Prévia do material em texto
P o e s i a ã organização e tradução de Claudia Cavalcanti A N T 0 L 0 G A Estação Liberdade PRESSIONISTA m < poesia a Ludwig Ru Georg Trakl edição bilíngüe ilustrada Estação Liberdade EXPUESSIOMISTA I e m ã organização e tradução de Claudia Cavalcanti SBD-FFLCH-USP llllllll 228768 A N I DEDAiiiiiií'LE 21300125334 lohannes R. Becher GoHfried Benn Alberf Ehrenstein Iwan Goll Waller Hasenclever Georg Heym Jakob van Hoddis Wilhelm Klemm Else Lasker-Schüler Alfred Lichienstein Ludwig Rubiner René Schickele Ernst Stadler August Stramm Georg Trakl Franz Werfel U M A 0 L 0 G I A Inhaltsverzeichnis / Sumário 17Em BUSCA DO ÊXTASE: uma introdução 00-3403 Todos os direitos desta edição reservados à Créditos especiais Ilustração da capa Heinrich Cam produzidas eutsche 61 62 63 64 65 Albert Ehrenstein Hoffnung Esperança Friede Paz 37 38 39 42 43 44 45 69 70 71 80 81 82 83 IWAN GOLL Der neue Orpheus O novo Orfeu Karawane der Sebnsucbt Caravana do desejo Noemi Noemi $30. ? p^fr © 52 53 54 55 56 57 1. Expressionismo na literatura 2. Poesia alemã I. Cavalcanti, Claudia. _____________________ CDD-831.080115 Índices para catálogo sistemático: 1. Poesia expressionista: Literatura alemã 831.080115 Gottfried Benn iSyntbese (Síntese Kleine Aster Florzinha D-Zug Trem rápido Mann und Frau gebn durch die Krebsbaracke Homem e mulher passeiam no Pavilhão do,Câncer ttação Liberdade liard, Paris Vários autores. Edição bilíngue: alemão-português. ISBN 85-7448-031-2 ----------r- Heinrich Campendonk, in Die Schaffenden, Ano I, pasta 2, 1918 Página 115 Lasar Segall: "Mulheres errantes - II versão”, 1919. Xilogravura, 23 x 29 cm. Acervo Museu Lasar Segall / IPHAN-MinC, São Paulo Copyright © Editora Estação Liberdade, 2000, para as presentes traduções. © Os autores, ou seus herdeiros, para os poemas originais. © Os autores das obras, ou seus herdeiros, para as ilustrações. Repr de Die Schaffenden, Kreis Deutscher Graphiker Sammler e Dem Graphiker, coleção Ernesto e Liuba Wolf, Paris. Direitos reservados. Poesia expressionista alemã : uma antologia / organização e tradução de Claudia Cavalcanti. - São Paulo : Estação Liberdade, 2000. Preparação e revisão de texto Marcelo Rondinelli Composição e projeto gráfico Pedro Barros / Estaç Fotografias das gravuras Archipel / J.-C. Bit.. Capa Nuno Bittencourt / Letra & Imagem Produção Edilberto Fernando Verza Edição final e seleção de gravuras Angel Bojadsen JOHANNES R. BECHER Vorbereitung Preparação An die Zwanzigjãbrigen Aos de 20 anos Die neue Syntax A nova sintaxe Editora Estação Liberdade Ltda. Rua Dona Elisa, 116 - 01155-030 • SãoPaulo-SP Tel.: (11) 3661 2881 • Fax: (11) 3825 4239 e-mail: editora@estacaoliberdade.com.br http://www.estacaoliberdade.com.br mailto:editora@estacaoliberdade.com.br http://www.estacaoliberdade.com.br - ■ Georg Trakl Untergang Ocaso Ludwig Rubiner Der Mensch O Homem Denke Pense René Schickele Abscbwur Desistência Der Knabe itn Garten O rapaz no jardim August Stramm Patrouille Patrulha Sturmangriff Assalto Schwermut Melancolia Georg Heym Deine Wimpem, die langen... Tuas pestanas, as longas... HalberSchlaf Semi-sono Spitzkõpfig kommt er... Cabeça empinada, lá vem ele... 105 106 107 110 111 112 113 118 119 120 .121 125 126 127 128 129 95 96 97 100 101 Alfred Lichtenstein Der Ausflug O passeio Ernst Stadler Der Spruch A sentença Farm ist Wollust Forma é volúpia Fahrt durch die Kõlner Rheinbrücke bei Nacht Travessia noturna pela ponte do Reno em Colônia 169 170 171 174 175 179 180 181 182 183 184 185 155 156 157 162 163 189 190 191 192 193 194 195 196 197 203 204 205 149 150 151 s 136 137 138 139 142 143 144 145 Else .Lasker-Schúler ~Weltende ~ Fim do mundo Mein Liebeslied Minha canção de amor Ein Lied der Liebe Uma canção de amor Giselheer dem Kõnig A Giselheer, o rei Lauter Diamant Puro diamante Walter Hasenclever Gedicbte Poemas Auf den Tod einerFrau À morte de uma mulher Dàmmening Crepúsculo __ Jakob van Hoddis Weltende Fim do mundo . Der Visionarr vO_visiotário WlLHELM KLEMM Programm Programa Betrachtungen Observações Nota do editor Ilustrações 1 Nossos votos de gratidão a Ernesto e Liuba Wolf, que nos facilitaram sobremaneira o acesso a sua coleção. Franz Werfel Die Trãne A lágrima Warum mein Gott Por que meu Deus 206 207 208 209 210 211 212 213 Max Beckmann - 123, 147 Heinrich Campendonk - 93 George Grosz - 35 Lyonel Feininger - 13 Karl Hofer - 167 Erich Heckel - 177 Ernst Ludwig Kirchner - 131 Max Kaus - 59 Max Pechstein - 153, 201, 221 Chrjstian Rohlfs - 47 Karl Schmidt-Rottluff - 67, 103, 187 Lasar Segall - 115 223 224 225 228 229 Ruh und Schweigen Calma e silêncio Gesang des Abgescbiedenen Canto do desterrado Fõhn Fõhn Helian Helian As xilogravuras e águas-fortes aqui incluídas não têm outra intenção que a de oferecer uma amostra subjetiva e parcial da riqueza do expres- sionismo gráfico da época correspondente à obra poética ora apresenta da. Não constituem um panorama abrangente, nem seguem qualquer critério exaustivo em termos de autores ou de cronologia. As publicações artísticas alemãs Die Schaffenden, Kreis Deutscher Graphiker Sammlere Deutsche Graphiker, de onde foram reproduzidas, eram de circulação restrita, inclusive devido a seu grande formato (A2), ocorrendo em boa medida entre assinantes e colecionadores. A periodi cidade era trimestral, semestral, ou até anual, e cada número trazia gra vuras originais, algumas hoje extremamente raras. As dificuldades econômicas do pós-Primeira Guerra deram-lhes vida curta: Die Schaffenden foi editada entre 1918 e 1924, a Kreis Deutscher Graphiker Sammler, de 1921 a 1925, e a Deutsche Graphiker, apenas em 1922. Lyonel Feinincer Die Schaffenden Ano I, pasta 1, 1918 São Paulo, agosto de 2000 O Prof. Dr. Klaus Scbuhmann, da Universidade de Leipzig, despertou meu interesse pelo expressionismo com suas conferências hipnotizantes sobre o tema. Incentiva da por essas conferências e pelo espírito juvenil que ema nava daqueles poetas, comecei a traduzir os poemas desta antologia mais de dez anos atrás. Prossegui o trabalho com intermitências, mas consegui concluí-lo graças a Nina, minha filha, e a Lula, meu marido - as minhas fontes de juventude. r Em busca do êxtase 17 ■ ser >res- ipres- Todos querem a mesma coisa, todos são iguais; quem sente diferente vai espontaneamente para o hospício. F. Nietzsche O expressionismo foi um dos movimentos artístico-literários da van- guarda modernista européia do começo do século XX (quando se en contraram, cruzaram ou contrapuseram correntes como o naturalismo, o simbolismo, os neo-romantismo e classicismo, o Fin-de-Siècle e o impressionismo) e, apesar de ter sido um entre vários, revelou-se uma vertente da modernidade das mais representativas, não apenas por ter conquistado, além da literatura, as artes plásticas, a dança, o cinema, a arquitetura e a música, mas também porque centenas de artistas prati camente começaram sua carreira dentro do movimento, para desapare cer depois ou, dentro da literatura, fazer parte de sua história, como é o caso de Gottfried Benn, Georg Trakl e Else Lasker-Schüler - só para citar alguns dos incluídos nesta antologia. Portanto, longe de pretender expor e analisar neste texto introdutório minuciosamente o movimento (aliás, objeto de uma das maiores biblio grafias secundárias no âmbito da literatura alemã), a intenção é apresen tar o expressionismo em linhas gerais, com particular atenção para a poesia, ela que por si só já dispõe de uma enorme gama de autores e tendências, como se poderá constatar ao longo desta obra. É claro que, tendo sido vanguarda, o expressionismo pode considerado uma reação ao artisticamente estabelecido, mas será apr sado e mesmo equivocado resumi-lo como uma oposição ao impr sionismo - mesmo porque o surgimento de um não significou o desapa recimento de outro e, além disso, alguns escritores ditos impressionistas tiveram,surpreendentemente, algumas de suas obras avaliadas como expressionistas. 19L 18 1. ZMEGAC, Viktor et alii. In: Kleine Gescbichte derdeutscben Literatur. Frankfurt/Meno- U.a„ 1993, p. 271. Pelo menos aqueles estetas que só sabem reagir, que não passam de placas de cera para impressões, ou de gravadores delicadamente precisos, realmente nos parecem seres inferiores. Nós somos expressionistas.2 Não foi coincidência ter a literatura expressionista surgido às vés peras da Primeira Guerra Mundial. O movimento tomou força em que o império alemão seguia os —'"'rrz'c rx>r«>c desenvolvidos, cujo objetivo era o est lista e imperialista, militares e nobres e ca, à na época s passos de outros países europeus . , . _ stabelecimento da sociedade capita- uma sociedade dominada pela grande burguesia, _________ j que encontrava representação numa arte acadêmi- neoclássica. A geração nascida sobretudo entre 1880 e 1890 come çou a se rebelar contra os valores sociais, políticos e familiares vigentes3, sofos Gustav Landauer e Martin Buber, conhecidos também por prega rem a rejeição à cidade grande e a volta à natureza. Eles exerceríam influência decisiva sobre alguns expoentes expressionistas, como Else Lasker-Schüler e Ludwig Rubiner, cujos poemas, embalados por um ro mantismo ressuscitado, podem ser lidos neste livro. Outro grupo, fundado em 1904 por Herwarth Walden, foi a Verein fur die Kunst (“Sociedade pela Arte”), que organizava leituras e tinha entre os partici pantes Alfred Dôblin, autor de prosa expressionista e sobretudo do clássico Berlim Alexanderplatz. Eis alguns outros termos freqüentes no expressionismo que a partir de então nascia: comunidade - Novo Homem - volta à natureza - romantismo. Kurt Hiller, ele também fundador de um grupo chamado Der Neue Club (“O Novo Clube”), foi o primeiro a usar, em 1911, a palavra “expressionismo” ligada à literatura: É o caso de Rainer Maria Rilke, cujo romance Os cadernos de Malte \ Laurids Brigge, escrito em 1904 e publicado em 1910, posteriormente foi / I lido como uma introdução à literatura expressionista, já que o jovem ■ Malte se vê confrontado com o cotidiano de uma metrópole, Paris, e seu | decorrente anonimato, e tenta lutar contra essa dura realidade. Jovem - i cotidiano - metrópole - anonimato - realidade: eis algumas das palavras- chave que podem levar ao entendimento do que foi o expressionismo. “No princípio era a cor”, como afirma Viktor Zmegaó1. A palavra “expressionismo” foi originalmente usada em 1901 por Julien Auguste Hervé para caracterizar alguns quadros de uma exposição parisiense. Dez anos depois, a mesma palavra serviu para que se falasse de artistas como Braque, Derain e Picasso em outra exposição, desta vez em Berlim. Nessa época, já existiam círculos como Die Brücke (“A Ponte”), fundado em Dresden em 1905, e Der Blaue Reiter (“O Cavaleiro Azul”), de Muni que, fundado em 1911-12, que representam as origens do movimento na Alemanha. “A Ponte" foi marcado pelo emprego e decorrente avanço das artes gráficas, e uma das técnicas mais usadas pelo círculo, além da pintura, foi a xilografia, uma gravura de contrastes que acabou predomi nando nas artes plásticas expressionistas. Já “O Cavaleiro Azul” teve como maior representante o russo W. Kandinsky e foi marcado pela sofisticação e ênfase nas coisas do espírito, o que o distanciava do gru po de Dresden. Outras palavras do glossário expressionista: contraste - sofisticação - espírito^ No princípio era a cor, em seguida o verbo. A chamada década pré- expressionista, entre 1901 e 1910, já delineava o que seria o movimento principalmente nos anos 10, quando viveu o seu auge. A década anuncia- dora do expressionismo já garantia uma de suas características marcantes: a de formação de grupos, vertentes, tendências, facções e tudo o que possa tê-1) transformado em estilhaços, cujo mosaico a crítica se encarregou de montar (ou pelo menos tentar) quando o movimento já não existia. Um dos primeiros grupos se chamava Die Neue Gemeinschaft (“A Nova Comunidade”), que reuniu adeptos da filosofia monista e onde se almejava o Novo Homem - mais tarde um dos lemas do expres sionismo. Entre os participantes da Nova Comunidade estavam os filó- 2. In: Modernismo - Guia geral. Malcolm Bradbury e James McFarlane (otgs.). Sào Paulod Companhia das Letras, 1989, p. 223. 3. O conflito entre pais e filhos caracterizou de forma marcante o movimento expressionista, especialmente o teatro, para o qual foram escritas várias peças com esse motivo. De qualquer modo, por ter sido um movimento predominantemente jovem, tal conflito ficava claro nos variados gêneros emanifestações literárias. Assim, Georg Heym, poeta aqui representado, anotou em seu diário, aos 24 anos: “Eu teria sido um dos maiores poetas se nào tivesse tido como pai um tal porco" (id., ibid., nota 2, p. 225). 4. In: Expressionistiscbe Lyrik, de Wilhelm Grosse. Hollfeld: Beyer, 1996, p. 11. 2120 k- exemplo, a gran- ícada literária tão 5. In: A literatura expressionista alemã, de Claudia Cavalcanti. Sào Paulo: Ática, 1995, p. 16. forças motrizes da revolução são tédio e nostalgia, sua ex pressão é destruição e criação. Destruição e criação são idênticas na revolução. Todo desejo destruidor é um desejo criador (Bakunin). Algumas formas de revolução: assassinato de tiranos, destitui ção do poder dominante, estabelecimento de uma religião, rompi mento de velhos quadros (em convenção e arte), criação de uma obra de arte; o ato sexual. Alguns sinônimos para revolução: Deus, vida, êxtase, caos. Deixem-nos ser caóticos! 5 Não sem razão de ser incluem-se aqui citações contemporâneas ao movimento, que também foi um frutífero campo de manifestos (de ordem ideológica, política, poetológica, programática, e escritos em forma de discursos, ensaios, poemas), a ponto de se falar em “manifestantismo” e de se considerá-los praticamente um dos gêneros literários da época. Também não por acaso Rubiner não enumerou entre os seus simpatizantes a classe trabalhadora, cuja causa seria abraçada por alguns expressionistas, sobretudo com a guerra e a Revolução de Outubro, já que, para eles, eram heróis todos aqueles que rompiam com a burguesia e habitavam o submundo das metrópoles (marginais - manifestos - guerra - burguesia - submundo: o glossário expressionista não pára de crescer). O chamado Novo Homem, dos expressionistas seria o indivíduo cuja ação deveria ser marcada por um humanismo indiferente às classes sociais. É claro que os impulsos para tal pensamento partiram de teóri cos como Bakunin e Lênin, de filósofos como Nietzsche (além dos já citados Landauer e Buber) e de modelos literários de certa forma tam bém marginais, como Kleist, Büchner e Grabbe (para citar somente os alemães e, não por coincidência, românticos). O tom messiânico que pregava a necessidade de um novo homem evidenciava uma revolução interior ansiada por aqueles jovens nutridos de uma forte dose de idealismo. Assim, Èrich Mühsam, no manifesto “Revolução" (1913): Quem são os camaradas!'Prostitutas, poetas, sub-proletários, co letores de objetos perdidos, ladrões ocasionais, ociosos, casais de amantes em meio a um abraço, desatinados religiosos, bêbados, desempregados, comilões, vagabundos, assaltantes, críticos, dor- minbocos, canalhas. E em alguns momentos todas as mulheres do mundo. Somos a escória, a ralé, o desprezo. (...) Somos a santa plebe) uma postura antiburguesa sinalizadora do expressionismo. Aquela gera ção de artistas nutria uma simpatia evidente pelos marginais da socieda de burguesa, que Ludwig Rubiner nomeava como a seguir: Visto apenas por este ângulo, a impressão é a de que o expressio nismo era uma reunião de pregadores alucinados que não faziam outra coisa senão bradar a utopia. Mas como, felizmente, se tratava de um movimento multifacetado, não há como ignorar, por < de importância que teve a vida boêmia naquela déc singular. Os cafés e cabarés eram os principaispontos de encontro da gera ção expressionista, reunida sobretudo em Berlim (outros centros eram Munique, Leipzig, Praga e Viena, sempre grandes cidades). Os boêmios e os nem tanto faziam do Café des Westens e do Café Grõssenwahn locais de debates, leituras e desavenças que poderíam durar minutos ou anos. Os jovens escritores falavam de suas musas, do momento político efervescente e, claro, de literatura. Dos cabarés, o mais importante foi o Neopatético (Neopathetisches Kabarett), fundado em 1910 pelos integrantes do “Novo Clube”, grupo que melhor representou o chamado “vitalismo” expressionista, conceito tão presente naquela literatura quanto nebulosa é a sua definição. O vita lismo podia ser sinônimo de uma filosofia de vida com variadas nuances, a depender de quem a seguia, e marcou especificamente a primeira fase do expressionismo. E neopatéticos eram poetas, músicos, teóricos se apresentando a um público sobretudo de estudantes, atores, escritores e boêmios. Outros cabarés importantes foram o Voltaire (em Zurique), o Gnu e o Dada (em Berlim), que funcionaram em fases diversas. 6. Id., ibid., nota 2, p. 229. 2322 Mesmo com a melhor boa vontade do mundo, você simplesmen te não pode imaginar hoje a excitação com que nos sentavamos ao final da tarde no Café des Westens ou na calçada do Geroldperto da Gedãchtniskirche, tomando silenciosamente nossas bebidas e esperando o aparecimento da Sturm ou da Aktion. Não pensava mos tanto no sentimento inebriante de sermos publicados, e sim de ficar atentos à possibilidade de sermos atacados em palavras ca pazes de queimar como cal virgem ou ácido sulfúrico. Uma incrí vel animosidade que tínhamos de enfrentar estava no ar e cerca va-nos a todos.6 7. A literatura é extensa, n Menschheit; Leipzig: Rec ora citada. a primária utilizada na seleção dos poemas desta antologia evidentemente mas é possível dizer que pouco mais da metade deles estão incluídos em beitsdãmmerung - Ein Dokument des Expressionismus, Kurt Pinthus (org.). Redam, 1986. Observou-se a grafia alemã dos poemas da edição atualizada Os cafés e cabarés do expressionismo foram acima de tudo um raro momento aglutinador de um movimento que, se hoje parece disperso, à época talvez nem parecesse um movimento propriamente dito para os que o viam de fora. Aglutinadores também foram os inúmeros periódicos (exatamente 110, totalizando 37 mil colaborações literárias e gráficas!), entre os quais os mais importantes foram Der Sturm (A Tempestade) e Die Aktion (.A Ação), sobre cuja recepção escreveu Alfred Richard Meyer: Der Sturm, portanto, introduziu o que de mais recente havia na literatura. E não se deve esquecer sua contribuição às artes gráficas, na medida em que as inovou, tendo como um de seus mentores o artista austríaco Oskar Kokoschka. Além dele, integrantes de “A Ponte" e “O Cavaleiro Azul” e artistas como Chagall, Paul Klee e Picasso fizeram da revista um documento da vanguarda européia. DerSturm foi publi cado até 1932, mas só alcançou o seu auge no início dos anos.20. Já Die Aktion, fundada em 1911 por Franz Pfemfert, rivalizava com a revista de Walden, mas tinha um caráter menos estético e literário e mais político, embora não firmasse compromissos partidários. Die Aktion era predominantemente ilustrada com xilogravuras, teve como colaboradores Kurt Hiller, Georg Heym e Ernst Blass e também durou até 1932. Muitos poemas desta antologia foram publicados pela primeira vez numa dessas revistas.7 Fora as duas publicações mencionadas, importante foi também Die weissen Blãtter (As Folhas Brancas), revista mensal editada por Kurt Wolff, um nome importante na área editorial quando se fala em expressionismo, além de ter sido o primeiro editor de Kafka. A revista foi publicada pri meiramente em Leipzig, depois em Zurique, em decorrência da guerra. Das neue Pathos (O Novo Páthos) seguia a linha do “Novo Clube” e do “Neopatético”, entre tantas outras publicações. Os títulos de tais periódicos (A Tempestade, A Ação, As Folhas Brancas, O Novo Páthos, A Nova Arte, Nova Juventude, A Jovem Alemanha..)) sinalizam a vontade do recomeço . e do inédito, ratificando o expressionismo como vanguarda européia. Outro título evidenciador do fim de uma era e início de outra foi o da primeira antologia de poesia expressionista, Menschheitsdãmmerung, organizada em 1919 por Kurt Pinthus e publicada em 1920. Pinthus selecionou 23 poetas, e cada um deles teve vários poemas (às vezes até dez) incluídos. Eram todos jovens e oriundos da geração expressionista, com exceção de Theodor Daubler e Else Lasker-Schüler. Pinthus optou por reunir os poemas em grupos temáticos (“queda e grito”, “despertar do coração”, “apelo e indignação” e “amor aos homens” - todas quase Em 1910, Herwarth Walden, que já havia editado três revistas e fora um nome em constante atividade na década expressionista, abriu uma editora e começou a publicar o seu periódico, a revista semanal Der Sturm, que reuniu poetas como Jakob van Hoddis e August Stramm, ambos presentes nesta antologia. Sobre Hoddis vai-se falar adiante; Stramm, que começou a colaborar com a revista a partir de 1914, ao mesmo tempo inaugurou o que Walden chamou de “teoria da arte da palavra” (Wortkunsttbeorie) - uma poesia abstrata, fonética, assintática e criadora de ritmos especiais. Stramm renunciou a elementos poéticos tradicionais e concentrou-se no verso isoladamente, menosprezando inclusive regras gramaticais e sintáticas tão rígidas na língua alemã. O poeta ignora o significado original de algumas palavras, suas formas de flexão e declinação e lhes confere novas possibilidades semânticas. Tal característica poderá ser notada de forma mais amena em outros poetas expressionistas, e de forma mais programática no poema “A nova sintaxe”, de J. R. Becher. sigar vel a 2524 cular de com; temj varia das signi 8. Id., ibid., nota 7, p. 42. 9. Tais dados foram recolhidos p- und Bücher des literarischen (Stuttgart: J. B. Metzler, 1992),: o expressionismo literário. F< breves biografias dos poetas < Vocês, jovens, que crescerão numa humanidade mais livre, não sigam estes [os poetas da antologia], cujo destino foi viver na terrí vel consciência do ocaso em meio a uma humanidade perdida, desesperançosa, e ao mesmo tempo ter a missão de conservar a crença no que há de bom, de futuro, de divino, no que brota das profundezas do homem! (...) A poesia de nosso tempo é fim e ao mesmo tempo início.8 Que finalmente se pare de falar em "lírica ". Esta palavra cheira a nada e a alegoria; lembra uma lira em total vibração golpeada por dedos gordos e sentimentais de uma imagem feminina (musa); os dedos são toucinho enfaticamente esmagado, mas a imagem olha para o céu (...) .,0 10. Id., ibid., nota 5, p. 29. 11. Id., ibid., nota 5, p. 30. Para quem lê em alemão, todos os textos programáticos aqui citados podem ser consultados, em mais de setecentas páginas de manifestos, artigos e documentos, no livro Expressionismus - Manifeste und Dokumente zur deutschen Literatur 1910-1920, de Thomas Anz e Michael Stark (org.), Stuttgart: J. B. Metzler, 1982. Queremos enaltecer todos os líricos que de modo geral se inte ressam pela modernidade. Queremos compor as grandes cidades, as metrópoles, que são quase tão jovens quanto nós. Queremos ouvir as sinfonias do aço, do ferro e de todas asforças ligeiras, que são quase ainda mais jovens do que nós. (...) Queremos cantar nossos delicados, doentes nervos, e eles então ficarão saudáveis. Será expulso quem lutar contra todo esse esforço; se for artista, será morto a pancadas." por Paul Raabe e estão catalogados em Die Autoren •n Expressionismus - Ein bibliographisches Handbuch , a mais completa obra de referência quando o assunto é Foi também minha principal fonte para a redação das O apelo de Hiller não nega a poesia, nem mesmo a “boa poesia" dos antecessores (“Goethe, Hõlderlin, George, Rilke”, de acordo com o autor), mas busca renovação; paraele, o termo “lírica” era sinônimo de versos ultrapassados, ruins, conservadores. A poesia daquela geração, que deveria potencializar a realidade externa (externa, não interna!) com uma até então inédita expressividade da realidade do espírito, hoje pode ser analisada como uma poesia de idéias e posicionamentos co muns até certo ponto e de estilos díspares. Um ano depois de Hiller, Oskar Loerke, sem preconceitos em relação à palavra que tanto irritava o primeiro, escreveu em “Sobre a lírica moderna" o que pode servir, ainda hoje, para pontuar aquela poesia: palavras de ordem expressionistas, inseridas em nosso glossário parti- ~"'ar dc compreensão do movimento); com isso, mostrou que, pouco ipo depois do auge da poesia expressionista, soube diferenciar suas iadas tendências. O título da antologia é sugestivo por suscitar dúvi- quanto ao seu duplo sentido, pois a palavra Dãmmerung pode lificar em alemão tanto o “alvorecer” quanto o “entardecer”. Aurora ou ocaso da humanidade (Menschbeitf Em seu prefácio à antologia, Kurt Pinthus esclarece ele mesmo essa dúvida: A reivindicação de Loerke bem se coaduna com aspectos facilmen te identificáveis do expressionismo em seus primórdios, como o de uma juventude ávida por participar do desenvolvimento das metrópoles em que viviam, sempre observando o rigor ético que cercava a necessidade do Novo Homem, por mais utópico que este fosse. Em 1920, quando foi publicada com êxito Menschheitsdãmmerung, conferindo aos expressionistas (também do teatro, menos da prosa) um certo reconhecimento por parte do público e assegurando a perenidade de alguns poetas (praticamente todos aqui incluídos), já não se podia mais sentir o êxtase - palavra essencial àquela época - de um movimen to literário em ebulição que totalizou 347 autores (de todos os gêneros literários), 2.300 títulos publicados em 450 editoras (uma média de sete livros por autor!), além daquele sem-número de periódicos.9 Mas, antes que se decrete o “ocaso” do expressionismo, creio ser necessário caracterizar e mencionar, pelo menos em seus pontos princi pais, a enorme diversidade de forma e conteúdo poéticos do movimen to. Em 1911, na tentativa de renovar a poesia alemã, Kurt Hiller, autor de muitos textos programáticos, escreveu em Der Sturm-. versos, em 12. Id., ibid., nota 1, p. 275. 2726 do do para esta antologia se intitula “O visiotári fere ao louco a representação do opc vivida pelo tão repudiado burguês, qt çado em que é cercado nas granat ; palavras Visionãr(“visionário") e WarrClouco"). Em logia poética (Lisboa, 1976), João Barrento encontra icste poema, sem |jerder muito no sentido do trocadi- nei emprestado do renomado tradutor i jogo com as f ?mão - Antologú ução para o título deste . tário”, portanto, é um título que tome O chamado “estilo simultâneo" (ou estilo ordenado em que cada um é uma afirmação que se basta) traduz a totalidade da vida ansiada pelos jovens^ acima descrita, por um sem-número de infórma.- ções, dados e acontecimentos sem muita lógica entre si, com versos de posições cambiáveis, mas que sugerem uma concomitância das mais variadas situações cotidianas; esse “simultaneísmo” foi uma das formas poéticas mais usadas, e com êxito, pelos poetas expressionistas. Jakob van Hoddis foi quem introduziu e renovou esse recurso estilístico dentro do movimento. Não por acaso, Kurt Pinthus escolheu o poema “Fim do mundo” (“Weltende”), primeiramente publicado em Der Demokrat, em 1911, para abrir a sua antologia Menschheitsdãmmerung, e aqui incluído nas páginas 118-119. Em “Fim do mundo”, predomina a ordenação assindética de frases; cada verso contém uma afirmação inde- 0 entusiasmo patético dos expressionistas por tudo o que leve o carimbo do sofrimento humano não conhece limites e, no vocabu lário, quaisquer elementos-tabu; tudo o que até então era conside rado feio, nojento, proibido, alcança, no protesto da nova poesia, um sentido artístico, é parte do grito por “imediatismo”. (...) Na visão expressionista da vida, as cenas repugnantes da podridão, da violência e da morte são parte indissociável da realidade. Vivenciá-las significa, para os expressionistas, sair da indiferença socialmente regulamentada, significa vivenciar a realidade mais profunda e completamente.'2 pendente da anterior ou da posterior. Essa solução de Hoddis conota justamente uma fragmentação do eu e da realidade que o cerca. Aqui, Hoddis opta por uma aparente normalidade da língua e transforma cada verso numa espécie de manchete de jornal (no quarto verso, há inclusive o “lê-se”), todos um prenuncio do fim do mundo, que surge caricaturado e caoticamente fragmentado. O burguês (e não um burguês), personagem- alvo do sarcasmo expressionista13, é exemplarmente representado nesse poema de Hoddis. Ele tem o seu chapéu levado pelo vento e nem perce be que, ao tentar apanhá-lo, corre em direção ao fim do (seu) mundo. Pelo fato de ter destruído conscientemente categorias necessárias ao homem em sua realidade, como lógica, proporção, hierarquia, ele foi considerado o renovador do grotesco na literatura alemã, uma voz moderna no limiar do surrealismo. Alfred Lichtenstein, colaborador de A Tempestade como Hoddis, e aqui também representado, é conside rado seu discípulo e um dos fundadores do grotesco na nova lírica. Os recursos poéticos inaugurados por Hoddis dentro do expres- sionismo, além de desencadear as mais variadas interpretações semân ticas e estilísticas, levam a refletir sobre o papel do louco e da loucura poesia (e, sem dúvida, também na prosa e no teatro) daquele perío- • literário. Não por coincidência, o outro poema de Hoddis seleciona- - '?!?“-.rio” (“Der Visionarr”)14 e con- ^oosto do conceito da “normalidade” , que se recusa a ver o mundo estilha- ---------- o._.ides cidades, sendo ele, o louco, “a negação encarnada da razão teórica e prática do burguês”.15 A velocidade com que cresciam as grandes cidades e a fome de recepção típica dos jovens idealistas fez surgir uma poesia (se não nova, pelo menos com mais expressão numérica) em grande parte programática, de protesto, que quase sempre despreza a tradição poética (às vezes usam-se formas rígidas para simplesmente evidenciar sua ojeriza a elas); sua marca programática faz com que as afirmações venham acompa nhadas de páthos e radicalismo. A língua alemã surge renovada, carre gada de dinamismo por meio de verbos enfáticos, criativas formações de palavras e uma fala metafórica muitas vezes difícil de decifrar. Viktor Zmegaõ diz mais: 13- É interessante notar que, com toda a oposição ao mundo burguês, a maioria dos jovens expressionistas tenha saído exatamente de lá, quando não da grande burgue sia. Paul Raabe (ver nota 9) concluiu que quase todos da geração expressionista (em grande parte jovens nascidos entre 1885 e 1896) eram de origem burguesa, 80% deles foram à universidade e cursaram sobretudo ciências sociais, e muitos freqüentaram a pós-graduação. 14. Der Visionarré um j Expressionismo ater uma boa soluç' Iho. “O visiotá português. 15. In: Phantasien über den Wahnsinn - Expressionistische Texte. Thomas Anz (otg.), Munique, 1980, p. 150. 2928 >etas alemães deste udas, em 1913, um O louco também pode aparecer como uma forma de representação da existência, e a loucura surgir como uma experiência de bem-aven- turança inalcançável no mundo dos lúcidos. O manicômio, portanto, uma solução de fuga do peso da realidade - como no poema “Hospício” (“Irrenhaus”), de Ernst Stadler: ■c v>eorg Tr 93. Todos 17. Em De Profundis, São Paulo, 1994, p incluídos nesta a nuras, cuja seu editor S para dormir em alguma hospedaria tinha sequer moradia. >eta do expres Else Aqui está a vida, que mais nada sabe sobre si - Consciência de mil braças bem afundada no Universo. Aqui soa por salas vazias o coral do nada. Aqui há sossego, refúgio, regresso, quarto de criança. Aqui nada humano ameaça. Os olhos fixos, Pendurados no vazio, perturbadose assustados, Tremem só de medos, dos quais escaparam. Mas para alguns o terrestre ainda cola em corpos imperfeitos. Eles não querem deixar o dia, que desaparece. Eles se jogam em espasmos, gritam estridentemente nos banhos E acocoram-se gemendo e abatidos nos cantos. Mas para muitos o céu se abriu. Eles ouvem as vozes mortas de todas as coisas que circulam E a música suspensa do Universo. Eles às vezes falam palavras estranhas que não se entende. Eles sorriem quietos e amigáveis como fazem as crianças. Nos olhos ocultos, que nada de corporal mantêm, encontra-se a felicidade)6 São muitas as causas da forte ocorrência do motivo da “loucura” e da presença do louco na literatura expressionista. A primeira e mais ■J-r, de Georg Trakl (organização e tradução de Claudia Cavalcanti), 54, p. 93. Todos os poemas de Georg Trakl que traduzi e que estão antologia foram originalmente publicados nesse livro da editora Ilumi- a reprodução, aqui, foi gentilmente permitida por aquela casa, na pessoa de Samuel Leon. 16. No original: “Hier ist das Leben, das nichts rnehr von sich weiB -/BewuBtsein tausend Klafter tief ins All gesunken./Hier tõnt durch kahle Süle der Chorai des Nichts./Hier ist Beschwichtigung, Zuflucht, Heimkehr, Kinderstube./Hier droht nichts Menschliches. Die stieren Augen/Die verstôrt und aufgeschreckt im Leeren hangen/Zittern nur vor Schrecken, denen sie entronnen./Doch manchen klebt noch Irdisches an unvoll- komm’nen Leibern./Sie wollen den Tag nicht lassen, der entschwindet./Sie werfen sich in Krampfen, schreien gellend in den Bãdern/Und hocken wimmernd und ge- schlagen in den Ecken./Vielen aber ist Himmel aufgetan./Sie hõren die toten Stim- men aller Dinge sie umkreisen/Und die schwebende Musik des Alls./Sie reden rnanch- mal fremde Worte, die man nicht verstehtVSie lãcheln still und freundlich so wie Kinder tun/In den entrückten Augen, die nichts Kôrperliches halten/weilt das Glück.” óbvia é a de que, sendo vanguarda, não era raro eles serem considera dos uns alucinados, incompreendidos. Outra razão é o avanço da psi quiatria àquela época, que não deixava de manter suas ligações com a literatura, influenciando-a e se deixando influenciar; no louco, ademais, se expressava com maior intensidade a crise do chamado eu-moderno; os jovens expressionistas eram admiradores de famosos “loucos” ale mães, como Hõlderlin e Nietzsche; e, por fim, a própria biografia de alguns poetas atesta a loucura ou o limiar dela. Georg Trakl, considerado um dos maiores poett século, teve profundas crises de depressão. Numa dei ano antes de se matar, ele escreveu a Ludwig von Ficker: “Nos últimos dias ocorreram coisas tão terríveis que durante toda a minha vida não poderei livrar-me delas (...). É uma desgraça sem-par quando o mundo se rompe diante de alguém. Oh, meu Deus, a que tribunal fui submeti do! Diga-me que ainda devo ter forças para viver e fazer o que o valha. Diga-me que não estou louco.”17 Else Lasker-Schüler foi outra representante expressionista que vi veu sob o estigma da loucura, seja por ter transgredido todas as normas sociais vigentes, tendo vivido quase sempre à margem da sociedade, seja por ter sido acometida de crises de depressão, cujo diagnóstico preciso não cabe aqui especular. Else Lasker-Schüler é ao mesmo tempo história e lenda alemã, um exemplo extremo de excentricidade e rebel dia tão comuns àquela época. Por sua beleza, era musa dos colegas expressionistas, assídua freqüentadora que era dos já mencionados ca fés berlinenses, onde lia seus poemas em troca de um prato de comida; „ ou de uns trocados para dormir em alguma hospedaria, já que houvej tempos em que não tinha sequer moradia. A maior poeta do expressionismo e uma das melhores na história da literatura de seu país, Else Lasker-Schüler assina dedica praticamente a um só tema: aos movimentos mento dele decorrente, já qt marcadamente autobiográfica, poemas em que se do amor e ao sofri-i p- jue era movida por paixões. Sua poesia, i, pouco ortodoxa, espontânea e sem limi- 20. ld., ibid., nota 5, p. 30. 31 30 L_ Tua alma que tanto amo Enreda-se em meu tapete tibetano. Doce filho de lama em trono de folhas de almíscar Quanto tempo tua boca beijará a minha E a face outra face em tempos coloridos a piscar?™ tapete s obras à tarde soam as florestas outonais De armas mortíferas, as planícies douradas E lagos azuis, por cima o sol Mais sombrio rola; a noite envolve Guerreiros em agonia, o lamento selvagem De suas bocas dilaceradas. Mas silenciosas reúnem-se no fundo dos prados Nuvens vermelhas, onde habita um deus irado, O sangue vertido, frieza lunar; Todos os caminhos desembocam em negra putrefação. A guerra - e aqui se se refere à Primeira Guerra Mundial - parece ter sido a experiência mais forte já vivenciada por aquela geração de jovens que protestava contra os valores morais da família, lutava para manter-se à margem de uma sociedade que repudiava, escrevia como forma de expiação e muitas vezes se drogava para escrever. Alguns deles partiram entusiasmados para o front-, vários tombaram em batalha, como Stramm, Stadler, Lichtenstein (para citar os presentes na antolo gia); outros abraçaram o pacifismo ao voltar de lá. Mas, se a principio a guerra funcionava como metáfora para o surgimento do novo, como para Georg Heym (“Se pelo menos alguém iniciasse uma guerra, nem precisaria ser justa. Essa paz é tão estagnante”20, em 1910), que morreu antes do início da guerra, para outros esta é um acontecimento concre to, que leva à estupefação e/ou à ação. Georg Trakl foi um poeta que passou ao largo do burburinho expres- sionista. Morando em Viena, estava longe do epicentro, Berlim. Sua poesia não é programática, revolucionária ou engajada; é antes uma poesia de lamento, elegíaca. Trakl foi convocado para servir na guerra, farmacêutico que era (a profissão era a sua fonte mais fácil na busca aos entorpercentes). Depois de uma cruel batalha em Grodek, na Polônia, teve de cuidar de dezenas de feridos que sabia sem chances. Pouco antes de morrer de uma overdose de cocaína, logo depois da batalha em 1914, o poeta transformou a mais terrível experiência de sua vida em metáforas inteiramente impessoais e, ao mesmo tempo, no poema mais completo já feito por um expressionista motivado por aquela guerra: Raio em raio, apaixonadas cores, Estrelas que no céu namoram em calores. Nossos pés jazem sobre a preciosidade De um mundo-teia que nos invade. tes formais, é melódica a ponto de conferir suavidade à lingua alemã. Sua criatividade desenfreada permitia-lhe criar rimas pouco usuais e ricas, além de não encontrar limites para a formação de novas palavras em sua língua (chegando, com elas, a enlouquecer qualquer tradutor que ouse transpô-la para outra). O leitor notará que a obra poética de Lasker-Schüler se diferencia muito da de seus contemporâneos - basta comparar o seu “Fim do mundo” (p. 134-135) ao de Hoddis (p. 118-119). Eram, afinal, mundos internos muitos díspares, mas unia-os a liberdade de criação e a postura rebelde diante de um modelo social com o qual não concordavam. Toda ■ a sua criatividade poética pode ser reconhecida em “Um velho t tibetano”, de 1911 - para Viktor Zmegaí, “uma das mais perfeitas da lírica alemã”18: 18. Id., ibid., nota 1, p. 288. 19. No original: “Deine Seele, die die meine liebet/Ist verwirkt mit ihr im Teppichtibet.// Strahl in Strahl, verliebte Farben/Sterne, die sich himmellang umwarbeny/Unsere FüBe ruhen auf der Kostbarkeit/Maschentausendabertausendweit.//SüBer Lamasohn auf Moschuspflanzenthron/Wie lange küBt dein Mund den meinen wohl/Und Wang die Wange buntgeknüpfte Zeiten schon?" (em Icb suche allerlanden eine Stadt, de Else Lasker-Schüler. Leipzig: Reclam, 1998, p. 39). Else Lasker-Schüler foi um dos poucos expoentes do expressionismo que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. De origem judaica (como muitos deles), ela foi obrigada a exilar-se já em 1933, passando pela Suíça, Egito e Palestina,falecendo em Jerusalém, em 1945. 22. Id., ibid., nota 5, p. 73. 32 33 k Sob os ramos dourados da noite e das estrelas Oscila a sombra da irmã pelo mudo bosque. Para saudar os espíritos dos heróis, as cabeças que sangram; E baixinho soam nos juncos as flautas escuras do outono. Oh, tão orgulhoso luto! Altares de bronze! Hoje uma dor violenta alimenta a chama ardente do espírito: Os netos que ainda não nasceram.2' estava sendo confirmada, pois de novo esvanecia uma arte “doente do tempo que a traiu”, e não era importante saber se a culpa era da arte ou do tempo. O artigo de Goll tem o tom de uma homenagem póstuma: >etas da geração expres so movimento. A grande A presente antologia reúne dezesseis poet: que pretendo serem representativos do dos poemas aqui incluídos foi escrita entre 1910 e 1918, período poesia expressionista. Se deixei de incluir algum nome impor- jela época, foi porque não me senti capaz de transpor para o achando que eles perderíam o seu poder poé- Reivindicação. Manifesto. Apelo. Atuação. Súplica. Êxtase. O homem grita. (...) Quem não participou? Todos participaram. (...) Nenhum expressionista foi reacionário. Nenhum deixou de ser contra a guerra. Nenhum que não acreditasse em fraternidade e comunhão. (....') Expressionismo foi uma bela, boa, grande cau sa. (...) Mas o resultado é, infelizmente, e sem culpa dos expressionistas, a república alemã em 1920. (...) O expressionista escancara a boca e simplesmentefecba-a em seguida22 21. No original: “Am Abend tõnen die herbstlichen Wàlder/Von tõdlichen Waffen, die goldnen Ebenen/Und blauen Seen, darüber die Sonne/Düstrer hinrollt; umfSngt die Nacht/Sterbende Krieger, die wilde Klage/Ihrer zerbrochenen Münder./Doch stille sammelt im Weidengrund/Rotes Gewõlk, darin ein zürnender Gott wohnt,/Das vergoBne Blut sich, mondne Kühle/Alle StraBen rnünden in schwarze Verwesung./ Unter goldnem Gezweig der Nacht und Sternen/Es schwankt der Schwester Schatten durch den schweigenden Hain,/Zu grüBen die Geister des Helden, die blutenden Hãupterj/Und leise tõnen im Rohr die dunkeln Flõten des Herbstes./O stolzere Trauer! ihr ehernen Altâre/Die heiBe Flamme des Geistes nãhrt heute ein gewaltiger Schmerz/ Die ungebornen Enkel." (Id., ibid., nota 17, p. 78). “Grodek” foi o último poema escrito por Trakl. Mas havia ainda os devastadores anos de guerra, durante os quais alguns expressionistas que não cumpriram o serviço militar ou não tombaram em campos de batalha preferiram seguir para o exílio. Zurique, assim, mais parecia um prolongamento da efervescência cultural que antes imperava em Berlim, Munique ou Leipzig. Foi em Zurique que se refugiou a facção politicamente ativa da geração expressionista (Rubiner, Schickele, Werfel, entre outros), além de exilados como Lênin e Joyce. A movimentada vida noturna da cidade possibilitou a abertura de cafés famosos e do Cabaret Voltaire, onde nasceu o dadaísmo. O fim da guerra significou também o declínio gradual do movi mento expressionista. Quando Menschheitsdãmmerung foi publicada, e a despeito de seu êxito editorial, muitos poetas já haviam morrido, se exilado ou começavam a estruturar uma carreira literária mais autôno ma, já que em dez anos amadurecida. Se até 1925 ainda havia obras fiéis à tradição do movimento, então só existiam justamente por isso: por fidelidade a idéias que, se antes eram inovação, passaram a ser conven ção. É sintomática a publicação de um artigo de Iwan Goll com o título “Morre o expressionismo”. Para Goll, a morte do expressionismo só sionista maioria áureo da tante àquela época, foi porque não me senti capa português os seus versos, achando que eles perder tico, ou porque uma ou outra obra, significativa naquele tempo, hoje me parece datada. Ao contrário de outras antologias expressionistas, que preferencialmente ordenam os poemas por temas, optei por apresentá- los em ordem alfabética de (sobre)nome de autores. Neste sentido, é uma feliz coincidência que justamente o poema “Preparação” (“Vorbereitung”), de Johannes R. Becher, esta seleção ex pressionista. Trata-se de um dos mais conhecidos poemas programáticos daquele movimento literário (conseqüentemente também idealista, de crença em um mundo novo), e ao mesmo tempo uma bela representa ção estilística dos recursos então correntes, como a alternância entre versos curtos e longos, a ausência de rima e a presença de verbos e substantivos expressivos, assim como de interjeições. “Preparação” é, portanto, uma boa introdução a um movimento literário que se caracte rizava sobretudo pela sua juventude. 31 os no ) I// \ L ■■' K -.- ■•■ • ■ ■.- 3Í3 w /Míà ?10 Georce Ghosz Die Schajfenden Ano II, pasta 4, 1919 I a Jakob van Hoddis câmara de gás 117 Nascido em 1887 como Hans Davidsohn, van Hoddis (uma transformação anagramática de seu sobrenome) es tudou arouitetura, grego e filosofia em várias cidades da Alemanha. Em 1909 foi co-fundador do "Novo Clube", uma reunião de jovens escritores cujos desejos inovadores no âmbito da literatura e da arte já começavam a caracteri zar o movimento expressionista. "Fim do mundo", publi cado pela primeira vez em 191 I, é um dos mais famosos e programáticos poemas do expressionismo. A partir de 1912 van Hoddis é submetido a várias internações voluntárias e involuntárias em clínicas psiquiátricas, até ser deportado em 1942 de uma casa de saúde, para desaparecer por definitivo, provavelmente eliminado numa câ-"~ de um campo de concentração nazista. JuobvmHoook118/119 DerSturm ist da, die wilden Meere bupfen An Land, um dicke Dãmme zu zerdrücken. Die meisten Menscben baben einen Scbnupfen. Die Eisenbahnen fallen von den Brücken. Dem Bürger fliegt vom spitzen Kopf der Hui, In allen Lüften hallt es wie Geschrei, Dacbdecker stürzen ab und gebn entzwei Und an den Küsten - liest man - steigt die Flui. Fim do mundo (1911) Weltende (1911) O chapéu voa da cabeça do cidadão, Em todos os ares retumba-se gritaria. Caem os telhadores e se despedaçam E nas costas - lê-se - sobe a maré. A tempestade chegou, saltam à terra Mares selvagens que esmagam largos diques. A maioria das pessoas tem coriza. Os trens precipitam-se das pontes. Ludwig Rubiner 155 Ludwig Rubiner, nascido em 1881, origina-se de uma família judia da Galícia. Em Berlim, estudou música, histó ria da arte, filosofia e germanística. Era casado com a russa Frida Ichak. Ativo poeta expressionista, é autor dos famo sos textos “O poeta interfere na política" e "Pintores cons tróem barricadas", verdadeiros manifestos do movimento publicados na Aktion. Em 1915 fugiu para a Suíça, mas em 1919 já trabalhava para a editora Gustav Kiepenheuer. Morreu em 1920 em Berlim, vítima de uma pneumonia. bLudwig Rubiner156/157 Im heiJSen Rotsommer, über dem staubschãumenden Dreben der rollenden Erde, unter bockenden Bauern, stumpfen Soldaten, beim rasselnden Drãngen der runden Stãdte Sprang derMenscb in die Hôb. Oschwebende Sáule, belleSãulen derBeine und Arme, feste strab- lende Sãule des Leibs, leucbtende Kugel des Kopfes! Erschwebte still, sein Atemzug bestrablte die treibende Erde. Aus seinem runden Auge ging die Sonne beraus und berein. Er schloJS die gebogenen Líder, der Mond zog auf und unter. Der leise Scbwung seinerHãnde warf wie eine blitzende Peitscben- scbnur den Kreis der Sterne. Um die kleine Erde floJS der Lãrm so still wie die Nãsse vor, Veilchenbünden unter der Glasglocke. Die tórichte Erde zitterte in ibrem blinden Lauf. Der Mensch (ca. 1916) 0 Homem (ca. 1916) No quente verão rubro, sobre o girar da poeira espumante da Terra que rola, entre camponeses acocorados, apáticos solda dos, no empurra-empurra ruidoso das cidades redondas, O Homem saltou às alturas. Ah, coluna suspensa, claras colunas das pernas e braços, segura e radiante coluna do corpo, esfera brilhante da cabeça! Ele pairava quieto, sua respiração irradiava a Terra em movi mento. De seu olho redondo o sol saía e entrava. Elefechou as pálpe bras arqueadas, a lua subia e baixava. O leve impulso de suas mãos lançou, como um rápido golpe de chicote, o círculo das estrelas. Em torno da pequena Terra o ruído fluiu tão quieto quanto a umidade de feixes de violetas sob a campânula. A insensata Terra tremeu em seu curso cego. DerMenscb lãchelte wiefeurige glãserne Hóblen durcb die Welt, DerHimmel scbofi im Kometenscbwung durcb ibn, Mensch, feu- rig durcbscbeinender! In ihm siedelte auf und nieder das Denken, glübende Kugeln. Das Denken floJS in brennendem Schaum um ibn, Das lobende Denken zuckte durcb ihn, Scbimmemder Puls des Himmels, Mensch! O Blut Gottes, flammendes getriebnes Riesenmeer im bellen Kri- stall. Mensch, blankes Rohr: Weltkugeln, brennende Riesenaugen scbwimmen wie kleine hitzende Spiegel durch ihn, Mensch, seine Õffnungen sind schlürfende Münder, er scbluckt und speit die blauen, berüberscblagenden Wellen des heiJSen Himmels. O Homem sorriu como cavernas de vidro e fogo através do mundo, O céu disparou em risca de cometas através dele, Homem, arde transluzente! Nele borbulhava o pensamento, esferas em brasa. O pensamento fluiu em espuma ardente ao seu redor, O chamejante pensamento palpitava através dele, Cintilante pulso do céu, Homem! Ah, sangue de Deus, flamejante e guiado mar gigante em claro cristal. Homem, brilhante junco: esferas universais, ardentes olhos gi gantes nadam em brasa através dele, como pequenos espelhos. Homem» suas frestas são bocas sorventes, ele engole e cospe as ondas azuis e altas do céu quente. 158/159 ILiiowk Rubiner Er bebt die lichten Sãulen des Leibs: er wirft um sich wildes Aus- scbwirren von runden Horizonten hell wie die Kreise von Schnee- flocken! Hitzende Dreiecke schiefSen aus seinem Kopf um die Sterne des Himmels, Er schleudert die mácbtigen verscblungenen gõttlicben Kurven umher in der Welt, sie kehren zu ibm zurück, wie dem dunklen Krieger, der den Bumerang scbnellt. DerMenscb liegt auf dem strablenden Boden des Himmels, Sein Atemzug stõjSt die Erde sanft wie eine kleine Glaskugel auf dem schimmernden Springbrunnen. O weiJS scheinende Sãulen, durcb die das Denken im Blutfunkeln auf und nieder rinnt. Er drebt den flammenden Kopf und malt um sich die abgesand- ten, die sinkend binglübenden Linien auf scbwarze Nacht: Kugeln dunstleucbtend brecben gekrümmt auf wie Blumenblãtter, zackige Ebenen im Feuerschein rollen zu schrãgen Kegeln scbim- memd ein, spitze Pyramidennadeln steigen aus gelben Funken wie Sonnenlichter. Ele alça as claras colunas do corpo: joga em torno de si um selvagem zunido de horizontes redondos claros, como os cír culos de flocos de neve! Relampejantes triângulos disparam de sua cabeça ao redor das estrelas do céu, Ele arremessa as poderosas, engolidas, divinas curvas pelo mun do, elas voltam para ele como para o obscuro guerreiro que lança o bumerangue. Em voadoras redes de luz ardendo e apagando como pulsação, paira o Homem, Ele apaga e acende, quando através dele corre o pensamento, Ele pesa sobre seu corpo irradiante o impulso, que retorna. O Homem em glória irradiante levanta da noite seus membros de tocha e derrama brancas suas mãos sobre a Terra. Os números claros, ah, riscas brilhantes como metal fundido. In fliegenden Leucbtnetzen aufglübend und lôscbend wie Puls- schlag scbwebt der Menscb, Er lõscbt und zündet, wenn das Denken durcb ibn rinnt, Er wiegt auf seinen strablenden Leib den Scbwung, der wieder- kebrt. O Homem repousa no chão radiante do céu, Sua respiração empurra suavemente a Terra como uma pequena esfera de vidro sobre a cintilante fonte. Ah, colunas de brilho branco, pelas quais o pensamento corre acima e abaixo no cintilar do sangue. Ele gira a cabeça flamejante e pinta em torno de si as enviadas linhas, descendo ardentes sobre noite negra: Irradiando vapor, esferas irrompem arqueadas como folhas de flores, planícies denteadas no brilho do fogo enrolam em co nes inclinados, pontiagudas agulhas de pirâmides descem de faíscas amarelas como luzes do sol. Der Menscb in Strahlenglorie hebt aus der Nacht seine Fackel- glieder und gieJSt seine Hãnde weiJS über die Erde aus, Die hellen Zahlen, o sprühende Streifen wie gescbmolznes Metall. 160/161 Ludwig Rubinir Aber wenn es die heiJSe Erde bestromt (sie wõlbt sicb gebãumt), Schwirrt es nicht spàter zurück? dünn und verstreut binauf, be- schwert mit Erdraum: Tiergeblôke. Duft von den grünen Bãumen, bunt auftanzender Blumenstaub, Sonnenfarben im Regenfall. Lange Tone Musik. Urros de animais. Odor das árvores verdes, colorido e dançante pólen, cores do sol na chuva. Longas notas musicais. Mas quando este espalha a terra quente (ela se abaula empínada?, Não zunirá mais tarde? magro e espalhado para cima, carregado de terra: a rua! lüOWK RuBINEt 162/163 Denke (ca. 1916) Pense (ca. 1916) Die Nacht im weiJSen Gefàngnis ist mondperl und boch, Glanzbraune Gerüste kreuzen vor derLuke in die Zukunft, Der Führer liegt auf der wulstigen Pritscbe, Ein Spitzelauge baarig scbmal witzte durch das Gucklocb der [glatten Eisentür. Er liegt ganz still, daJS das Blut durch die graden GliederflieJSt [und zurückscbieJSt, Der Turm braun bewacbsen des Haupts wird auf und berab [bestiegen eilends von Wacben. Tiefunten der Wassergraben des Munds liegt in Dürre. DrauJSen warten die dunklen bewegten Felderauf den Feuerschein. OMund, bald schwimmen bewajfnete Haufen wie schwarze Wellen [hervor, Braunes Haupt, du schleuderst sie krachend weit ins Land, O Schein des Auges, der das Ziel im Brandfeuer trifft. O Kuppel, darin die neuen Hãuser der Erde scbweben, flach ineinandergehüllt, zabllos, und Bildsãulen, Wãlder, Spracben, Du kristallenes Haupt! Liegst nun schweigend im weiJSen Würfel der Zelle auf nãchtigem [Pritscbenrand, Die Finger scbmal zu den Seiten wie morgen im Grab. Aber dein Pulsschlag klopft schon sacbt durch die Mauerrõhren [derBurg, A noite na prisão branca é lua perolada e alta, Esqueletos de marrom brilhante cruzam diante da fresta rumo ao [futuro, Die Wãrterflüstem verboten den Gefangenen zu. Dein Bruderauge kreist scbauend wie bewegter Stein durch die [wacbenden Zellen hin. Denke du durch alie Gefangenenhirne, hinaus zu den Wacben, [über die Hôfe, hinaus in die StraJSen! Der Stein über dir aufgetrieben, schwillt. Dein Haar ist die Plattform der schlaflosen Wacben, O chefe está estendido sobre o grosso catre, Um olho espião escandalosamente estreito espreita pelo postigo [da lisa porta de ferro. Deita-se tão quieto que o sangue escorre pelos órgãos retos e [rebate, A torre da cabeça coberta de marrom é apressadamente subida e [descida por sentinelas. Bem embaixo dos fossos da boca há seca. Lá fora esperam os campos escuros pelo brilho do fogo. Ó boca, logo emergirão bandos armados como ondas pretas, Cabeça marrom, você as arremessa ruidosamente para a costa, Ó brilho dos olhos, que encontra a meta no ardor do fogo. Ó cúpulas, onde as novas casas da terra estão suspensas, encobertas superficialmente uma na outra, inumeráveis, e estátuas, [florestas, línguas, Você, cabeça cristalina! Pousa silenciosa no quadrado branco da cela na beira noturna do [catre, Os dedos timidamente ao lado como amanhã no túmulo. Mas seu pulsar já bate lento pela tubulação da parede do castelo, Os guardas cochicham sem permissão aos prisioneiros. Seu olho irmão circula pelas celas vigiadas como pedra em [movimento. Pense você através de todos os cérebros prisioneiros, para [fora até os guardas, os pátios, para fora até a rua! A pedra encontrada sobre você, incha. Seu cabelo é a plataforma das guardas insones, Führer, schlafe beute nacht nicbt. Nur diese Nacht denke nocb! Chefe, hoje à noite não durma. Pense ainda esta noite! 164/165 Ludwig Rubiher Die Steinmauern in deinem Blut atmen auf und ab von deinem [Beben, Die Gitterfenster rund hocb um das Haas sind dunkel aus deinem [Blick. In Jabrtausenden ist die Burg dein Abbild weit in die Lãnder bin, dein Name scbwebtfeuergrojS auf dem Himmel, über deinem riesenhoben Steinkopf. Os muros de pedra em seu sangue aspiram e expiram de seu [tremor, As grades da janela em volta do alto da casa estão escuras pelo seu [olhar. Em milênios o castelo é a sua imagem espalhada pelos países afora, seu nome paira ardente no céu, sobre sua gigantesca cabeça de pedra. Ernst Stadler 179 Nascido em 1883 em Colmar, Alsácia, Ernst Stadler estudou germanística, romanística e lingüística comparada em Estrasburgo e Munique. Fez pós-graduação em Oxford e foi professor em Estrasburgo. Entre 1910 e 1914 ensinou na Universidade de Bruxelas. Foi nomeado para a Universi dade de Toronto, mas acabou tendo de servir na guerra como oficial de artilharia. Tombou em 1914. Ernst Stadler foi um dos principais representantes da primeira fase da literatura expressionista. lãos de veludo EntsiSumu180/181 Der Spruch (ca. 1914) A sentença (ca. 1914) In einem alten Bucbe, stieJS ich auf ein Wort, Das traf mich wie ein Scblag und brennt durcb meine Tage fort: Und wenn ich mich an trübe Lust vergebe, Schein, Lug und Spiel zu mir anstatt des Wesens bebe, Wenn ich gefãllig micb mit raschem Sinn belüge, Ais wãre Dunkles klar, ais wenn nicbt Leben tausend wild [verschlossene Tore trüge, Und Worte wiedersprecbe, deren Weite nie ich ausgefüblt, Und Dinge fasse, deren Sein mich niemals aufgewühlt, Wenn micb willkommner Traum mit Sammethánden streicht, Und Tag und Wirklichkeit von mir entweicht, Der Welt entfremdet, fremd dem tiefsten Ich, Dann steht das Wort mir auf: Mensch, werde wesentlich! Num velho livro topei com uma palavra Que me veio como um golpe e ainda arde em brasa: E quando me entrego a um turvo prazer Preferindo brilho, mentira e jogo em vez do puro ser, Quando acho melhor com supérfluos me enganar, Como se fosse claro o escuro, como se a vida não tivesse milhares [de portas a fechar, E repito palavras cuja amplidão nunca senti, E toco em coisas cujo sentido jamais revolvi, Quando um sonho bem-vindo me acaricia com mãos de veludo Aliviando-me do cotidiano sobretudo, Longe do mundo, alheio ao mais profundo eu, Então se ergue em mim a palavra: Homem, procura o teu apogeu! Ebist Swi 182 /183 Form und Riegel muJSten erst zerspringen, Welt durcb aufgeschlossene Rôhren dringen: Form ist Wollust, Friede, himmlisches Genügen, Docb micb reiJSt es, Ackerscbollen umzupflügen. Form will micb verschnüren und verengen, Docb ich will mein Sein in alie Weiten drãngen - Form ist klare Hárte ohn’Erbarmen, Docb micb treibt es zu den Dumpfen, zu den Armen, Und in grenzenlosem Michverscbenken Will micb Leben mitErfüllung trãnken. Forma é volúpia (1914) Form ist Wollust (1914) plantação. limitar ilhar - Primeiro foi preciso forma e ferrolho arrebentarem E por canos abertos no mundo entrarem: Forma é volúpia, paz, divina contenção, Mas me atrai cuidar de cada f' ' **' * A forma quer-me amarrar e limitar, Mas quero o meu ser pelos ares espal A forma é rigor claro e sem piedade, Mas sou levado aos pobres, por fraternidade, E em ilimitada eu-doação A vida me afoga em compensação. Erksi Sumí184/185 O e Nãc Fohrt durch die Kõlner Rheinbrücke bei Nacht <1913) Travessia noturna pela ponte do Reno em Colônia <1913) Der Schnellzug tastet sich und stôfêt die Dunkelheit entlang. Kein Stern will vor. Die ganze Welt ist nur ein enger, [ nacbtumschienter Minengang, Darein zuweilen Fôrderstellen blauen Licbtes jãbe Horizonte reiJSen: [Feuerkreis Von Kugellampen, Dãchem, Scbloten, dampfend, stromend.. [nur sekundenweis.. Und wieder alies schwarz. Ais fübren wir ins Eingeweid der Nacht [zur Schicht. Nun taumeln Licbter ber.. verirrt, trostlos vereinsamt.. mebr.. [und.. sammeln sich.. und werden dicht. GerippegrauerHãuserfronten liegen bloJS, im Zwielicbt bleichend, [tot- etwas muJS kommen.. o, icb fübl es schwer Im Him. Eine Beklemmung singt im Blut. Dann drôbnt derBoden [plôtzlich wie ein Meer: Wirjliegen, aufgehoben, kõniglich durch nacbtentrissne Luft, boch [übern Strom. O Biegung der Millionen Licbter, stumme Wacht, Vor deren blitzender Parade schwer die Wasser abwárts rollen. Endloses Spalierzum Grufi gestellt bei Nacht! Wie Fackeln stürmend! Freudiges! Salut von Schiffen über blauer [See! Bestirntes Fest! Wimmelnd, mit hellen Augen hingedrãngt! Bis wo die Stadt mit [letzten Hãusern ihren Gast entláJSt. Und dann die langen Einsamkeiten. Nackte Ufer. Stille. Nacht. [Besinnung. Einkehr. Kommunion. Und Glut und Drang Zum Letzten, Segnenden. Zum Zeugungsfest. Zur Wollust. Zum [Gebet. Zum Meer. Zum Untergang. expresso arrisca e segue pela escuridão afora. ào há estrela que apareça. O mundo inteiro não passa de uma [estreita galeria envolta pela noturna hora, Onde às vezes pontos de luz azul rasgam bruscos horizontes: bola [de fogo De lâmpadas, telhados, chaminés, fumegando, fluindo., por [alguns segundos, e logo Tudo volta a ser negro. Como se fôssemos pelas entranhas da [noite rumo à labutaçào. Agora as luzes cambaleiam., confusas, aflitas, solitárias., mais., [e se reúnem., e se condensam. À toa estão esqueletos de cinzentas fachadas de casas, [empalidecendo na penumbra, mortas - algo vai chegar., oh, [sinto-o pesadamente No cérebro. Uma angústia canta no sangue. Então o chão ressoa [como um mar, de repente: Voamos, supremos, soberanos, no ar puxado pela noite, bem alto [sobre a corrente. Oh, curva de milhões de luzes, [silenciosa vigília, Diante de cuja parada as águas correm lentas. Parreira sem fim, [disposta à noite, qual andarilha! Como temporais de fachos! Alegria! Saudação de navios sobre [mar azul! Festa estrelada! Formigando, afluindo com olhos azuis! Até onde a cidade deixa [seu hóspede, as casas em retirada. E depois as longas solidões. Margens nuas. Silêncio. Noite. [Meditação. Recolhimento. Comunhão. Impulso e ardor Para o último, que abençoa. Para o rito de fecundação. Para a [volúpia. Para a oração. Para o mar. Para o torpor. Karl Schmidt-Rottluff Die Schaffenden Ano II, pasta 3, 1919