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Copyright © 2020 Brasil Paralelo Os direitos desta edição pertencem a Brasil Paralelo Editor Responsável: Equipe Brasil Paralelo Revisão ortográfica e gramatical: Equipe Brasil Paralelo Projeto de capa: Equipe Brasil Paralelo Produção editorial: Equipe Brasil Paralelo Bonaldo, Frederico As 5 grandes correntes éticas ocidentais: Aula 1 ISBN: 1. Filosofia CDD 100 __________________________________________ Todos os direitos dessa obra são reservados a Brasil Paralelo. Proibida toda e qualquer reprodução integral desta edição por qualquer meio ou forma, seja eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução sem permissão expressa do editor. Contato: www.brasilparalelo.com.br contato@brasilparalelo.com.br http://www.brasilparalelo.com.br/ mailto:contato@brasilparalelo.com.br SINOPSE Este é o primeiro e-book do curso “As cinco grandes correntes da ética no Ocidente”, com Frederico Bonaldo, o qual objetiva compreender as cinco grandes correntes da ética no Ocidente, a fim de estabelecer uma relação dialética entre estas. Neste primeiro momento, você será introduzido a conceitos fundamentais, necessários ao devido entendimento das cinco tradições filosóficas. Quais as principais correntes da filosofia moral, o que é a filosofia, quais suas funções e quais suas fontes primordiais são apenas alguns dos temas abordados. OBJETIVO DE APRENDIZAGEM Ao final deste e-book, pretende-se que você saiba: quais as cinco grandes tradições da ética no Ocidente; o que é a filosofia moral; o que é a prática moral; o que é ethos; qual é o conteúdo da prática moral; o que são a razão prática e a razão teórica; quais as funções da filosofia moral; qual a fonte primordial da filosofia moral; o papel da literatura no esclarecimento moral; o esquema explicativo do conhecimento moral; quais critérios são utilizados para determinar a qualidade de uma ética filosófica. INFORMAÇÕES PRELIMINARES Neste curso “As cinco grandes correntes da Ética no Ocidente”, como o próprio nome informa, vamos abordar cada uma das cinco grandes correntes de ética no mundo ocidental. Neste e-book, referente à aula de introdução, iremos perpassar, sucintamente, por essas correntes, a fim de realizar, ao final, uma comparação dialética entre estas. ÉTICA DAS VIRTUDES A primeira corrente da ética no mundo ocidental é a Ética das Virtudes, a qual apresenta dois grandes representantes. O primeiro deles é Aristóteles, que elaborou a Ética das Virtudes no século IV a.C., sobretudo em seu livro “Ética a Nicômaco”. O segundo expoente é São Tomás de Aquino, um seguidor e continuador de Aristóteles. No século XIII d.C., São Tomás de Aquino escreveu “Suma de Teologia”, dedicando uma parte desta obra à ética, de uma maneira muito mais detalhada e pormenorizada do que a “Ética a Nicômaco” de Aristóteles. Tal minúcia se deve justamente ao fato de ter escrito a obra muitos séculos depois e de ter se baseado em outros autores, ainda que Aristóteles seja a referência principal. Esses são os dois grandes artífices da Ética das Virtudes. ÉTICA DO DEVER A Ética do Dever é a segunda grande corrente da ética no mundo ocidental. Seu grande expoente é Immanuel Kant, que vive no século XVIII. Kant apresenta, sobretudo, três livros em que trata da ética de forma programática: “Fundamentação da metafísica dos costumes”, “Crítica da razão prática” e “A metafísica dos costumes”. ÉTICA DA COORDENAÇÃO SOCIAL Terceira grande corrente de ética do mundo ocidental, a Ética da Coordenação Social também é chamada de Ética da Colaboração Social. O artífice da Ética da Coordenação Social é Thomas Hobbes, principalmente no livro “O Leviatã”, do século XVII. Essa corrente da ética é muito utilizada, nos dias de hoje, por vários autores, dentre eles, o John Rawls e Jürgen Habermas. Ainda que não se identifiquem como hobbesianos, estes teóricos apresentam um enfoque moral, ético, similar ao exposto por Hobbes em “O Leviatã”. Um adendo: Embora Hobbes preceda Kant cronologicamente, a Ética do Dever, desenvolvida por Kant, tem suas raízes em autores anteriores ao Hobbes. Por isso, neste contexto, foi posicionada em segundo lugar, não em terceiro. ÉTICA DO COMPORTAMENTO HUMANO Quarta grande corrente no mundo ocidental, a Ética do Comportamento Humano foi desenvolvida por David Hume, no século XVIII, cuja perspectiva está manifesta, sobretudo, em seu livro “Um tratado da Natureza Humana”. O David Hume também é anterior ao Kant. Entretanto, esse enfoque de ética como mera observação do comportamento do ser humano é algo que surge com o próprio David Hume, sendo inexistente anteriormente. ÉTICA DA UTILIDADE Última corrente a qual abordaremos, a Ética da Utilidade também é conhecida como Utilitarismo. O utilitarismo foi desenvolvido no século XIX, e tem como principais autores o Jeremy Bentham e, em seguida, o John Stuart Mill. A INFLUÊNCIA DESSAS CORRENTES NA ATUALIDADE Dentre esses cinco modelos ou tradições de ética, podemos elencar três como os mais seguidos pela humanidade atualmente. Em primeiro lugar, está a Ética da Coordenação Social de Thomas Hobbes. Conforme mencionado, ainda que não se declarem hobbesianos, no século XX, John Rawls, um norte-americano já falecido, e Jürgen Habermas, um alemão, bastante idoso, ainda vivo, que apresenta bastante influência no mundo todo, seguem, em larga medida, o esquema proposto por Hobbes. Em segundo lugar, está o Utilitarismo e, em terceiro, a Ética do Dever. Esta, de raiz kantiana, é o dever pelo dever. MORAL x ÉTICA Essas tradições acerca da ética compõe um fragmento da filosofia, chamado de filosofia moral ou de ética filosófica. Há autores que estabelecem uma distinção entre a palavra ética e a palavra moral. Particularmente, tanto por uma razão etimológica quanto por uma razão de nomenclatura atual, entendo essa diferenciação como desnecessária. Do ponto de vista etimológico, a palavra ética advém do grego ethos, enquanto a palavra moral descende da palavra mos, em latim, cujo plural é moris. Ethos e mos/moris significam, ambas, costume. Servem, portanto, para denominar um comportamento habitual, um comportamento costumeiro das pessoas. A partir da perspectiva da nomenclatura atual, tal discriminação também não encontra sustentação. Quando realizamos a análise do comportamento habitual dos seres humanos, podemos ter como objeto o comportamento costumeiro de um único ser humano ou de um conjunto de seres humanos. O estudo do comportamento rotineiro de apenas um ser humano é chamado de ética individual/pessoal ou de moral pessoal/individual. Por outro lado, o exame que tem por objeto o comportamento habitual de um agrupamento de seres humanos é denominado de ética pública/social ou moral pública/social. Estes dois motivos - ambas palavras, em sua raiz, significarem costume, e a questão terminológica mencionada acima - fazem com que seja possível tratar “moral” e “ética” como sinônimos. Por isso, as cinco grandes correntes de ética podem ser compreendidas como as cinco grandes filosofias morais na história do Ocidente. AÇÃO INDIVIDUAL: A BASE DA FILOSOFIA MORAL Qualquer destas filosofias morais utiliza, como ponto de partida, a prática moral do ser humano em seu cotidiano, ou seja, o conjunto de ações que os seres humanos tomam no dia a dia. A base fundamental, portanto, é a dinâmica, a lógica dessa prática moral. É exatamente nisto que focaremos nossa atenção neste e-book introdutório. A prática moral ou prática ética é a experiência comportamental do ser humano pré-filosófica, que ocorre antes que seja feito o exame filosófico sobre ela. O conteúdo da prática moral é a ação individual, é a ação de cada indivíduo. No entanto, não se trata de qualqueração individual. Esta precisa cumprir alguns critérios: ser uma ação individual consciente, voluntária e passional. Por consciente, quer-se dizer que esta ação foi feita com liberdade. O caráter voluntário serve para reforçar essa liberdade, indicando que o ato foi praticado com vontade. O termo passional, por sua vez, expressa que essa ação teve a influência dos sentimentos, das paixões. Em outras palavras, essa ação é consciente pois faz uso da inteligência, da razão. É voluntária porque faz uso da vontade, que é a faculdade do querer. E é passional por fazer uso da afetividade, dos sentimentos. Essa ação individual é composta e executada pelo sujeito. Diz-se que o indivíduo compõe a ação porque não a está realizando por ser mandado, mas sim porque quer executá-la. Por isso, ele faz a composição da ação. Por exemplo: o indivíduo vai para o trabalho e decide ir de ônibus em vez de ir de carro. Este indivíduo está livremente escolhendo seu meio para chegar ao trabalho. Esse homem está compondo a ação de chegar ao trabalho de uma maneira livre. Ele não executa a ação porque alguém pensou, em seu lugar, que deve pegar um ônibus. Esse indivíduo, além de ser o autor da ação, ao elaborá-la e refletir acerca dela, é o ator da ação, pois a executa. Quando falamos que o conteúdo da prática moral é ação individual consciente, voluntária e passional, estamos nos referindo ao âmbito da liberdade interior, não da liberdade exterior de poder, por exemplo, ir e vir. Essa liberdade interior consiste em que nós exerçamos os conhecimentos que obtivemos em nossas ações anteriores. Ao agirmos, sempre obtemos experiências e conhecimentos. A liberdade interior diz respeito a por em prática, nas novas ações, os conhecimentos aprendidos. Essa liberdade interior é irrepreensível. Por mais que o ambiente, no qual um indivíduo está inserido, possa lhe tolher a liberdade exterior, a liberdade interior jamais pode ser bloqueada por ninguém. São variados os conhecimentos que adquirimos em nosso agir cotidiano, os quais são utilizados para as ações subsequentes. Antes de agir, o indivíduo faz uma ponderação entre os cursos alternativos de ação que estão ao seu dispor, como, por exemplo, entre adiantar um trabalho que precisa fazer, assistir à televisão ou caminhar na esteira. Esses conhecimentos também consistem em julgar esses cursos alternativos de ação com base em valorações pessoais, individuais, ou com base em valorações de grupos aos quais este indivíduo pertence. Por exemplo: Rafael faz parte de um grupo beneficente que distribui alimentos para os pobres. No final de semana, Rafael recebe uma ligação do coordenador do grupo, que pede a ele que leve alguns quilos de arroz e feijão que foram arrecadados, para os pobres. Interiormente, Rafael pondera que gostaria de ir ao clube, pois está um dia bonito, e não de fazer esse trabalho. Ou seja, Rafael possui uma valoração pessoal de ajudar os pobres, por isso aderiu ao grupo, e também há a valoração do grupo, que faz com que as pessoas que nele adentram compartilhem daqueles valores de quererem ajudar os pobres. Rafael irá julgar qual ação tomar, ir para o clube ou levar os alimentos para os pobres, de acordo com essas valorações, contrapondo o valor “descanso” e o valor “ajudar o próximo”. Esses conhecimentos, que obtemos em nosso agir cotidiano, e que serão pauta de nossas ações futuras, apresentam motivação em nossas emoções. O ser humano não age, nunca, de maneira completamente fria, porque as emoções, os sentimentos, são inevitáveis e nos configuram como seres humanos. Não só a inteligência nos caracteriza enquanto humanos, mas também a vontade e as emoções. Além de nossas emoções, esses conhecimentos são motivados, igualmente, por compromissos já assumidos ou resoluções já firmadas. A origem da nossa prática moral ou ética pessoal sempre é a prática moral dos grupos em que somos educados ou a que pertencemos. A começar pela família. As práticas pessoais de um indivíduo, suas motivações valorativas, emocionais, em grande medida, são desenvolvidas no seio da família em que foi criado. Posteriormente, ocorre a adesão a outros grupos, como os amigos e os colegas de escola e de outras atividades extracurriculares. Depois, esse mesmo indivíduo pode adotar, para si, uma religião específica. Todos esses grupos têm práticas e valores. A prática moral desses grupos aos quais o indivíduo pertence permanece neste como ponto de referência mesmo depois de ter formado suas convicções pessoais. Por exemplo: Pedro tem 60 anos, mas, do ponto de vista ético e moral, não é completamente independente. Ele é responsável por seus atos, sempre, desde que use da razão. No entanto, as práticas morais dos grupos aos quais pertence continuam influenciando sua prática moral, independentemente da idade. A FILOSOFIA MORAL OU ÉTICA FILOSÓFICA Esses assuntos, abordados até aqui, compõem a ética moral cotidiana, não, propriamente, a ética filosófica. O ponto de partida da filosofia moral ou da ética filosófica é justamente esses comportamentos costumeiros dos grupos, considerados valiosos, chamados de ethos. O indivíduo interpreta os ethos de cada grupo ao qual pertence na forma de juízos morais, ou seja, faz juízo de valor acerca desses ethos: ethos da família; o ethos da religião; o ethos do clube de futebol, e assim por diante. A filosofia moral trata de explicitar a racionalidade, ou a falta dela, presente nesses juízos morais que o indivíduo faz dos ethos dos grupos ao qual pertence. Por isso, no livro “História Crítica da Filosofia Moral”, no qual está baseado este curso, o autor italiano Giuseppe Abbà sustenta que o enfoque primordial para a construção de uma filosofia moral, ou ética filosófica, é o enfoque do “eu” que ajo, ou seja, da pessoa que age, do sujeito agente, porque é o sujeito agente, o “eu”, que emite juízos morais. As pessoas não emitem juízos morais conjuntamente, de maneira uníssona. Por isso, o sujeito agente, o “eu” que age, o “eu” que emite juízos sobre os comportamentos costumeiros, sobre o ethos dos grupos aos quais pertence,seria a principal abordagem da ética filosófica. Como construir uma verdadeira filosofia moral, quando há diversos grupos com ethos divergentes? Os indivíduos certamente participam de grupos com ethos divergentes e, por vezes, até mesmo antagônicos, que se chocam frontalmente. Um filósofo britânico, no final do século XIX, início do século XX, chamado Alfred North Whitehead, em seu livro “Science and Philosophy”, escreveu o seguinte: “A pergunta da filosofia é muito simples: O que é isso afinal?1”. Ou seja, de maneira completa, de maneira cabal, universalmente falando, indo até as últimas raízes, o que é isso, afinal de contas? Transpondo isso para o campo da ética, para o campo dos ethos dos grupos aos quais pertencemos, ou dos juízos morais que emitimos sobre esses grupos, essa pergunta do Whitehead se transforma em “quais juízos morais convêm ao ser humano, afinal de contas?”. Para chegarmos a essa resposta, é preciso que realizemos uma operação bastante trabalhosa. É preciso que identifiquemos o ethos de cada grupo de que temos conhecimento e estabeleçamos uma comparação, uma dialética, entre eles. A FORMAÇÃO DA PRÁTICA MORAL INDIVIDUAL Na atualidade, existem alguns valores que são, praticamente, universais. Esse é o caso do conjunto de direitos que compõe os direitos humanos: o direito à vida; o direito à liberdade de expressão; o direito de ir e vir; o direito à saúde, entre outros. Quase todo o mundo valoriza esses direitos. Ainda assim, esses valores quase universais são problemáticos, pois vão receber significados diferentes, às vezes, frontais, das pessoas. O único caminho que existe para saber o verdadeiro juízo moral sobre eles é o da confrontação dialética entre esses ethos. A prática moral é problemática,é dramática, e a filosofia moral precisa dar conta dessa dramaticidade. Se a ética filosófica não recolher todos os aspectos da prática moral, não será capaz de se tornar uma verdadeira filosofia moral, pois não dará a resposta à pergunta “o que é isso, afinal de contas?”. Como os indivíduos adquirem suas práticas morais, suas valorações e os juízos que realizam? A aquisição tem início com ethos social, dos pequenos grupos sociais aos quais o indivíduo pertence, e, por via de educação e de convencimento, ou de persuasão, chega até o indivíduo, formando sua consciência pessoal, compondo o arcabouço de valores que o motiva a agir. A pessoa moralmente consciente nunca é totalmente avessa ao ethos dos seus grupos sociais. Conflitos costumam surgir entre o indivíduo e o grupo ao qual pertence quando o indivíduo considera que existem comportamentos que são aceitos pelo grupo que não condizem com a finalidade que o próprio ethos do grupo 1“What is it all about?”, no original. estabelece. Por exemplo: Renata não concorda com uma atitude da diretora do seu colégio, pois, ao mesmo tempo que este afirma tratar cada aluno por seu nome e sobrenome, como um indivíduo único, a diretora está fazendo um ranking dos alunos de acordo com suas notas, objetificando o aluno. Ou seja, o discurso inicial não está se verificando na prática, propiciando o surgimento de conflitos. Diante desse quadro, o indivíduo pode se rebelar dentro dos grupos aos quais pertence. Os resultados dessa revolta podem ser variados. Uma opção é provocar uma mudança, uma reforma, na cultura do grupo. No caso da diretora do colégio da Renata, por exemplo, aquela admitiria o erro e corrigiria sua conduta. Outro efeito possível é que o grupo rejeite a crítica realizada pelo indivíduo. Uma terceira alternativa é não ocorrer somente a rejeição da crítica e da mudança, mas também a supressão do indivíduo do grupo. Além disso, o grupo pode rejeitar a revolta e convencer o indivíduo de que sua crítica é inválida. AS PERGUNTAS DRAMÁTICAS - UMA PISTA PARA UMA BOA FILOSOFIA Há algumas perguntas dramáticas, problemáticas, da prática moral pessoal. Muitas vezes, refletimos se “vale a pena viver bem?”, ainda que não usemos exatamente essas palavras, mas sim o mesmo conteúdo, para nos questionarmos. Tais indagações, como “Vale a pena eu ser honesto (a)? Eu não posso sofrer mais sendo honesto (a) do que tendo uma vida agradável?” fazem parte da dramaticidade da vida humana e de nossa prática moral. Há, ainda, outros exemplos, como “É melhor sofrer a injustiça ou é melhor cometer a injustiça?”. Sofrer a injustiça é sempre desagradável. Cometer a injustiça pode ser prazeroso ou pode ser desagradável. Às vezes, somos confrontados com situações em que ou sofremos a injustiça ou a cometemos. Outra ponderação é acerca da vida virtuosa. A pessoa virtuosa procura ser uma pessoa boa, no sentido radical da palavra, fazendo o bem não só para os outros, mas para si mesma, diariamente. A pessoa virtuosa procura ser altruísta e buscar a verdade em suas ações. Para se tornar uma pessoa assim, é preciso fazer uma série de restrições. Neste contexto, o indivíduo se questiona: “ser virtuoso (a), vai me fazer uma pessoa feliz?”. Será que tem sentido eu chegar ao ponto de perder a minha própria vida para não trair a minha consciência? Será que tem sentido eu chegar a perder minha própria vida para não cometer um erro grave para com outrem? Esses são alguns exemplos de perguntas dramáticas da vida moral. Somente a filosofia que der conta de perguntas como essas, é que oferece propostas relevantes para a prática moral cotidiana dos seres humanos. A filosofia que não der conta de perguntas dramáticas, que não consiga dar alguma resposta, não total, mas ao menos parcial, a perguntas problemáticas, dramáticas, da vida humana, não é uma filosofia capaz de propor respostas relevantes, para nós, no dia a dia. A finalidade deste curso, resumidamente, é averiguar cinco tradições de filosofia moral a fim de identificar qual delas, ou quais delas, apresentam a capacidade de oferecer as melhores soluções para nossa prática diária. AS FONTES DA ÉTICA FILOSÓFICA Como manancial primordial para a filosofia moral, há a observação da vida real das pessoas. Mas, além desta, a ética filosófica possui outras fontes, teóricas. Uma delas, privilegiada, é a literatura narrativa, sobretudo os romances e as tragédias, que narram vidas humanas. Outra, são as regras estabelecidas social ou grupalmente. Uma terceira possibilidade é a descrição de práticas morais segundo o método das ciências naturais. Contudo, com relação à literatura narrativa e dramática, a filosofia moral tem muito mais a ganhar, porque a literatura nos propicia a construção de uma ética filosófica da primeira pessoa, do “eu” que aje, do sujeito agente. Ou seja, uma filosofia moral elaborada sob o ponto de vista do sujeito da ação, que é tanto autor, compositor da ação, quanto ator da ação, executor de determinada prática moral. A nossa prática moral se desenvolve segundo um esquema narrativo ou segundo uma situação dramática. A vida das pessoas é uma narração, pontuada por momentos dramáticos. É por isso que a literatura narrativa e a literatura dramática são fontes privilegiadas para quem quer pensar sua própria vida moral filosoficamente. Um sujeito que pratica ações encontra-se em relação com outros sujeitos que praticam ações, os quais possuem um caráter moral diferente do dele. O sujeito que pratica ações é envolvido, ocasionalmente, por situações incontroláveis, que não estavam presentes em seu horizonte por serem contingentes, não necessárias. O autor Giuseppe Abbà, usado como referência neste curso, escreveu um trecho interessante sobre a importância da literatura narrativa e dramática como fonte da filosofia moral: “Em razão dessa afinidade, continuidade, entre a prática moral e a expressão literária com as suas pretensões morais, a obra literária torna-se o lugar em que a prática moral se mostra. Ao envolver o espectador ou leitor em qualquer dos modos indicados, a obra literária provoca nele um esclarecimento, uma iluminação e uma compreensão acerca da sua própria prática moral. O esclarecimento, que segundo Aristóteles é provocado pela representação trágica, tem início por meio do envolvimento do espectador naquelas intensas emoções de piedade e de temor próprias da experiência trágica. Ao prová-las, o espectador pode entender várias coisas sobre a vida humana que de outro modo lhe escapariam. Chega a entender o bem, mas também a fragilidade do bem nas contingências da vida. Qualquer obra literária, narrativa ou dramática, provoca um esclarecimento desse tipo no leitor. Ao envolvê-lo nas emoções próprias da prática moral, a narração e o drama revelam-lhe o seu próprio caráter e o caráter das outras pessoas. Desdobram o que se experimenta quando se delibera e quando se decide. A seriedade do arriscar-se, a hesitação entre alternativas incertas, o possível conflito entre ethos social e consciência pessoal.”. Um exemplo disto é a obra “Crime e Castigo” de Dostoiévski. O personagem principal, Raskólnikov, reflete sobre assassinar ou não uma senhora. Enquanto o ethos social o orienta a não matar, seu ethos pessoal, pondera Raskólnikov, permite-o matar. “O caráter irrevogável da ação ou da inação….”, ou seja, independente do que se faça, haverá a produção de resultados e não será possível voltar atrás. “O encanto da vida boa...”, o que encanto da vida em que se procura o bem. A vida em que se procura o bem é encantadora, sendo repulsiva a vida em que se procura o mal. No entanto, é difícil viver a vida boa e é fácil viver a vida má. “O encanto da amizade, o encanto da busca de Deus e do Verdadeiro, mas também o escândalo frente àquilo que é torcido2, o escândalo em frente à miséria, frente à dorda decadência. Certamente nós reconhecemos os aspectos da prática moral…”, os quais a filosofia moral deve pôr a salvo, deve tentar justificar, “...na nossa própria prática, mas, de uma maneira mais explícita, nós reconhecemos esses aspectos da prática moral na experiência que a literatura dramática e narrativa nos esclarece. Ao revelarmos aquilo que escapa à nossa percepção moral obnubilada, obscurecida pela vida cotidiana.”. Por causa dos problemas da vida cotidiana, muitas vezes os indivíduos não conseguem ter clareza sobre aspectos fundamentais de sua vida, decisivos de sua existência, e a literatura narrativa e dramática proporciona a todos, isso. Por isso, 2 Aquilo que é errôneo. quando alguém quer chegar à pergunta “quais são os juízos morais verdadeiramente próprios do ser humano?”, fazer filosofia moral, em outras palavras, a literatura é uma fonte privilegiada. A vida real tem de ser a primeira das fontes, mas, na literatura, existe todo o trabalho do autor do livro em montar uma personagem que vai incorporar características de várias vidas reais, a calma de pensar quais podem ser os dilemas que aquela personagem vai enfrentar. Ou seja, embutir naquela personagem literária não só a dimensão narrativa da sua vida, mas também a dimensão dramática da sua vida. DA PRÁTICA À FILOSOFIA MORAL Como se passa da prática moral para a filosofia moral? Em primeiro lugar, é preciso perceber que o nosso conhecimento moral, o conhecimento que vamos adquirindo com as decisões que nós já tomamos e com as ações que nós já realizamos, é um conhecimento prático, que está dirigido para a práxis, ou seja, é um conhecido dirigido para a ação. Na filosofia, são muito comuns afirmações de que os seres humanos têm um único intelecto, uma única razão, uma única faculdade de conhecer e pensar, a qual pode ser denominada inteligência, intelecto ou razão. No entanto, essa inteligência apresenta duas funções: uma teórica e outra prática. A função teórica é chamada de razão teórica ou razão especulativa. Em sua raiz etimológica, o termo especulativo vem de espelho e quer dizer espelhar o próprio conhecimento, satisfazer com o próprio conhecimento. A função da razão teórica ou especulativa é conhecer com a finalidade de simplesmente conhecer. Por exemplo: saber que o sistema solar é composto por oito planetas (nove, com Plutão). Normalmente, sabe-se isso por saber, sem qualquer finalidade. A função prática, por outro lado, é chamada de razão prática, a qual quer conhecer para que o indivíduo possa agir de forma mais apurada e melhor. O conhecimento moral está compreendido na razão prática, justamente por ser voltado à ação, para o agir. O esquema explicativo do conhecimento prático é o seguinte: o conhecimento prático que nós temos conecta, em um processo dialético, princípios que estão na nossa inteligência a conclusões que estão na nossa vontade. Vai da inteligência para vontade e volta desta para a inteligência, e da inteligência para vontade novamente. O primeiro princípio são os bens que a nossa inteligência capta, sendo os bens objetos, coisas da realidade, que a nossa inteligência considera boas. O entendimento de que esses objetos são bons ocorre teoricamente. O indivíduo entende tais objetos como bens aqui e agora. Por exemplo: aqui e agora, eu entendo como bom escrever esse e-book. E você, leitor, entende como bom, aqui e agora, ler esse e-book. O indivíduo entende determinados objetos da realidade, determinadas situações da realidade, como boas, como bens, e os deseja como tais no aqui e agora, seja na hora de assistir a uma aula ou de fazer uma refeição. O indivíduo faz as coisas porque as considera boas. Depois que, em sua inteligência, o indivíduo considera algo bom, passa à sua vontade. O indivíduo vai escolher ações possíveis que vai realizar e vai compor, elaborar, essas ações possíveis, no âmbito da vontade. Com base nisso, a inteligência inicia um processo de ponderação acerca das ações possíveis escolhidas. Por exemplo: sabe-se que as ações possíveis escolhidas, e a composição feita dessas ações possíveis, está desejando bens e rechaçando males. A inteligência pondera, faz uma pesagem, dentro dessas ações, entre os bens desejados e os males rechaçados, avaliando a oportunidade de realizar as ações possíveis e questionando se sua realização é, de fato, oportuna. Ainda, faz uma avaliação de ações alternativas que ainda não foram escolhidas como ações possíveis. Após toda essa deliberação, a vontade escolhe a ação definitiva a ser feita, aqui e agora, e compõe o conteúdo dessa ação definitiva aqui e agora. A vontade, então, mobiliza a razão, a afetividade (os sentimentos), e o indivíduo, como um todo, realiza, prática a ação. Esse jogo de idas e vindas, essa dialética de princípios para conclusões, sendo a última conclusão a realização da ação, é o esquema explicativo do conhecimento prático. Os indivíduos podem agir dessa maneira raciocinada, razoável, ponderada ou não. As pessoas que agem habitualmente desta forma são consideradas razoáveis, reflexivas, sábias, de conduta responsável. Por outro lado, as pessoas que agem desta forma apenas esporadicamente são consideradas não-razoáveis, irreflexivas, irresponsáveis, néscias, insensatas. AS FUNÇÕES DA FILOSOFIA MORAL (E COMO AVALIÁ-LA) Conforme mencionado, o esclarecimento do conhecimento prático pode ser feito pela literatura poética, narrativa e dramática. Além destas, há uma outra alternativa para o esclarecimento do conhecimento prático: a filosofia. Justamente quando realizar o esclarecimento de nosso conhecimento prático, a filosofia é designada filosofia moral, porque trata dos moris, ou ética filosófica, por tratar dos ethos, daqueles comportamentos costumeiros, habituais. Essa filosofia moral ou ética filosófica apresenta três funções. A primeira função é compreender a lógica do conhecimento prático dos indivíduos, do dia a dia, identificando os princípios que vão desencadear, que vão dar o estopim, deste conhecimento prático. Esses princípios se encontram no ser humano como um todo, ou seja, em sua matéria e em seu espírito. Este último abrange tanto a racionalidade, a inteligência, como a vontade, os desejos e os afetos (sentimentos). A segunda função da filosofia moral ou ética filosófica é confrontar, dialeticamente, as diversas filosofias morais elaboradas ao longo da história, tal como objetiva este curso. A terceira e última função da filosofia moral é voltar para a prática moral, real, de cada indivíduo, ou das pessoas em geral, para aprimorá-la. O critério de verificação para saber se uma filosofia moral é bem ou mal feita é a experiência moral integral das pessoas, é a prática moral em todos os seus aspectos. Se uma filosofia moral abarca uma série de aspectos, mas não contempla igualmente outros que são fundamentais, esta não é uma boa filosofia moral. Além disso, caso abranja todos os aspectos fundamentais, mas lhes conceda uma explicação superficial, tampouco é uma boa filosofia moral. A boa filosofia moral é aquela que busca englobar o maior número de aspectos da prática, da ação humana, e lhes conferir uma justificativa profunda, consistente e congruente desta prática, desta ação. A experiência moral cotidiana, as práticas morais dos indivíduos, não são o único ponto de partida da filosofia moral. Sobre os mesmos comportamentos, podem ser feitos juízos morais opostos e igualmente plausíveis, considerados razoáveis. Se estes juízos pretendem ser razoáveis, a filosofia moral pode procurar explicitar essa razoabilidade dos juízos e tentar detectar os princípios em que esses juízos estão assentados. Todo ethos coletivo possui um conceito de justiça, definições de coragem, de lealdade, de gratidão, de honestidade, etc., mas as práticas pessoais, individuais, que se encaixam, por assim dizer, nessesconceitos, costumam variar. Por exemplo: na maior parte do mundo, entende-se por fidelidade conjugal o fato de os cônjuges não se envolverem fisicamente com outras pessoas. Entretanto, em algumas populações do Polo Norte, é costume, e está inserido no que eles nomeiam de fidelidade conjugal, que, ao receber a visita de um amigo em sua casa, o marido ofereça sua esposa, para passar a noite, a esse amigo visitante. Contudo, caso o visitante passe a noite com a esposa do amigo sem que este tenha lhe feito esse convite, trata-se de infidelidade conjugal. Há um matiz: é preciso permissão do dono da casa. Como fazer para que haja comunicação entre ethos coletivos diferentes? A solução consiste em examinar as práticas diferentes, e até mesmo antagônicas, que correspondam aos mesmos conceitos em ethos coletivos diferentes. A partir disso, serão descobertos os princípios motivadores das práticas morais e a congruência, ou incongruência, dos princípios com os significados dos conceitos. COMO GUIAR A PRÁTICA MORAL? Na filosofia moral, é importante identificar a pergunta principal. Esse será um critério para avaliarmos, posteriormente, as cinco grandes correntes da filosofia Ocidental. Há perguntas que podem guiar a prática moral, como, por exemplo: que tipo de pessoa eu quero ser? Que pessoa eu sou verdadeiramente? Devo me empenhar em nome de quais ideais de vida? Quais são minhas obrigações nesta situação aqui e agora? Quais são as normas que eu tenho de cumprir aqui e agora? A pergunta principal revela o tema da filosofia moral, pois, uma vez que sempre partimos do nosso ethos, somente descobrimos a pergunta principal da filosofia moral confrontando correntes de filosofia moral diferentes. Por isso, na filosofia moral, a argumentação dialética se faz necessária, porque existem ethos morais diferentes e é preciso confrontá-los uns com os outros para tentar alcançar, pensando radicalmente, filosoficamente, uma conclusão que seja verdadeira ou, pelo menos, mais próxima à verdade. Giuseppe Abbà, autor do livro que serve de suporte a este curso, declara, a respeito de tal tema: “Se há algo óbvio, na filosofia, é que não se pode sustentar uma opinião própria sem discutir as outras posições”. Quer dizer que a filosofia realmente filosófica é aquela que argumenta com posições contrárias ou, ao menos, diferentes. “Todo filósofo vai elaborar argumentos com base em filosofias já desenvolvidas, já feitas”. Com isso, expressa que ninguém parte do zero, todos têm um ethos e, quando vão filosofar, os indivíduos têm, à sua disposição, toda uma estrada filosófica que precisa ser percorrida para estar no status quaestionis, no status da questão, e poder fazer uma contribuição realmente valorosa em termos de filosofia. “Em outras palavras, todo filósofo pertence a pelo menos uma tradição filosófica”. Em geral, inclusive, os filósofos pertencem a mais de uma, pois tomam, de várias tradições filosóficas distintas, as suas convicções filosóficas. “Para contribuir com o avanço da filosofia, o filósofo não precisa abandonar sua própria filosofia, mas ele tem de conhecer as outras filosofias, as outras tradições ou abordagens de filosofia que não são a dele. Nenhum filósofo enfrenta exatamente os mesmos problemas dos outros filósofos”, isso explica muitas vezes que as filosofias divirjam, diferenciem-se. Ao estudar as correntes de filosofia moral, é fundamental que também atentemos para o enredo histórico-narrativo em que foram feitas. É uma tendência ruim, para filosofia, estudar filósofos sem compreender a época em que viveram e as contingências dos locais em que habitavam. Por exemplo: por que Thomas Hobbes escreveu “O Leviatã”? Havia um problema. Thomas Hobbes estava exilado na França e queria estar na Inglaterra, a qual, na época, estava submetida à tirania de Oliver Cromwell. Será que “O Leviatã” não apresenta relação com essa situação política da Inglaterra daquele momento? Em outras palavras, todo filósofo filosofou o que filosofou não somente porque lhe pareceu fantástica a ideia ou realmente verdadeira, mas também muito condicionado, não determinado, pelo seu enredo histórico- narrativo. Para que nós entendamos cada uma dessas cinco correntes que nós veremos, é preciso que tentemos reconstruir, dentro do possível, obviamente, os problemas que cada um desses filósofos que compuseram cada uma dessas cinco correntes enfrentaram. PERGUNTAS 1) Recentemente, li uma pesquisa em que diversos acadêmicos ao redor do mundo eram questionados com qual filósofo mais se identificavam e a primeira posição foi ocupada por David Hume. No entanto, quando o senhor citou as três correntes predominantes na atualidade, sua tradição não estava presente. R: a filosofia moral de David Hume teve muita continuidade. Na realidade, sequer teve continuidade, sendo aproveitada parcialmente, no século XX, por alguns poucos filósofos da linguagem. Em seus estudos sobre Teoria do Conhecimento, David Hume, que é um cético extremo, é o ceticismo empirista extremo, foi muito bem sucedido, apresenta muitos seguidores. A visão do Hume é uma visão que se coaduna muito com a cultura dos dias de hoje, que é materialista. O Hume diz, no “Tratado da Natureza Humana”, que se você tem uma ideia em sua cabeça, é preciso fazer um teste. Você precisa identificar se na sua percepção sensível, um dos teus cinco sentidos, a realidade que corresponde a essa ideia, a sentiu. Por exemplo: digamos que você tenha, na sua cabeça, a ideia de Deus. Você precisa se questionar se pode gerar, ouvir, sentir, tocar, etc., Deus. Caso a resposta seja negativa, deve-se abandonar a ideia. Essa é uma visão cética que faz mundo sentido em uma era de pós-verdade. O problema é que esse pensamento acaba com a ideia de causalidade, que é a ideia de que toda causa gera um efeito. Hume nega a causalidade, pois o indivíduo não pode sentir o princípio da causalidade. Por exemplo: uma bola de bilhar bate em outra e esta segunda, devido ao impacto, começa a se movimentar. Hume afirma que não há causalidade, mas sim uma sucessão de eventos que são contíguos. Até hoje quando uma bola de bilhar bateu em outra, produziu movimento nesta segunda. Mas quem garante que na próxima tentativa ocorrerá a mesma coisa? O problema é que a causalidade é o ponto de partida de todas as ciências e, por isso, desesperadamente, o Kant, que procede Hume, afirma que este o despertou de seu sonho dogmático de que havia ideias inatas e de o único conhecimento é o sensorial. Só que Kant havia visto a beleza da física de Newton, e esta precisa do princípio da causalidade, pois “a todo efeito corresponde uma causa”. No entanto, se Kant seguisse Hume, a causalidade iria por água abaixo e, consequentemente, a física newtoniana. 2) O senhor comentou que a liberdade interior não pode ser extinta. Qual o conceito de liberdade interior que está sendo empregado? R: Ao longo da vida, o indivíduo toma incontáveis decisões e realiza incontáveis ações, por causa dessas decisões. Essas ações, realizadas pelo indivíduo, trouxeram para este um conhecimento. Isso concede ao indivíduo parâmetros para que ele possa aperfeiçoar suas próximas ações. A liberdade interior é o poder de exercer esses conhecimentos adquiridos a partir das ações. Por exemplo: há um livro chamado “Contra toda a esperança”, escrito por Armando Valladares. Este foi preso pelo fato de ser cristão, no início dos anos 1960, pouco depois do golpe de Fidel Castro, que o levou a assumir como governante. Fidel Castro sequer havia se manifestado como marxista. Valladares era um funcionário público cristão, e permaneceu vários anos preso, dado que o comunismo é anticristão. Ele conseguiu ser solto em meados dos anos 1970, porque sua esposa recorreu a diversos Chefes de Estado. Armando Valladares dizia que quando estava preso os guardas queriam terum controle total sob os encarcerados, por isso, tratavam-nos com crueldade. A refeição, por exemplo, era algo irrisório. Valladores tomou uma decisão dolorosa, porém, necessária, para não ficar na mão dos guardas: ser livre para comer somente metade da ração que davam a ele. Isso é liberdade interior. É um exercício de uma série de conhecimentos obtidos por suas ações anteriores e que ele exerceu naquele momento. Essa liberdade ninguém é capaz de retirar, nem mesmo em uma situação como a descrita. Se o indivíduo não quer abrir mão de sua liberdade interior, ninguém é capaz de retirar dele, no entanto, se o indivíduo permitir o acesso a esse âmbito íntimo da liberdade interior, é possível que o indivíduo perca o controle sob si mesmo. Andrew Lobaczewski viveu em um regime comunista na Polônia, e, em seu livro “Ponerologia do Poder”, que realiza um estudo da loucura, fez uma análise dos governantes e dos governados que apoiavam os hierarcas comunistas da Polônia, a fim de explicar o fenômeno psiquiátrico que ocorria com ambos. Do ponto de vista dos governantes, o fenômeno era a psicopatia, ou seja, esses indivíduos compreendiam os sentimentos morais, mas eram incapazes de senti-los e, por isso, conseguiam manipulá-los. Do ponto de vista da massa que aderiu aos governantes, o fenômeno era a histeria, na qual o indivíduo deixa de acreditar naquilo que vê, observa e constata, porque abriu mão de constatar, para acreditar naquilo que repete, que diz, que, normalmente, é uma repetição do que disseram para ele. Isso pode acontecer com uma ideologia política, religiosa, e até mesmo em um caso romântico.