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Prévia do material em texto

Eric Auerbach. Mimesis. A representação da realidade na literatura ocidental. Trad. 
Georg Bernard Sperber. 
 
Na Mansão De La Mole: 
 Fundamentos do capítulo: delimitação da tese geral da obra sobre a 
concretização, no século XIX, da representação séria e trágica do cotidiano, 
antes matéria do cômico: Stendhal, O vermelho e o negro (1830). Trad. Raquel 
Prado. SP, Cosac & Naify, 2001; Balzac, O pai Goriot; Flaubert, Madame 
Bovary. 
 
Traços do Realismo de Stendhal. 
 
 Cena do cap. V, Livro IV do romance O vermelho e o negro : Preparação do 
interesse de Mathilde por Julien, para a paixão da moça pelo domestique do 
marquês. 
 Julien Sorel: jovem ambicioso e apaixonado. Filho de um pequeno-burguês, 
dono de uma serraria na pequena província de Verrières. Curso de Teologia, 
seminário eclesiástico de Besançon. Paris, secretário do marquês de La Mole. 
 Mathilde: 19 anos, filha do marquês. Espirituosa, mimada, fantasiosa, excesso 
de altivez, se aborrece com a sua própria situação e com o ambiente da nobreza. 
 
Cena do Diálogo na Biblioteca do Marquês: 
Uma manhã em que o abade trabalhava com Julien, na biblioteca do marquês, no eterno 
processo de Frilair: 
– Senhor, disse Julien de repente, jantar todos os dias com a senhora marquesa é um de meus 
deveres ou é uma cortesia que fazem para mim? 
– É uma grande honra!, respondeu o abade, escandalizado. Nunca o sr. N..., o acadêmico, que, 
desde há quinze anos faz uma corte assídua, pôde obter esse favor para seu sobrinho, o senhor 
Tanbeau. 
– É para mim, senhor, a parte mais penosa de meu emprego. Entediava-me menos no seminário. 
Vejo bocejar às vezes até a senhorita de La Mole que, no entanto, deve estar acostumada às 
amabilidades dos amigos da casa. Tenho medo de adormecer. Por favor, obtenha-me a 
permissão de ir jantar por quarenta vinténs em algum albergue qualquer. 
O abade, verdadeiro arrivista, era muito sensível à honra de jantar com um grande senhor. 
Enquanto se esforçava em fazer Julien compreender esse sentimento, um ligeiro ruído os fez 
voltar a cabeça. Julien viu a senhorita de La Mole, que escutava. Enrubesceu. Ela havia vindo 
buscar um livro e tinha ouvido tudo; teve então alguma consideração por Julien; Esse não 
nasceu ajoelhado, pensou, como esse velho abade. Santo Deus, como ele é feio! 
Durante o jantar, Julien não ousava olhar para a senhorita de La Mole, mas ela teve a bondade 
de lhe dirigir a palavra. Nesse dia, em que esperavam muita gente, ela o incitou para que ficasse. 
As moças de Paris não gostam muito das pessoas de certa idade, sobretudo quando se vestem 
sem cuidado. Julien não precisou de muita sagacidade para perceber que os colegas do sr. Le 
Bourguignon, que ficaram no salão, eram o objeto ordinário dos gracejos da senhorita de La 
Mole. Naquele dia, houvesse ou não fingimento da parte dela, ela foi cruel com os enfadonhos. 
 
Traços Singulares da Cena: O Enfado 
Cena compreensível pelo conhecimento exato e detalhado da estratificação social, das 
condições econômicas e do momento histórico. 
O Subtítulo do livro: Crônica de 1830. 
 Revolução de Julho de 1830: caráter liberal e popular, liderada pela burguesia. 
Deposição do rei Charles X (antes tinha dissolvido o Parlamento, censurado a 
imprensa e tentado recuperar o Absolutismo). 
 Governo bourbônico: com meios insuficientes, quis restaurar condições sociais 
já superadas e liquidadas há muito pelos acontecimentos. 
 Ascensão Luis Filipe Orleans e o liberalismo econômico. 
 
O Enfado no Salão do Marquês: 
 É mais do que fenômeno político, histórico-social da Restauração. 
 Salões literários do século XVIII: sociabilidade entre nobres, intelectuais, 
homens e mulheres. Nada aborrecidos. Marcados pela ousadia espiritual. Seus 
frequentadores nem sonhavam com os perigos futuros contra a sua própria 
existência. 
 Enfado do salão do Marquês, no XIX, nada casual, não provém da estupidez 
pessoal dos que lá estão. 
 Anfitrião amável, inteligente. Convivas instruídos, espirituosas, prestigiados; 
outras nem tanto. 
 Conversações nos salões: não se pode tratar de problemas políticos e religiosos; 
de temas literários sobre a atualidade ou do passado imediato. Preferem-se frases 
feitas oficiais e mentirosas, evitadas por um ser humano de gosto e de tato. 
 Já se conhecem os perigos, a vida já está dominada pelo temor de que 1793 se 
repita. 
 Consciência de que não mais se acredita na causa política que os frequentadores 
do salão do marquês representam, qualquer discussão sobre ela será vencida. 
 Melhor falar do tempo, de música, dos mexericos da corte. 
 Houve a obrigação de admitir como aliados os esnobes e corruptos dos círculos 
da burguesia enriquecida. 
 Receio de deterioração cultural do ambiente: desavergonhada baixeza dos 
anseios pecuniários da burguesia e medo da má procedência de suas riquezas. 
 
Reações de Julien e do Abade Pirard: 
Compreensíveis por meio das constelações políticas e social do instante histórico 
contemporâneo (França de 1830, pouco antes da Revolução de Julho). 
 
a) De Julien 
 
 Julien, natureza entusiasmada e fantasiosa, apaixonado por Rousseau (na 
juventude), pelas grandes ideias da Revolução e pelos grandes acontecimentos 
da época napoleônica. 
 Alimenta repugnância e desprezo pela mesquinha hipocrisia e pela corrupção 
mentirosa das classes dominantes desde a queda de Napoleão. 
 Ambicioso, fantasioso e sequioso de domínio. Não se satisfaz com uma 
existência medíocre no seio da burguesia. 
 Mas é homem de origem pequeno-burguesa, só pode atingir uma posição de 
domínio através da Igreja, quase onipotente. 
 Torna-se hipócrita, de plena consciência. Crê que seu grande talento lhe 
asseguraria uma brilhante carreira eclesiástica, se os seus verdadeiros 
sentimentos pessoais e políticos, e se o caráter passional de sua natureza não 
irrompessem em momentos decisivos. 
 Cena da biblioteca, instante de autodelação: confiou ao abade, mestre e protetor 
seus sentimentos pelo salão da marquesa 
 Julien trai sua liberdade espiritual, inconcebível sem uma mistura de altivez e de 
sentimento interno de superioridade. Comportamento inadequado a um jovem 
clérigo protegido da casa de origem pobre. 
 Daí o abade lhe dizer que é uma honra jantar com a marquesa. A sinceridade só 
não lhe é prejudicial porque o abade é seu amigo. Em Mathilde causa impressão 
totalmente diferente do que se espera. 
 
b) Reação do Abade 
 
 Homem bem sucedido. Aprecia a honra de jantar junto a um grande senhor. 
 Censura a Julien por portar a submissão isenta de crítica do mal desse mundo. 
 Atitude do abade é típica de um jansenista. 
 Besançon: diretor do seminário. Por ser jansenista, suportou perseguições e 
arbitrariedade do clero jesuíta de sua província. 
 Poderoso rival: o abade Frilair que moveu um processo contra La Mole. O 
marquês torna Pirard homem de confiança e o protege. 
 
Traços Característicos de O vermelho e o negro 
Caracteres, as atitudes e as relações das personagens atuantes no romance estão 
estreitamente ligados às circunstâncias da história do período da Restauração. 
As condições políticas e sociais da história contemporânea estão enredadas na ação 
de uma forma tão exata e real, como jamais ocorrera anteriormente em nenhum 
romance ou qualquer obra literária, a não ser naquelas que se apresentavam como 
escritos políticos satíricos. 
O romance encaixa de forma tão fundamental e consequente a existência 
tragicamente concebida de um ser humano de baixa extração social, como a de 
Julien Sorel, na mais concreta história da época. O desenvolvimento desse tipo de 
história é fenômeno totalmente novo. 
Todos os demais círculos sociais do romance nos quais Julien se movimenta: são 
sociologicamente determinados: 
 A família do pai de Julien 
 A casa de M. de Renal em Verrières. 
 O seminário de Besançon. 
 Em O vermelho e o negro, toda personagem secundária é concebidadentro da 
situação histórica específica da Restauração. 
 Todos os romances de Stendhal apresentam fundamentação histórica, ainda que 
de modo imperfeito e estreito: Amance, Cartuxa de Parma, os escritos 
autobiográficos. 
A história grande e real penetrou em Stendhal de forma muito diferente que em 
Rousseau ou Goethe, Rousseau já não vivia quando estourou a Revolução, Goethe 
tirou dela o corpo fora e talvez o espírito também. Por quê? 
 
Razões Históricas do Advento do Realismo na França/ Stendhal 
Em Stendhal, diversas circunstâncias despertaram naquele instante, naquele homem 
naquela época o realismo moderno, trágico e historicamente fundamentado. 
Razões Históricas: 
a) Revolução Francesa, 1789/ Primeira República Francesa, 1792/ Golpe de Estado 
por Napoleão Bonaparte e sua coroação como imperador, 1799-1815./ 
Restauração, 1815-1830./ Revolução de Julho (burguesa), 1830-1848. 
 Revolução Francesa foi o primeiro dos grandes movimentos dos tempos 
modernos com a participação consciente das grandes massas humanas. 
 Movimento da Reforma: também violento, também agitou as massas. 
 
b) Progressos técnicos alcançados simultaneamente no campo dos transportes e da 
transmissão de informações e difusão do ensino elementar, resultante das 
tendências da própria Revolução, se espalharam muito mais rapidamente pela 
Europa. 
 Possibilitaram uma mobilização dos povos relativamente muito mais 
rápida e uniforme no seu sentido. Propiciaram mudanças práticas da vida 
num espaço relativamente amplo. 
 Todos foram atingidos muito mais consciente e uniformemente pelos 
mesmos pensamentos e acontecimentos. 
 Começava, para a Europa, aquele processo de concentração temporal, 
tanto dos acontecimentos históricos em si, como do conhecimento deles 
por todos. 
 Trata-se de um processo que fez enormes progressos e permitiu 
profetizar uma uniformização da vida dos seres humanos sobre a Terra, 
hoje atingida. 
 
c) O Processo de Concentração Temporal 
 
 Essa transformação estremeceu ou enfraqueceu todas as ordens e 
classificações da vida vigentes até então. 
 Tempo das modificações: exigia e exige um esforço constante e 
extremamente difícil para que haja uma adaptação interna. Provoca 
violentas crises de adaptação. 
De agora em diante, quem pretender dar a si próprio razão da sua vida real, da 
sua posição dentro da sociedade humana, é obrigado a fazê-lo sobre uma base 
prática muito mais ampla e dentro de um contexto temporal muito maior do que 
outrora, para manter a consciência constante de que o chão social sobre o qual se 
vive não está em repouso em nenhum instante, mas é modificado incessantemente 
pelos mais múltiplos estremecimentos. 
 
d) Razões Individuais do Advento do Realismo em Stendhal 
Por que a moderna consciência da realidade histórica se personificou em forma literária 
em Stendhal (Henri Beyle)? 
 Traços estilísticos característicos de seu narrador: espirituoso, vivaz 
interiormente independente e corajoso, mas não propriamente uma grande 
figura. 
 Pensamentos enérgicos e geniais, mas também erráticos e arbitrariamente 
apresentados. 
 Ostenta audácia, mas sem segurança nem coesão internas, como se todo seu ser 
tivesse algo de fragmentário. Algo frágil em seu ser 
 Alternância entre franqueza realista no conjunto, e tolo jogo de encobrir em 
relação aos detalhes; frio domínio de si mesmo, ardoroso abandono aos prazeres 
dos sentidos e insegura, por vezes, sentimental vaidade. 
 Mas apresenta formulação linguística muito impressionante e 
inconfundivelmente original. Tem fôlego curto, mas é desigual nos seus êxitos, 
raramente apreende e retém o objeto de forma total. 
 Mas se entregou ao momento. As circunstâncias pegaram Stendhal, o jogaram 
de um lado para outro e confiaram-lhe um destino inesperado e singular. 
Formaram-no de tal modo que se viu obrigado a se entender com a realidade de 
uma forma que ninguém antes conhecera. 
 
 Biografia de Stendhal 
a) Primeira parte de sua vida 
 6 anos de idade, em Grenoble: Revolução Francesa (1789) 
 16 anos: abandona sua cidade natal, a família solidamente burguesa, abastada e 
reacionária 
 18 Brumário (segundo mês do calendário republicano, outubro-novembro): 
chegada em Paris em 10/11/1799. 
 Pierre Daru, parente de Stendhal, influente colaborador do primeiro-cônsul: 
ingressou o futuro escritor no exército de Napoleão. 
 Stendhal viu a Europa pela campanha napoleônica. 
 Torna-se homem do mundo “muito elegante”. 
 Carreira brilhante na administração napoleônica: funcionário administrativo 
muito apto e um organizador de confiança, sangue-frio, sem perder a calma nem 
nos momentos de perigo. 
 1815, batalha de Waterloo (Bélgica): queda de Napoleão e de Stendhal com 32 
anos de idade. 
 Primeira parte da sua carreira ativa, bem sucedida e brilhante, tinha passado. 
 
b) Segunda Parte da Vida de Stendhal 
 
 Vida futura sem qualquer profissão, nem qualquer lugar ao qual pertencer. 
 Pode ir para onde quiser, enquanto tiver dinheiro o suficiente, e enquanto as 
desconfiadas autoridades da época pós-napoleônica nada tenham a objetar contra 
a sua permanência. 
 Mas as suas condições econômicas pioram gradativamente. 
 1821: expulso pelo governo da polícia contrarrevolucionária da cidade de Milão, 
onde se havia instalado num primeiro momento; 
 Volta para Paris e ali vive durante nove anos, sem profissão, sozinho, com meios 
muito parcos. 
 Depois da Revolução de Julho: amigos lhe conseguem um posto no serviço 
diplomático. 
 Austríacos lhe negaram autorização para Stendhal ir para Trieste. 
 Parte como cônsul a Civitá Vecchia, uma cidadezinha portuária, em uma 
residência triste. Por vezes intrigaram-no quando estendia demais suas visitas a 
Roma. 
 Passa alguns anos de férias em Paris, onde morre em 1842, acometido por um 
ataque de apoplexia, no meio da rua, com menos de 60 anos de idade. 
 
O Prestígio de Stendhal na Segunda Parte da Vida 
Adquire fama de um homem espirituoso, excêntrico, política e moralmente indigno de 
confiança. Começa a escrever: 
a) Sobre música, sobre a Itália e a arte italiana, sobre o amor 
b) Em Paris, 43, florescimento do movimento romântico (no qual interveio a seu 
modo), Stendhal publica o seu primeiro romance (Amance). 
 
Balanço da Vida de Sthendal por Auerbach 
 Dedicação ao ofício de escritor: já era quarentão, a carreira brilhante ficou para 
trás. 
 Stendhal toma consciência de si mesmo, “náufrago num barquinho”, à procura 
de um porto seguro, descobre que não havia mais porto apropriado para ele. 
 Anotações de que se sentia rigorosamente sem pertencimento a lugar algum. 
 Sentimento orgulhoso de ser diferente dos demais. 
Só então mundo social torna-se para ele um problema e tema de sua atividade 
artística. A literatura realista de Stendhal brotou de seu mal-estar no mundo pós-
napoleônico, assim como da consciência de não pertencer ou mesmo de não ter nele 
um lugar certo. 
 
ROUSSEAU 
Elementos rousseaunianos e românticos: o mal estar no mundo dado e a incapacidade de 
se incorporar a ele. 
Motivos e as motivações do isolamento de Stendhal são diferentes das de Rousseau: 
 Stendhal possuía inclinação e também capacidade para a vida prática. 
 Busca do gozo sensível da vida como tal. Não se afastou de antemão da 
realidade prática, não a condenou em seu todo. Tentou dominá- la e o consegue 
no começo. 
 Desejo de sucesso e do prazer de modo materialista. Admira a energia e o 
domínio da vida. 
 Mesmo o “silêncio da felicidade” (le silence du bonheur, tema de Rousseau) em 
Stendhal é mais sensual, mais plástico, mais dependente da sociedade humana e 
das obras humanas do que as de Rousseau. 
Rousseau: 
 Pouco à vontade em seu mundo social que não se modificou grandemente 
durante sua vida. Ascendeu dentro dele, sem se tornar mais feliz, sem melhorar 
as suas relações com o mesmo, que parecia permanecer inamovível.Stendhal 
Somente quando o prazer e o êxito começaram a escapar a Stendhal, quando as 
circunstâncias práticas ameaçaram tirar-lhe o chão de sua vida, a sociedade de seu 
tempo tornou-se para ele problema e assunto. 
Stendhal viveu enquanto um terremoto atrás do outro sacudiu os fundamentos 
sociais. Um destes tremores desligou-o do andamento cotidiano da sua vida, que 
estava predeterminado para homens da sua classe. 
 Como muitos dos seus semelhantes, o mundo o jogou em meio a aventuras atrás 
da outra, anteriormente inconcebíveis, vivências, responsabilidades, 
autoprovações, experiências de liberdade e de domínio. 
 Outro estremecimento jogou-o de volta para um cotidiano que lhe pareceu mais 
carente de atrativos do que o primeiro. 
 Nada era mais durável, novos tremores estavam no ar e eclodiam aqui e ali, 
ainda que não tão violentamente quanto os primeiros. 
 Interesse de Stendhal pela literatura: dirigiu-se para as experiências de sua 
existência própria, não para a estrutura de uma sociedade possível, para as 
modificações da sociedade realmente existente. 
 
Consequências: A Perspectiva Dinâmica da História em Stendhal 
 Presença constante em sua obra da perspectiva dinâmica dos tempos. Domina 
seu pensamento a imagem das formas e modos de vida que se modificam 
incessantemente. Nutre esperanças de que em 1880 ou 1930 encontrará leitores 
que o entendam: 
Ex.: ´ 
O espírito [de uma época], tão delicioso para quem o sente, não dura. Como a pesca passa em 
poucos dias, o espírito passa em duzentos anos, e muito mais rapidamente, se há uma revolução 
nas relações que as classes de uma sociedade têm entre si. Como um pecado passa em alguns 
dias, o espírito passa em duzentos anos, e bem mais rápido, se houver revolução nas relações 
que as classes têm entre elas. (A vida de Henri Brulard) 
Capitulo 7, de Souvenirs d’égotisme: “no tempo em que esse palavreado for lido”, ter-se á 
convertido em lugar comum responsabilizar as classes dominantes pelos crimes de ladrões e de 
assassinos. 
Se eu colocar vinte (anos), todas as tonalidades e nuances da vida estarão mudadas, o leitor verá 
apenas as massas. E onde, diabo, estão as massas nesses jogos de minha pena? 
 “Massas”: grandes linhas. Teme que em vinte anos após a sua morte todas as nuanças se 
tornem incompreensíveis, o leitor só verá as grandes linhas de sua representação. 
Método de Composição 
 A perspectiva temporal atravessa a representação de Stendhal que trata da 
realidade com que se defronta: “Recolho ao acaso aquilo que está em meu 
caminho”. 
 Esse era também o método de Montaigne, eficiente por excluir a arbitrariedade 
das construções pessoais e para se entregar à realidade dada. 
 Mas a realidade com que Stendhal se defrontava: não podia ser representada sem 
uma referência constante às violentas mudanças do passado imediato e sem um 
tatear premonitório das mudanças futuras. 
 Escritores realistas do século XVIII pré-revolucionário: Goldschmidt, Prévost, 
Fielding, Voltaire, Rousseau, Schiller da juventude. Stendhal penetra de modo 
mais profundo nas condições sociais da época que esses escritores. 
Todas as figuras humanas e todos os acontecimentos humanos apresentam-se, na 
sua obra, sobre uma base política e social movimentada. O realismo moderno sério 
só pode representar o ser humano por meio de seu enraizamento na realidade 
concreta enquanto totalidade social, política econômica e em constante 
transformação. 
 
Modo de Stendhal Apreender e Interligar os acontecimentos históricos e sociais 
 Perspectivismo da história em sua obra, com uma constante consciência das 
mudanças e abalos. 
 Mas a sua compreensão das mudanças e transformações do tempo histórico não 
guarda semelhança com o historicismo que irrompeu na França em sua época, 
com atenção empática à origem e evolução dos povos. 
 Capta cada uma das nuances de seu tempo e constrói com exatidão a estrutura 
individual de cada ambiente. Mas não possui qualquer sistema racionalista 
preconcebido sobre os fatores gerais que determinam a vida e a história social. 
 Também não é utópico, não possui um modelo de como a sociedade deveria ser. 
 Nos pormenores e na sua representação dos acontecimentos absorve a psicologia 
moral clássica. Dedica-se antes a uma análise do coração humano. 
 Não realiza uma pesquisa nem pressente as forças históricas gerais que 
impulsionam os acontecimentos. 
 Motivos que regem o encadeamento dos episódios de sua ficção e de seus 
caracteres: racionalistas, empíricos, sensualistas, mas não romântico-históricos. 
 Mathilde de La Mole e sua família: orgulhosa da sua origem, ela rende um culto 
fantástico a um antepassado executado no século XVI por uma conjuração. 
 Esse orgulho é narrado por Stendhal de acordo com critérios sociológicos e 
psicológicos importantes. Mas fica distante de tentar procurar compreender a 
gênese, a essência e a função da aristocracia, tal como fazia o historicismo 
romântico. 
 Stendhal observa o Absolutismo, a religião e a Igreja, os privilégios de classe tal 
como um iluminista, isto é, como uma rede de superstições, embuste e intrigas. 
 
Elementos do Setecentismo Francês em Stendhal 
 A paixão, a intriga astuciosamente urdida desempenha um papel decisivo na sua 
estrutura da ação. Já as forças históricas que lhe servem de base mal aparecem. 
 Isso pode ser explicado a partir de sua ideologia política, que era democrático-
republicana, o que o torna imune ao historicismo romântico, preso à gênese do 
passado. 
 Mas Stendhal também trata das classes da sociedade, segundo seus ideais 
republicanos, de forma extremamente crítica, sem qualquer traço dos valores 
sentimentais que o romantismo ligava à palavra povo. 
 Causa- lhe horror e enfado a vida ativa da burguesia que ganha decentemente o 
seu dinheiro. Tem horror à virtude republicana dos Estados Unidos. 
 Desagradava-lhe o caráter enfático dos estilos de Chateaubriand (e também de 
Rousseau a quem amara na juventude e do qual se afastou posteriormente) 
 
Stendhal como Homem da Cultura da Corte do Século XVIII 
 Apesar de toda a sua objetividade e republicanismo juvenil, lamenta a ruína da 
cultura social do Antigo Regime: “Por meu modo de ver, falta o espírito, cada 
um reserva todas as suas forças por uma profissão que lhe dê uma posição no 
mundo” (Capítulo 30, de Henri Brulard, livro de memórias da juventude de 
Stendhal). 
 Para Stendhal, deixaram de ser decisivos o nascimento, o cultivo do espírito ou a 
autoformação como honnête homme em favor da destreza no ofício. 
 Pode-se, certamente, como seus heróis, trabalhar e ser ativo em caso de 
necessidade. Mas como seria possível levar a sério algo como um prosaico 
trabalho profissional? 
 Amor, música, paixão, intriga e heroísmo são coisas pelas quais vale a pena 
viver. 
 Stendhal é filho da grande burguesia do Antigo Regime, não quer nem por 
tornar-se um burguês do século XIX. Ele mesmo diz que suas opiniões foram 
republicanas na juventude, mas que sua família legou- lhe instintos aristocráticos. 
 Lamenta que depois da Revolução, o público do teatro se embruteceu e acredita 
que os liberais são escandalosamente tolos: “A conversa com um grande 
comerciante da província me deixa embotado e infeliz pelo resto do dia”. 
 Stendhal às vezes tem acessos pronunciadamente socialistas. Mas não estiliza as 
“massas”. Por mais realista que sua obra seja, não há nela povo, no sentido 
“romântico-nacional”, nem no sentido socialista. Só há pequeno-burgueses e 
figuras decorativas como soldado, criados e garçonetes. 
 Trata de peculiaridades paisagísticas e nacionais, por exemplo, das diferenças 
entre Paris e a província, mas a partir de sua própria experiência, não levando 
em conta a forma romântica da gênese histórica, mas como uma espécie de 
“psicologia nacional”. 
 
Modo de Stendhal Representar o Indivíduo 
 Stendhal enxerga o indivíduo menos como produtode uma situação histórica e 
como coadjuvante da mesma, e mais como um átomo dela. É como se ele o 
jogasse quase fortuitamente no ambiente em que vive. 
 O mundo para seus heróis é um obstáculo com o qual se pode dar bem ou mal, 
mas não um solo nutriz no qual estivesse unido organicamente. 
 Concepção stendhaliana do ser humano: materialista e sensualista. 
 “Chamo de caráter de um homem sua maneira habitual de ir à caça de felicidade, 
em termos mais e menos qualificativos, o conjunto de seus hábitos morais” 
(Henri Brulard). 
 Para ele, a felicidade só pode ser encontrada no cultivo do espírito, na paixão ou 
na fama. 
 Sua aversão pela eficiência da burguesia provinciana, contra o tipo burguês, 
poderia ser romântica. Mas um romântico dificilmente teria aversão por 
atividades lucrativas. 
 Sua concepção de “espírito” e de liberdade é a do século XVIII pré-
revolucionário. Deve-se, para ele, pagar a liberdade com pobreza, com solidão 
interior e exterior. 
 Seu esprit se torna paradoxal, amargo e mordaz, sem a autoconfiança da época 
de Voltaire, não domina com a maestria de um grande senhor do Antigo Regime 
nem sua existência social. 
 Sempre sente e vivencia a realidade de seu tempo como obstáculo. Assim, 
embora seu realismo não tenha surgido de uma compreensão genética amorosa 
dos processos históricos, está tão energicamente ligado à sua existência. 
Seu realismo é produto de sua luta pela sua autoafirmação. Devido a isso, seu 
realismo pode explicar porque o nível estilístico de seus grandes romances realistas 
se aproxima muito mais do antigo conceito grande e heroico do trágico : Julien 
Sorel é muito mais heroico do que as figuras de Balzac ou Flaubert. 
Mas Stendhal está próximo de seus contemporâneos românticos, e até lhes sobrepuja, na 
luta contra as fronteiras estilísticas entre o realista e o trágico. 
 
A Regra Estilística Antiga 
 Ela excluía todo e qualquer realismo material das obras trágico-sérias, mas 
se afrouxa já no século XVIII. 
 Diderot propagou esse afrouxamento. Formulou um nível estilístico médio, 
sem ultrapassar o burguês-comovente. Romance, Sobrinho de Rameau: 
personagens da classe média, quando não baixa, representados com certa 
seriedade. Mas essa seriedade lembra mais o moralista e o satírico do 
Iluminismo do que o realismo do XIX. 
 
O legado estilístico de Rousseau: 
Rousseau não penetrou no pensamento totalmente histórico, mas ajudou a despertar o 
novo senso do individual por meio do desvendamento de sua própria e incomparável 
individualidade. 
Trata seus temas e sua própria vida com um interesse fortemente apologético e crítico 
moral. Seus juízos sobre os acontecimentos estão marcados mais por seus princípios de 
direito natural do que pela realidade do mundo social que não se torna um objeto 
imediato para ele. 
Exceção são as Confissões: representam a própria existência numa situação real e com 
respeito à vida contemporânea. Isso serviu de modelo estilístico para os escritores 
seguinte com maior senso de realidade. 
Com o conceito de “homem primitivo ou natural”, Rousseau politizou o conceito idílico 
da natureza. Criou uma imagem modelar da vida com grande força sugestiva. Acreditou 
que esse ideal poderia ser imediatamente realizado. 
Esse conceito estava em contraste com a realidade existente. Mas claramente se 
evidenciava também que essa concepção idílica de vida estava fadada ao fracasso. 
Por isso, a realidade histórica, prática converteu-se em problema de uma maneira antes 
desconhecida, mais concreta e mais próxima. 
 
Rousseau entre os Românticos: 
Primeiros decênios após a morte de Rousseau, “pré-romantismo” francês: o fracasso do 
ideal de Rousseau teve um efeito de terrível desilusão. Levou os escritores a se 
evadirem da realidade. O período da Revolução, do Império napoleônico e da 
Restauração é pobre em obras literárias realistas. 
Heróis de autores do pré-romantismo têm aversão quase mórbida a entrar em contato 
com a vida contemporânea. 
Em Rousseau, a contradição entre o natural desejado e o real historicamente 
fundamentado tornou-se trágica. Ele não mais vivia quando a Revolução e Napoleão 
criaram uma situação não natural, como queria Rousseau, mas totalmente nova, 
enredada na história. 
Mas a geração seguinte viveu a resistência vitoriosa do histórico-real. Esse mundo novo 
destruiu suas esperanças e não lhe deixavam à vontade. Opôs-se a ele e dele se afastou. 
De Rousseau guardaram apenas a cisão interna, a tendência a evadir-se da sociedade, a 
necessidade de se isolar e de ficar sozinho. Contribuíram para isso as circunstâncias 
externas que destruíram a unidade da vida espiritual e a influência dominadora da 
literatura na França. 
Mas devido mesmo a esse caráter negativo da relação dos pré-românticos com a 
realidade social de seu tempo, essa relação tornou-se muito mais problemática do que a 
de um iluminista com seu tempo. 
A contraposição de Rousseau entre estado natural da humanidade versus a realidade 
existente da vida historicamente determinada converteu essa última em problema 
prático. 
Desde então, desvalorizou-se a representação da vida ao estilo do século XVIII, isto é, 
imóvel e sem problematização histórica. 
Iniciado na Alemanha e na Inglaterra, com tendências históricas e individualistas na 
França há tempos, o romantismo se desenvolve por completo em 1820 com Victor 
Hugo. 
Mas em Victor Hugo se manifesta por completo o contraste entre o tratamento clássico 
dos temas e com a linguagem clássica. A formulação desse contraste é demasiadamente 
antitética na obra de Hugo: os polos da mistura estilística entre o sublime e grotesco não 
tomam em consideração o real. 
Antes ressalta, nos temas históricos ou contemporâneos, os polos estilísticos do sublime 
e do grotesco, mas com tanto vigor que eles se entrechocam com violência. 
Dessa forma, embora com efeitos fortes, são inverossímeis, e como reprodução da vida 
humana, inverossímeis. 
 
Balzac, O pai Goriot (1835). Tradução de Marina Appenzeler. São Paulo: Editora 
Liberdade, 2002. 
Esse cômodo está em todo o seu esplendor quando, perto das sete horas da manhã, o gato da 
senhora Vauquer precede sua dona, salta sobre os aparadores para farejar o leite contido em 
várias tigelas cobertas por pratos e faz ouvir seu ronrom matinal. Logo a viúva aparece, ataviada 
com sua touca de tule, sob a qual pende uma mecha de cabelo postiço mal colocada; ela anda 
arrastando seus chinelos tortos. O rosto velhusco, rechonchudo, do meio da qual surge um nariz 
de bico de papagaio; as pequenas mãos roliças, sua pessoa redonda como um rato de igreja, seu 
corpete muito apertado e desalinhado estão em harmonia com essa sala onde ressuma a desdita, 
onde se esconde a especulação, e cujo ar mornamente fétido a senhora Vauquer respira sem 
sentir repugnância. Sua figura, fresca como uma primeira geada de outono, os olhos enrugados, 
cuja expressão passa do sorriso prescrito às dançarinas à amarga carranca do agiota, enfim toda 
a sua pessoa explica a pensão, assim como a pensão implica a sua pessoa. Não existem os 
condenados a trabalhos forçados sem os sentenciadores, não pensaríeis um sem o outro. A 
gordura macilenta dessa pequena mulher é produto dessa vida, assim como o tifo é 
consequência das exalações de um hospital. Sua anágua de lã tricotada, que fica aparecendo sob 
sua primeira saia feita com um vestido velho, e cujo forro escapa pelas brechas do tecido 
rasgado, resume a sala de estar, a sala de jantar, o jardinzinho, anuncia a cozinha e faz pressentir 
os pensionistas. Quando ela está ali, o espetáculo está completo. Com cerca de cinquenta anos, a 
senhora Vauquer se parece com todas as mulheres que tiveram desgraças. Tem os olhos vítreos, 
o ar inocente de uma alcoviteira que vai intimidar para cobrar mais, mas que, antes de mais 
nada, está disposta a tudo para amenizar seu destino, a entregar Georges ou Pichegru, se 
Georges ou Pichegru* ainda estivessemsendo procurados. No entanto, no fundo é uma boa 
pessoa, dizem os pensionistas, que a julgam sem recursos ao ouvi-la gemer e tossir como eles. 
Quem havia sido o senhor Vauquer? Ela jamais falava sobre o falecido. Como ele perdera sua 
fortuna? Nas desgraças, respondia sempre a velhota. Ele não se portara bem com relação à sua 
esposa, só lhe deixara os olhos para chorar, aquela casa para viver e o direito de não se condoer 
com nenhuma desgraça, porque, dizia, sofrera tudo o que é possível sofrer. 
*Charles Pichegru (1761-1804) antigo general revolucionário. Georges Cadoudal (1771-1804), 
célebre chefe da insurreição da Vendeia (insurreição contra a Convenção Nacional da Primeira 
República, 1793). Conspiraram contra o primeiro-cônsul e foram detidos após longas buscas 
pela polícia. A recompensa para quem os entregasse era enorme. 
 
Traços Peculiares da Descrição do Ambiente e de Mme. Vauquer: 
Retrato da dona da pensão interliga-se a sua aparição na sala de jantar. Ele surge em 
meio a essa atividade. Introduzida à maneira das bruxas pelo gato 
Motivo central da descrição pormenorizada de Vauquer é a tese da harmonia 
entre a personagem, a vida que leva e o ambiente. Trata-se da harmonia entre sua 
pessoa e o que chamamos de meio (milieu). 
A harmonia é sugerida por meio de: 
 No aspecto gasto, gordo, caloroso, da forma suja e sexualmente repulsiva de seu 
corpo e suas roupas. 
 Na comparação com os sentenciados 
 Na associação entre a gordura macilenta como produto da vida de Vauquer ao 
tifo como resultado das exalações do hospital. 
 Anágua: síntese das diferentes especialidades da pensão, como antegosto dos 
produtos da cozinha e como prenúncio dos hóspedes da pensão. Símbolo do 
ambiente e do conjunto todo. 
 
Descrição sem ordem lógica, arbitrária e desconexa, sem plano sistemático no retrato da 
aparência de Vauquer: 
 
a) Primeira sequência da descrição não contém indicação de separação entre roupa 
e corpo, descrição física e descrição moral: cobertura da cabeça, penteado, 
chinelos, rostos, mãos, corpo, novamente rosto, olhos, corpulência, anágua. 
 O alvo da descrição é a fantasia mimética do leitor remetido às 
lembranças de pessoas semelhantes e de ambientes semelhantes que 
possa ter conhecido. 
 Tese de unidade de estilo entre o meio e a personagem: não é 
demonstrada, não é fundamentada racionalmente, mas sugerida. 
 A harmonia é apresentada como um estado de coisas imediatamente 
apreensíveis, de maneira puramente sugestivas, sem provas. 
 As frases pressupõe a tese da harmonia: “as pequenas mãos roliças, sua 
pessoa redonda como um rato de igreja,” e “ar mornamente fétido a 
senhora Vauquer respira sem sentir repugnância”. 
 As frases implicam uma significação sociológico-moral dos móveis e das 
peças do vestuário; e a possibilidade de determinar os elementos ainda 
não visíveis do ambiente. Mas é só uma sugestão, como é a menção ao 
tifo. Não são provas nem tentativas disso. 
 
b) Segunda sequência da descrição: complementa o baixo demonismo da primeira 
descrição. Primeira parte, faz uma síntese da unidade vital do espaço dominada 
por Vauquer, a segunda sequência aprofunda a baixeza do seu ser: 
 
 Não se menciona mais o motivo da harmonia 
 O princípio proposital da segunda sequência é a história pregressa de 
Vauquer. 
 Mas não realiza uma separação entre a aparência e essa história pregressa 
 a segunda sequência também realiza composição dos traços físicos e uma 
de elementos físicos, históricos e morais de um retrato. 
 A abordagem da história pregressa não tem a capacidade de realizar 
esclarecimento algum posta sob um lusco-fusco. 
 Baixo demonismo no retrato de Vauquer: ela se assemelha a tantas 
mulheres cinquentonas que sofreram desgraças. Se parece no fundo com 
uma boa mulher, mas possui, como se dirá mais tarde, uma bela 
fortuninha; é capaz de qualquer baixeza para melhorar de vida; 
 A limitação baixa e vulgar das metas desse egoísmo, mistura de tolice, 
astúcia e força vital escondida dá a impressão de algo repulsivamente 
fantasmagórico. 
 
Razões da Falta de Ordem e do Desleixo em Balzac: 
 Pressa com que Balzac escrevia. Mas a desordem e o desleixo não são casuais. 
São resultado de sua obsessão por imagens sugestivas. 
 O retrato de Mme Vauquer se adéqua em desgosto ao quadro inteiro. 
 O motivo da unidade do ambiente se apossa de Balzac com tanto ímpeto que 
objetos e pessoas ganham com frequência um segundo significado, diferente do 
significado cognoscível, mas essencial: um significado definido por 
“demoníaco”. 
 A sala de jantar, seus móveis, seus apetrechos gastos e mesquinhos podem ser 
tranquilos e inofensivos para uma mente não influenciada pela fantasia. 
 Mas nela também “ressuma a desgraça, esconde-se a especulação”. Nessa 
cotidianidade trivial ocultam-se bruxas alegóricas. No lugar da velha 
rechonchuda e desordenadamente vestida vê-se surgir por instantes uma 
ratazana. 
 A unidade do espaço vital determinado é sentida como uma visão de conjunto 
demoníaco-orgânico, descrita com meios extremamente sugestivos. 
 
Representação dos Ambientes como Unidades Orgânicas e Demoníacas em Balzac: 
 Frequentemente, a descrição dos ambientes em Balzac estabelece uma atmosfera 
moral. Em sua maneira de representar a realidade, o escritor sente todos os 
meios, por mais diferentes que sejam, como unidades orgânicas e tenta 
transmiti- los ao leitor, por mais desagradáveis que sejam. 
 Localiza os seres cujo destino contava seriamente na sua moldura histórica e 
social perfeitamente determinada. Considera esta relação como necessária. 
 Todo espaço vital torna-se para ele uma atmosfera moral e física: a paisagem, 
habitação, móveis, acessórios, vestuário, corpo, caráter, trato, ideologia, 
atividades e destino, tudo permeia o ser humano. 
 Ao mesmo tempo, a situação histórica geral aparece, novamente, como 
atmosfera que abrange todos os espaços vitais individuais. 
 Essa associação é mais feliz em Balzac quando se trata de representar os círculos 
da burguesia média e pequena de Paris e da provincial. Mas menos feliz e mais 
melodramática, às vezes até inverossímil, quando representa a nobreza. Não é 
capaz de criar uma atmosfera certa para as zonas mais elevadas da vida, 
inclusive para intelectuais. 
 
O Historicismo Romântico em Balzac 
 O realismo atmosférico de Balzac é também produto de sua época, sendo ele 
próprio parte e produto de uma atmosfera. 
 Trata-se do mesmo historicismo romântico que percebeu com tanta intensidade a 
unidade atmosférica do estilo das épocas anteriores, que descobriu a Idade 
Média, o Renascimento e as culturas estrangeiras (Espanha e Oriente): 
determinadas pelo clima, meio, paisagem, hábitos e costumes de suas diferentes 
épocas e espaços. 
Balzac transfere o historicismo romântico para a representação da história das 
camadas sociais da França, sejam elas provincianas ou citadinas. Essa mesma 
forma espiritual desenvolveu uma compreensão orgânica da peculiaridade 
atmosférica da própria época, em todas as suas variadas formas. 
Historicismo e realismo atmosférico estão em estreita conexão. Michelet e Balzac são 
arrastados pela mesma corrente. 
Os acontecimentos ocorridos na França entre 1789 e 1815 e suas consequências 
trouxeram o fato de ser precisamente na França onde o realismo moderno 
contemporâneo chegou mais cedo e mais fortemente se desenvolveu. A unidade 
político-cultural do país lhe proporcionou um importante avanço, maior que na 
Alemanha, por exemplo. A realidade francesa podia ser abrangida, em toda a sua 
variedade, como um todo. 
Ao lado da simpatia romântica pela totalidade atmosférica dos espaços vitais, 
outra corrente que contribuiu em equivalente grau para o desenvolvimento do 
realismo moderno foi o da mistura de estilos. 
Ela permitiu que personagens de qualquer classe social, com todos os seus 
entrelaçamentos vitais prático-cotidianos se tornassemobjetos da representação 
literária séria. Balzac representa o mundo prático, feio e vulgar de modo trágico, 
como nunca antes. 
 
A Junção de Elementos Biológicos, Sociológicos, Históricos e Morais em Balzac 
Introdução de Balzac à Comédia Humana (1842): explica a própria obra por meio de 
uma comparação entre o reino animal e a sociedade humana. 
Inspira-se no biólogo Geoffroy Sainte-Hilaire: afirma o princípio de unidade típica na 
organização das plantas e dos animais: o criador teria se servido de um só modelo para 
todos os seres orgânicos. O animal seria um princípio que assume sua forma exterior e 
assume as diferenças de sua forma nos ambientes onde se desenvolve. 
Balzac transfere esse sentido para a sociedade humana: ela faria do humano, segundo os 
ambientes onde se desenvolve, tantos homens diferentes quantas são as variedades 
zoológicas. 
Balzac fundamenta suas opiniões acerca da sociedade humana (tipo humano 
diferenciado pelo meio) mediante analogias biológicas. A palavra meio (milieu) aparece 
pela primeira vez em sentido sociológico teve um grande destino posterior em Taine. 
Mas o biologismo balzaquiano é especulativo, místico e vitalista. Sua representação 
ideal, “animal” ou “homem” é concebido como uma ideia platônica, não em sentido 
imanente. 
As diferentes espécies e gêneros são apenas formas exteriores. São vistas não como se 
fossem mutantes, mas fixas (um soldado, um trabalhador etc. assim como um leão, um 
burro etc.). 
A palavra “ambiente” já existia em Montesquieu que considera muito mais as condições 
naturais (clima, solo) do que, como em Balzac, as condições que surgem da histó ria da 
humanidade. 
Balzac constrói os diferentes meios como representações modelares inamovíveis às 
quais é preciso explicar, caso por caso, o modelo de constituição e legislação apropriado 
para elas. Ele fica, na prática, inteiramente sob o sortilégio dos elementos estruturais 
históricos e constantemente mutante s segundo os meios. Interessa- lhe o tipo “ser 
humano”, isto é, tipos específicos: “soldado”, “comerciante”. 
Como os meios variam, vê-se a figura individual, concreta, internamente corpórea e 
histórica, surgida da imanência da situação histórica, social, física etc. e em constante 
mutação, não o “soldado”, mas aquele soldado específico, daquelas condições históricas 
especificas. 
Balzac foi responsável pela criação de personagens concebidos como tipos sociais: 
dessas analogias biológicas resulta, em sua obra, a compreensão de que há diferenças 
entre um trabalhador, um soldado, um funcionário público, um marinheiro, um sábio, 
um sacerdote, um pobre etc. são comparados ao leão, lobo, burro, corvo, tubarão e 
assim por diante. Mas mudando o ambiente, cada soldado, funcionário, marinheiro etc. 
se modifica. As diferentes espécies e gêneros são apenas formas externas. 
 
Outros Princípios Estéticos da Introdução à Comédia Humana. 
a) A Psicologia Moralista 
Na Introdução, Balzac concebe o romance de costumes como história filosófica 
sustentada energicamente. Sua atividade deve ser considerada como historiografia. 
Concebe o conjunto de seus romances como representação global da sociedade francesa 
do século XIX, designada como obra histórica. Quer traçar pormenorizadamente a razão 
dos efeitos sociais, meditar sobre os princípios naturais e ver em que as sociedades se 
aproxima ou se distancia da regra eterna do belo e do verdadeiro. 
Não lhe basta a filosofia “imanente” de seus romances de costumes. Emprega também 
imagens modelares clássicas: a regra eterna, o verdadeiro, o bem. 
Todos esses motivos encontram-se esparsos em sua obra: biológico, histórico, 
classicamente morais. Chega a falar em anatomia do coração humano, à maneira 
clássica. 
Elementos biológicos e historicistas reúnem-se na obra de Balzac, apesar de algumas 
obscuridades e muito exagero. Ambos se encaixam no seu caráter romântico-dinâmico 
que por vezes transbordam no romântico-mágico e demoníaco. Sente-se a ação aí de 
“forças” irracionais. 
b) O Narrador Intrometido. 
Em contraste, o elemento clássico-moralista age frequentemente como um corpo 
estranho. Esse elemento se manifesta na propensão de Balzac para formular sentenças 
morais de caráter generalizador. 
Às vezes são sentenças engenhosas, mas sofrem de generalização desmedida. Quando 
as sentenças morais crescem até se converterem em análises mais prolongadas surge o 
que vulgarmente se chama de “palavrório”. 
Assim Balzac pode representar todas as camadas sociais da França, seus diferentes 
hábitos e costumes como uma enciclopédia. Diante da vida, múltipla, embebida de 
história, representada sem rebuços, com tudo o que tiver de cotidiano, prático feio e 
comum, sua obra possui uma posição semelhante a Stendhal: leva-a a sério e até a 
considera tragicamente, nesta forma real, quotidiana e intra-histórica. 
Sua invenção não haure da livre força imaginativa, mas da vida real, tal como se 
apresenta em toda parte. 
 
A representação real, quotidiana e intra-histórica não havia existido em parte alguma na 
época posterior ao surgimento do gosto clássico. No setecentismo francês e 
imediatamente após a queda do Absolutismo, não somente o tratamento do quotidiano-
real havia se tornado muito mais limitado e decoroso, mas também a atitude que se 
tinha diante dele privava-se fundamentalmente do trágico e do problemático. 
O objeto da realidade prática podia ser tratado de forma cômica, satírica ou didático-
moralizante, certos objetos de campos bem determinados do contemporâneo e do 
quotidiano atingiam até o nível estilístico médio ou comovente, mas não se ia além. 
A irrupção da seriedade trágica e existencial no realismo, como se vê em Balzac e 
Stendhal, apresenta estreita conexão com o movimento romântico de mistura de estilos, 
designada pela fórmula Shakespeare contra Racine. Essa mistura do sério com a 
realidade cotidiana é muito mais decisiva em Stendhal e Balzac a de Victor Hugo sobre 
o sublime e o grotesco. 
A novidade da atitude e a nova espécie de temas que eram tratados séria, 
problemática e tragicamente tiveram como efeito o desenvolvimento progressivo 
de uma espécie totalmente nova de estilo sério ou se se quiser, elevado; nenhum dos 
níveis de percepção e expressão do passado, desde a Antiguidade, o cristão, o 
shakespereano, raciniano, podiam ser transferido sem mais para os novos temas. 
Stendhal: o realismo resulta de sua atitude contra um presente que lhe era desprezível. 
Mas seus heróis ainda estão embebidos da memória de figuras como Romeu, Don Juan, 
Valmont. Vive nele a figura de Napoleão. Seus heróis pensam e sentem contra o tempo. 
Rebaixam-se com desprezo às intrigas e maquinações do presente pós-napoleônico. 
Neles prevalece o conceito de que uma figura, pela qual se sente empatia trágica, deve 
ser um herói autêntico, grande e audacioso em pensamento e paixões. A liberdade do 
coração grande, a liberdade da paixão ainda tem, em Stendhal, muito daquela postura 
aristocrática e do jogo com a vida própria do Antigo Regime. 
Balzac submerge seus heróis bem mais profundamente nas águas dos tempos. Mas ao 
mesmo tempo ainda não possui aquela seriedade objetiva e neutra que seria em seguida 
desenvolvida. 
Qualquer enredo, por mais trivial ou corriqueiro que seja, é por ele tratado com 
grandiloquência, como se fosse trágico. Com isto perdem-se a medida e os limites 
daquilo que anteriormente era considerado trágico. Qualquer mania é por ele vista 
como paixão. Está sempre disposto a marcar qualquer infeliz com selo de herói ou de 
santo. Se se trata de uma mulher, compara-a a um anjo ou madona. Demoniza todo e 
qualquer malvado vigoroso, ou qualquer figura sombria. 
Isso correspondia ao temperamento agitado de Balzac, cálido e carente de crítica. Mas 
também correspondia à moda estilística romântica de buscar por toda parte forças 
demoníacas secretas e exacerbar a expressão até o melodramático. 
Somente na geração seguinte, nosanos de 1850, desaparece qualquer reação no sentido 
de o narrador formular juízos morais sobre a ação e o caráter das personagens. Somente 
com Flaubert o realismo torna-se impessoal e objetivo.

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