 referência. Nós nos referimos a tais crenças como crenças “derivadas”. As crenças derivadas são vistas como tendo menos ligações e consequências funcionais com as outras crenças do que com as crenças das quais são derivadas. 4. Crenças relativas e não relativas a questão de gosto: Muitas crenças representam mais ou menos arbitrariamente questões de gosto e são, frequentemente, percebidas pelo indivíduo que as retêm. Tais crenças são vistas como tendo relativamente menos ligações e consequências funcionais com outras crenças do que crenças que não representam questões de gosto. Nós comentamos posteriormente essas quatro proposições definidas de encadeamento lógico, já que nós logo descrevemos as cinco classes de crenças do sistema de crenças até este ponto identificadas. Concebemos essas crenças como arrumadas como se segue, ao longo de uma dimensão periférica-central. TIPO A – CRENÇAS PRIMITIVAS – CONSENSO 100% As crenças mais centrais são aquelas que são aprendidas pelo encontro direto com o objeto da crença (isto é, elas não são derivadas de outras crenças) e que são, além do mais, reforçadas por um consenso social unânime entre todas as pessoas e referencias de pessoas e grupos. As crenças do Tipo A são psicologicamente incontrovertíveis porque elas são, raramente, quase nunca, sujeitas a controvérsias e, consequentemente, têm um caráter axiomático e são tomadas como certas. É como se o crente dissesse para si mesmo: “Eu acredito e todos os outros que puderem conhece-la acreditarão nela também.” Tais crenças primitivas podem ser consideradas como representadas dentro do núcleo mais íntimo do sistema de crenças. Elas são chamadas de primitivas porque são grosseiramente análogas aos termos primitivos de um sistema axiomático de Matemática ou Ciência. As crenças primitivas de uma pessoa representam suas “verdades básicas” sobre a realidade física, social e a natureza do eu, elas representam um subsistema dentro do sistema total no qual a pessoa tem os mais fortes comprometimentos. No curso ordinário dos acontecimentos da vida, elas são tão levadas em conta que não surgem como objeto para contestação ou controvérsia. “Eu acredito que isso é uma mesa.”. “Eu acredito que essa é minha mãe”. “Eu acredito que meu nome é Vanderlúcio” são exemplos, respectivamente, de crenças primitivas sobre o mundo físico, o mundo social e o eu – sustentados por um consenso unânime entre aquelas que estão numa certa posição. Uma outra maneira de descrever as crenças primitivas sobre a realidade física, o mundo social e o eu é falar sobre a constância do objeto, a constância das pessoas e a constância do eu. Embora eu veja essa mesa retangular de muitos ângulos eu continuo a acreditar (primitivamente) que ela permanece uma mesa e permanece retangular. O que muitos psicólogos de percepção examinaram, embora ao longe, é que a constância do objeto é também um fenômeno social construído na infância, lado a lado com a constância da pessoa, sendo ambos pré-requistos necessários para o desenvolvimento de um senso de constância do eu, mas também que outras pessoas constantemente experimentam os objetos físicos como eles próprios. Assim, os dois subconjuntos das crenças do Tipo A são construídos juntos, um relativo à constância dos objetos físicos e o outro relativo à constância da pessoas com respeito aos objetos físicos. 5 A constância do objeto e da pessoa parecem ter funções importantes no crescimento da criança. Elas formam dento dela um mínimo fundamental de confiança de que o mundo físico se estabelecerá e também de que o mundo das pessoas pode depender das ações constantes com os objetos físicos. É como se a natureza e a sociedade tivessem conspirado para dar a criança uma mínima garantia de estabilidade para formar o seu próprio senso de autoconsciência. Realmente, a criança parece necessitar e esforçar-se por obter mais constância de pessoa do que aquela fornecida pelo contexto físico dentro do qual ela aprende a constância do objeto. Uma criança depende de sua mãe para continuar sua mãe (com tudo o que significa esta mãe), de sua família e dos grupos sociais para continuarem sua família e seus grupos sociais, tanto quanto uma mesa continua uma mesa. Pode-se supor que qualquer rompimento inexplicável destas constâncias aceitas como verdadeiras, física ou social ou do eu, levaria alguém a questionar a validade de seus próprios sentidos, de sua competência como uma pessoa capaz de competir com a realidade ou mesmo com a sua razão. Colocando-se de outro modo, a violação de quaisquer crenças primitivas apoiada por um consenso unânime pode levar a um sério rompimento de crenças sobre autoconstância e a auto identidade, e deste rompimento, podem-se seguir outras perturbações, como por exemplo, perturbações de seus sentimentos de competência e “eficiência” (White, 1959); poderia levar alguém a questionar a validade de muitas outras crenças do seu sistema de crenças que, para eliminar, requer uma reorganização cognitiva maior no conteúdo e nas relações estruturais entre muitas outras crenças do sistema. No início, todas as crenças são, provavelmente, primitivas, uma vez que a criança pequena não é capaz de compreender que algumas crenças não são compartilhadas por todos. As capacidades mentais e experiência da criança pequena estão restringidas para ela compreender o fato de que ela vive num mundo no qual há controvérsias, ou mesmo conflitos armados sobre os quais as autoridades são tanto negativas, quanto positivas e cujas crenças e ideologias associadas às autoridades são as mais válidas. Bem no início, há somente uma autoridade emque a criança procura informação e nutrição – a mãe, um pouco mais tarde, o pai. Estes referentes paternos são os únicos referentes que existem para a criança; ela ainda não sabe que há outros referentes positivos ou que existem referentes negativos. A criança, ao se desenvolver em direção à maturidade, mantém muitas de suas crenças primitivas, prevenindo-se para que elas não sejam objeto de controvérsias. Ao crescer e ampliar o círculo de suas interações, incluindo outras pessoas de fora da família, a base da autoridade da criança se amplia gradualmente para incluir realmente todos aqueles que estão numa certa posição. Assim, surgindo alguma dúvida em relação a uma crença primitiva – como por exemplo, hoje é quarta-feira ou quinta feira? – ela poderá conferir isto, perguntando realmente a qualquer estranho. TIPO B – CRENÇAS PRIMITIVAS – CONSENSO: ZERO Nem todas as crenças primitivas devem sua primitividade à universalização do consenso social. Um segundo tipo de crença incontrovertível que envolve diretamente a existência e a auto identidade é também aprendida pelo encontro direto com o objeto da crença, porém a sua manutenção mão parece depender do fato de ser compartilhada com os outros: não há referência de pessoas ou grupos fora do eu que poderiam discutir a tal crença. Através da experiência desfavorável em que o 6 apoio de autoridade externa é abandonado completamente, algumas crenças primitivas podem ser formadas. As crenças que não são compartilhadas com outros são, consequentemente, impenetráveis pela persuasão ou argumento dos outros. Mesmo que tais crenças possam, algumas vezes, tornar-se objeto de controvérsias, elas são psicologicamente incontrovertíveis. Por exemplo, uma criança pode vir acreditar, através de uma experiência intensa ou através de um aumento de menos experiências intensas, que ela vive num mundo totalmente hostil, que ela não merece amor com fobias e que certos objetos ou lugares benignos de antigamente são agora perigosos. Neste segundo tipo de crença primitiva é como se o crente dissesse: “Eu acredito, mas nenhum outro poderia saber”. Consequentemente, não importa no que os outros acreditam. Ou para citar um refrão mais popular: “Ninguém sabe as dificuldades que passei”. Exemplos de tais crenças são as apoiadas de fé genuína, tais como fobias, ilusões, alucinações e várias outras crenças que realçam ou esvaziam o eu, oriundas de experiência aprendida (por exemplo, Não importa em que os outros acreditam, eu acredito em Deus, eu acredito que sou uma pessoa razoavelmente inteligente, eu acredito que sou uma pessoa estúpida, eu acredito que minha mãe não me ama, eu acredito que meu filho é um bom menino). TIPO C - CRENÇAS DE AUTORIDADE Ao interagir com os outros, o repertório expandível de crenças primitivas da criança é continuamente colocado em jogo e ela então descobre, num dado momento, que uma certa crença que antigamente acreditava que era compartilhada com outros, tais como a crença em Deus ou na Pátria ou em Papai Noel, não o é mais. Neste momento, a criança é forçada a pensar numa concepção seletiva de autoridade positiva e negativa; este momento marca o inicio do desenvolvimento de partes não primitivas no sistema de crenças da criança sempre em expansão. As crenças não primitivas são concebidas como desenvolvidas fora das crenças do Tipo A e como estando num relacionamento funcional com elas. Elas parecem servir ao propósito de ajudar as pessoas a completar o quadro do mundo; o mais realisticamente e racionalmente possível, de forma a mais defensiva e irracional que seja necessária. Ao usar o conceito de crenças não primitivas, estou tentando mostrar uma classe de crenças que não precisa ser aceita como verdadeira como são as crenças primitivas do Tipo A. Nós aprendemos a esperar as diferenças de opinião e controvérsias relativas a ela, contudo, nós poderíamos aprecia-las muito. Tais crenças, embora importantes e geralmente resistentes a mudança, são, todavia, tidas como menos importantes e mais fáceis de mudar do que as dos Tipos A e B. As mais importantes destas crenças primitivas parecem ser aquelas relativas à autoridade positiva e negativa – o que os sociólogos chamam de pessoas de referência ou grupos de referência. Tais crenças dizem respeito não somente ao que as autoridades podem saber, mas ao que elas devem saber. Em que autoridade, positivas e negativas, nós vamos confiar e desconfiar, atender e não atender ao empreendermos as nossas vidas diárias procurando informação sobre o mundo? As autoridades específicas, que são de confiança para informações, diferem de uma pessoa para a outra e dependem das experiências de aprendizagem dentro do contexto da estrutura social da pessoa – a família, a classe, os grupos de iguais, os grupos étnicos, os grupos político e religioso e o país. 7 Primeiramente, somente os pais da criança servem como pessoas de referência, e as crenças sobre os outros referentes são derivados dos pais. Mas a medida que a criança cresce, o seu círculo de pessoas e grupos de referência positiva e negativa se ampliam gradualmente através do encontro direto (por exemplo, pais, professor, par). Qualquer crença de autoridade é caracteristicamente controversível porque o crente aprendeu que algumas pessoas e grupos de sua referência compartilham a sua crença, enquanto que outros não a compartilham. TIPO D – CRENÇAS DERIVADAS Acreditar na credibilidade de uma autoridade específica, implica na aceitação de outras crenças vistas como provenientes de tal autoridade. Tais crenças são definidas como crenças “derivadas” e são controversíveis pelas mesmas razões que as do Tipo C o são. As crenças ideológicas, originadas das instituições religiosas ou políticas e derivadas de segunda mão, do processo de identificação com a autoridade mais do que pelo encontro direto com o objeto de crença, são tidas como crenças do Tipo D. As crenças relativas a questões, de fato, que são mantidas somente porque confiamos na fonte de autoridade (por exemplo, a Encyclopaedia Britannica, New York Times, um livro de história) são também tidas como crenças que representam o tipo D. Se sabemos que a pessoa acredita numa autoridade específica, devemos ser capazes de deduzir muitas de suas outras crenças, aquelas que são provenientes ou derivam das autoridades com as quais ela se identifica. Tais crenças derivadas são menos dinamicamente importantes do que as crenças de respeito à autoridade, e, consequentemente, uma mudança de crença que diga respeito à autoridade, ou uma comunicação direta de uma autoridade deve levar a muitas mudanças de crenças derivadas desta autoridade. Essas crenças derivadas formam o que geralmente se refere a uma ideologia institucionalizada e, junto com as identificações de pessoas ou grupos de referência sobre as quais tais ideologias estão baseadas, fornece uma com um sentido de identidade de grupo. TIPO E – CRENÇAS INCONSEQUENTES Muitas crenças do sistema de crenças parecem representar questões de gosto mais ou menos arbitrárias, e nós, doravante, chamaremos de crenças “inconsequentes”. Como as crenças Tipos A e B, elas são incontrovertíveis, pois se originam numa experiência direta com o objeto fr crença e sua manutenção não requer, necessariamente, um consenso social. Isto é consistente com o clichê frequentemente ouvido: “Gosto não se discute”. Como outras crenças, elas podem ser intensamente mantidas. As questões de gosto são, todavia, consideradas inconsequentes porque elas têm pouca ou nenhuma ligação com outras crenças. Se mudadas, elas trazem pouca ou nenhuma implicação ou consequências para a manutenção de outras crenças que envolvem a auto identidade e a autoestima, ou para requerer uma reorganização para a restauração da consistência no resto do sistema. Em resumo, um sistema total de crenças de uma pessoa abrange crenças inconsequentes,crenças derivadas, crenças pré-ideológicas, compartilhadas ou não socialmente sobre a natureza do mundo físico, da sociedade e do eu. Todas essas crenças são tidas como formadas e desenvolvidas bem cedo, na vida da criança. Elas são, sem dúvida, primeiramente aprendidas no contexto das interações 8 com os pais. Ao crescer, a criança aprende que há certas crenças em que, geralmente, todos os outros acreditam, outras crenças que são verdadeiras para ela, mesmo se ninguém mais acredita nelas, outras crenças importantes nas quais os homens diferem e outras que são questões arbitrárias de gosto. Tomadas juntas, o sistema total de crenças pode ser visto como uma organização de crenças que varia em profundidade, formado como um resultado da vida na natureza e na sociedade, planejado para ajudar a pessoa a manter, tanto quanto possível, um sentido de identidade que é simultaneamente uma parte de e aparte de um meio físico e social estável. Dados estes cinco tipos de crenças a serem ordenados ao longo de uma dimensão periférica-central, 120 ordens diferentes são possíveis. O modo particular com que ordenamos os cinco tipos de crença não é apenas intuitivamente auto evidente como também pode ser logicamente derivado dos quatro critérios definidos de encadeamento lógico mencionado anteriormente2. 1. As crenças do Tipo E são menos centrais do que as crenças dos Tipos A, B, C e D porque as precedentes têm menos ligações com as outras crenças (Proposição 4). 2. As crenças do Tipo D são menos centrais do que as do Tipo C porque as precedentes são derivadas das últimas (Proposição 3). 3. As crenças dos Tipos C e D são menos centrais do que as dos Tipos A e B porque as últimas dizem diretamente às crenças do eu, enquanto as primeiras não (Proposição 1). 4. Finalmente, as crenças do Tipo B são menos centrais do que as do Tipo A porque as primeiras dependem de um consenso social, enquanto as últimas são unanimemente compartilhadas com todas as pessoas e grupos de referência de alguém (Proposição 2). Será notado que não confiamos no critério de intensidade para ordenar os cinco tipos de crença. Elas podem ser ordenadas ao longo de uma dimensão periférica-central mesmo que elas sejam equivalentes em intensidade. Embora haja, sem dúvida, uma correlação positiva entre a centralidade e a intensidade, o relacionamento não é, de forma alguma, um relacionamento necessário. Muitas crenças inconsequentes ou triviais (Tipo E) podem ser intensamente mantidas e fortemente preservadas. Pode-se, por exemplo, acreditar intensamente que um bife mal passado é mais saboroso do que um bem passado ou que umas férias mais agradáveis nos esperam no litoral do que nas montanhas. Tais crenças são, contudo, inconsequentes porque elas têm relativamente poucas ligações entre si e, se mudadas, trazem relativamente poucas consequências para ouras crenças. Mas, a intensidade torna-se um critério de importância mais compelativo ao passarmos de uma consideração da importância relativa das crenças entre as classes para uma consideração das crenças dentro de cada classe. Embora não seja possível especificar antecipadamente os fundamentos 2 Embora a disposição específica das cinco crenças não tenha sido derivada de nenhuma teoria particular da personalidade, a disposição pode, provavelmente, estar compatível, no todo ou em parte, com a maior parte das teorias do desenvolvimento da personalidade, principalmente com a teoria psicanalítica que sugere, implicitamente, que a importância da crença é uma função da ontogênese. As crenças do Tipo A corresponderiam ao que Fanichel (1954, p. 35-36) descreveu como os primeiros estágios do desenvolvimento do “senso de realidade” e da “imagem do corpo”. As crenças do Tipo B corresponderiam às crenças relativas aos próprios impulsos de alguém, as emoções e a autoestima; as crenças do Tipo C corresponderiam às crenças do “super ego” ou às representações internalizadas da sociedade; as crenças do Tipo D corresponderiam a vários derivativos cognitivos de identificação com a autoridade. Quanto as crenças do Tipo E, seria difícil traduzir em termos psicanalíticos, uma vez que toda crença, todavia trivial ou inconsciente é vista pela psicanálise como sendo psicodinamicamente significativa e consequente. 9 conceituais elos quais as crenças de uma classe serão mais ou menos intensas, é possível ordenar tais crenças empiricamente ao longo de uma dimensão de intensidade. Outro atributo definido, algumas vezes mencionado na literatura como um critério de importância, é a verificação da crença. Há, contudo, fundamentos para duvidar que as crenças verificáveis são necessariamente mais centrais do que as crenças não-verificáveis. Para ser tão exato, as crenças do Tipo A, que são verificáveis, são mais centrais do que as do Tipo B, que não são verificáveis. Mas as crenças do Tipo B, que incluem as crenças não verificáveis baseadas na fé, ilusão e alucinação, são mais centrais do que muitas crenças verificáveis do Tipo D. Nós podemos, por exemplo, acreditar que Júpiter possui doze luas, não porque nós as vimos com os nossos próprios olhos, mas porque nós acreditamos numa fonte autorizada fidedigna. Tais crenças, enquanto verificáveis, são, todavia, consideradas como crenças derivadas (na presente concepção crenças do Tipo D) que podem, ser facilmente mudadas por uma mensagem persuasiva de alguma fonte fidedigna. ALGUMAS DESCOBERTAS EMPÍRICAS Em seguida, para serem discutidos, estão diversos estudos iniciais planejados para testar várias hipóteses originadas de nossas formulações sobre a dimensão periférica-central. No nosso primeiro estudo, efetuado em colaboração com Albert Zavala, tentamos verificar a resistência observada para a mudança, o consenso social observado e a intensidade das crenças que variam em centralidade. Neste estudo, empregamos três tipos de crenças – Tipos A, C e D – mais propriamente do que todos os cinco tipos aqui apresentados. (As crenças do Tipo B foram excluídas porque não são adequadas à investigação através da metodologia de questionários de grupo; as crenças do Tipo E – as crenças inconsequentes – forma excluídas pois ainda não haviam sido formuladas). A Tabela 1 mostra nove afirmações que foram apresentadas acerca de 70 sujeitos a=representando os três tipos de crenças – Tipos A, C e D. Os sujeitos foram solicitados a classificar estas nove afirmações em termos do que eles ficariam mais relutantes em abandonar sob qualquer circunstância, do que eles, em seguida, ficariam mais relutantes em abandonar e assim por diante. Os sujeitos também foram solicitados a indicar com quais das nove afirmações eles concordavam com mais intensidade e a estimar quantos dos outros acreditavam, como eles, no que dizia respeito a cada uma das nove crenças. A primeira coluna da Tabela 1 mostra os graus de resistência à mudança das nove crenças, quando julgadas pelos sujeitos. Está visto que as três crenças primitivas foram classificadas como mais altas em relação à resistência à mudança. Estas são seguidas pelas três crenças de autoridade e, finalmente, pelas três crenças derivadas. As classificações das nove crenças estão de acordo com as expectativas teóricas, sem exceção. Além do mais, como está mostrado na 2ª coluna da Tabela 1, a grande maioria de nossos sujeitos adere às crenças do Tipo A com intensidade absoluta, embora um número consideravelmente pequeno de sujeitos faz o mesmo em relação às crenças de autoridade e derivadas. Finalmente, como é mostrado na última coluna da Tabela 1, cerca de três quartos de nossos sujeitos relatam que todos os outros unanimemente acreditam, como eles, no que diz respeito às crenças primitivas, enquanto somente alguns poucos dispersados afirmam um consenso social unânime em relação às crenças de autoridade e derivadas. Assim, as distinções teóricasformuladas destes três tipos de crenças estão operacionalmente demonstradas. Os sujeitos ingênuos 10 qu não sabem nada de nossa teoria e que parecem comportar-se como se soubessem, também podem distinguir estes três tipos de crenças. TABELA 1 Grau de Resistência à Mudança, Intensidade e Concordância de Opinião e Consenso Observado das Crenças dos Tipos A, C e D Média dos graus Percentagem dos que absolutamente aceitam ou rejeitam a crença Percentagem que evidencia um consenso social unânime Tipo A - Primitivo 1. A morte é inevitável 2,47 92 72 2. Só vivemos com oxigênio 2,67 91 74 3. Meu nome é ... 2,86 98 83 Média 93,7 76,3 Tipo C - Autoridade 4. Há somente uma Biblia verdadeira 4,17 50 4 5. A constituição dos USA é a melhor 5,3 21 7 6. O Papa é infalível em questões morais 5,97 55 2 Média 42 4,3 Tipo D - Derivado 7. Sou a favor do controle de natalidade 6,37 48 2 8. Adão tinha umbigo 7,22 28 9 9. É errado fumar 7,89 34 0 Média 36,7 3,7 Estes resultados sugerem que as crenças sobre assuntos como a Bíblia, a fabilidade ou infabilidade do Papa ou da Constituição dos Estados Unidos da América não estão entre as crenças do homem mais profundamente mantidas. Mais profundamente mantidas e possivelmente mais resistentes à mudança estão aquelas crenças que todos os homens compartilham entre si e que, raramente, caem em discussão ou controvérsia, isto é, as crenças do Tipo A. Estes resultados sugerem posteriormente que, no acontecimento de um conflito entre duas crenças que variem em centralidade, a crença mais central venceria. Tal conflito é nitidamente exemplificado num slogan com o qual estamos todos familiarizados, um slogan político primeiramente tornado famoso por Bertrand Russel. “Melhor comunista do que morto” e o contra slogan “Melhor morto do que comunista”. Estes slogans são 11 teoricamente interessantes porque eles colocam em posição antagônica duas crenças, uma contra a outra: uma crença primitiva existencial que é compartilhada por todos, “É melhor estar vivo do que morto” e a outra uma crença ideológica – em nossos termos, uma crença derivada – “É melhor ser anticomunista do que comunista”. De acordo com a nossa teoria, teríamos que predizer que a maioria das pessoas, mesmo os americanos anticomunistas, preferiria o estado de vermelhidão ao estado de morte, simplesmente porque maior é a potência das crenças primitivas sobre as crenças derivadas. Para descobrir se isto é de fato assim, um estudo foi conduzido em 1963 na Universidade do Estado de Michigan em colaboração com Irwin Horowitz no qual os sujeitos eram simplesmente solicitados a concordar ou discordar com a afirmação: “A morte é preferível a viver sob um regime comunista”. Somente 40% afirmaram que prefeririam estar mortos a serem comunistas a estarem mortos. Mas, a descoberta dos 40% que prefeririam estarem mortos parece questionável à luz de informações adicionais. Nós descobrimos mais tarde que a maioria do grupo do melhor morto do que comunista acreditava que ninguém seria louco o bastante para iniciar um holocausto nuclear e a maioria deles não acreditava que a guerra era provável numa próxima década. Uma vez que os sujeitos eram estudantes de faculdade, pode-se supor que uma década representa um período muito longo para eles. Em outras palavras, os sujeitos que disseram que preferiam a morte à vida sob o comunismo não pareciam conceber as suas mortes como uma possibilidade realista ou imediata: eles preferiam estar mortos a serem comunistas, mas ninguém seria louco o suficiente para começar uma guerra nuclear e, além disso, ela não viria na próxima década. Em contraste, uma maioria considerável do grupo melhor comunista do que morto admitiu recear que um louco pudesse iniciar uma guerra atômica a qualquer momento. Com bases nessas informações adicionais, pode-se duvidar que mesmo 40% de nossa amostra prefeririam a morte à vida sob o comunismo. Seguindo uma linha de raciocínio similar, pode ser sugerido que toda vez que as pessoas tinham que fazer uma escolha entre tais alternativas como morte ou vida sob o fascismo, entre a morte ou conversão religiosa, como foi o caso durante a Inquisição Espanhola, os seus sistemas de crenças e necessidade estavam constituídos que, em grande parte, eles preferiam a vida à morte. Embora com fundamentos psicológicos, wu não estaria inclinado a aceitar seriamente um convite para morrer por esta ou aquela causa porque é duvidoso que aqueles que defendem morrer por causas, morrer quando é chegada a hora, por aquela causa. A escolha deliberada da morte sobre a vida por alguma causa é, provavelmente, um evento extremamente raro na história humana, e o martírio é provavelmente melhor compreendido como um estado conferido a posteriori mais do que livremente escolhido a priori. Todos os antecedentes não são para negar, naturalmente, que muitos de nós possuímos crenças primitivas com respeito a condições sob as quais nós preferiríamos a morte à vida. Por exemplo, a maioria das mães primitivamente acredita que sacrificaria sua própria vida para salvar a vida de um filho amado. Muitos de nós primitivamente acreditamos que preferiríamos morrer a atrair um companheiro para a morte nas mãos de um inimigo. Mas, tais exemplos são inteiramente diferentes daqueles previamente discutidos. O que parece estar envolvido nos exemplos há pouco citados não é uma crença primitiva colocada em posição antagônica com relação à crença periférica, mas duas ou mais crenças primitivas sustentadas por um consenso social unânime, ou inteiramente independente do consenso social, acerca do valor da vida do próprio filho de alguém quando comparado com a sua 12 própria, ou acerca da total inutilidade da própria vida de alguém comparada às custas da vida do companheiro. O que acontece emocional e cognitivamente quando as crenças primitivas são repentina e inexplicavelmente rompidas por pressões fortes externas? Nós observamos que se um pai chama repentinamente o seu filho por um nome diferente do seu, o filho, de início, apreciará pensando que se trata de um novo jogo. A criança encorajará o pai a continuar com o jogo, mas logo ficará apreensiva e pedirá ao pai a certeza de que aquilo é apenas um jogo. Se a certeza não chegar, a criança invariavelmente desenvolverá uma reação de forte ansiedade dentro de minutos e se empenhará em esforços desesperados para fazer com que seu pai termine o jogo. Aparentemente, a forte reação de pânico é resultado da violação da crença primitiva da criança de sua própria identidade, uma crença de que a criança aprendeu com seus pais que estão, certamente, numa posição de saber o nome de seu filho. Quando o experimento de mudança de nome é repetido numa situação de Jardim de Infância de uma escola com um adulto desconhecido, ao invés de um pai, nenhuma reação de ansiedade é observada. A criança é facilmente capaz de defender-se da tentativa de violar sua crença primitiva de identidade replicando que o estranho, por ser um estranho, não está em posição de saber o seu nome. O pré-escolar replica caracteristicamente: “Você não sabe quem eu sou, porque você não conhece a minha mãe”. As crenças sobre a auto identidade não são as únicas crenças primitivas que, se rompidas por aqueles que estão numa posição de saber, levam a fortes perturbações emocionais. Reações similares podem ser observadas quando uma crença primitiva de identidade da criança sobre a sua mãe for, repentina e eficazmente posta em dúvida pela própria mãe, quando, jocosamente , simula que ela é alguma outra pessoa ou é algum animal, ainda mais quando se recusa a dar certeza à criança de que ela está apenas simulando. Pode-se caracteristicamente observar, como resultado, repentinas eclosões de lágrimas e outros sintomas de reação deansiedade. Considere os vários exemplos a seguir nos quais há violações de crenças primitivas sobre a realidade física. O programa de televisão Câmara Cândida frequentemente produz os efeitos de “entretenimento” exatamente porque a audiência observa as reações das pessoas cujas crenças estão sendo violadas. Um outro exemplo surge dos bem conhecidos experimentos de Asch (1952), nos quais um sujeito ouve, por acaso, cinco outros sujeitos de um grupo de experimento dizerem que duas linhas são da mesma extensão quando, de fato, são claramente de extensões diferentes. O sujeito não sabe que estes outros cinco sujeitos são realmente aliados do experimentador, instruídos, antecipadamente, para darem a mesma resposta errada quando comparados a linha de extensão variada. Este experimento é emocionalmente perturbador para o sujeito, pois todos os outros sujeitos estão claramente numa posição de saber, mas contudo eles discordam dele. Houve uma violação da crença primitiva que é aliviada somente quando, no fim, o sujeito é esclarecido sobre a natureza do experimento. O experimento de Asch do julgamento da extensão da linha, os efeitos da Câmara Cândida e as situações descritas envolvendo uma mudança de crença de nome, todos parecem ter uma coisa em comum. Em todos os casos, uma crença primitiva, existencial, foi violada resultando numa forte reação de ansiedade, que é avaliada pela certeza: era apenas um experimento; era apenas um jogo, “Sorria, você está na Câmara Cândida”. Em todos os casos, a experiência é de pouca duração e 13 concluída bem antes que sérias perturbações emocionais sejam iniciadas. É assustador especular sobre o que aconteceria se tais experiências fossem prolongadas. Por exemplo, qual seria a consequência para uma criança se o jogo de mudança de nome fosse jogado por uma semana? Pode- se apenas especular sobre as possíveis consequências – perda de identidade, um distúrbio nos sistemas de crenças e, em extremo, uma fragmentação esquizofrênica da personalidade. Nós podemos obter, pelo menos, uma luz do que pode acontecer sob tais experiências prolongadas se considerarmos os recentes relatórios sobre “reforma do pensamento”, “lavagem cerebral” e confissão voluntária (Lifton, 1961;Shein, 1956). Pode ser despreendido, através de tais relatórios, que sob tais condições como isolamento absoluto de informação do mundo externo e mudança dos suportes usuais de grupo, há uma perda da identidade do eu e de grupo e, com a substituição para novos suportes de grupo, o caminho está pavimentado para o surgimento de novas identidades, mudanças ideológicas, confissão e colaboração. Mas, é difícil determinar as condições exatas que levaram alguns prisioneiros a mudar e a outros não e medir com exatidão as mudanças exatas de crença produzidas naqueles que mudaram. A opressão física e o encerramento estavam sempre presentes e os métodos de controle variavam de tempos em tempos, de prisão para prisão e os prisioneiros para prisioneiro. As diferenças de personalidade, status e educação dos prisioneiros eram também variáveis desconhecidas. As considerações éticas impedem, claramente, que os cientistas conduzam experimentos de “controle de pensamento” ou de manipulação de crenças primitivas de crianças ou de adultos normais por períodos prolongados. Por causa de tais considerações, foi necessário desviar as investigações posteriores com pessoas normais e, ao invés disso, focalizar pessoas psicóticas que mantém sistemas ilusórios de crenças. O objetivo da psicoterapia e do programa social é alterar crenças ilusórias do psicótico e reajusta-lo à realidade tanto quanto possível. Assim, as tentativas experimentais por períodos prolongados para mudar crenças tornam-se eticamente mais justificáveis quando servem como terapêutica mais do que quando servem como fins destrutivos de “controle de pensamento” ou “lavagem cerebral”. Tais considerações levaram-me a conduzir juntos, para estudos por um período de dois anos, três pacientes crônicos de paranoia esquizofrênica, cada um acreditando ser a reencarnação de Jesus Cristo. Leon, 31 anos, tinha sido hospitalizado há cinco anos. Joseph, 57 anos e Clyde com 60 anos de idade. Os dois últimos tinham sido internados há quase duas décadas. Os três Cristos ilusórios foram colocados em camas adjacentes, numa mesma ala, comiam na mesma sala, trabalhavam junto no mesmo setor e encontravam-se diariamente para discussão em grupo. Cada um era, assim, confrontado com os dois outros, clamando a mesma identidade dentro de um meio controlado e por um período prolongado. Além do mais, outros procedimentos experimentais foram empregados em Joseph e Leon. Eles recebiam sugestões por escrito para mudar as suas crenças e comportamento de figura de autoridade a quem eles levantavam os olhos, figuras estas que existiam somente na imaginação deles. Realmente essas comunicações eram escritas e enviadas por mim. Todos estes procedimentos foram planejados para testar as seguintes hipóteses. Primeiro, ter que viver com outros que clamam a mesma identidade durante um período prolongado é tanto produtor de dissonância numa situação quanto humanamente concebível e, consequentemente, mudanças de crenças ilusórias e de comportamento planejados para reduzir essa dissonância devem dar resultados. Segundo, uma comunicação persuasiva vinda de uma figura de autoridade pode somente ser respondida de duas maneiras: ou a sugestão desta autoridade positiva é aceita ou, se não for 14 aceitável, a atitude com relação a essa autoridade positiva passará por mudança. Em qualquer dos acontecimentos, podem resultar em mudanças de ilusão. A estória completa do que aconteceu como resultado destes procedimentos experimentais está relatada em Os Três Cristos de Ypsilanti (Rokeach, 1964). Arriscando-me a uma simplificação excessiva, deixem-me aqui resumir, brevemente as principais descobertas. Primeiro, o efeito das confrontações de identidades produziu mudanças de crenças de identidade e ilusórias no mais novo dos três cristos ilusórios e as mudanças envolvendo a destruição de ilusões existentes e a formação de novas ilusões com relação à identidade, apoiadas por ilusões adicionais emergiram pela primeira vez. Segundo, as comunicações persuasivas das figuras ilusórias de autoridade produziram muitas ilusões e no comportamento de Leon e Joseph, incluindo, eventualmente, a destruição das figuras ilusórias de autoridade tanto de Leon, quanto de Joseph. Em geral, Leon, o mais novo dos três, teve mais mudança como resultado de nossos procedimentos experimentais, enquanto Clyde, o mais velho, foi quem menos mudou. Deve ser enfatizado que, embora cada uma de nossas investigações tenha servido para aumentar a nossa compreensão da estrutura interna dos sistemas de crenças e das condições para a sua modificação, nós ainda não aprendemos como controlar, experimentalmente, as modificações induzidas nos sistemas de crenças de modo a obter efeitos terapêuticos socialmente desejáveis. No último experimento a que me referi, nós estávamos, de fato, capazes de produzir mudanças mas não estávamos capazes de controlar a direção que as mudanças tomavam. Pode parecer, assim, que os físicos nucleares estão muito à frente de nós no que diz respeito a isso; eles não somente aprenderam como produzir um fragmento esquizofrênico do átomo que destrói tudo em seu caminho, como também aprenderam como tornar mais lenta e controlar a sua reação nuclear, a fim de obter fins socialmente desejáveis. A tarefa da Psicologia é uma tarefa rudemente similar: aprender o suficiente sobre a estrutura do sistema de crenças para saber como forma-los e como modifica-los, de modo que eles aumentem a felicidade e a liberdade do indivíduo e da sua sociedade.