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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA MARIA MARGARETH CANCIAN ROLDI SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULAS DE CAMPO NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DIDÁTICA VILA VELHA 2023 MARIA MARGARETH CANCIAN ROLDI SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULAS DE CAMPO NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DIDÁTICA Tese de doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ensino de Ciências e Matemática. Linha de Pesquisa: Educação Não Formal, Diversidade e Sustentabilidade no contexto da Educação em Ciências e Matemática. Linha 03. Professor Orientador: Drº Carlos Roberto Pires Campos VILA VELHA 2023 MARIA MARGARETH CANCIAN ROLDI ROLDI, Maria Margareth Cancian; CAMPOS, Carlos Roberto Pires. Ensino de Ciências por Investigação em Aulas de Campo: orientações para professores da Educação Básica. Vila Velha: Ifes, 2023. Número de páginas 54 p. Produto educacional apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática do Campus Vila Velha do Instituto Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Matemática. Aprovado em 07 de dezembro de 2023. COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. Carlos Roberto Pires Campos Instituto Federal do Espírito Santo Orientador Profa. Dra Marize Lyra Silva Passos Instituto Federal do Espírito Santo Membro interno Profa. Dra Marcia Gonçalves de Oliveira, Instituto Federal do Espírito Santo Membro interno Profa. Dra Mirian do Amaral Jonis Silva Universidade Federal do Espírito Santo Membro externo Profa. Dra Eliane Ferreira de Sá Universidade Federal de Minas Gerais Membro externo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca do Campus Vila Velha______________ R744s Roldi, Maria Margareth Cancian Sequência de atividades investigativas em aulas de campo no ensino médio: uma proposta didática. Maria Margareth Cancian Roldi. / Vila Velha, 2023. 321 f.: il. col., 30 cm. Inclui bibliografia. Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Pires Campos. Tese (Doutorado) Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vila Velha, Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, 2023. 1. Ciências – estudo e ensino. 2. Alfabetização Científica. 3. Sucessão ecológica. I. Campos, Carlos Roberto Pires. II. Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática. III. Título. IV. Instituto Federal do Espírito Santo. CDD 23 – 507_____________ Bibliotecária: Hermelinda Peixoto Pereira Martins CRB6/ES-522 Aos meus pais Angelina e Hilário [in memoriam]. Ao meu esposo Roberto pelo amor expressado em forma de cuidado. As minhas queridas e muito amadas filhas, Natácia e Roberta, por tudo que me ensinam, pela amizade e pelas mulheres valorosas que se tornaram. Aos meus genros Luan e Wesley pela preciosa amizade que compartilhamos. À minha primeira neta, Angelina, “nosso eterno cucutinho”, a Catarina...e a quem mais vier! AGRADECIMENTOS Agradeço a possibilidade de demonstrar minha gratidão àqueles que me ajudaram a compreender um pouco mais da complexidade de uma pesquisa de doutoramento e a me entender como professora/pesquisadora, reconhecendo minhas limitações e minhas potencialidades. Por isso, me debruço, nesse espaço para demonstrar minha gratidão. Primeiro rendo graças a Deus, que está acima de tudo e de todos. Por isso, meu primeiro agradecimento vai para Ele, o criador de todas as coisas. Agradeço a todos os colegas de doutorado/mestrado que acreditaram na minha capacidade e me incentivaram durante todo o desenvolvimento da pesquisa. Agradeço de modo especial a Raíza, Joelma, Guilherme, Thiago e Buda, companheiros leais e insubstituíveis. Peço desculpas por não citar nomes de tantos outros companheiros nessa jornada investigativa, como são muitos, fiz a opção de citar somente os nomes daqueles mais próximos. Retribuo gratidão aos que participaram da validação do meu handbook (Produto Educacional) “Ensino de Ciências por investigação em Aulas de campo: orientações para professores da Educação Básica”, um guia explicativo com pretensões de ser fonte de inspiração para professores da área de Ciências da Natureza. A Raíza Carla Mattos Santana, a Guilherme Augusto Maciel Ribeiro e a Robson Vinicius Cordeiro, meu carinho incondicional e agradecimentos pelas valiosas sugestões Agradeço também aos colegas da primeira turma de doutorado (ciências) profissional do Instituto Federal do Espírito pelas conversas e sugestões esclarecedoras e instigantes durante nossos grupos de estudos. Foram momentos valiosos de amadurecimento acadêmico. Na mesma esteira, expresso minha gratidão aos integrantes do Grupo de Pesquisa: Divulgação e Popularização da Ciência – Divipop. A todos os professores do doutorado Educimat/Ifes, minha gratidão pelas contribuições acadêmicas durante todo o transcurso de doutoramento, em especial à professora Manuela, que quando estava me sentindo perdida e desacreditada (no início do processo) me ajudou a encontrar um caminho, a prosseguir e a acreditar que minha proposta era viável. Não poderia esquecer das pessoas incríveis que encontrei na escola “Nair Miranda” pelo apoio e companheirismo, organizando meus horários e me apoiado nas horas difíceis. Em especial à diretora Jussara Zanotti Sagrilo, à coordenadora pedagógica Angela Maria Vieira Oliveira e à professora coordenadora da área de ciências da natureza, Gislayne da Silva Demonel Lopes Nogueira, pelo apoio incondicional. Minha gratidão para os alunos das escolas Nair Miranda e José Pinto Coelho, atores principais deste estudo. Sem eles, nada disso teria acontecido. Também não posso deixar de mencionar as professoras Sára Honorato de geografia e Silvana Biasutti de biologia, que enfrentaram este desafio comigo. Meus mais sinceros agradecimentos. Gratidão a Secretaria da Educação do Estado do Espírito Santo pela garantia da redução da carga-horária viabilizando minha formação e estudos. Agradeço aos membros da banca de qualificação/defesa, Eliane Ferreira de Sá, Marcia Gonçalves de Oliveira, Marize Lyra Silva Passos e Mirian do Amaral Jonis Silva pelo aceite, pela leitura atenta, pelas contribuições e pela validação do Produto Educacional. Uma banca formada por pesquisadoras de inestimável valor. As contribuições dessas mulheres pesquisadoras foram fundamentais para minha pesquisa. Minha gratidão ao professor Carlos Roberto Pires Campos, meu orientador a quem tenho grande admiração e respeito. Agradeço pela parceria, pelas orientações, pela amizade e pela valorização de cada sucesso que alcancei ao longo do desenvolvimento da pesquisa. Agradeço também por sempre acreditar em meu potencial, mesmo nos momentos em que eu mesma não acreditava. Sempre grata. Enfim, a todos que de alguma maneira, contribuíram para a realização desta tese de doutoramento, meus sinceros agradecimentos. Não temos aceitado que estamos isolados no cosmos. Não temos aceitado que o espaço se expande para não nos parecermos tolos diante da magnitude de nossa prepotência,e nem aceitar o significado da nossa pequenez. Temos feito ciência tentando responder quem é o ser humano, pergunta complexa, e a cada período histórico temos respostas diferentes; e ainda não temos a completeza do que é o humano. Temos continuado na busca de construir a própria identidade, de entender aquilo que nos cerca, buscando entender de onde viemos e para onde vamos. Temos o ensino de ciências englobando a magnitude do conhecimento, transformando animais em seres humanos, em sujeitos biológicos, sociais e culturais; nos transformando em seres capazes de saber que sabe, que sabe de si e sabe que pode saber. Não temos conseguido impedir que a ciência seja colocada a serviço de interesses que vão contra a conservação da vida. Temos nos preocupado com nosso objeto de ação. Temos nos preocupado com a formação de conteúdos científicos na escola para o estudante ter autonomia em sua ação, condição essencial para a cidadania. Temos pensado que o desenvolvimento vem com a aprendizagem, o ser humano que se desenvolve plenamente desenvolve uma consciência crítica, e a escola tem papel fundamental nesse contexto social. Temos participado do processo da transformação do animal em ser humano nesse processo de hominização. Não temos feito o processo de transdisciplinarização dos conhecimentos. Temos deixado os conceitos científicos chegarem à escola sem possibilitar a autonomia do estudante, porque levamos o produto da ciência e não o processo de produção da ciência. Temos entendido que a ciência enquanto forma de produção de conhecimento não é neutra. Temos desenvolvido pesquisas e ficado de fora, pois as pesquisas que nós mesmos desenvolvemos, tememos que sejam armadilhas. Não temos conseguido, como pesquisadores que somos, antes de nossas pesquisas e, paralelamente a elas, nos preocupar com uma resposta a que sociedade queremos. Não temos escutado o conselho do sábio quando diz que devemos aceitar a lei quando é a favor da vida e ir contra a lei quando é contra a vida. O que temos feito do ensino de ciências e a isso considerado aprendizado de cada dia? Por: Maria Margareth Cancian Roldi Crônica reflexiva inspirada na crônica “A nossa vitória de cada dia” de Clarisse Lispector, uma obra de reflexão que revela os questionamentos e anseios dos homens RESUMO Esta tese apresenta alguns questionamentos, os quais ajudam a compreender o processo de aprendizagem no ensino de ciências por investigação articulado à metodologia das aulas de campo, buscando responder à seguinte pergunta de pesquisa: como introduzir elementos do ensino de ciências por investigação em uma aula de campo, com alunos do Ensino Médio, com vistas a propor uma prática pedagógica? Para responder a tal questão, o estudo visa a analisar o desenvolvimento de aulas de campo no Instituto Nacional da Mata Atlântica, à luz do ensino de ciências por investigação, propondo relações de congruências de modo a avançar na construção de uma proposta didática. O referencial teórico centra-se em algumas bases epistemológicas sobre o ensino de ciências, com vistas a defender que esse modo de ensinar, por meio da metodologia pedagógica das aulas de campo em diálogo com o ensino de ciências por investigação, favorece avanços na Alfabetização Científica. Para a organização das atividades de ensino, desenvolveu-se uma sequência de atividades investigativas em aula de campo (SAIAC), sobre ecologia, com foco em sucessão ecológica. Trata-se de um estudo qualitativo do tipo pesquisa participante, realizado com estudantes pertencentes às três séries do Ensino Médio em duas escolas da rede estadual de ensino, localizadas no município de Fundão e Santa Teresa/ES/Brasil, respectivamente. A aula de campo, para as duas escolas, foi realizada no Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA. Foram utilizadas, na produção dos dados, as anotações em diário de campo da pesquisadora, o material textual produzido pelos estudantes e a transcrição dos áudios gravados durante o transcurso das atividades. Os dados analisados decorreram das atividades empreendidas na escola de Fundão, ancorada na análise de conteúdo. Para verificar a viabilidade da utilização/adaptação dos três momentos: pré-campo, campo e pós-campo incorporados às etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI), utilizaram-se as etapas desenvolvidas na SAIAC (sensibilização, experimentação e elaboração). Para identificar os indicadores de Alfabetização Científica, as categorias que fundamentaram a abordagem dos dados foram aquelas propostas por Sasseron e Carvalho (2008;2011) e para verificar se a proposta pedagógica favoreceu a aprendizagem, utilizaram-se os objetivos de aprendizagem presentes na sequência de atividades investigativas em aula de campo. Os resultados apontaram para a consolidação da proposta, corroborados pelos resultados da análise. A prática pedagógica pode aproximar os estudantes da metodologia científica, estreitando a distância entre o ensino de ciências da educação básica e do conhecimento científico em espaços extraescolares, bem como mobilizar processos para Alfabetização Científica. No transcurso da pesquisa, não foi ignorado o processo de prototipagem do produto educacional (PE), razão pela qual a SAIAC foi replicada. Tendo em vista a possibilidade de a prática ser utilizado por outros docentes, visando a garantir a replicabilidade em outros contextos escolares, optou-se por um handbook como forma de materialização do PE, denominado Ensino de Ciências por Investigação em Aulas de Campo: orientações para professores da educação básica. Palavras-chave: Atividades investigativas. Aula de campo. Ensino de ciências por investigação. Sucessão ecológica. Alfabetização Científica. ABSTRACT This thesis presents some questions, which help to understand the learning process in teaching through investigation linked to the methodology of field classes, seeking to answer the following research question: how to introduce elements of science teaching through investigation in a field class, with high school students, with a view to proposing a didactic proposal? To answer this question, the study aims to analyze the development of field classes at the Instituto Nacional da Mata Atlântica, in the light of science teaching through investigation, proposing congruence relationships in order to advance the construction of a didactic proposal. The theoretical framework focuses on some epistemological bases on science teaching, with a view to arguing that this way of teaching, through the pedagogical methodology of field classes in dialogue with science teaching through investigation, favors advances in Scientific Literacy. For the actions/organization of teaching activities, a sequence of investigative activities was developed in a field class (SAIAC), on ecology, with a focus on ecological succession. This is a qualitative study of the participatory research type, carried out with students belonging to the three grades of high school in two schools in the state education network, located in the municipalities of Fundão and Santa Teresa/ES/Brazil, respectively. The field class, for both schools, was held at the Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA. In the production of data, notes in the researcher's field diary, textual material produced by students and the transcription of audio recorded during the course of the activities were used. The data analyzed resulted from activities undertaken at the Fundão school, anchored in content analysis. To verify the feasibility of using/adapting the three moments: pre-field, field and post-field incorporated into the stages of an investigative teaching sequence (SEI), the stages developed at SAIAC (awareness raising, experimentation and elaboration) were used. To identify the Scientific Literacyindicators, the categories that supported the data approach were those proposed by Sasseron and Carvalho (2008;2011) and to verify whether the proposed pedagogical proposal favors learning, the learning objectives present in the sequence were used of investigative activities in field classes. The results pointed to the consolidation of the proposal, corroborated by the results of the analysis. Pedagogical practice can bring students closer to scientific methodology, narrowing the gap between teaching science in basic education and scientific knowledge in extracurricular spaces, as well as mobilizing processes for Scientific Literacy. During the research, the process of prototyping the educational product (EP) was not ignored, which is why SAIAC was replicated. Considering the possibility of the practice being used by other teachers, aiming to guarantee replicability in other school contexts, a handbook was chosen as a way of materializing the NP, called Science Teaching by Investigation in Field Classes: guidelines for basic education teachers. Palavras-chave: Investigative activities. Field class. Science teaching by inquiry. Ecological succession. Scientific literacy. LISTA DE SIGLAS AC Alfabetização Cientifica APP Area de preservação permanente BNCC Base Nacional Comum Curricular CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEEFMTI Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Tempo Integral CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa DIVIPOP Grupo de Pesquisa Divulgação e Popularização da Ciência DOAJ Directory of Open Access Journals EEEFM Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio ERIC Education Resources Information Center FAPES Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo FARESE Faculdade da Região Serrana IBRAM Instituto Brasileiro de Museus IFES Instituto Federal do Espírito Santo INMA Instituto Nacional da Mata Atlântica IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MBML Museu de Biologia Professor Mello Leitão MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MS Mapeamento Sistemático PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PE Produto Educacional PEI Parque Estadual de Itaúnas PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência SAIAC Sequência de Atividades Investigativas em Aula de Campo. SciELO Scientific Electronic Library Online SDI Sequência Didática Investigativa SEDU Secretaria Estadual de Educação SEI Sequência de Ensino Investigativa TALE Termo de assentimento Livre e Esclarecido TCLEM Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Menores de Idade LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Termos de busca utilizada no MS ........................................................... 68 Figura 2 – Fluxograma do mapeamento realizado, conforme protocolo baseado em Falbo (2012), para Teses e Dissertações ................................................ 70 Figura 3 – Fluxograma do mapeamento realizado – Artigos .................................... 84 Figura 4 – Figura 4 – Fachada principal do CEEFMTI “Nair Miranda” .................... 138 Figura 5 – Fachada Principal da Escola José Pinto Coelho ................................... 141 Figura 6 – Mapa ilustrativo do INMA, indicando os pontos de visitação do INMA... 138 Figura 7 – Mapa do ambiente de investigação: O Instituto Nacional da Mata Atlântica em Santa Teresa-ES (19° 56′ 9ºS e 40° 35′ 59ºW) ................................ 146 Figura 8 – Mapa da vegetação do Município de Santa Teresa-ES ......................... 147 Figura 9 – Mapa da Geomorfologia do Município de Santa Teresa-ES .................. 148 Figura 10 – Resumo do seccionamento das fases da pesquisa e do produto educacional ......................................................................................... 151 Figura 11 – Estruturação das etapas SAIAC .......................................................... 165 Figura 12 – Etapas do desenvolvimento do produto educacional (PE) ................... 167 Figura 13 – Cartazes produzidos pelos estudantes relacionando conceitos ecológicos a cenas do filme Ainbo ....................................................... 180 Figura 14 – Alunos personalizando o caderno de campo ....................................... 181 Figura 15 – Registro dos alunos desenvolvendo atividades na etapa sensibilização ..................................................................................... 183 Figura 16 – Imagens dos locais explorados durante a visita monitorada. Os números representam os pontos visitados ........................................................ 186 Figura 17 – Monitora do INMA mostrando os jabutis no 6º ponto de visitação: Terrário dos quelônios ......................................................................... 187 Figura 18 – Estudantes observando os animais taxidermizados no 8º Ponto: Pavilhão de Ornitologia ....................................................................... 187 Figura 19 – Estudantes fotografando às aves em cativeiro no 3º Ponto de visitação .......................................................................... 188 Figura 20 – Registro do momento do levantamento de hipóteses .......................... 189 Figura 21 – Pontos previamente escolhidos e delimitados pelos alunos para a realização da atividade no Parque zoobotânico do INMA: 1. Vegetação arbustiva e arbórea: 2. vegetação arbustiva com representantes de palmeiras, 3. vegetação arbustiva e arbórea, 4. Vegetação herbácea e arbustiva, 5. Sem vegetação com muita matéria orgânica, 6. Vegetação herbácea. ............................................................................................ 191 Figura 22 – Estudantes realizando teste de hipóteses em seus respectivos quadrantes .......................................................................................... 192 Figura 23 – Print da conversa do grupo de WhatsApp em que consta uma solicitação para esclarecimentos sobre as atividades ........................................... 192 Figura 24 – Registros dos alunos durante a partilha dos resultados alcançados após o teste de hipóteses na área de vivência do INMA .............................. 193 Figura 25 – Registro da representação da experiência vivida no INMA. Caderno de campo do grupo “Minha casa, minha vida ........................................... 195 Figura 26 – Registro dos estudantes confeccionando os relatórios de campo lúdico, por nós denominado “revistas”, na sala de biologia da escola Nair Miranda ............................................................................................... 196 Figura 27 – Exposição das fotografias e o momento em que os estudantes visitam a exposição durante a culminância da disciplina eletiva no pátio da escola Nair Miranda ........................................................................................ 197 Figura 28 – Registro da exposição das revistas retratando as atividades desenvolvidas na etapa experimentação durante a culminância da disciplina eletiva no pátio da escola Nair Miranda ............................... 198 Figura 29 – Registro da exposição dos cadernos de campo dos estudantes durante a culminância da disciplina eletiva. Caderno de campo do grupo “Aborígenes” no pátio da escola Nair Miranda ..................................... 199 Figura 30 –Estudantes conhecendo o Parque Zoobotânico do INMA, por meio da trilha que dá acesso ao viveirão .......................................................... 205 Figura 31 – Alunas do Grupo Aborígenes construindo relatórios de campo ........... 206 Figura 32 – Estudantes do Grupo Tirantes emoldurando as fotos para a culminância da disciplina eletiva ............................................................................. 207 Figura 33 – Grupo Aborígene identificando sistemas radiculares dentro do quadrante no Parque Zoobotânico do INMA ........................................................ 216 Figura 34 – Caderno de campo do grupo Minha casa minha vida com a proposta de recuperação do Parque Zoobotânico do INMA .................................... 218 Figura 35 – Caderno de campo do grupo Malícia com parte da atividade desenvolvida no quadrante.................................................................. 225 Figura 36 – Caderno de campo do grupo “Minha casa minha vida” com os conceitos de comunidade, população e ecossistema, a partir de seus conhecimentos prévios................................................................................................. 227 Figura 37 – Caderno de campo do grupo “Minha casa minha vida” com os conceitos de comunidade, população e ecossistema depois da pesquisa ........... 229 Figura 38 – Caderno de campo do grupo Tiradentes com a hipótese levantada para a situação-problema ........................................................................... 230 Figura 39 – Alguns cadernos de campo personalizados das turmas da 1ª e 2ª série propedêutica da escola “José Pinto Coelho” ...................................... 242 Figura 40 – Apresentações de alguns grupos de estudantes da primeira série da escola “José Pinto Coelho” .................................................................. 244 Figura 41 – Caderno de campo do grupo “Flor do campo” mostrando parte da pesquisa realizada sobre Augusto Ruschi e sua relação com o INMA 245 Figura 42 – Grupos de estudantes dialogando sobre a situação-problema (recuperação do parque zoobotânico que sofreu uma queimada) ....... 246 Figura 43 – Grupo de estudantes realizando as atividades delimitadas no quadrante para testar suas hipóteses .................................................................. 246 Figura 44 – Partilha dos resultados: Estudantes expondo as hipóteses levantadas e verificando se elas foram refutadas, confirmadas ou se necessitavam de complemento ...................................................................................... 247 Figura 45 – Nuvem de palavras extraídas dos cadernos de campo dos grupos das turmas da 1ª e da 2ª série da Escola “José Pinto Coelho” representado a fase experimentação da SAIAC ........................................................... 248 Figura 46 – Apresentação de fotos/vídeos/podcast durante culminância da SAIAC na escola José Pinto Coelho .................................................................... 249 Figura 47 – Algumas atividades do caderno de campo do estudante com necessidades especiais ....................................................................... 260 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Etapas do planejamento da SAIAC ....................................................... 26 Quadro 2 – Esboço das etapas da Sequência de Ensino Investigativa. O trabalho implícito com aspectos do conhecimento em sala ................................. 42 Quadro 3 – Competências docentes relacionadas ao trabalho de sala de aula ....... 43 Quadro 4 – Estudos selecionadas no Mapeamento Sistemático .............................. 71 Quadro 5 – Objetivo Geral das dissertações mapeadas separados em três categorias .............................................................................................. 74 Quadro 6 – Reprodução de partes das considerações finais descritas nas dissertações ......................................................................................... 80 Quadro 7 – Identificação dos quatro dos artigos selecionadas ................................. 85 Quadro 8 – Identificação dos quatro dos artigos internacionais selecionadas...........90 Quadro 9 – Identificação dos produtos educacionais que utilizaram a metodologia das aulas de campo em seus três momentos ........................................ 97 Quadro 10 – Características dos três momentos das aulas de campo ................... 105 Quadro 11 – Propósitos e ações pedagógicas do professor para favorecer a argumentação ................................................................................... 111 Quadro 12 – Propósitos e ações epistemológicas do professor para favorecer a argumentação ................................................................................... 111 Quadro 13 – Eixos estruturantes da Alfabetização Científica e sua importância .... 114 Quadro 14 – Dados obtidos: Indicadores que se relacionam especificamente ao trabalho com os dados obtidos em uma investigação........................ 116 Quadro 15 – Organização do pensamento: Indicadores de Alfabetização Científica composto por raciocínio lógico e raciocínio proporcional ................... 117 Quadro 16 – Compreensão da situação analisada: Indicadores de Alfabetização Científica composto por levantamento de hipótese, teste de hipótese, justificativa, previsão, explicação ....................................................... 117 Quadro 17 – Resumo dos instrumentos para produção de dados .......................... 155 Quadro 18 – Etapas de análise de conteúdo ......................................................... 158 Quadro 19 – Categoria de análise: Momentos das aulas de campo em diálogo com as etapas da SEI ............................................................................... 159 Quadro 20 – Identificação dos indicadores de AC .................................................. 159 Quadro 21 – Indicadores de AC associados à aprendizagem de ecologia ............. 160 Quadro 22 – Informações profissionais dos pareceristas que validaram o handbook ....................................................................................... 172 Quadro 23 – Planejamento da disciplina eletiva – aula 1, 2 e 3 ............................. 179 Quadro 24 – Planejamento da disciplina eletiva – aula 4 ....................................... 180 Quadro 25 – Planejamento da disciplina eletiva – aula 5, 6 e 7 ............................. 181 Quadro 26 – Situação-problema apresentada para levantamento de hipóteses Atividades .......................................................................................... 189 Quadro 27 – Planejamento da etapa Teste de hipóteses ....................................... 190 Quadro 28 – Parte do planejamento da SAIAC. Etapa elaboração ........................ 194 Quadro 29 – Evidências encontradas nos momentos das aulas de campo em diálogo com as etapas da SEI ....................................................................... 200 Quadro 30 – Identificação dos indicadores de Alfabetização Científica conforme a execução de atividades investigativas durante a aula de campo ....... 211 Quadro 31 –Situação-problema proposta para os estudantes durante a etapa experimentação da SAIAC realizada no INMA .................................. 217 Quadro 32 – Ações associadas aos objetivos de aprendizagem ............................ 222 Quadro 33 – Atividade realizada na etapa sensibilização visando à aprendizagem dos tipos de sucessão ecológica e suas etapas ................................ 225 Quadro 34 – Processo de aplicação/replicação da SAIAC ..................................... 240 Quadro 35 – Atividade: problematização para introdução ao objeto de conhecimento sucessão ecológica, adaptada para a realidade de Santa Teresa ..... 243 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 21 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................... 29 2.1 TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA DA APRENDIZAGEM ....................................... 30 2.2 ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO............................................... 37 2.3 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA (AC) .............................................................. 46 2.3.1 Alfabetização Científica e o ensino de ciências .......................................... 49 2.4 METODOLOGIA PEDAGÓGICA DAS AULAS DE CAMPO ............................ 55 2.4.1 Freinet e as “Aulas Passeio” ........................................................................ 56 2.4.2 Estudo do meio ............................................................................................. 57 2.4.3 Aulas de campo ............................................................................................. 62 3 AULA DE CAMPO COM ATIVIDADES INVESTIGATIVAS: CAMINHOS TRILHADOS EM PESQUISAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA ......... 66 3.1 MAPEAMENTO SISTEMÁTICO ...................................................................... 66 3.1.1 Trabalhos acadêmicos localizadas no MS .................................................. 69 3.1.2 Artigos mapeados ......................................................................................... 83 3.1.3 Artigos internacionais incluídos no Mapeamento Sistemático...................89 3.1.4 Produtos educacionais referentes a metodologia pedagógica das aulas de campo em seus três momentos ................................................................... 96 4 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PROPOSTA DIDÁTICA ..................................................................................................... 101 4.1 MOMENTOS DA METODOLOGIA DAS AULAS DE CAMPO ....................... 101 4.2 SEQUÊNCIA DE ENSINO INVESTIGATIVA (SEI) ........................................ 106 4.3 INDICADORES DE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA ..................................... 113 4.4 ECOLOGIA COMO CIÊNCIA E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO BÁSICA ......................................................................................................... 120 4.4.1 Ecologia na Educação Básica .................................................................... 128 4.4.2 Sucessão ecológica .................................................................................... 129 5 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................. 133 5.1 A PESQUISA ................................................................................................ 133 5.2 SUJEITOS E CONTEXTO DA PESQUISA .................................................... 136 5.2.1 Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Tempo Integral Nair Miranda ........................................................................................................ 137 5.2.2 Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Pinto Coelho .... 139 5.2.3 Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA ................................................ 142 5.3 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ........................................................... 149 5.4 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA E DO PRODUTO EDUCACIONAL ............ 151 5.5 PRODUÇÃO DOS DADOS ........................................................................... 155 5.6 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................. 157 5.6.1 Codificação para compor a identificação dos participantes dos grupos analisados ................................................................................................... 160 6 PRODUTO EDUCACIONAL ......................................................................... 162 6.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL ........................................................................................... 162 6.2 VALIDAÇÃO DO HANDBOOK ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO EM AULAS DE CAMPO: ORIENTAÇÕES PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA ................................................................................... 171 7 A SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULAS DE CAMPO: ANÁLISE DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA ............................................ 177 7.1 UM OLHAR SOBRE A DISCIPLINA ELETIVA “PODE ENTRAR, A CASA É SUA” ......................................................................................................... 177 7.2 SENSIBILIZAÇÃO: DIAGNÓSTICO INICIAL – INSTRUMENTALIZAÇÃO PRIMÁRIA .................................................................................................... 182 7.3 EXPERIMENTAÇÃO: SITUAÇÃO-PROBLEMA, INSTRUMENTALIZAÇÃO SECUNDÁRIA - APLICAÇÃO DOS CONHECIMENTOS ............................. 185 7.4 ELABORAÇÃO: SISTEMATIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS E DIVULGAÇÃO ............................................................................................. 194 7.5 UNIFICAÇÃO DOS TRÊS MOMENTOS: PRÉ-CAMPO, CAMPO E PÓS-CAMPO NAS ETAPAS DE UMA SEI: UM CAMINHO POSSÍVEL ....... 200 7.6 IDENTIFICANDO OS INDICADORES DE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULA DE CAMPO .. 210 7.6.1 Dados obtidos ............................................................................................. 213 7.6.2 Organização do pensamento ..................................................................... 214 7.6.3 Compreensão da situação analisada ......................................................... 216 7.7 A PROPOSTA DIDÁTICA E A APRENDIZAGEM............................................ 221 7.7.1 Compreender a sucessão ecológica de uma comunidade, suas etapas e quais organismos participam em cada uma delas até atingir o clímax ............................................................................................ 224 7.7.2 Apontar as interações entre as populações e comunidades ................... 227 7.7.3 Delinear com acuidade o processo de regeneração e recuperação de áreas degradadas .................................................................................................. 230 7.7.4 Identificar os constituintes do solo e as propriedades dos solos ........... 232 7.7.5 Relacionar os pontos teóricos da ecologia com as atividades antrópicas ................................................................................................... 234 7.7.6 Desenvolver uma reflexão crítica sobre a complexidade das relações entre os seres vivos e os ambientes nos ecossistemas, reconhecendo o alto grau de interdependência entre os diversos componentes da biosfera. Seres humanos e a natureza ...................................................... 236 7.8 REPLICAÇÃO DA SEQUÊNCIADE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULA DE CAMPO-SAIAC ....................................................................................... 239 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 252 8.1 A EXPERIÊNCIA INVESTIGATIVA ............................................................... 252 8.2 LIMITES E POTENCIAIS DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA ................. 260 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 264 APÊNDICE A – PROTOCOLO DO MAPEAMENTO SISTEMÁTICO ........... 283 APÊNDICE B – TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE) ................................................................................ 286 APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA MENORES DE IDADE (TCLEM)......................................................... 290 APÊNDICE D – EMENTA DA DISCIPLINA ELETIVA ................................... 294 APÊNDICE E – TABELA DE VALIDAÇÃO POR PARES ............................. 297 APÊNDICE F – SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULA DE CAMPO – SAIAC – ANTES DA VALIDAÇÃO ........................ 303 APÊNDICE G – SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULA DE CAMPO – SAIAC DEPOIS DA VALIDAÇÃO ......................... 307 APÊNDICE H – CAPA DO HANDBOOK – ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO EM AULAS DE CAMPO: ORIENTAÇÕES PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA .................................................. 312 APÊNDICE I – INDICADORES DE VALIDAÇÃO DO HANDBOOK “ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO EM AULAS DE CAMPO: ORIENTAÇÕES PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA” ..................................... 313 ANEXO 1 – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP/APROVAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................................... 317 ANEXO 2 – AUTORIZAÇÃO DA PESQUISA SECRETÁRIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO ........................................................................ 318 ANEXO 3 – PROPOSTA DE FICHA DE AVALIAÇÃO DE PRODUTO/PROCESSO EDUCACIONAL PARA A PRIMEIRA INSTÂNCIA DE VALIDAÇÃO .................................................................................................. 320 21 1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa decorre de um percurso construído a partir de um mestrado profissional em educação em ciências e matemática. Ingressei no Instituto Federal do Espírito Santo determinada a desenvolver uma dissertação envolvendo as visitas monitoradas do Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA. Como nem tudo ocorre como delineamos, no primeiro encontro com a orientadora, fui informada que sua linha de pesquisa não explorava pedagogicamente os espaços não formais, entre os quais os museus. Fiquei desapontada e um pouco perdida, pois em minha percepção não havia possibilidade de desenvolver outro projeto. A proposta era desenvolver uma pesquisa de mestrado em que ficasse evidenciado a minha forte relação com o INMA. Para surpresa, minha orientadora (Mirian do Amaral Jonis Silva) propôs que o museu se constituísse como cenário para utilização do ensino de ciências por investigação, abordagem muito utilizada em espaço formal de educação, para o ensino de ciências. Este arranjo permitiria que eu continuasse com a proposta inicial de trabalhar com um museu de ciências, em uma linha de pesquisa dentro do escopo da orientadora (ensino de ciências por investigação). Assim, depois de muito diálogo e poder de convencimento, fechamos na seguinte proposta “Ensino de Biologia no Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA: Um olhar para as ações mediadas”. Todavia, por que trazer essas questões do mestrado para essa trajetória? A justificativa reside no fato de revelar como comecei a me interessar pelo ensino de ciências por investigação e pensar em dar prosseguimento a esta proposta, em uma pesquisa de doutoramento. Para desenvolver a dissertação realizei leituras que me inseriram no contexto investigativo, entre os quais destaco Azevedo (2009); Capecchi (2013); Carvalho (2009; 2013); Gil-Perez (1986); Munford; Lima (2007); Sá et al (2011). O preparo para atuar no campo dos espaços não formais de educação também adveio dos estudos de algumas disciplinas do percurso formativo do Mestrado, como a disciplina Divulgação Científica, quando tomei conhecimento das formas e os dos processos de como os alunos e o grande público, são alfabetizados cientificamente (Sasseron; Carvalho, 2008, 2011; Chassot, 2011), entre outros. 22 Além disso, como pesquisadora do Grupo de pesquisa: Divulgação e Popularização da Ciência (DIVIPOP), sob a liderança do professor Carlos Roberto Pires Campos, refletimos sobre textos e as formas pedagógicas de utilização de espaços de educação não formal, sobre a metodologia das aulas de campo, sobre os processos de formação da cultura cientifica e sobre a Alfabetização Científica. Esses debates possibilitaram o entendimento de inúmeras questões que me ajudaram no desenvolvimento da pesquisa de mestrado e me auxiliaram na percepção da importância da Alfabetização Cientifica na vida das pessoas, na medida em que as capacita a participar ativamente das questões que afetam suas vidas, de modo a tomarem decisões e fazerem escolhas sobre temas polêmicos. Cito como exemplo assuntos como transgênicos, formas de contaminação em tempos de pandemia, discussão sobre utilização de medicação, entre outras questões não menos complexas. Esses dois professores, Mirian do Amaral Jonis Silva e Carlos Roberto Pires Campos foram indispensáveis para que, neste momento, eu pudesse organizar esse estudo no campo do ensino de ciências por investigação articulado a metodologia das aulas de campo, na promoção da Alfabetização Científica. Esses professores também me auxiliaram a compreender que devemos ensinar com o objetivo de formar sujeitos capazes de entender o mundo que os cercam, e entender o mundo é saber argumentar, é saber discutir ciência, é saber resolver os problemas do cotidiano. O ensino de ciências deve contribuir para formação integral do aluno e nutrir ferramentas para que ele possa atuar em seu contexto. Quando ensinamos ciências com essa finalidade, estamos Alfabetizando Cientificamente e auxiliando na formação de estudantes menos passivos as contradições do mundo, sendo participativos nessa sociedade tão complexa. Sendo assim, o desenvolvimento de atividades investigativas em aula de campo necessita ser evidenciado como uma importante ferramenta para favorecer ao estudante uma participação ativa no processo de aprendizagem em ciências. O estudante levanta hipóteses em busca da solução para um problema, confronta essas hipóteses com outras levantadas pelos seus colegas e, com o auxílio do professor, sistematiza seus conhecimentos. Tais atividades farão sentido para o aluno, porque serão fundamentadas de modo tal que saberá o motivo de estar investigando 23 determinado fenômeno, como o quer Bachelard (1996, p. 5), para quem “todo conhecimento é resposta a uma questão”. Em razão desse pressuposto, defendemos o ensino de ciências por investigação nesta pesquisa, tendo em vista seu potencial de promotor da Alfabetização Científica. Para ser realizado, se faz necessária a utilização de práticas diversificadas, a partir de uma situação-problema, que enseja sua resolução, por meio do diálogo, do levantamento de hipóteses, da reflexão e da experimentação. Além disso, a utilização do ensino de ciências por investigação, em uma aula de campo, pode aproximar os estudantes da concepção de homem-natureza como partes que são de umprocesso intrínseco, na dimensão da totalidade. Outra contribuição das aulas de campo para o ensino de ciências é o universo de possibilidades que pode ocorrer durante o andamento da aula. Em campo, não há divisão de salas, o espaço é livre e o trabalho pedagógico ocorre de modo colaborativo, construído em parceria. Desta maneira, o estudante tem a oportunidade de desenvolver um perfil investigativo, buscar a resolução de problemas, a confrontar hipóteses levantadas por meio da orientação do professor, decidindo quais métodos utilizar durante o desenvolvimento das atividades (Silva, 2016). As aulas de campo favorecem o trabalho interdisciplinar, pois, dependendo do conteúdo, pode se abordar vários temas (Morais; Andrade, 2009). No caso do objeto de conhecimento ecologia (tema abordado com estudantes do Ensino Médio na pesquisa), tal interdisciplinaridade foi articulada com o componente curricular geografia. A escolha da temática ecologia ocorreu pelo fato de se configurar como um tema amplo e proporcionar diversas possibilidades de trabalhos interdisciplinares, também por possibilitar reflexões acerca de assuntos com pautas globalizadas. Outro motivo da escolha do tema, decorreu da indicação do local para realização da aula de campo, o Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA, cujo parque zoobotânico oferece inúmeras possibilidades para desenvolvimento de atividades escolares. No parque, encontram-se os quatro grupos de plantas com possibilidades de visualização dos estágios de sucessão ecológica, um observatório de beija-flores, viveiros de aves, terrário de quelônios, um serpentário, entre outras. A realização da aula de campo no INMA também pode contribuir para divulgar esse espaço, pouco utilizado por professores. Normalmente, as escolas levam os estudantes para as visitas monitoradas que o Instituto oferece, mas poucos utilizam o parque zoobotânico para 24 aulas como forma de aprendizagem dos conteúdos curriculares, além de todo conteúdo para formação humana. Este breve relato permite elencar um conjunto de questionamentos, os quais ajudam a compreender o processo de aprendizagem no ensino de ciências por investigação articulado à metodologia das aulas de campo, considerado, aqui, ponto importante para a educação integral. Assim, começamos com uma pergunta investigativa para situar a questão; como as atividades investigativas são operacionalizadas em aulas de campo? Como tais atividades investigativas podem potencializar os processos de aprendizagem em direção à Alfabetização Científica? A partir dos questionamentos citados, emerge a questão central desta tese de doutoramento: Como introduzir elementos do ensino de ciências por investigação em uma aula de campo, com alunos do Ensino Médio, com vistas a propor uma prática pedagógica? Partimos da hipótese de que as aulas de campo em diálogo com o ensino de ciências por investigação têm potencial para mobilizar processos de Alfabetização Científica, influenciando a apropriação do conhecimento científico, transpondo obstáculos conceituais e metodológicos, contribuindo para a formação da cultura científica. Além disso, tomando por base as características das atividades investigativas, acreditamos que as aulas de campo organizadas e sistematizadas em etapas, com propostas problematizadoras em uma construção processual, possam auxiliar o estudante a organizar as informações recebidas ao longo da realização das atividades, contribuindo para o processo ativo de aprendizagem. Para responder às questões apresentadas, esta pesquisa tem como objetivo geral: analisar o desenvolvimento de uma prática pedagógica, à luz do ensino de ciências por investigação, propondo relações de congruências entre as etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI) e os três momentos da metodologia das aulas de campo, de modo a avançar na construção de uma proposta didática. 25 Como objetivos específicos, temos: • Analisar a viabilidade da utilização/adaptação dos três momentos: pré-campo, campo e pós-campo incorporados às etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI); • Propor uma Sequência de Atividades Investigativas em Aulas de Campo (SAIAC), com vistas à materialização da proposta didática. • Identificar os indicadores de Alfabetização Científica no transcurso do desenvolvimento das atividades investigativas em uma aula de campo. • Apontar em que medida a proposta didática favorece avanços na aprendizagem de ciências; • Elaborar um handbook contendo orientações para utilização de uma proposta didática que incorpora elementos do ensino de ciências por investigação em uma aula de campo na Educação Básica, com vistas à promoção da Alfabetização Científica. Para atender aos objetivos, elaboramos e aplicamos uma proposta de intervenção, destinada a estudantes do Ensino Médio, abordando a temática ecologia, denominada sequência de atividades investigativas em aula de campo (SAIAC). A prática uniu as etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI) aos três momentos que compõem a metodologia das aulas de campo (Quadro 1). Quadro 1 – Etapas do planejamento da SAIAC Etapas SAIAC Momentos das aulas de campo Etapas da SEI Sensibilização Pré-campo: Primeiro contato com o objeto de estudo. - Levantamento dos conhecimentos prévios - Questionamento - Troca de informação Experimentação Campo: Ida ao local planejado. Investigação e relação da teoria com a prática - Proposição da situação- problema - Formulação de hipóteses -Teste de Hipóteses -Troca de informação Elaboração Pós-campo: Análise dos dados e das informações obtidas no campo - Sistematização do conhecimento - Aplicação Fonte: Elaborado pela autora (2023) 26 A SAIAC foi aplicada em duas escolas, nos componentes curriculares de uma disciplina eletiva e de projetos integradores de ciências da natureza. Como forma de materializar o produto educacional foi elaborado um handbook, cuja intencionalidade foi auxiliar outros professores (em especial da área de ciências) a utilizarem a proposta didática sem necessariamente replicar a sequência de atividades investigativas em aulas de campo, desenvolvida nesta pesquisa. O handbook configura-se como um guia explicativo contendo instruções relativas a cada etapa da SAIAC. A apresentação da pesquisa divide-se em oito capítulos. No primeiro capítulo, contemplamos o processo de construção da pesquisa e de como os interesses de pesquisa emergiram. Expusemos a trajetória até a culminância da proposta de pesquisa de doutoramento e sua importância para a maturidade acadêmica desta professora/pesquisadora. Neste capítulo, trouxemos a escolha da temática (ecologia) para a aula de campo e a escolha do local (Instituto Nacional da Mata Atlântica) para a realização do momento “campo” da aula. Apresentamos o problema de pesquisa, o objetivo geral e os objetivos específicos e, resumidamente, a proposta didática desenvolvida e materializado em uma sequência de atividades investigativas em aula de campo (SAIAC). O segundo capítulo é composto pelos referencias teóricos que orientaram e forneceram recursos para a elaboração da pesquisa, ancorados no conceito de mediação da perspectiva sócio-histórica. Foram abordadas algumas concepções acerca do ensino de ciências por investigação, a importância da problematização e do diálogo, com o objetivo de superar o olhar ingênuo da ciência por uma visão crítica dos fatos. Discorremos sobre os pressupostos que baseiam a metodologia das aulas de campo, quais seja, um conjunto de atividades desenvolvidas para o estudo do meio, que possibilitam a compreensão do mundo e a superação de desafios sociais e educacionais de cada momento histórico. Também situamos o contexto histórico no qual a Alfabetização Científica (AC) surgiu, nossa opção pela utilização dotermo AC, bem como uma aproximação entre a Alfabetização Científica e o ensino de ciências. No terceiro capítulo, contemplamos o mapeamento sistemático (MS) realizado de acordo com o protocolo proposto por Falbo (2015), considerando as questões de pesquisa, a estratégia escolhida para a condução do MS, os critérios de seleção de 27 estudos e como ocorreu a coleta e a sistematização dos dados dos estudos. Definimos fonte de pesquisas, critérios de busca, termos de busca, critérios de seleção, etapas do processo de seleção e critérios de inclusão e exclusão. No MS, encontramos onze dissertações de mestrados profissionais (nenhuma tese), quatro artigos nacionais, três artigos internacionais e quatorze produtos educacionais. No quarto capítulo, destacamos os aspectos teóricos e metodológicos da proposta didática. Discorremos acerca da importância do planejamento das aulas de campo, da necessidade das etapas de preparação de uma aula de campo, pensada como uma intervenção pedagógica com intencionalidade educativa. Abordamos a sequência de ensino investigativa (SEI), com os tipos de problemas que podem ser utilizados e o papel do professor na condução SEI. Destacamos os indicadores de AC propostos por Sasseron e Carvalho (2008; 2011), os quais representam um arcabouço de ações que os estudantes devem praticar em face da resolução de um problema. Finalizamos o capítulo explorando a temática ecologia por se tratar do conteúdo curricular explorado na sequência de atividades investigativas em aula de campo. No quinto capítulo, descrevemos o percurso metodológico adotado. Situamos a pesquisa como qualitativa, aplicada e do tipo participante. Apresentamos os sujeitos e os locais da pesquisa, os aspectos éticos e a organização da pesquisa e do produto educacional. Finalizamos o capítulo apresentando a produção e a análise dos dados. A produção dos dados ocorreu por meio do procedimento da observação participante, utilizando como técnica de registro a descrição dos acontecimentos em diário de campo da pesquisadora; áudio-gravação, bem como pelos relatos escritos pelos estudantes em cadernos de campo. A abordagem dos dados ocorreu por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011). No sexto capítulo, apresentamos o processo de elaboração do produto educacional (PE). Expusemos a estruturação da SAIAC em três etapas, quais sejam: a sensibilização, a experimentação e a elaboração. Os motivos para a escolha do handbook como artefato para materializar o PE; como foi realizada a validação do material também foram abarcados no capítulo. A escolha foi definida de modo a garantir a replicabilidade em outros contextos escolares, sendo de fácil acesso para aqueles que desejarem utilizar a SAIAC. 28 O sétimo capítulo tem seu foco voltado para os dados produzidos. Inicialmente verificamos a viabilidade da adaptação dos três momentos: pré-campo, campo e pós- campo incorporados às etapas de uma SEI, a partir de evidências extraídas de cada uma das etapas da SAIAC. Continuamos a reunião dos dados, de modo a identificar os indicadores de Alfabetização Científica, que surgiram durante o desenvolvimento das atividades. As etapas da sequência de atividades foram organizadas de modo a evidenciar os indicadores de AC em cada uma das dimensões (dados obtidos, organização do pensamento e compreensão da situação analisada). Finalizamos a análise da prática pedagógica, com vistas a verificar o modo como ela favoreceu a aprendizagem, considerando os objetivos de aprendizagem previstos na SAIAC. Ainda nesse capítulo discorremos sobre a replicação da proposta didática em duas turmas de uma escola da região Centro-Serrana do Espírito Santo. Finalmente, no oitavo capítulo, articulamos as considerações finais sobre todo o estudo realizado. Pontuamos considerações acerca da prática pedagógica desenvolvida, apresentando os objetivos contemplados e vislumbrando potenciais desdobramentos que a reflexão suscitou. Indicamos a possibilidade de um diálogo intrínseco entre as aulas de campo e as sequências de ensino investigativas, constituindo-se em uma proposta didática, materializada e aplicada em duas escolas da rede estadual de ensino do Espírito Santo, dentro dos limites estabelecidos na pesquisa, alunos do Ensino Médio de duas escolas estaduais. 29 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Este capítulo é composto pelos referencias teóricos que orientaram e forneceram recursos para a elaboração da pesquisa, ancorados no conceito de mediação que se baseia na perspectiva sócio-histórica. Tal concepção teórica concebe o ser humano, em sua natureza, como histórico e culturalmente inserido. Vigotski é o principal representante desta teoria. Nesse contexto sócio-histórico discorremos sobre o ensino de ciências por investigação. Destacamos a importância da problematização e do diálogo com o objetivo de superar o olhar ingênuo da ciência por uma visão crítica dos fatos, rumo à transformação do contexto social e político, bem como a nossa compreensão acerca do ensino de ciências por investigação como uma abordagem didática. Também situamos o contexto histórico no qual a Alfabetização Científica (AC) surgiu, a nossa opção pela utilização do termo AC e buscamos uma aproximação entre a Alfabetização Científica e o ensino de ciências. Ressalta-se que nesse mesmo capítulo, discorremos sobre os pressupostos que baseiam a metodologia das aulas de campo, como sendo um conjunto de atividades desenvolvidas dentro do estudo do meio, que possibilitam a compreensão do mundo e a superação de desafios sociais e educacionais de cada momento histórico. Também trouxemos nossa concepção acerca da metodologia das aulas de campo. Dessa perspectiva, defendemos a matriz sócio-histórica vigotskiana para o ensino de ciências por investigação, porque ancora a visão da ciência, seu papel social e a concepção de uma educação preconizada pela Alfabetização Científica como principal objetivo da educação em ciências. Esta mesma matriz alicerça a metodologia das aulas de campo, como um caminho para a aprendizagem sobre a realidade observável, isto é, as diferentes manifestações da natureza e/ou da sociedade em situações reais, visto que Vigotski entende o desenvolvimento humano como resultado das interações entre os ambientes físicos e os ambientes sociais. 30 2.1 TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA DA APRENDIZAGEM No entender de Rowe e Bachman (2012), o trabalho de Vigotski ancora-se principalmente sobre o que ele denominou de lei genética geral do desenvolvimento. O psicólogo russo teorizou que todos os pensamentos mais elevados nas interações sociais entre as pessoas, gradualmente, se tornam internalizados e, assim, se tornam parte da constituição psicológica do indivíduo, sob a forma de processos mentais de ordem superior como a lembrança voluntária, a autorregularão e o planejamento (Rowe; Bachman, 2012). Muitos autores interpretam a obra de Vigotski com olhares diferentes, divergindo quanto a sua filiação às diversas correntes. São muitas as designações e classificações delegadas as ideias de Vigotski, entre elas estão o socioconstrutivismo, o sociointeracionismo, o sociointeracionismo-construtivista e construtivismo pós- piagetiano (Duarte, 1999). Dentro dessas designações, optamos pela designação sócio-histórica, porque a interação entre os indivíduos em contextos sociais, culturais e historicamente construídos são fundamentais para a construção da aprendizagem sendo o professor o sujeito que conduz essa relação, estimulando a curiosidade e a vontade de aprender do estudante. A interação sócio-histórica emerge na crise revolucionária russa em um contexto receptivo ao surgimento de um paradigma psicológico contrário aos pensamentos deterministas vigentes. Tal concepção teórica concebe o ser humano, em sua natureza,como histórico, cultural e culturalmente inserido. Vigotski é o principal representante desta teoria. Não exagero dizer que Vigotski era um gênio. Ao longo de mais de cinco décadas trabalhando no campo da ciência, eu nunca encontrei alguém que sequer se aproximasse de sua clareza de mente, sua habilidade para expor a estrutura essencial de problemas complexos, sua amplidão de conhecimentos em muitos campos e sua capacidade para antever o desenvolvimento futuro da ciência (Vigotski; Luria; Leontiev, 2012, p. 21). Vigotski (1998) entende a formação biológica do homem como capaz de promover sua capacidade de adaptação a ambientes diversos, auxiliando no processo de 31 formação. Isto tudo, sob a influência do ambiente em que está inserido. Desta maneira, além de biológico, o ser humano é resultado do processo histórico e social. A natureza do próprio desenvolvimento transforma-se, do biológico no sócio histórico. O pensamento verbal não é uma forma natural de comportamento, inata, mas é determinado pelo processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais do pensamento e do discurso. Desde que, admitamos o caráter histórico do pensamento verbal, teremos que o considerar sujeito a todas as premissas do materialismo histórico, que são válidas para qualquer fenômeno histórico na sociedade humana (Vigotski, 1998, p. 54). A mediação em Vigotski é vista como central, pois é neste processo que as funções psicológicas superiores (tipicamente humanas) se desenvolvem. As funções psicológicas superiores relacionam-se com ações intencionais, o planejamento, a memória voluntária e a imaginação, enquanto as funções psicológicas elementares se relacionam com o biológico, o nato, o extintivo e o reflexo, formando um conjunto de processos psicofisiológicos (Vigotski, 1998). O autor afirma que: (...) O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda, fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto, podemos usar o termo função psicológica superior, ou comportamento superior com referência à combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica (Vigotski, 1998, p. 73). Para Vigotski (1994), no estudo do processo de desenvolvimento histórico, as funções psicológicas elementares, por serem de origem biológicas e com caraterísticas hereditárias dominantes, se modificam muito pouco. Já os processos psicológicos superiores experimentam mudanças expressivas em todos os aspectos. Segundo o autor, tais mudanças, originadas pelas interações entre os sujeitos em seus contextos culturais, modificam a atividade das funções psicológicas construindo novos modos de comportamento humano. As funções psicológicas superiores apresentam uma estrutura tal que entre o homem e o mundo real existem mediadores, ferramentas auxiliares de atividade humana (Oliveira, 2010). Em linhas gerais, a teoria vigotskiana postula que o desenvolvimento mental do ser humano decorre da interação social para interiorizar-se no indivíduo, sendo o processo de mediação essencial para compreensão do processo de aprendizagem. 32 Idealizados por Vigotski (1998) como elementos mediadores, os instrumentos e os signos validam os pressupostos de que a relação do homem com o ambiente não é direta. Tal relação resulta da aprendizagem mediada, por meio da qual o aprendizado “[...] desperta vários processos internos de desenvolvimento [...]”, suscetíveis a acontecerem por meio da interação entre os indivíduos e o ambiente, bem como em cooperação com os outros seres humanos (Vigotski, 1998, p. 103). Os instrumentos, no entender do filósofo russo, são elementos mediadores entre o ser humano (na visão do autor, o trabalhador) e o objeto de seu trabalho. Tal elemento mediador facilita e potencializa as possibilidades de 1transformação da natureza. O celular, por exemplo, possibilita a realização de diversas tarefas; seria um instrumento criado pelo ser humano para cumprir determinados objetivos. Trata-se de uma ferramenta que contém as funções para qual foi criada e o modo de utilização inerente ao contexto histórico e cultural vivido. O celular é um objeto pessoal e mediador da relação entre o indivíduo e o meio. Ou seja, os 2instrumentos são criados pelos seres humanos para auxiliarem nas tarefas diárias, mediando a relação sujeito-objeto. Os signos são internos aos sujeitos, centram-se no controle das ações psicológicas. São as ferramentas que ajudam os processos internos; diferente dos instrumentos que auxiliam as ações concretas. Logo, signos são ferramentas que nos auxiliam a solucionar problemas de cunho psicológico, como a tomada de decisões, o processo de memorização, entre outros processos internos. Quando realizamos uma soma mentalmente, estamos utilizando processos de mediação por signos. Nossa ferramenta, nesse caso, são os números e as associações que fazemos para realização da ação; a soma. No entanto, se utilizarmos uma calculadora, ela será nosso instrumento mediador da ação, por ser um objeto criado pelo homem para esta finalidade. Existem inúmeras formas de utilizar a mediação por meio de signos para auxiliar o funcionamento das atividades psicológicas. Ao fazer uma agenda para não esquecer 1 Cabe-nos lembrar que no período em que viveu Vigotski, ainda era predominante a ideia de que o homem deveria dominar a natureza em seu favor. O ser humano estaria em um plano superior aos outros elementos da natureza. 2 Nesse trabalho não entraremos na discussão acerca de outros animais utilizando instrumentos para alcançar um determinado fim. Nosso foco é a mediação humana. 33 um compromisso, estamos utilizando uma ferramenta mediadora da ação psicológica; o ato de lembrar é uma ação interna ao indivíduo. "Recorremos a mediação por meio de signos para melhorar nossas possibilidades de armazenamento de informações e de controle da ação psicológica” (Oliveira, 2010, p. 31). Para Vigotski o funcionamento das funções psicológicas humanas é social e histórico. As ferramentas culturais mediadoras (instrumentos e signos) na relação do ser humano com o seu meio ocorrem por intermédio da interação entre os sujeitos. Nessa interação entre os sujeitos, a linguagem exerce papel fundamental, tanto na comunicação quanto no estabelecimento de significados partilhados que possibilitarão várias interpretações no mundo real. A propagação racional, intencional de experiências e de pensamentos a outro sujeito exige um sistema mediador, isto é, a linguagem humana (Vigotski, 1998). O pensamento humano necessita da linguagem como mediadora na consolidação das ideias a serem repassadas a outro ser humano. A linguagem é o instrumento mediador na relação do sujeito com o meio. Sem a linguagem, de acordo com Vigotski (1998), não há desenvolvimento, não há aprendizagem e não há o humano. Logo, a linguagem permeia todos os conceitos centrais da psicologia sócio-histórica. “Um dos instrumentos básicos inventados pela humanidade é a linguagem, e Vygotsky deu ênfase especial ao papel da linguagem na organização e desenvolvimento dos processos de pensamento” (Vigotski; Luria; Leontiev, 2012, p. 26). A relação entre o pensamento e a palavra é um processo vivo; o pensamento nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece uma sombra. A relação entre eles não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento e também se modifica (Vigotski, 1998, p. 131). O processo vivo descrito por Vigotski (1995) são ideias ou pensamentos que ficam guardadas na mente do indivíduo e partilhados entre sujeitos, nessa partilhaa herança histórica e cultural estão inseridas. O desenvolvimento da linguagem e suas relações com o pensamento são importantes na psicologia vigotskiana. Nos relatos do próprio autor: [...] a relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, 34 e vice-versa. Nesse processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. o pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema. Esse fluxo de pensamento corre como um movimento interior através de uma série de planos. Uma análise da interação do pensamento e da palavra deve começar com uma investigação das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser expresso em palavras (Vigotski, 1995, p. 108). O psicólogo russo entende o desenvolvimento do pensamento determinado pela linguagem, ou seja, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sociocultural do sujeito. Assim, a linguagem é considerada o pilar da concepção sócio- histórica, é o instrumento principal da mediação, com vistas à socialização humana. Logo, se qualquer ação desenvolvida pelo ser humano pressupõe mediação; a aprendizagem também ocorre por meio da mediação e da interação social, em que a linguagem é utilizada para a interação e a comunicação. A aprendizagem ocorre na presença do sujeito que ensina e por meio de ferramentas culturais, aspectos sociais e, principalmente pela linguagem. O educador começa a compreender agora que quando a criança adentra na cultura, não somente toma algo dela, não somente assimila e se enriquece com o que está fora dela, mas que a própria cultura reelabora em profundidade a composição natural de sua conduta e dá uma orientação completamente nova a todo o curso de seu desenvolvimento (Vigotski, 1995, p. 305). Vigotski (1995) acredita no desenvolvimento cognitivo associado ao meio em que o indivíduo está inserido. O contexto social, histórico e cultural vai influenciar diretamente no desenvolvimento do estudante. Esse contexto social e cultural irá constituir o indivíduo. A mediação estabelece que o outro, visto a partir das relações externas ao sujeito, vai constitui-lo e fornecerá ferramentas para a construção subjetiva e para o desenvolvimento psicológico. Assim, somos produto das nossas relações e do meio em que estamos inseridos; modificamos enquanto somos modificados. A aprendizagem tem potencial para resultar no desenvolvimento psicológico, social e cognitivo, visto que o desenvolvimento ocorre de fora para dentro do sujeito, por 35 intermédio das relações e interações sociais. A relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas mediada. A atividade humana é constituída por ações, as quais são mediadas por artefatos culturais, mesmo, muitas vezes, ele não tendo consciência dessa mediação. Em determinadas ações do cotidiano, essa participação nem sempre é evidente, logo, não temos consciência de que existem artefatos culturais mediando nossa ação. Tomemos como exemplo uma aula de campo como uma atividade humana, que se realiza por um conjunto de ações mediadas por instrumentos e signos. Podemos considerar praticamente dois sujeitos envolvidos (aluno e professor) com papéis distintos no desenvolvimento das atividades durante a aula de campo. Para que haja sucesso na aprendizagem, se faz necessário estabelecer relações entre os sujeitos e entre os sujeitos e o objeto de conhecimento. A relação da ação mediada com o objeto de conhecimento vai exigir mediadores simbólicos; materiais utilizados durante a aula. Essa mediação deve colaborar para a aprendizagem do estudante, possibilitando-lhe tornar sujeito da ação, com vistas a mobilizar vários recursos nesse processo de aprendizagem mediada. Para Freitas (2000), Vigotski busca uma relação dialógica entre o ensinar e o aprender. O professor auxilia o estudante agindo como um elemento de intervenção, influenciando no desenvolvimento proximal dos alunos, estimulando-lhes avanços que não aconteceriam naturalmente. A autora evidencia a relevância do educador como agente fundamental na construção do conhecimento. Na escola, o auxílio e interferência do professor impulsionam o aluno ao desenvolvimento. A “zona de desenvolvimento proximal” é um conceito, mesmo complexo, que auxiliou o desenvolvimento do ensino, fornecendo diretrizes e trazendo esclarecimentos para o entendimento de porque algumas ações dão certo no cotidiano escolar e outras nem tanto. O educador necessita deixar que os estudantes construam atividades nas quais, compartilhem ideias e argumentem com seus pares e com o professor. Desta maneira, o conceito de interação mediada por artefatos culturais é reformador do funcionamento da mente e não um simples facilitador de processos nela pré- existentes (Vigotski, 1998). A interação social não se limita à interlocução entre professor/aluno; também ocorre por meio do contexto em que essa interlocução 36 acontece. Assim, o estudante interage com outros componentes do ambiente envolvidos nos trabalhos desenvolvidos em sala de aula ou fora dela, como o espaço escolhido para a etapa campo de uma aula de campo, por exemplo. Quando pensamos na mediação e sua relação com a aprendizagem escolar, necessitamos entender que ela, neste caso, tem caráter intencional com objetivos explícitos e planejamento específico. Dependendo dos objetivos da escola, a mediação pressupõe contornos específicos, quando considerados o que a escola defende acerca de como o estudante aprende. Nesta pesquisa, esses objetivos estão relacionados à aprendizagem de conteúdos curriculares e extracurriculares, utilizando a metodologia das aulas de campo em diálogo com o ensino de ciências por investigação. Adquire contornos e objetivos inerentes ao ambiente e a proposta aqui defendida, ou seja, as etapas de uma SEI inseridas nos três momentos da metodologia das aulas de campo, por meio do desenvolvimento de uma sequência de atividades investigativas em aula de campo - SAIAC. Partindo desse pressuposto, o Instituto Nacional da Mata Atlântica (espaço fora dos muros da escola) e a sala de aula (espaço escolar) são os espaços em que a aprendizagem curricular e extracurricular ocorrem, por meio da mediação. A relação Instituto-escola emerge como um espaço de interface, promovendo a aproximação das atividades investigativas enquanto mediação em uma aula de campo. Assumimos a importância da atividade investigativa em si, como um processo educativo, como estimuladora da conquista da autonomia do estudante e o envolvimento das condições superiores da mente, buscando em Vigotski esse referencial. Do ponto de vista teórico, esses pressupostos, são relevantes quando se adota o ensino de ciências por investigação. Do ponto de vista de uma proposta pedagógica; é um recurso didático: a implementação de uma sequência de atividades investigativas em aula de campo, as condições para a sua implementação e o que cada etapa requer do professor na mediação das atividades para estimular a curiosidade dos estudantes, a partir de uma postura investigativa. Considerando as bases da teoria sócio-histórica da aprendizagem e, sobretudo, a mediação, existem contextos sociais e históricos em que os estudantes estão inseridos. Assim, devemos levar isto em consideração no momento das escolhas das 37 abordagens e metodologias que utilizaremos no processo de organização e desenvolvimento das aulas. Entre tais escolhas, optamos pela abordagem ensino de ciência porinvestigação, utilizando a metodologia das aulas de campo, com vistas a mobilizar processos para a Alfabetização Científica, na proposição de uma prática pedagógica sobre ecologia para estudantes do Ensino Médio. Temas estes, tratados nas próximas seções do desse capítulo. 2.2 ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO A ciência é uma área que, quando bem trabalhada na escola, atrai os alunos, porque desperta curiosidade acerca de eventos naturais que ainda estão em descobrimento. Os alunos são naturalmente curiosos, eles querem experimentar, querem formular hipóteses e investigar. O olhar científico pode ser explorado, a partir de uma ciência que está em outros lugares, em outras explicações e em outras justificativas. A visão que o estudante tem acerca dos componentes curriculares que compõem a área de ciências é de serem compostas por muitos nomes e definições sem sentido e sem conexão com sua vida (Munford; Lima, 2007). No componente curricular biologia, ainda temos as dificuldades dos termos complexos. Na atualidade, muitos pesquisadores têm se debruçado sobre o ensino de ciências. Como resultado dessas pesquisas vem ocorrendo um reconhecimento acerca da importância do ensino de ciências por investigação, a fim de sobrepujar aulas de ciências descritivas e descontextualizadas, como as descritas por Motokane (2015) e outros pesquisadores. Tal abordagem de ensino permite formar cidadãos mais críticos, autônomos e participantes em fatos relevantes de seu contexto social, que, de alguma maneira, pode envolver a ciência. É importante ressaltar que nem todo aluno da educação básica seguirá carreiras científicas, mas todos eles serão parte de uma sociedade que discute e utiliza temas científicos (Tonidandel, 2013; Carvalho, 2014). Nesse mesmo sentido, Carvalho et al. (1998, p. 42) afirmam que: Em uma proposta que utilize a investigação e a experimentação [...], o aluno deixa de ser apenas um observador das aulas, muitas vezes, expositivas, passando a exercer grande influência sobre ela: argumentando, pensando, 38 agindo, interferindo, questionando, fazendo parte da construção de seu conhecimento (Carvalho et al., 1998, p. 42). O ensino de ciências por investigação dialoga com a ideia de que a curiosidade é característica natural do ser humano, razão pela qual todas as atividades humanas decorrem da curiosidade e da investigação (Rodrigues; Borges, 2008). Sendo assim, o ensino de ciências por investigação se refere à redescoberta, “em que o estudante não teria de descobrir tudo por si só, mas orientado a resolver questões para as quais ele ainda não sabe a solução” (p. 4). Isto, porque a centralidade do ensino por investigação é a problematização formulada a partir do meio no qual o aluno está inserido e nas relações que emergem desse contexto. Nesse sentido, um dos objetos de interesse do ensino de ciências por investigação é a desconstrução de ideias e representações distorcidas sobre a ciência e como ela é produzida (Souza; Chapani, 2015). Criar estratégias para um ensino investigativo pode auxiliar na construção do conhecimento científico, bem como possibilitar ao aluno uma participação ativa no seu processo de aprendizagem. Uma atividade de investigação deve partir de uma situação problematizadora e deve levar o aluno a refletir, discutir, explicar, relatar, enfim, que ele comece a produzir seu próprio conhecimento por meio da interação entre o pensar, sentir e fazer. Nessa perspectiva, a aprendizagem de procedimentos e atitudes se torna, dentro do processo de aprendizagem, tão importante quanto a aprendizagem de conceitos e/ou conteúdos (Azevedo, 2004, p. 35). Desse modo, a problematização e o diálogo se fazem presentes no ensino de ciências por investigação, com o objetivo de superar o olhar ingênuo da ciência por uma visão crítica dos fatos, rumo à transformação do contexto social e político. Acreditamos que a perspectiva problematizadora de ensino e a Alfabetização Científica caminham na mesma direção, pois ambas possibilitam um ensino investigativo com vistas a levar o aluno à tomada de decisões de forma consciente e responsável sobre temas que dizem respeito a sua vida (Gil-Pérez et al., 2005). A problematização provoca transformações durante a construção do conhecimento. No entanto, o ato de problematizar está intimamente ligado ao diálogo construído durante a condução da aula, por meio do qual o professor capta os argumentos levantados pelos estudantes e propõe novas questões no estudo da situação- problema. A noção de problema no ensino de ciências por investigação está imbricada 39 com a Alfabetização Científica, logo, os problemas colocados para os estudantes necessitam ser organizados de modo a favorecer a investigação científica (Solino; Sasseron, 2018). De acordo com Cachapuz et al. (2005), o processo de investigação é uma oportunidade de o professor refletir continuamente sobre a sua prática, reavaliando os seus erros e acertos. É consenso que são características do trabalho pedagógico com o ensino por investigação: “observar, anotar, manipular, descrever, fazer perguntas e tentar encontrar respostas para as perguntas” (Zômpero; Laburu, 2011, p. 72). Para Sasseron (2015, p. 58), o ensino por investigação “denota a intenção do professor em possibilitar o papel ativo de seu aluno na construção do entendimento sobre os conhecimentos científicos [...] exige que o professor valorize pequenas ações do trabalho e compreenda a importância de colocá-las em destaque”. Um ponto que merece atenção em relação à postura do professor, refere-se à ideia que alguns ainda trazem de que, para a aula ser considerada investigativa, deve ser necessariamente experimental; podendo gerar dificuldades, como as apontadas por Borges (2002), quais sejam: falta de materiais e reagentes, falta de equipamentos básicos de laboratório, falta de tempo para preparo das aulas práticas, bem como a condução da dinâmica de uma sala de aula durante a execução das atividades investigativas. Dessa maneira, independentemente do tipo de atividade investigativa que será aplicada para promover o ensino por investigação, é importante que ela seja pensada e elaborada para propor uma situação-problema que proporcione debates e discussões. Deve relacionar-se ao contexto dos alunos, deve fornecer evidências e isolamento de parâmetros para levantar e/ou refutar hipóteses; estimular a criatividade ao elaborar e testar novas hipóteses com uma sistematização de todo o processo desenvolvido em direção à formulação de argumentos (Sá et al., 2011; Carvalho, 2014). O ensino de ciências por investigação configura-se como um campo amplo, contando com várias propostas pedagógicas e definições que fazem da investigação seu foco principal. De acordo com Sá et al. (2011), mesmo não existindo apenas uma definição para a expressão “ensino por investigação”, a atenção dispensada à ação dos alunos no processo de aprendizagem está em conformidade com uma abordagem 40 investigativa. Além de Sá et al. (2011), Azevedo (2009) destaca que as circunstâncias cujas atividades investigativas ocorrem durante o processo de ensino-aprendizagem configuram mais fortemente o ensino por investigação do que as atividades propriamente ditas. Sendo assim, Azevedo (2009); Borges (2002); Carvalho (2009); Sá et al. (2011) apontam algumas características para uma atividade ser considerada investigativa, quais sejam: a) apresenta um problema, no entanto, sem a obrigatoriedade de ser um problema aberto, desde que os estudantes o vejam como passível de solução; b) o aluno deve ser protagonista e autônomo na busca da resolução do problema; c) o professor deve ser provocativo com uma postura problematizadora, instigando os alunos a levantarem hipóteses acerca do problema apresentado, entendendo o que e como fizeram. Os estudantesentão aprendem sobre ciências e aprendem o conteúdo científico; d) os alunos devem se sentir curiosos e querer resolver o problema proposto, em uma postura ativa; e) deve despertar debates e argumentações promovendo diversas interpretações. Em consonância com Sasseron (2018), nossa concepção de ensino de ciências por investigação fundamenta-se nos postulados de Dewey (1971), principalmente aqueles que ressaltam o papel da experiência nos processos educativos, e pelos ensinamentos de Freire (1967), ressaltando a importância das transformações culturais e sociais que perpassam a educação. Deste modo, consideramos cinco principais elementos que se fundem para a ideia de ensino por investigação que utilizamos: o papel intelectual e ativo dos estudantes; a aprendizagem para além dos conteúdos conceituais; o ensino por meio da apresentação de novas culturas aos estudantes; a construção de relações entre práticas cotidianas e práticas para o ensino; a aprendizagem para a mudança social (Sasseron, 2018, p. 1068). Diante do exposto acerca das características e elementos que embasam o ensino por investigação. Para esse estudo, o compreendemos como uma abordagem didática, em consonância com Sasseron (2015, 2018, 2021). Tomando-o como associado ao trabalho do professor e não apenas a uma estratégia específica, o ensino por investigação configura-se como uma abordagem didática, podendo, portanto, estar vinculado a qualquer recurso de ensino desde que o processo de investigação seja colocado em prática e 41 realizado pelos alunos a partir e por meio das orientações do professor (Sasseron, 2015, p. 58). Como uma abordagem didática, o ensino de ciências por investigação exige “que o professor coloque em prática habilidades que ajudem os estudantes a resolverem problemas a eles apresentados, devendo interagir com seus colegas, com os materiais à disposição, com os conhecimentos já sistematizados e existentes” (Sasseron, 2015, p. 58). Simultaneamente, o professor necessita valorizar pequenas ações do trabalho do estudante e deve entender a importância de colocar esses trabalhos em evidência, “como por exemplo, os pequenos erros e/ou imprecisões manifestados pelos estudantes, as hipóteses originadas em conhecimentos anteriores e na experiência de sua turma, as relações em desenvolvimento. É um trabalho em parceria entre professor e estudantes” (Sasseron, 2015, p. 58). Assim, ao utilizar o ensino por investigação, os estudantes são instigados a elaborar hipóteses para o problema proposto, sem a cobrança de acerto na resposta, facilitando ricas discussões, em um ambiente “leve”, visto que o aluno não se sente pressionado a dar uma resposta correta. Para Allchin (2012, p. 1269) “essa incerteza permite fomentar a compreensão de que o conhecimento científico é uma construção que se apropria de caminhos justificáveis a partir dos recursos disponíveis”. Logo, o professor deve ter em mente a importância de uma mudança no desenvolvimento das aulas e a adoção de uma postura menos expositiva, dando oportunidade ao aluno de buscar respostas. [...] os estudantes constroem o conhecimento a partir da mediação do conteúdo científico e pelas atividades colaborativas em que são explorados os conhecimentos prévios a respeito do problema proposto. A partir do levantamento dos conhecimentos prévios, formulam-se hipóteses a serem testadas, para depois serem discutidos os resultados alcançados à luz da teoria (Cancian- Roldi, 2017, p. 33). Sasseron (2015) argumenta que, para ensinar utilizando o ensino por investigação o professor é muito importante. É o professor quem promove a investigação, propiciando o desenvolvimento das habilidades para resolução de problemas pelos alunos, a qual é desenvolvida na interação entre os próprios alunos, por meio dos recursos didáticos e dos conhecimentos (Sasseron, 2015). Briccia (2013, p. 116) argumenta que, na investigação científica, são trabalhadas “características epistemológicas ou de construção do conhecimento científico, de 42 maneira semelhante” na ciência e na escola, mesmo de forma implícita. A autora organiza as formas de trabalho implícitas com aspectos do conhecimento científico na escola (Quadro 2). Quadro 2 – Esboço das etapas da Sequência de Ensino Investigativa. O trabalho implícito com aspectos do conhecimento em sala. Na Ciência Na Escola Situação problemática aberta, que pode ter sua origem em outras investigações, necessidades pessoais, tecnológicas etc. Proposição de uma situação-problema para ser investigada, geralmente já elaborada pelo professor. Construção de hipóteses para serem contrastadas. Elaboração de estratégias de contrastação, incluindo se necessário, planejamento e realização de experimentos. Construção de hipóteses, testes de hipóteses. Reformulação de hipóteses, observação e variáveis. Interpretação dos resultados, a partir das hipóteses formuladas, dos conhecimentos teóricos e dos resultados de outras investigações. Interpretação dos resultados, discussão do que foi observado, o que pode demandar relações com outros resultados e/ou novas análises e hipóteses. Lado humano e vivo da ciência, relacionado a aspectos sociais e políticos e à sociedade e tecnologia. Estabelecimento de relações entre disciplinas e conhecimentos. Comunicação do trabalho realizado: encontros, intercâmbios, artigos, congressos. Comunicação do trabalho em relatórios, discussão entre estudantes e professores. Com uso de argumentação, escrita com destaque para o lado social da construção do conhecimento. Fonte: Briccia (2013, p. 117) Na visão de Briccia (2013, 117), os aspectos elencados na coluna que representa a escola, mostram características que destacam elementos fundamentais para combater as visões distorcidas da ciência acerca do conhecimento científico, “entre eles as relações entre conhecimentos, a importância da socialização do conhecimento científico, entre outros”. Para que tais processos ocorram, os professores necessitam desenvolver ações e atitudes diferentes das normalmente utilizadas em sala de aula (Briccia, 2013). A autora, apresenta exemplos dessas atitudes e ações no cotidiano escolar (Quadro 3). 43 Quadro 3 – Competências docentes relacionadas ao trabalho de sala de aula Competência Indicadores das competências Dirigir situações de aprendizagem Propõe problemas, questões e dilemas em sala de aula. Trabalha a partir de hipóteses, erros e obstáculos e aprendizagem dos alunos. Reflete sobre os interesses das situações apresentadas em sala. Promove oportunidade para que os estudantes desenvolvam competências científicas, levantem hipóteses, expliquem etc. Promove a integração com outros campos de conhecimento, até a análise qualitativa de problemas. Demonstra que o resultado de uma única pessoa ou grupo pode não ser suficiente. Criar um ambiente de aprendizagem que envolva o aluno em seu trabalho. Estabelece interações positivas no ambiente de aprendizagem que emprega incentivos e consequências, e interesses e opiniões contam. Reforça a dimensão coletiva do trabalho científico, organizando equipes de trabalho. Constrói estilos de comunicação para as necessidades de grupos individuais. Distribui as responsabilidades do ambiente de aprendizagem com os estudantes, até o senso de autoavaliação. Desenvolve a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo. Fonte: Briccia (2013, p. 119). Bevins e Price (2016) coadunam com Briccia (2013) quando enfatizam que o ensino de ciências por investigação é a melhor maneira de conseguir que os estudantes impulsionem seus conhecimentos e suas habilidades investigativas (aproximação ao conhecimento científico). Para os autores, o ensino por investigação também pode auxiliar os alunos na aprendizagem, permitindo-lhestransitar por caminhos que os levem a uma melhor compreensão e melhor motivação. Elevando-lhes a autoestima e a capacidade de enfrentar novos desafios. As aulas fundamentadas no ensino de ciências por investigação são uma ferramenta criativa para o professor de ciências. Alunos precisam fazer parte do processo de aprendizagem e utilizando-se de aulas investigativas, participam do processo e superam obstáculos conceituais inerentes à área de ciências da natureza. 44 Quando o aluno se sente envolvido e entende o conteúdo como parte do cotidiano ele se compromete e “busca querer” respostas, pois se sente desafiado pelo problema, logo questiona a situação apresentada, haja visto que a curiosidade e o interesse foram despertados. Com essas condições criadas, os próprios estudantes poderão argumentar utilizando linguagem científica, ou seja, utilizam terminologias próprias da ciência com a finalidade de defender sua hipótese, linguagem essa utilizada nas aulas de ciência pelo próprio professor e normalmente ignorada pelos estudantes. Nesse sentido, Capecchi (2013) acredita que a problematização no ensino de ciências objetiva criar um espaço que favoreça a investigação de situações em uma concepção científica. No entender de Capecchi (2013, p. 25), “problematizar é formular problemas diferentes daqueles que os alunos estão acostumados a elaborar, de forma a proporcionar oportunidades para que novos conhecimentos sejam construídos”. A autora afirma que a formulação das questões-problema não é uma tarefa banal, que requer simplesmente um enunciado bem elaborado. É necessário que a proposta represente para o aluno um problema consistente, ou seja, uma situação instigante e desafiadora, que o motive a se envolver e a se comprometer. Assim, Capecchi (2013) expõe a necessidade de, no transcurso de uma atividade utilizando o ensino de ciências por investigação, todo o processo de construção de significados seja contemplado. Para autora, a construção de significados, deve ocorrer desde a apresentação de um problema inicial estimulante até a verificação de questões científicas exigidas pela solução e o reconhecimento de ferramentas relevantes para examiná-las. No entanto, a problematização nas aulas de biologia não é uma tarefa fácil. O ensino de ciências por investigação é mais amplamente utilizado no ensino de física, sendo um desafio utilizá-lo no ensino de biologia. Não há muitos experimentos a realizar nas aulas de biologia, residindo aí a maior dificuldade em utilizar tal abordagem. Scarpa e Silva (2013) endossam as dificuldades citadas expondo que “nem todos os conteúdos biológicos trabalhados nos currículos de ciências são passíveis de experimentos clássicos”. Acrescentando que, talvez, poucos deles o sejam. 45 Segundo Scarpa e Silva (2013, p. 138), em virtude da complexidade dos sistemas biológicos, novas propriedades aparecem enquanto são analisadas em níveis mais amplos de agregação, por isso, fenômenos biológicos não podem ser entendidos como um todo, se analisados em partes. Para a sala de aula isso se torna um problema, na visão das autoras, devido à restrição na análise do elenco das variáveis nesse espaço/tempo, se comparado à complexidade dos sistemas biológicos. “Além disso, as interações entre seus componentes não podem ser negligenciadas, são essenciais para compreensão da biologia”. Como exemplo, podemos citar o estudo da dinâmica de uma comunidade biológica; para o estudo, se faz necessário analisar as populações em uma interdependência (Scarpa; Silva, 2013). As dificuldades citadas podem ser atenuadas com a utilização de demonstração investigativa ou problemas não experimentais. Esse foi o caso das atividades desenvolvidas nesta pesquisa de doutoramento. A problematização e o diálogo se fazem presentes no ensino de ciências por investigação com o objetivo de superar, no estudante, o olhar ingênuo da ciência por uma visão crítica dos fatos, rumo à transformação do seu contexto social e político. Entendendo a investigação científica como um meio de explorar, observar e responder a questionamentos que permitem a construção e o teste de hipóteses estabelecidas previamente, vislumbramos a possibilidade de promover a AC em sala de aula. A promoção da AC ocorrerá, na medida em que se solicita aos alunos interação com uma proposta de investigação, com a colaboração de seus colegas para realizá-la de modo a solucionar um problema. Nesse processo de investigação científica, o estudante é alfabetizado cientificamente. A matriz sócio-histórica Vigotskiana do ensino de ciências por investigação, fundamenta a visão da ciência, o seu papel social e a concepção de uma educação preconizada pela Alfabetização Científica, entendia como o principal objetivo da educação em ciência. O ensino de ciência por investigação, de acordo com o exposto, é uma abordagem didática que pressupõe uma concepção de educação, de ciências e de ser humano. 46 2.3 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA (AC) Os historiadores reconhecem os séculos XVI e XVII como a Idade da Revolução Científica, período que marca o surgimento da ciência moderna e sua expressão na sociedade (Capra, 2006). O processo de investigação faz emergir a necessidade de divulgar as descobertas científicas para o público, fato que motivou a formação de entidades que agregavam filósofos e estimulavam o debate, conhecidas como academias de ciências (Leitão; Albagli, 1997). No século XVII, a divulgação da ciência na Europa e nos Estados Unidos é alavancada com a circulação de livros e artigos sobre ciências destinados ao público leigo, destacando a importância dos estudos científicos (Deboer, 2000; Santos, 2007). No final do século XIX e início do século XX, o pensar sobre ciência e tecnologia era justificado com base na sua relevância para a vida contemporânea e sua contribuição para um entendimento do mundo e o conhecimento deveria ser compartilhado por todos os membros da sociedade, alimentando, o elo entre a ciência e o progresso humano (Cerati, 2014). Para a autora, os fatos ocorridos no mundo nos anos que se seguiram contribuíram para a mudança do olhar sobre a ciência, especialmente com a Segunda Guerra Mundial e as tragédias sociais por ela provocada. O repulso à utilização da bomba atômica levou os cientistas a acreditarem que a educação do público e dos futuros trabalhadores envolvidos com a ciência evitaria uma catástrofe no potencial mal-uso da ciência; desse modo, a educação poderia auxiliar a utilização amistosa da energia nuclear (Batista, 2009). De acordo com Batista (2009), vários cientistas no ano de 1945, se organizaram e criaram inúmeras associações que compartilhavam a crença de que era necessário não permitir o uso da tecnologia de forma destrutiva; a resposta veio com a proposta de uma educação da sociedade objetivando formar pressão sobre os legisladores (Batista, 2009). Na década de 1950, houve uma inquietação crescente, principalmente nos Estados Unidos, sobre a situação econômica e militar internacional, fortalecendo o papel da educação em ciência a fim de assegurar a soberania americana em relação às outras nações (Cerati, 2014). O fato histórico que culminou nessa preocupação foi o lançamento do Sputnik em 1957, despertando a sensação de inferioridade científica 47 do povo americano (Acevedo, 2004; Santos, 2007). A soberania à época dependia da rápida expansão do conhecimento científico, o que ocasionou o movimento cientificista, no qual houve a supervalorização do domínio do conhecimento científico em relação às demais áreas do conhecimento humano (Santos, 2007). O panorama da época desencadeou a corrida norte-americana para a formação de jovens pesquisadores, levando à formatação de projetos curriculares que enfatizavam a vivência da ciência por meio de experimentos científicos, com o intuitode desenvolver nos estudantes o espírito científico dentro da estrutura clássica das disciplinas científicas (Krasilchik, 1987; Hurd, 1998). Nesse contexto, surge a Alfabetização Científica, movimento que visava a uma resposta à crise no ensino de ciências nos países ocidentais e para satisfazer ou ajudar a comunidade científica norte-americana a obter o apoio do público para a ciência, a fim de responder ao lançamento do Sputnik (Laugksch, 2000; Auler; Delizoicov, 2001). Para Roberts (2007), o movimento da AC surgiu para advertir quanto à necessidade de uma reorientação curricular, com a construção de um currículo específico de ciências para os estudantes que pretendiam seguir a carreira acadêmica. A universalização da ciência como um alicerce do sistema educacional em inúmeros países é um fenômeno que traz em sua base a tese de que, a partir de currículos adequados, de professores treinados e de materiais estimulantes disponíveis em larga escala despertaria o interesse pelas ciências, com vistas a uma “cultura escolar cientifica”; como consequência surgiria nos países técnicos, cientistas e engenheiros que construiriam uma nova e mais eficiente ciência (Batista, 2009). Contudo, este esforço de educar cientificamente em massa falhou. Shamos (1995) destaca que as pesquisas ao longo do tempo mostraram que a população americana, de modo geral, não possui um melhor entendimento sobre as questões relacionadas à ciência do que entendiam ao final da segunda guerra. As reformas curriculares e projetos de popularização da ciência diminuíram consideravelmente no fim dos anos 1970, ocasionado pelo agravamento da crise do petróleo iniciada em 1974, a qual fez com que as grandes nações capitalistas desenvolvidas, inclusive os Estados Unidos, mergulhassem em uma grande recessão 48 (Batista, 2009). Para o autor, nesse momento promove-se uma quebra nos investimentos em educação cientifica que permanece até a segunda metade da década de 1970, se estendendo até meados de 1980, quando é retomada a perspectiva de amplas reformas curriculares de ciência aportadas em grandes investimentos financeiros. Apesar da crise, as discussões curriculares iniciadas na década de 1960 abriram caminho para a implantação de uma série de reformas no sistema educativo nas décadas de 1980 e 1990, com uma proposta orientada pela Alfabetização Científica (Cajas, 2001; Roberts, 2007). Uma nova percepção da ciência transpôs a sociedade: o desenvolvimento científico tinha potencial para destruição, rumo à perspectiva de uma ciência com potencial para destruir a espécie humana e, consequentemente, provocar o descrédito do público como fator de progresso social (Deboer, 2000). Para Cerati (2014), com a preocupação acerca das consequências dos avanços científicos sobre a sociedade, surge a necessidade de promover a capacidade de pensar criticamente sobre o papel da ciência, tendo em vista que seus avanços e os avanços tecnológicos afetam a vida dos seres humanos, aumentando a demanda por conhecimentos científicos. “Cresce, então, a necessidade de capacitar o cidadão a se posicionar diante dos problemas e dos benefícios sociais que esses avanços possam acarretar para a sociedade em geral” (Cerati, 2014 p. 23). Como consequência dessa compreensão social sobre a ciência, foram pensadas novas razões e metas para o ensino de ciências, pois, caso houvesse riscos associados às novas descobertas, o cidadão necessitava de conhecimentos e habilidades para expressar julgamentos concretos e inteligentes (Deboer, 2000). Nesse contexto, o ensino de ciências deveria, além de ensinar conceitos, leis, teorias científicas, processos e métodos por meio dos quais os conhecimentos são construídos, também deveria ensinar a aplicação das ciências na sociedade. Diante do exposto, as primeiras ideias sobre AC estão datadas e situadas nos Estados Unidos. Pensando no momento histórico vivido, a ideia da Alfabetização Científica chega como uma possibilidade de empreender um ensino de ciências que não fosse apenas voltado para os conteúdos curriculares, mas que fosse possível também envolver os alunos e os professores com elementos mais ligados ao fazer científico. 49 No Brasil, as publicações sobre Alfabetização Científica começaram a partir dos anos de 1980 e 1990, com publicações de Áticco Chassot, entre outros autores. Os estudos na área avançaram e, na atualidade existe vasta literatura acerca do tema. Á época do surgimento da AC no Brasil, o ensino de ciências passava por críticas e expectativas de novos rumos, vez que esse componente curricular é essencial para o desenvolvimento social dos indivíduos. A história da ciência pode ser utilizada como facilitadora no processo de Alfabetização Científica de homens e mulheres, porque ensinar a história da ciência, a quem não é minimamente alfabetizado cientificamente, é impossível (Chassot, 2011). 2.3.1Alfabetização Científica e o ensino de ciências Inicialmente consideramos importante observar que vários autores adotam diferentes terminologias para tratar da AC, como letramento científico, enculturação científica ou ainda Alfabetização Científica e tecnológica. As essas terminologias são atribuídas determinados sentidos. Auler e Delizoicov (2001), por exemplo, utilizam o termo Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT) e compreendem ter duas perspectivas: a reducionista, que se fundamenta em uma postura neutra ou pouco crítica em relação aos temas da sociedade, e a ampliada, que tem uma aproximação com o movimento CTS, na qual “os conteúdos são considerados como meios para temas socialmente relevantes” (p. 127). Sasseron e Carvalho (2011) realizaram uma revisão na literatura internacional sobre o termo AC e identificaram que Os autores de língua espanhola, por exemplo, costumam utilizar a expressão “Alfabetización Científica” para designar o ensino cujo objetivo seria a promoção de capacidades e competências entre os estudantes capazes de permitir-lhes a participação nos processos de decisões do dia-a-dia [...]; nas publicações em língua inglesa o mesmo objetivo aparece sob o termo “Scientific Literacy” [...] ; e, nas publicações francesas, encontramos o uso da expressão “Alphabétisation Scientifique” [...] (Sasseron; Carvalho, 2011, p. 60). Para os autores nacionais, Sasseron e Carvalho (2011) relatam que há pluralidade semântica, com autores, utilizando-se os termos “letramento científico”, “Alfabetização Científica” e “Enculturação Científica”. 50 Os autores brasileiros que usam a expressão “Enculturação Científica” partem do pressuposto de que o ensino de Ciências pode e deve promover condições para que os alunos, além das culturas religiosa, social e histórica que carregam consigo, possam também fazer parte de uma cultura em que as noções, ideias e conceitos científicos são parte de seu corpus. Deste modo, seriam capazes de participar das discussões desta cultura, obtendo informações e fazendo-se comunicar (Sasseron; Carvalho, 2011, p. 60). Ainda que com baixa ocorrência, podemos encontrar indícios do processo de enculturação nas definições de Letramento Científico e de Alfabetização Científica, quando tais definições mostram a intenção de que o ensino de ciências possibilita aos estudantes entrarem em contato com diversos aspectos da investigação científica e não simplesmente aos conceitos, as leis e as teorias da ciência (Silva; Sasseron, 2021). A respeito do termo “Letramento Científico”, Sasseron e Carvalho ressaltam que Os pesquisadores nacionais que preferem a expressão “Letramento Científico” justificam sua escolha apoiando-se no significado do termo defendido por duas grandes pesquisadoras da Linguística: Angela Kleiman e Magda Soares. Soares (1998) define o letramento como sendo „resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever: estado ou condiçãoque adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita ‟. Kleiman (1995) comenta sobre a complexidade do conceito, mas adota sua definição como sendo o “conjunto de práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos” (Sasseron; Carvalho, 2011, p. 60). Mamede e Zimmermann (2007) e Santos e Mortimer (2001) defendem o uso da terminologia Letramento Científico evidenciando que as temáticas trabalhadas em sala de aula, devem buscar a aproximação dos estudantes a uma análise crítica de situações em que sejam evidenciados as relações e os conflitos entre a ciência, a tecnologia e a sociedade. O Letramento Científico ocupa-se da tarefa de oferecer condições para que os estudantes possam compreender e analisar fenômenos estudados pelas ciências e a vivência com artefatos e conhecimentos científicos. Além disso, entendemos haver uma forte tendência sustentada nos estudos sobre Letramento Científico em abordar os temas das ciências a partir da análise de situações em que estão explícitas as influências e inter-relações entre ciência e sociedade (Silva; Sasseron, 2021, p. 4). Sasseron e Carvalho (2011) adotam o termo Alfabetização Científica fundamentadas na educação libertadora de Freire e compreendem a Alfabetização Científica 51 para designar as ideias que temos em mente e que objetivamos ao planejar um ensino que permita aos alunos interagir com uma nova cultura, com uma nova forma de ver o mundo e seus acontecimentos, podendo modificá-lo e a si próprio através da prática consciente propiciada por sua interação cerceada de saberes de noções e conhecimentos científicos, bem como das habilidades associadas ao fazer científico (Sasseron; Carvalho, 2011, p. 61). A Alfabetização Científica é abordada em muitas pesquisas na área de educação em ciências, cujos objetivos centram-se na aprendizagem de elementos da atividade científica com vistas a sua utilização em análises e posterior tomada de decisões (Lorenzetti; Delizoicov, 2001, Sasseron; Carvalho, 2011; Marques; Marandino, 2018; Silva; Sasseron, 2021). E, com base nos pressupostos de Freire, a Alfabetização Científica pode ser entendida como a formação do sujeito para compreensão dos conhecimentos, práticas e valores de uma área de conhecimento para análise de situações e tomada de decisões em ocasiões diversas de sua vida. Esta compreensão congrega elementos já previstos nas ideias de enculturação e de letramento (Silva; Sasseron, 2021, p. 5). Silva e Sasseron (2021, p. 5) reforçam que a adoção das terminologias Letramento Científico ou Alfabetização Científica, pode ser compreendida com base nas filiações teóricas assumidas pelos pesquisadores. As autoras, consideram importante verificar as “atribuições consideradas para formação dos sujeitos que se espera letrar ou alfabetizar cientificamente”. Defendem a expressão “Alfabetização Científica ao concebê-la como a perspectiva formativa em que os estudantes têm contato com elementos da cultura científica, podendo incorporar as normas e práticas sociais deste campo para uso em avaliação e tomada de decisões no seu cotidiano”. Filiamo-nos ao termo Alfabetização Científica (AC), tendo em vista nossa concepção do que seja um indivíduo alfabetizado cientificamente, isto é, aquele que possui bases sólidas para tomada de decisões frente aos problemas que se apresentam no cotidiano e que requerem conhecimentos científicos para tal. Chassot (2011) ao discorrer sobre AC, nos remete, àqueles que não sabem ler ou escrever em sua língua materna e considera fundamental a necessidade de alfabetização em língua materna e a alfabetização matemática, a fim de que os cidadãos não sejam excluídos socialmente. Desta maneira, o autor considera central dois questionamentos para a discussão acerca de AC: a) quais são, no mundo de hoje 52 as necessidades de uma Alfabetização Científica? b) quais são as características de uma Alfabetização Científica? Para responder à primeira questão, Chassot (2011, 61) recorre a definição que entende sobre ciência “uma linguagem para facilitar nossa leitura do mundo”, a qual é uma criação humana, consequentemente mutável e falível, mas que trouxe grandes conquistas para a humanidade. Houve um aparente triunfo da ciência em termos de diminuição do trabalho físico, aumento da longevidade, entre outros avanços. Chassot (2011) não vê tais conquistas colocando a ciência como uma fada benfazeja, até porque a ciência, muitas vezes, se assemelha a um ogro. Para Chassot (2011), parece indiscutível não conseguirmos administrar as conquistas da ciência. Se olharmos para as mortes por falta de água potável ou mesmo com tantas tecnologias para melhorar a produtividade agrícola, ainda há tanta gente que morre de fome; percebemos claramente o que autor se refere à falta de administração das conquistas da ciência. Pensando nessas observações retomamos o livro de A. F. Chalmers “O que é ciência afinal?”, talvez esteja na hora de escrevermos um livro intitulado “A quem serve a ciência afinal?”. Aí jaz a necessidade de sermos alfabetizados cientificamente na atualidade, para entendermos, discutirmos e quando necessário refutarmos as conquistas da ciência e sua utilização na sociedade. Assim, passamos para o segundo questionamento acerca das características da Alfabetização Científica. Para Chassot (2011), Alfabetização Científica é “o conjunto de conhecimentos que facilitaram aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem” (p. 62). O autor amplia assim como exige-se que os alfabetizados em língua materna sejam cidadãs e cidadãos críticos, em oposição, por exemplo, aqueles que Bertold Brecht classifica como analfabetos políticos, seria desejável que os alfabetizados cientificamente não apenas tivessem facilitada a leitura de mundo em que vivem, mas entendessem as necessidades de transformá-lo, e transformá-lo para melhor (Chassot, 2011, p. 62). Chassot (2011) acredita que a busca pelo entendimento de como se fundamenta a construção do conhecimento é uma necessidade e uma exigência para melhor entendimento do que transmitimos e para que pensemos em aperfeiçoar nossa prática 53 docente, auxiliando na escolha dos conteúdos a serem selecionados na formação do currículo escolar. Para o autor, um dos equívocos na atualidade é considerar alfabetizada a maioria da população terrestre. Para exemplificar, recorre aos termos literacy, letramento e literacia, como exemplos clássicos da inadequada confiança, na tentativa de classificar o processo de alfabetização. Existe a alfabetização letrada, isso não quer dizer que as pessoas alfabeticamente letradas estão alfabetizadas para a leitura de mundo (Chassot, 2011). Para o autor, existem inúmeras situações na vida de homens e de mulheres, as quais não exigem uma alfabetização formal. Nesse viés, Chassot (2011) resgata textos de sua autoria dos anos de 1990, em que discorre sobre a necessidade de educadores deslocarem-se do esoterismo para o exoterismo. A Alfabetização Científica é inerente aos componentes curriculares de ciências, que, por sua vez, se apoia na abordagem interdisciplinar, visto que a ciência é estudada de maneira interligada com a tecnologia e a sociedade (Chassot, 2016). Em consonância com o referencial teórico adotado, entendemos Alfabetização Científica como um amplo processo que reúne aspectos históricos, ambientais, sociais e éticos, possibilitando o conhecimento e a capacidade de interpretação da linguagem da natureza e a relacionar essa linguagem ao contexto do aprendiz, facilitando-lhe a resolução de problemas do cotidiano. A Alfabetização Científica pode incentivar a aproximação do ensino de ciências à natureza da ciência, proporcionando aos alunos o desenvolvimento de ferramentascognitivas específicas da ciência, como o raciocínio lógico-dedutivo, a argumentação científica, a busca de evidências e seleção de dados, além do domínio de conceitos (Scarpa, 2013). Com isso, os estudantes são preparados para a vida em sociedade, com habilidades cognitivas para construir argumentação baseada em evidências e para aplicar a metodologia de resolução de problemas utilizando-se de conhecimento científico e tecnológico. Isso os torna capazes de pensar autonomamente e de propor novas soluções para as questões ambientais, sociais e econômica do mundo que os cerca (Tonidandel, 2013). Ser alfabetizado cientificamente não implica o estudante ser um cientista ou deter todo conhecimento científico; implica o aluno ter acessibilidade a um grupo de ações que 54 simbolizam a cultura científica, por exemplo, formular hipóteses e argumentar. Sasseron (2015) afirma que normalmente a Alfabetização Científica se caracteriza como fundamental no ensino de ciências que busca o contato do estudante com os saberes oriundos da área e das relações e das limitações que acometem a construção do conhecimento científico, em uma ampla visão histórica e cultural. No entanto, a Alfabetização Científica não é adquirida pelos alunos de maneira passiva. O desenrolar do conhecimento em sala de aula depende fundamentalmente de um processo no qual os significados e as linguagens do professor vão sendo apropriados pelos alunos em uma construção compartilhada (Mortimer; Machado, 1997). Para Teixeira (2013), um baixo índice de AC em um país é tão preocupante quanto a necessidade de leitura e escrita dos cidadãos, sendo fundamental a democratização do conhecimento científico e tecnológico para que as pessoas possam interferir positivamente na sociedade (Teixeira, 2013). Nesse sentido, a AC deveria ser meta na educação básica, a fim de que o aluno, quando ingressasse na educação superior, conhecesse um pouco da cultura científica, da linguagem e da escrita própria da ciência. Aquele estudante que não optasse pelo ingresso no ensino superior pudesse, de certo modo, reconhecer como os conhecimentos e os adventos da ciência influenciam sua vida, desenvolvendo atitudes, em face dos temas da ciência no seu cotidiano. Para AC se tornar meta ainda existem alguns obstáculos. A formação inicial de professores é um exemplo. Professores muitas vezes não vislumbram em sua formação inicial elementos da cultura científica. Nesse sentido, como o professor ensina para mobilizar processos de Alfabetização Científica, se não conhece como ocorre tal processo? As avaliações internas e externas também dificultam essa meta, porque ainda estão mais relacionadas a conteúdos conceituais e menos ligadas a procedimentos e atitudes próprios da ciência. Para transpor esses obstáculos, demandaria uma reestruturação do currículo para deixá-lo em sintonia com AC e mudanças estruturais nos cursos de formação inicial de professores. Com as novas diretrizes para a educação básica no Brasil contempladas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por meio das competências gerias e específicas, encontramos uma maneira de colocar em prática, na sala de aula, os procedimentos 55 de investigação científica, por exemplo. Entendemos a investigação científica como um meio de explorar, observar e responder a questionamentos que permitem a construção e teste de hipóteses estabelecidas previamente. Assim, encontramos a possibilidade de desenvolver a AC em sala de aula, na medida em que é solicitado aos alunos interação não só com uma investigação, mas também com seus colegas para realizar a investigação, a solucionar um problema proposto. Nesse processo de investigação científica, o estudante é alfabetizado cientificamente. Ainda que o termo AC não apareça no documento. Utilizando a abordagem ensino de ciências por investigação que tem como premissa a Alfabetização Científica, nossa proposta didática é o desenvolvimento de uma sequência de atividades investigativas em aula de campo (SAIAC), com vistas a mobilizar processos para a AC. Entendemos que, como abordagem, o ensino de ciências por investigação possa ser utilizado em qualquer metodologia. No entanto, nossa proposta, não se reduz a isto. Nossa prática pedagógica incorpora as etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI), um dos 3modelos que corresponde a abordagem ensino de ciências por investigação, com os três momentos das aulas de campo, um dos modelos da metodologia das aulas de campo. Sendo assim, abordaremos na próxima seção a metodologia pedagógica das aulas de campo. 2.4 METODOLOGIA PEDAGÓGICA DAS AULAS DE CAMPO Se pensarmos em aula de campo como forma de explorar o ambiente, podemos afirmar que elas são o resultado do anseio do ser humano pelas viagens e pela exploração de ambientes desconhecidos. Para Souza (2011, p. 69), A nossa espécie, hoje pandêmica, distingue-se de outras pelo enorme potencial exploratório e pela capacidade de desenvolver as estratégias adaptativas que nos permitiram, ao longo de alguns milhares de anos, nos dispersar, colonizando os ambientes mais diferenciados. 3 Estamos utilizando o conceito de modelo, como um padrão que pode ser utilizado como base para construção de uma prática pedagógica 56 2.4.1 Freinet e as “Aulas Passeio” Das viagens de exploração aos ambientes, para as aulas de campo na educação básica, Freinet (1969) foi o primeiro a observar o aluno com maior interesse em um animal que passava fora da sala de aula, por exemplo, do que pelo conteúdo que o professor ministrava de forma teórica (Costa, 2011). Assim, Freinet começa a explorar a curiosidade infantil e consequentemente ensinar por meio de tal prática. Logo, entendeu que era possível ensinar conceitos teóricos de modo mais dinâmico e atrativo para as crianças, a partir da prática. Simultaneamente a aprendizagem poderia ocorrer de modo espontâneo, com os estudantes buscando aprofundar o tema escolhido para a aula naturalmente. “Ao realizar tais aulas e possibilitar ao educando uma relação direta com o meio ambiente em que vive, Freinet também promovia (talvez inconscientemente) uma relação mais próxima da criança com a natureza” (Costa, 2011, p. 63). As saídas ao ar livre readquirem seus direitos, se fazem cada vez mais numerosas e se transformam, pouco a pouco, em aulas-passeio. Saia-se alegremente e aparentemente sem problemas, mas agora já havia a preocupação de fazer um relatório de todos os acontecimentos que, ao longo dos caminhos, atraíam o olhar daqueles que estavam habituados a ver as coisas mais de perto: uma busca permanente dos olhos, ouvidos, de todos os sentidos abertos à magia do mundo, fazia surgir todas essas paisagens, agora vistas como novas, uma incessante descoberta, imediatamente comunicada e que se tornava coletiva. E, captada em pleno voo por um professor atento, era a liberação das almas infantis, uma coesão lentamente construída e mais íntima da comunidade escolar (Freinet, 1975, p. 24). Freinet, então passa a utilizar as saídas ao ar livre com crianças para ensinar determinado conteúdo, denominando tais saídas de "Aulas Passeio" ou "Aula das Descobertas". Tais aulas, se tornaram um meio de salvação, visto que, em vez de se debruçar diante de um texto de leitura, saia com as crianças para um campo no entorno da aldeia (local da escola em que lecionava). Até o local do campo, paravam para admirar o ferreiro, o carpinteiro ou o tecelão, cujos gestos metódicos e seguros os faziam querer imitá-los (Freinet, 1969). Em campo, colhiam flores, insetos, rochas e outras riquezas para depois examinar melhor na escola (Freinet, 1969). Para Freinet, uma educação geral de alto nível se fazia urgente e necessária, com as “Aulas Passeio” fazendo parte desse processo. “Em essência, o trabalho urgente é este: obter uma educação geral de alto nívelque forme mais plenamente a 57 personalidade e a capacite para várias tarefas, e não apenas para uma [...]” (Freinet, 1969, p. 15). Outro ponto importante das “Aulas Passeio” é a possibilidade de aproximar o educando do ambiente em que está inserido, em consequência dessa aproximação, o educando desenvolve uma relação mais próxima com a natureza, conseguindo se integrar e perceber-se como só mais um ser que a integra. Tal experiência pode proporcionar um relacionamento mais sensível e intrínseco entre o estudante e o meio em que vive. As “Aulas Passeio” marcaram o início das saídas da escola com finalidades pedagógicas na educação básica. Tais saídas, na atualidade recebem várias denominações, aulas de campo, trabalho de campo, estudo do meio, atividade de campo, entre outras. Assim, passamos a discorrer sobre as aulas de campo em uma perspectiva conceitual e histórica. 2.4.2 Estudo do meio De acordo com Goettems (2006) as aulas de campo são um conjunto de atividades desenvolvidas dentro do estudo do meio, prática criada por educadores ao longo de décadas, que possibilitam a compreensão do mundo e a superação de desafios sociais e educacionais de cada momento histórico. A aula de campo é apresentada nesta pesquisa como uma metodologia utilizada no estudo do meio. Libâneo afirma que o estudo do meio é mais de uma simples técnica didática em complementação à ação pedagógica, trata-se de um componente do processo de ensino pelo qual a matéria de ensino (fatos, acontecimentos, problemas, ideias) é estudada no seu relacionamento com fatos sociais a ela conexos. [...] não se restringe a visitas, passeios ou excursões, mas se refere a todos os procedimentos que possibilitam o levantamento, a discussão e a compreensão de problemas concretos do cotidiano do aluno, da sua família, do seu trabalho, da sua cidade, região, país (Libâneo, 1990, p.171). Dessa perspectiva, na trilha das concepções didáticas das aulas de campo, Fernandes (2001, p. 43) destaca o estudo do meio com sendo uma metodologia que pode incorporar diferentes princípios e estratégias didáticas, conforme a época, dependendo das concepções pedagógicas dos educadores. Mas são comuns a todos eles as situações de ensino e 58 aprendizado envolvendo estudos de campo, ou seja, coleta de informações por meio de observações diretas da realidade natural, social, cultural, geográfica, econômica e/ou histórica [...]. Dependendo dos objetivos do formador, ele pode discutir diferentes temporalidades presentes na vida cotidiana; salientar a importância de atitudes críticas e questionadoras diante do mundo; bem como trabalhar fontes históricas, história local, documentos como recurso didático, confrontação de discursos e representações, indícios históricos na paisagem, construção da memória, locais de memória e patrimônio cultural (Fernandes, 2001, p. 43). Lopes e Pontuschka (2009, p. 73) compreendem estudo do meio como um método de ensino de características interdisciplinares com objetivo de proporcionar para alunos e professores o contato direto com determinada realidade, um meio qualquer, rural ou urbano, que se decida estudar. Essa atividade pedagógica se concretiza pela imersão orientada na complexidade de um determinado espaço geográfico, do estabelecimento de um diálogo inteligente com o mundo, com o intuito de verificar e de produzir novos conhecimentos. Entende-se que a realização dos Estudos do Meio, em todos os níveis de ensino, mas particularmente na educação básica, pode tornar mais significativo o processo de ensino e aprendizagem e proporcionar aos seus atores o desenvolvimento de um olhar crítico e investigativo sobre a naturalidade do viver social. Trata-se de verificar a pertinência e a relevância dos diversos conhecimentos selecionados para serem ensinados no currículo escolar e, ao mesmo tempo, lançar-se à possibilidade da produção de novos conhecimentos, a elaboração contínua do currículo escolar (Lopes; Pontuschka, 2009, p. 73). Estudo do meio, portanto, com base nos autores citados, é a possibilidade de intervir pedagogicamente sobre o meio, em um trabalho democrático, com potencial de desenvolver diversos saberes. São momentos de estudos fora da sala de aula em que os alunos têm oportunidade de compreender, analisar e observar as diferentes manifestações da natureza e da sociedade no ambiente em que vivem. No entender de Fernandes (2007, p. 24), a utilização do termo estudo do meio “popularizou-se e perdeu o sentido original, passando a designar praticamente qualquer atividade de campo realizada pela escola”. Corroboramos com a preocupação de Fernandes, afirmando que qualquer atividade que envolva a saída dos estudantes do ambiente escolar pode ser denominada estudo do meio. No entanto, nem toda aula fora do ambiente escolar pode ser considerado estudo do meio. Para ser caracterizada como estudo do meio, a saída da escola, além do objetivo pedagógico, deve propiciar a descoberta, a reflexão, a observação do meio, enfim deve estar atrelada a atividades que envolvam natureza, sociedade e conteúdos curriculares. 59 Lopes e Pontuschka (2009) destacam que pesquisas sobre o estudo do meio apontam para sua significância e atualidade. Entretanto, os autores acrescentam que o uso descomedido do termo “estudo do meio”, para denominar atividades fora do ambiente escolar (visitas, passeios...) mesmo que tenham valor lúdico e pedagógico, pode prejudicar o aprofundamento da temática e amplificação do seu significado potencial na elaboração do currículo escolar. Na perspectiva dos autores, a utilização indiscriminada do termo “estudo do meio” dificulta, em variados momentos, o aprofundamento teórico da prática pedagógica, que acaba se reduzindo, e, consequentemente perde grande parte do seu valor formativo e educativo. É provável que o termo “estudo do meio” tenha surgido na França do pós-guerra, no Liceu de Sèvres, onde era denominado, de acordo com Tamberlini (1998), de estudo do meio humano e natural e possibilitava que o estudante adquirisse noção de espaço e de tempo, permitindo que se situasse na sociedade em que estava inserido. No Brasil, o estudo do meio foi introduzido no início do século XX pelas escolas anarquistas, a partir de atividades que se assemelhavam àquelas utilizadas no estudo do meio. Essas escolas eram frequentadas por filhos de operários imigrantes, se baseavam na pedagogia de Ferrer e desenvolviam trabalhos fora da sala de aula (Pontuschka, 2004). Impulsionados pelos ideais pedagógicos de Ferrer, essas escolas tinham como premissa ofertar um ensino racional, alicerçado em observações de campo e discussões, bem como na formação do espírito crítico sobre o contexto social do entorno da escola (Pontuschka, 2004). Os trabalhos realizados fora da sala de aula por tais escolas tinham como objetivo que os alunos, observando, descrevendo o meio dito natural e o social do qual eram parte, pudessem refletir sobre desigualdades, injustiças e promover mudanças na sociedade no sentido de saná-las. A escola livre estava muito vinculada ao conjunto dos movimentos sociais, políticos e culturais dos anarquistas, sempre no sentido de denúncia das arbitrariedades do Estado e da Igreja contra os trabalhadores adultos e as crianças (Pontuschka, 2004, p. 202). Com forte vínculo aos movimentos sociais, o ensino era voltado para a realidade do estudante, em um processo de pesquisa e descobertas (Pontuschka, 2004). No entanto, as consequências desse modo de ensinar, entre outros fatores, acabaram proporcionando situações de conflito entre os ideais anarquistas presentes na 60 proposta pedagógica e os interesses governamentais brasileiros, ocasionando o fechamento das referidas escolas (Lopes; Pontuschka, 2009). No final da década de 1950, foram criadas escolas paulistas inovadoras (ginásios vocacionais)e adotavam o estudo do meio como base metodológica de seu projeto pedagógico. Sob influência da escola de Sèvres, com a qual mantinham contato, partiam da premissa de que o estudo do meio era fundamental no processo de se educar para a cidadania (Tamberlini, 1998). Nos anos de 1960 o componente curricular Estudos Sociais (desdobrados em história e geografia) orientavam os trabalhos relacionados ao estudo do meio; como o estudo de uma determinada avenida do entorno da escola, do bairro, da cidade etc. (Pontuschka, 2004). No entanto, segundo o autor, com a implantação do regime miliar em 1964, essa prática foi considerada perigosa e as escolas tiveram que abandonar o estudo do meio. Os professores que pretendiam realizar algumas excursões, mesmo sem a intenção de transformar a saída da escola em aprendizagem de conteúdos curriculares, enfrentavam algumas barreiras ou pela direção das escolas ou pelas delegacias de ensino (Pontuschka, 2004). Mesmo com os obstáculos citados, na década de 1970 as universidades brasileiras adotaram o estudo do meio como parte importante da formação inicial nos cursos de ciências biológicas, geografia e geologia. Na década de 1980 houve um aumento pela busca da reconstrução de uma sociedade democrática e junto da qual proposições de diversas correntes educativas repercutiram sobre o ensino de ciências e biologia, mobilizando instituições de ensino de vários tipos (borges; Lima, 1998; Silva; Landim, 2012). No entanto, essa retomada é um assunto com pouca informação disponível, provavelmente, as atividades permaneciam vinculadas às práticas em laboratório, muito difundidas à época (Fernandes, 2007). No processo de redemocratização no Brasil, a gestão de Paulo Freire (1989-1990), quando secretário municipal de educação durante a administração Luiza Erundina de Souza (1989-1993), na cidade de São Paulo, ampliou o estudo do meio tornando-o um elo que integrou as práticas interdisciplinares na esfera da educação básica, gerando resultados promissores. Com o fim do regime militar o estudo do meio passou a ser visto como uma importante estratégia tanto de educação quanto de incentivo ao 61 turismo. Trevisan e Silva (2014, p. 141-142) afirmam que “nos anos 80 e com a demanda crescente da indústria do turismo educacional, as agências de turismo e organizações não governamentais passaram a cuidar da parte operacional da viagem e ofereciam excursões escolares”. Sobre as agências de turismo educacional Fernandes (2007) aponta que: surgiram agências e organizações não governamentais que cuidavam da parte operacional da viagem, tanto no auxílio ao planejamento do roteiro como na contratação dos serviços de transporte, hospedagem e monitoria, bem como no agendamento das visitas. Tais funções, que até então ficavam a cargo dos professores e funcionários da escola, passaram a ser desempenhadas por profissionais especializados que detinham um bom conhecimento dos roteiros e dos operadores locais de turismo nas regiões visitadas (Fernandes, 2007, p. 37). Estas viagens, que poderiam durar alguns dias, normalmente incluíam “roteiro de visitas e atividades de observação, momentos de trabalho no hotel e momentos de lazer em algum atrativo turístico” (Fernandes, 2007, p. 37). A partir da década de 1990 e, principalmente na primeira década do século XXI, as escolas particulares paulistas passaram a utilizar o estudo do meio (também denominadas aulas de campo) com mais frequência em seu currículo. O estudo do meio passou a ser consideradas um diferencial, constituindo-se em uma prática comum, servindo algumas vezes como propaganda para as escolas (Fernandes, 2007). Apesar das aulas de campo serem utilizadas, mais amplamente pelas escolas particulares paulistas no Brasil, no início do século XXI, a saídas a campo em outros países perderam força, em grande parte devido ao medo de atentados terroristas, em virtude do ataque às torres gêmeas nos Estados Unidos em 2001, bem como ao risco de acidentes como o caso da Inglaterra em 2002 em que uma criança morreu por afogamento, culminando na prisão da professora. Como consequência a National Association of Schoolmasters Union of Women Teachers – NASUWT (Associação Nacional de Sindicatos de Professoras Mulheres) recomendou que as escolas não promovessem atividades extra muros (Fernandes, 2007). Nos últimos anos no Brasil, também houve diminuição das aulas de campo na educação básica, talvez, em virtude do corte de investimentos na educação por parte do governo. Em 2016, foi aprovada a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 62 95/2016 limitando quarenta e um gastos públicos e, mesmo com o Governo Federal declarando que não haveria diminuição de investimentos em educação, somente no dia primeiro de abril do ano de 2017 houve redução de R$ 4,3 bilhões que seriam destinados ao Ministério da Educação (Matuoka, 2017). Com a tendência de cortes na educação, as escolas públicas acabam por apresentarem dificuldade em conseguir recursos para financiar as saídas dos alunos para aulas de campo 2.4.3 Aulas de campo Entre os estudos relacionados as aulas de campo, Carbonel (2002) destaca que os espaços fora da sala de aula despertam a mente e a capacidade de aprender, pois se caracterizam como espaços estimulantes e, quando bem utilizadas, se tornam um cenário relevante para a aprendizagem. Viveiro e Diniz (2009) completam afirmando que a atividade de campo também pode auxiliar o aumento do afeto e da confiança entre professores e estudantes. Quanto ao termo “aula de campo”, na literatura não existe um consenso em relação à terminologia. Viveiro (2006) aponta expressões como “atividade de campo”, “trabalho de campo” e “aula de campo” como sinônimas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) utiliza o termo “trabalhos de campo” para representar, entre outras atividades, as aulas de campo. Na visão de Passini, Passini e Malysz (2007, p. 15) “a aula de campo seria um método ativo e interativo, pois o espaço não é fragmentado. Ele é a sala de aula, o pátio da escola, o refeitório, o corredor, a rua do colégio, a casa do aluno, o bairro, a cidade, o município, o parque florestal, o fundo de vale, entre outros”. Oliveira e Correia (2013, p. 165) entendem as aulas de campo como vinculadas ao ensino formal, visto que “existe uma estreita relação das aulas de campo com as atividades pedagógicas convencionais, as quais são consideradas estratégia de ensino (...), pois se encontram totalmente relacionadas aos acontecimentos da sala de aula”. Autores como Pavani (2013) e Viveiro e Diniz (2009) compreendem as aulas de campo como uma metodologia pedagógica com vistas a auxiliar o processo de entendimento das relações entre a realidade e os conteúdos ensinados no espaço de educação 63 formal (escola), na proporção que asseguram ao estudante a possibilidade de envolver-se e interrelacionar-se com situações reais. Campos (2012) corrobora essa concepção das aulas de campo como metodologia, quando aponta a aula de campo como uma possibilidade de romper com hierarquias, no qual o aluno é protagonista e ator ativo no seu processo de aprendizagem. O autor defende que As saídas a campo também permitem ser utilizadas como um fim em si mesmas, isso na medida em que enfatizam que precisamos mudar nossa forma de atuar em sala de aula, o que conduziria a mudanças em nossa forma de olhar a natureza e seus recursos, pois, além de sua relevância no conteúdo de ciências, a natureza dialoga com nossa relação social. Na medida em que desenvolvemos uma ética para com a natureza também respeitaremos quem dela sobrevive os limites para sua exploração. Não é preciso afirmar que na atualidade muitos alunos não vivenciam experiências diretas com a natureza, seu cheiro, seu som, sua dinâmica, nem todas as cidades possuem parques naturais, nem todos visitam reservas ecológicas(Campos, 2012, p. 26). Tomando por base os autores citados, buscamos formular um conceito geral para as aulas de campo. Na concepção desses autores, as aulas de campo são uma metodologia pedagógica com potencial de despertar a mente e auxiliar o processo de entendimento das relações entre a realidade e os conteúdos ensinados em sala de aula. São uma oportunidade para os estudantes descobrirem novos ambientes; estreitar a relação entre os conteúdos aprendidos, em espaços estimulantes e não fragmentos, rompendo hierarquias no processo de aprendizagem. As aulas de campo também estão articuladas ao conhecimento interdisciplinar, quando planejadas conectando a participação de muitos atores na escola. Desta maneira, utilizar espaços para a aprendizagem para além da sala de aula pode gerar possibilidades de uma formação cidadã de acordo com as realidades dentro e fora do contexto escolar. Assim, as aulas de campo são uma oportunidade para promover a interdisciplinaridade na escola. Wilke (2013) expõe que: A interdisciplinaridade nas aulas de campo gera uma transformação nas estruturas pedagógicas devido a sua tendência em transformar a realidade da prática escolar individualista e seletiva por ações e metodologias participativas e democráticas. A sociedade contemporânea não permite ações e soluções fragmentadas do ensino, entende-se que as disciplinas curriculares isoladas não garantem a qualidade da informação (Wilke, 2013, p. 5). 64 Para Wilke (2013, p. 6), “o professor quando estabelece uma conexão entre as disciplinas constrói um ambiente interpessoal com propostas coletivas e estimulantes”. Quando esse vínculo entre as diferentes áreas de conhecimento acontece fora dos muros das escolas, o estudante é estimulado a pensar e a relacionar os objetos de conhecimento vistos em sala de aula com o ambiente em que está realizando a intervenção pedagógica (Wilke, 2013). As aulas de campo exigem dos envolvidos uma postura diferenciada acerca da concepção de como o processo de conhecimento é construído; requer um professor capaz de reconhecer as ferramentas culturais presentes no espaço para mediar as interações que ocorrem no decorrer da aula. Nesse sentido, as potencialidades da aula de campo vão ao encontro da perspectiva sócio-histórica, visto que Vigotski (1998) entende o desenvolvimento humano como resultado das interações entre os ambientes físicos e os ambientes sociais. Na visão de Campos (2012), no processo de aprendizagem espera-se que o educador estimule a zona de desenvolvimento proximal do educando, provocando avanços nos conhecimentos que ainda não aconteceram, os quais constituem oportunidades para aprendizagens múltiplas. Compiani (2015, p. 68) quando discorre sobre as especificidades das aulas de campo no ensino de ciências insere um novo olhar sobre o estudo do “lugar como lócus de uma ligação, articulação e integração com o ambiente” que reconhece os “contextos espaço-temporais dos fenômenos e dos raciocínios históricos para a interpretação de evidências, de rastros construindo tendências históricas” que integram os problemas locais com os problemas globais. As aulas e campo têm gerado contribuições importantes para o ensino de ciências por representarem uma metodologia que “favorece a leitura crítica de mundo, das mudanças na paisagem, das relações entre o ser humano e o ambiente, a partir de seu ordenamento, da relação entre os seres humanos e o espaço vivido, sentido, observado” (Silva; Campos, 2015, p. 17). No ensino de ciências, as aulas de campo são uma oportunidade para os estudantes praticarem a investigação de fenômenos naturais, momentos em que eles têm a oportunidade de entrar em contato com diversos fenômenos. Nesse sentido, as aulas de biologia ocorridas em ambientes fora da escola, de acordo com Seniciato e Cavassan (2004), são apontadas como uma 65 metodologia eficiente para cativar e motivar os estudantes nas atividades educacionais, possibilitando a superação da fragmentação do conhecimento. As aulas de campo podem auxiliar a aproximação das aulas teóricas com a realidade do estudante, bem como na construção de conceitos científicos. Encerramos esta seção postulando nossa compreensão do que seja a metodologia das aulas de campo. Partindo da premissa de que a aula de campo é uma metodologia utilizada no estudo do meio, para essa pesquisa, entendemos as aulas de campo como uma metodologia pedagógica, com finalidade de aprendizagem de conteúdos curriculares, bem como extracurriculares, ocorrendo fora dos muros da escola, com possibilidades de o estudante compreender, analisar e observar as diferentes manifestações da natureza e/ou da sociedade em situações reais. Este capítulo tratou de evidenciar as bases teóricas sobre as quais se assenta esta pesquisa, buscando harmonizá-la, sustentá-la e articulá-la, com vistas a situar o leitor nas bases teóricas as quais nos filiamos. A tarefa que agora se impõe é o mapeamento sistemático realizado nesta pesquisa de doutoramento 66 3 AULA DE CAMPO COM ATIVIDADES INVESTIGATIVAS: CAMINHOS TRILHADOS EM PESQUISAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA Neste capítulo contemplamos o mapeamento sistemático (MS) realizado de acordo com o protocolo proposto por Falbo (2015). Consideramos as questões de pesquisa, a estratégia escolhida para a condução do MS, os critérios de seleção de estudos e como ocorreu a coleta e a sistematização dos dados de tais estudos. Definimos as fontes de pesquisas, os critérios de busca, os termos de busca, os critérios de seleção, as etapas do processo de seleção e os critérios de inclusão e de exclusão. Em relação a teses e dissertações, encontramos um total de 241 trabalhos. Depois de utilizados os critérios de inclusão e exclusão propostos na estratégia do protocolo e leitura dos resumos, chegamos à totalização de onze dissertações de mestrado profissional de instituições de ensino nacionais e nenhuma tese. Inicialmente, na busca de artigos, encontramos 186 trabalhos nacionais e internacionais. Após a utilização dos critérios de inclusão e exclusão propostos na estratégia do protocolo e leitura dos resumos, esse número foi reduzido a quatro artigos, todos nacionais. Por isso, realizamos outra busca mudando os critérios de inclusão e exclusão para artigos internacionais. Com a nova busca, encontramos três artigos internacionais. Quanto aos produtos educacionais, selecionamos aqueles que utilizaram os três momentos das aulas de campo, o pré-campo, o campo e o pós-campo, totalizando 14 trabalhos. Entre os produtos educacionais, identificamos: onze guias didático; uma cartilha para aula de campo; um manual e um caderno pedagógico. 3.1 MAPEAMENTO SISTEMÁTICO Partindo da questão norteadora apresentada na introdução da tese de doutoramento, nossa opção foi reunir pesquisas realizadas com foco nas aulas de campo em diálogo com atividades investigativas e com os produtos educacionais construídos com ênfase na metodologia das aulas de campo. Para isso, realizamos um mapeamento sistemático (MS), baseado no processo descrito por Falbo (2015). O protocolo é fundamental para a execução do mapeamento sistemático, porque considera as questões de pesquisa, a estratégia escolhida para a condução do MS, os critérios de seleção de estudos e como ocorre a coleta e a sistematização dos dados de tais 67 estudos (Falbo, 2015). Sendo assim, na construção do protocolo (Apêndice A), definimos as fontes de pesquisas, os critérios de busca, os termos de busca, os critérios de seleção, as etapas do processo de seleção e os critérios de inclusão e de exclusão dos trabalhos mapeados. Os termos/descritores foram identificados nos campos “título”, “resumo” e “palavras- chave”. O recorte temporal abrangeu o período de 2015 a 2022 e o material analisado constituiu-sede teses, dissertações, artigos e produtos educacionais. Realizamos a busca dos dados nas fontes definidas, previamente, para formarmos o material de discussão e de análise. Essa delimitação foi estabelecida, a fim de tornar o trabalho exequível e com potencial de contribuição para esta pesquisa de doutoramento. Os resultados discutidos, ainda que não podendo ser considerados amplos para toda a produção científica no que tange às aulas de campo dialogando com o ensino de ciências por investigação na educação básica, devido ao recorte, tem o potencial de fornecer informações importantes. A opção escolhida foi o método de busca automática. Para teses e dissertações: Catálogo de Teses e Dissertações – CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações - BDTD. Para os artigos, a busca foi realizada em cinco plataformas digitais: Scielo, Periódicos Capes; Education Resources Information Center (ERIC), Springer, Directory of Open Access Journals (DOAJ). Como ferramenta de busca, foi utilizada planilha Buscad 2.3.1 - Buscador de trabalhos acadêmicos (Mansur; Altoé, 2021). Para os produtos educacionais, utilizamos o Portal EduCAPES, em conjunto com uma busca manual. A busca manual foi necessária devido às inconsistências apresentadas no Portal EduCAPES, não nos permitindo uma totalidade de PE desenvolvidos, utilizando a temática aulas de campo com foco em atividades investigativas, no recorte temporal estabelecido. Para a busca manual, utilizamos inicialmente o Catálogo de Teses e Dissertações – CAPES para selecionar dissertações em mestrados profissionais4 que utilizaram aulas de campo como metodologia pedagógica. Posteriormente, identificamos os produtos educacionais nas dissertações e buscamos nos repositórios 4 A opção por mestrados profissionais ocorreu devido a aproximação dos trabalhos selecionados a esta tese, visto que foi desenvolvida em um doutorado profissional. 68 dos programas de pós-graduação, nos quais as dissertações e os produtos educacionais foram desenvolvidas. Os termos de busca foram definidos como tópico de pesquisa que seja comumente usada nos estudos e dividida conforme a temática pesquisada (Figura 1). Figura 1 – Termos de busca utilizada no MS Fonte: Elaborada pela autora (2023) Para os critérios de inclusão em artigos, teses e dissertações, foram selecionados estudos que atenderam aos seguintes quesitos: trabalhos com os termos no resumo e/ou título e/ou nas palavras-chave na produção acadêmica selecionada, trabalhos em ensino de ciências, trabalhos desenvolvidos na educação básica, trabalhos incluídos na área de avaliação Ensino/CAPES, trabalhos empíricos, trabalhos em inglês e/ou português. Para as dissertações, foram incluídos mestrados profissionais e trabalhos somente em português. De modo díspar aos critérios de inclusão, os critérios de exclusão foram assim definidos: trabalhos incompletos, trabalhos indisponíveis, trabalhos sem resumo (abstract); trabalhos não compreendidos no período de 2015 a 2022, trabalhos que não estejam disponíveis nas bases digitais selecionadas, outras áreas que não são de Ensino, estudos teóricos e pesquisas desenvolvidos em outra modalidade de ensino, que não a educação básica. “atividades investigativas” AND “estudo do meio” "atividades investigativas" AND "aula de campo" "atividades investigativas" AND "atividades de campo" "ensino por investigação" AND "aula de campo" "investigative activities" AND "study of the environment" “investigative activities” AND "field class" “investigative activities” AND "field activity” “investigative activity” AND "field activities" “field work" AND "investigative activities" "middle study" AND "investigative activity" "tour class" AND "investigative activity" "outdoor education in schools" AND "Inquiry-based Science Teaching" 69 Os critérios de inclusão utilizados para a busca dos produtos educacionais foram: trabalhos desenvolvidos na educação básica, trabalhos incluídos na área de avaliação Ensino/CAPES, trabalhos empíricos, produto educacional de mestrado profissional, trabalhos em português. De modo díspar aos critérios de inclusão, os critérios de exclusão foram assim definidos: trabalhos incompletos, trabalhos indisponíveis, trabalhos não compreendidos no período de 2015 a 2022, trabalhos que não estivessem disponíveis nas bases digitais selecionadas, em outras áreas que não a de Ensino, estudos teóricos e trabalhos desenvolvidos em outra modalidade de ensino, que não a educação básica. 3.1.1 Trabalhos acadêmicos localizadas no MS Utilizando os termos de busca, foram encontrados um total 241 trabalhos, com a eliminação de trabalhos duplicados, o número caiu para 205. Depois de utilizados os critérios de inclusão e exclusão propostos no protocolo e a leitura dos resumos, chegamos à totalização final de onze dissertações de mestrado profissional de instituições de ensino nacionais e nenhuma tese. Os caminhos realizados durante o MS estão apresentados em um fluxograma (Figura 2). 70 Figura 2 – Fluxograma do mapeamento realizado, conforme protocolo baseado em Falbo (2012), para Teses e Dissertações Fonte: Elaborada pela autora (2023) As pesquisas encontradas estão organizadas por ano, título, autor, orientador e proposta didática desenvolvida (Quadro 4). 71 Quadro 4 – Estudos selecionadas no Mapeamento Sistemático (continua) Ano Título Autor Orientador Proposta didática 2017 Aulas de campo na Planície Aluviar do rio Doce da perspectiva da Educação Ambiental crítica Bianca Pereira das Neves Carlos Roberto Pires Campos Desenvolver uma aula de campo, propondo práticas experimentais na planície aluvionar do Rio Doce, com vistas a favorecer a educação ambiental crítica. 2019 Trabalhando biodiversidade em uma Unidade de Conservação Alexandre Cruz de Andrade Margarete de Macedo Monteiro Desenvolver uma Sequência Didática investigativa para o estudo da biodiversidade, incluindo uma aula de campo. 2019 Uso de insetos como ferramenta para a metodologia investigativa no ensino de conteúdos de Biologia no Ensino Médio Juliana Lepsch Bull Massi Leão Margarete de Macedo Monteiro Desenvolver um roteiro de atividades utilizando a metodologia investigativa, com o uso de insetos em atividades de campo, para o ensino de conteúdos de Biologia. 2019 Aula de campo no Sambaqui do Rio Salinas (ES): atividades investigativas para Alfabetização Científica e educação patrimonial Deovair Monteiro César Carlos Roberto Pires Campos Desenvolver uma aula de campo no sambaqui do rio Salinas, para abordar conceitos de educação patrimonial e identificação de alguns elementos que compõem um sambaqui. 2019 Confecção de catálogos organográficos como instrumento para a construção do conhecimento botânico no Ensino Médio Kleber Sales Pereira Roberta Macedo Cerqueira. Desenvolver uma Sequência Didática para o ensino de botânica, com elaboração de catálogos organográficos. 2020 Aulas de campo como proposta de ensino investigativo para o tema "diversidade das plantas terrestres" Alexei Vinícius da Silva Letícia Ribes de Lima Desenvolver uma sequência de ensino investigativa, incluindo uma aula de campo, sobre diversidade das plantas terrestres 72 (conclusão) Ano Título Autor Orientador Proposta didática 2020 Potencialidades do Parque Estadual de Itaunas no planejamento de sequências didáticas investigativas para o ensino de biologia Joene Alves Pereira Marcos da Cunha Teixeira Desenvolver sequências didáticas investigativas para o ensino de Biologiano Parque Estadual de Itaúnas 2022 Ensino-aprendizagem de Ecologia numa perspectiva investigativa em fragmento de Mata Atlântica na cidade de Paulista-PE Carlos Henrique de Noronha Freitas Thiago Leite de Melo Ruffo Desenvolver uma sequência de ensino investigativa para o ensino de Ecologia, com vistas a promoção da alfabetização ecológica e científica 2022 Risco geológico no ensino de geociências: uma aula de campo na Rampa do Urubu – Viana (ES) para promoção da Alfabetização Científica Aline Mattos de Souza Marques Carlos Roberto Pires Campos Desenvolver uma aula de campo investigativa para o ensino de geociências, com vistas a favorecer a promoção da Alfabetização Científica 2022 Abordagem investigativa dos impactos ambientais na lagoa do cajueiro como estratégia de ensino de Ecologia Cleonice Borges Lopes Maura Rejane de Araújo Mendes Desenvolver uma sequência de ensino investigativa abordando problemas ambientais da Lagoa do Cajueiro 2022 Estudo sobre insetos transmissores de doenças na área urbana por meio de uma Sequência Didática investigativa Gernecilene Ferreira Alves Naila Francis Paulo de Oliveira Desenvolver uma Sequência Didática investigativa e contextualizada para favorecer a aprendizagem sobre os insetos transmissores de doenças na área urbana. Fonte: Elaborado pela autora (2023) 73 Das onze dissertações encontradas, três foram desenvolvidas no Instituto Federal do Espírito. Santo, as outras dissertações foram desenvolvidas em Universidades, incluindo uma dissertação da Universidade Federal do Espírito Santo. As publicações encontram-se entre os anos de 2017 e 2022 pertencentes à área de avaliação da Ensino/CAPES. Todas as pesquisas são empíricas e exploram a educação básica, com predominância para o Ensino Médio, com apenas um trabalho desenvolvido no Ensino Fundamental, a dissertação de César (2019). São seis pesquisas qualitativas, sendo uma do tipo estudo de caso, uma do tipo participante e a outra do tipo pesquisa-ação. Os demais estudos não detalharam o tipo de pesquisa qualitativa, sendo que duas delas não especificaram o tipo de pesquisa, no entanto, tomando por base as características das análises dos dados, podemos constatar que se trata de pesquisa de natureza qualitativa. Nos outros cinco estudos os autores denominaram-nas de quali-quantitativas. Em relação às técnicas de registros utilizados para a produção (coleta) dos dados, foram predominantes a técnica de transcrição em diário de bordo e a utilização de material produzido pelos alunos e/ou professores. Três autores utilizaram somente questionários e testes como única fonte de produção de dados. Os outros estudos, quando utilizaram tais técnicas, estão associados a alternativas de produção de dados, como as anotações em diário de bordo, a transcrição das gravações em áudio e/ou vídeo, por exemplo. Os objetivos propostos nos estudos mapeados foram divididos em quatro categorias, quais sejam: a) Aula de campo/atividade de campo com atividades investigativas; b) Estratégias educativas para o ensino de ciências; c) Aula de campo auxiliando debates sobre educação ambiental; d) Aula de campo como estratégia para a promoção da Alfabetização Científica e para o ensino de ciências (Quadro 5). 74 Quadro 5 – Objetivo Geral das dissertações mapeadas separados em três categorias (continua) Categoria Objetivo Geral a. Aula de campo/atividade de campo com atividades investigativas Desenvolver e aplicar um SEI que inclui uma aula de campo, além de avaliar sua contribuição para o ensino do tema “diversidade das plantas terrestres”, no escopo do ensino de botânica. (Silva, 2020). Desenvolver um roteiro pedagógico com sequências didáticas investigativas para o ensino de Biologia, envolvendo aulas de campo em espaços não-formais, tendo como referência o Parque Estadual de Itaunas. (Alves Pereira, 2020). Elaborar uma Sequência Didática, acompanhada de um guia para sua utilização, para o estudo da biodiversidade envolvendo trabalho de campo com atividades investigativas em uma unidade de conservação, neste caso, especificamente, na trilha do Véu da Noiva, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO). (Andrade, 2019). Desenvolver uma Sequência Didática que utiliza a metodologia investigativa, com o uso de insetos em atividades de campo, de forma colaborativa, para o ensino de conteúdos de Biologia no Ensino Médio. (Leão, 2019). Avaliar a aplicação de uma Sequência Didática investigativa e contextualizada sobre os Insetos Transmissores de Doenças na Área Urbana em estudantes do Ensino Médio (Alves, 2022). b. Estratégias educativas para o ensino de ciências Avaliar a contribuição da construção coletiva de catálogos organográficos na melhoria do processo ensino e aprendizagem na área de Botânica no Ensino Médio. (Pereira, 2019). Analisar o ensino-aprendizagem de Ecologia utilizando um fragmento de Mata Atlântica como espaço de aprendizagem e o ensino por investigação como metodologia ativa (Freitas, 2022). c. Aula de campo auxiliando debates sobre educação ambiental Investigar as contribuições da aula de campo para subsidiar os debates que enfatizam os impactos causados pelas ações antrópicas na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, em favor da educação ambiental crítica com vistas a intensificar a participação social nos problemas que emergem da complexa relação entre Homem x Rio Doce. (Neves, 2017). Promover o ensino de Ecologia no Ensino Médio por meio de uma proposta investigativa dos problemas ambientais da Lagoa do Cajueiro, no município de Joaquim Pires, Piauí (Lopes, 2022). 75 (conclusão) Categoria Objetivo Geral d. Aula de campo como estratégia para a promoção da Alfabetização Científica e para o ensino de ciências Empreender uma aula de campo no sambaqui do rio Salinas, município de Anchieta; Espírito Santo; Brasil, para ensinar Ciências, com vistas ao avanço da Alfabetização Científica dos alunos participantes. (César, 2019). Investigar as etapas de uma aula de campo, enquanto Metodologia Pedagógica para o ensino de Geociências – Percepção de Risco Geológico, a partir da Rampa do Urubu em Viana-ES, por meio de atividades dinâmicas de modo a proporcionar o protagonismo dos alunos no processo de aprendizagem e o desenvolvimento de sua percepção crítica sobre o espaço (Marques, 2022). Fonte: Elaborado pela autora (2023) Dos trabalhos mapeados, César (2019) e Marques (2022) utilizaram a aula de campo para a promoção da Alfabetização Científica. Essas dissertações dialogam com o nosso estudo de doutoramento, visto que um dos objetivos também é a 5promoção da AC por meio do desenvolvimento de atividades investigativas em aula de campo. César (2019) considerou que as potencialidades do sambaqui para o ensino de ciências, com vistas à Alfabetização Científica, são constatadas quando os estudantes desenvolveram suas observações nos diálogos com relação aos fatores constituintes do próprio sambaqui, entre eles os fatores naturais e culturais. A pesquisa de César (2019), também considera que o ensino de ciências pautado nos preceitos da Alfabetização Científica permite incentivar os estudantes a praticar o olhar de um pesquisador. Isto, porque as atividades foram desenvolvidas por métodos de coletas e análise de dados, para estimular o aprendizado de ciências, por meio do uso de tecnologias digitais na observação do ambiente, com vistas a sua proteção e a proteção do patrimônio arqueológico. César (2019) pontua que, da perspectivas dos papéis didáticos, a aula de campo foi caracterizada como investigativa, na qual, a visão de ensino objetiva conduzir o aluno a um processo formativo de pesquisa, emque ele é o centro na relação ensino- aprendizagem. O autor percebe este parâmetro, vez que os estudantes tiveram como 5 A não associação do termo de busca Alfabetização Científica no MS, ocorreu pelo fato de esta pesquisadora, em conjunto com outro autor, ter realizado outro MS anteriormente a este, sobre a temática ensino de ciências por investigação e Alfabetização Científica. O MS será publicado como capítulo de um livro (em processo de organização) em comemoração aos 10 anos do Programa Educimat/Ifes. 76 objetivo a classificação taxonômica de conchas de moluscos das classes Bivalve e Gastrópodes. Para tanto, desenvolveram conhecimentos prévios, reconhecimento de feições da natureza, formularam dúvidas e questões, estruturaram sínteses e elaboraram conhecimentos ao desenvolverem o exercício de habilidades, atitudes e valores. Mesmo sem a utilização do termo e sem discussões epistemológicas sobre a abordagem ensino de ciências por investigação, as atividades desenvolvidas por César (2019) se caracterizam como tal, vez que os alunos realizaram coleta de dados para caracterizar um sambaqui, para posteriormente realizar análise dos dados. Essa atividade aproximou os estudantes do fazer científico, pois utilizou etapas de uma pesquisa empírica. Todas essas características aproximam o estudo do autor com esta tese de doutoramento. Marques (2022) desenvolveu uma aula de campo investigativa, contendo os três momentos de uma aula de campo. No momento do pré-campo, foi realizado o levantamento das concepções prévias dos alunos sobre desastres naturais, apresentação de conteúdos acerca do tema e o planejamento do momento campo, durante o qual, os estudantes (em grupos) investigaram os tipos de deslizamentos e riscos geológicos, por meio de um laudo técnico disponibilizado pela pesquisadora/professora. Na etapa pós-campo, os estudantes produziram um relatório técnico, a partir da investigação realizada em campo, e dialogaram sobre os resultados alcançados, bem como sobre a experiência vivenciada. Marques (2022) considerou ter promovido a Alfabetização Científica por ter identificado os indicadores de AC propostos por Sasseron e Carvalho (2008), quais sejam: (1) levantamento de hipótese; (2) organização das informações; (3) compreensão do fenômeno; (4) comprovação; (5) raciocínio lógico; e (6) prática social. A autora destacou que os estudantes assumiram o papel de agentes pesquisadores no campo, enquanto buscavam a compreensão dos fenômenos da natureza e da sociedade. Desse modo, os conhecimentos científicos adquiridos em sala de aula, serviram como instrumentos facilitadores da leitura de mundo, no contexto da percepção do risco geológico na Rampa do Urubu. 77 A pesquisa de Marques (2022) se aproxima do nosso estudo pela preocupação em incluir elementos do ensino de ciências por investigação nos três momentos da aula de campo, incluindo o levantamento de conhecimentos prévios e questões problematizados no processo de aprendizagem. No entanto, a autora não estrutura a aula de campo com as etapas de uma SEI, como a nossa proposta. Outro trabalho que dialoga com o ensino de ciências por investigação é a dissertação de Pereira (2019). O autor organizou um questionário para levantamento de conhecimentos prévios dos estudantes e, a partir desse levantamento, formulou questões problematizadoras que denominou de problematização inicial. A respostas para as questões problematizadora foram consideradas com formulação de hipóteses. Posteriormente, os alunos desenvolveram uma atividade investigativa referente à construção de um catálogo organográfico utilizando aparelhos celulares para capturar as imagens. As imagens foram produzidas em uma aula de campo e, posteriormente, foi confeccionado o catálogo organográfico contendo as imagens, as características e a importância dos órgãos das plantas. Os estudantes apresentaram seus catálogos e realizaram uma discussão referente às observações, os resultados e as interpretações obtidas, para responder à problemática levantada, no início do processo investigativo. Pereira (2019) utilizou atividades com características do ensino de ciências por investigação, porém o foco da sua pesquisa foi colaborar para a melhoria do ensino de botânica. O pesquisador organizou uma sequência de atividades com características do ensino de ciências por investigação, contendo uma aula de campo na sequência. Em suas análises, a preocupação centrou-se no aprendizado de botânica, de modo menos teórico e mais contextualizado. Dos estudos mapeados, cinco utilizaram os três momentos da metodologia das aulas de campo, o pré-campo, o campo e o pós-campo. Os cinco estudos que realizaram as aulas de campo por meio dos três momentos, utilizam Seniciato e Cavassan (2004) como principal referencial teórico. Campos (2012) é utilizado por três autores. Seniciato e Cavassan e Campos (2012) são referências àqueles que pretendem desenvolver pesquisas envolvendo aulas de campo na educação básica em ensino de ciências, de acordo com nosso MS. Esses autores apontam as aulas de campo como uma metodologia capaz de cativar e motivar os estudantes nas atividades 78 educacionais e pontuam que elas devem ser tratadas como uma atividade instrucional, em que o professor é o facilitador da integração dos conteúdos e da formulação de hipóteses. O trabalho de Andrade (2019) desenvolveu uma Sequência Didática para o estudo da biodiversidade envolvendo um trabalho de campo em uma unidade de conservação, utilizando seis passos: Escolha do local; Visitação pelo professor; Atividades pré- campo; Aula de campo; Atividades pós-campo; Fechamento. A pesquisas de Pereira (2019) e Leão (2019), apesar de destacarem a importância do planejamento e da visitação prévia ao local da aula de campo, não especificam as etapas na aula de campo. Silva (2020) e Freitas (2022) desenvolveram uma sequência de ensino investigativa, incluindo uma aula de campo em uma das etapas da SEI. Alves (2022) e Lopes (2022) desenvolveram sequências de atividades incluindo uma aula de campo no desenvolvimento das atividades. O estudo de Silva (2020) utilizou uma aula de campo para iniciar uma SEI. O autor utilizou perguntas problematizadoras com vistas a estimular a curiosidade e o caráter observador frente à biodiversidade vegetal existente no campo. Tais perguntas foram retomadas em sala de aula de aula a fim de que os estudantes, a partir das observações realizadas em campo, estimulados pelas perguntas problematizadoras, formulassem hipóteses. Mediante a formulação de hipóteses, os estudantes explicaram situações que envolveram morfologia, fisiologia e aspectos evolutivos e adaptativos das plantas em seu contexto natural. Silva (2020) não teve a intenção de integrar as aulas de campo com a SEI. O autor somente utilizou a metodologia das aulas de campo, sem a separação dos três momentos da metodologia, para introduzir a problematização na introdução da SEI. “Proposição de uma situação-problema para ser investigada, geralmente já elaborada pelo professor” (Briccia, 2013, p. 117). Freitas (2022) organizou uma SEI em seis etapas, quais sejam: 1) Problematização e Sondagem 2) Contextualização e construção de hipóteses; 3) Observação da mata (aula de campo); 4) Explicação dos resultados pelos estudantes; 5) Elaboração de Carta Aberta; 6) Avaliação do desempenho estudantil. A SEI desenvolvida buscou estimular a curiosidade dos estudantes por meio de observações, comparações, discussões, explicações e soluções. O autor considerou que discutir os conteúdos de 79 ecologia em uma perspectiva investigativa, utilizando como objeto de estudo um fragmento de mata Atlântica, contribuiu para a aprendizagem sobre ecologia. Silva (2020) e Freitas (2022) utilizaram sequências de ensino investigativas com saídas a campo. Em suasanálises, a preocupação centrou-se no aprendizado, de modo menos teórico, mais contextualizado e investigativo. Verificamos uma aproximação dos dois trabalhos com nosso estudo, no sentido de utilizar características do ensino de ciências por investigação, com uma saída a campo em uma das etapas. Porém, os objetivos e as metodologias utilizadas se distanciam do nosso estudo, no sentido de que buscamos unir as etapas da SEI com os três momentos de uma aula de campo. Nos trabalhos destacados, incluindo os estudos de Alves (2022) e Lopes (2022), os autores consideram como aula de campo, somente a saída da escola para o local do campo, sem considerar a sistematização da metodologia por etapas. Partindo do pressuposto que o ensino de ciências por investigação é uma abordagem didática, é possível destacar que a as pesquisas de Silva (2020), Marques (2022) e Freitas (2022) utilizaram a abordagem para a aprendizagem de riscos geológicos, botânica e ecologia, consecutivamente. Também utilizaram a investigação por meio das perguntas problematizadoras orientados pelo professor/pesquisador, como pontuado por Sasseron (2015, p. 58). Tomando-o como associado ao trabalho do professor e não apenas a uma estratégia específica, o ensino por investigação configura-se como uma abordagem didática, podendo, portanto, estar vinculado a qualquer recurso de ensino desde que o processo de investigação seja colocado em prática e realizado pelos alunos a partir e por meio das orientações do professor (Sasseron, 2015, p. 58). Assim, a 6abordagem didática ensino de ciências por investigação pode ser utilizada com qualquer metodologia, inclusive na metodologia das aulas de campo. Cabe ressaltar que nossa proposta não se restringe a utilização dessa abordagem didática em aulas de campo. Mas, na proposta de um novo modelo didático que incorpora as etapas de uma SEI nos três momentos de uma aula de campo. 6 Entendemos abordagem didática, como tendências (em um sentido mais amplo) utilizadas no processo de ensino e aprendizagem. Metodologia seria o modo como ocorre tal processo. 80 Para melhor entendimento acerca de como os autores perceberam a validade de sua proposta, bem como os desafios encontrados para alcançar os objetivos descritos, procuramos sintetizar seus relatos (Quadro 6), com cuidado para não perder a essência do conteúdo descrito, citando as palavras dos próprios autores. Quadro 6 – Reprodução de partes das considerações finais descritas nas dissertações (continua) Ano/Autor Considerações Neves (2017) “Acreditamos que aplicação da proposta metodológica dividida nas etapas de pré- campo, campo e pós campo contribuiu para alertar aos estudantes sobre a importância da mobilização em favor ao combate dos problemas socioambientais enfrentados na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, potencializados pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineração”. “Quando os estudantes se propuseram a desenvolver as atividades experimentais, se dedicaram a realizar e avaliaram-nas de forma positiva, confirmando a importância de práticas metodológicas que contribuam para uma leitura crítica do mundo”. Andrade (2019) “Uma atividade de campo não é um trabalho isolado, pois necessita de um planejamento integrado, com o apoio da equipe escolar. Entretanto, observo que o benefício dessa atividade é muito maior do que somente para a disciplina de biologia, noto um aumento da interação, envolvendo várias sensações e sentimentos, podendo auxiliar na formação de um cidadão ecologicamente mais consciente”. “A aula de campo também permite a conexão dos conteúdos abordados na escola com o ambiente externo, sendo uma importante estratégia para a construção da aprendizagem significativa, levando a formação de um cidadão crítico e participativo, além de ser uma experiência agradável e prazerosa para professores e alunos”. Leão (2019) “As atividades investigativas utilizando insetos em atividades de campo [...] forneceram ao aluno a oportunidade de vivenciar e agir através do trabalho prático, priorizando uma postura investigativa, de compartilhamento e expressão do que aprenderam. Dessa forma puderam se expressar, interagir e construir o conhecimento. Isso despertou um maior interesse nas aulas e consequente melhor aproveitamento por parte de mais de 80% dos alunos”. “É importante incentivar o uso de metodologias diferenciadas, em particular, como foi objeto de estudo, a metodologia investigativa, em conjunto com a atividade de campo, uso de inseto e trabalho colaborativo como forma de incentivar os alunos no aprendizado de Biologia”. 81 (continua) Ano/Autor Considerações César (2019) “podemos considerar que as potencialidades do sambaqui para o ensino de Ciências, com vistas à Alfabetização Científica, são constatadas quando os estudantes desenvolveram suas observações nos diálogos com relação aos fatores constituintes do próprio sambaqui, entre eles os fatores naturais e culturais. Nas falas dos estudantes ocorrem percepções relacionando o tempo presente e os tempos pretéritos, nos diálogos da etapa pré-campo, quando indicam o celular como bem material nos tempos futuros e ao considerarem que os sambaquis devem ter demorado milhares de anos para serem construídos”. “Em caso de algumas pretensões não atingidas, embora demonstrado o alcance dos objetivos da proposta da pesquisa, ao menos um arcabouço metodológico e temático deixaremos para os professores-pesquisadores, os quais poderão ser proveitosos tanto para discussão e análise quanto para incentivo a estudos posteriores, visto que os sítios arqueológicos do tipo sambaqui são potenciais espaços para diversas abordagens Pereira (2019) “Os resultados mostraram que os discentes clamam por aulas mais dinâmicas e preferem aulas de campo, aulas práticas ou estratégias mais envolventes. Verificou-se um maior envolvimento por estarem interagindo, dividindo tarefas e responsabilidades, auxiliando o colega e, preferencialmente, o contato com os vegetais no próprio ambiente. Essa metodologia de construção de catálogos se mostrou eficaz para a aprendizagem, pois os conhecimentos deixaram de envolver somente elementos abstratos e passaram a ter significados e vínculos com o cotidiano, além de ser uma prática que tenta superar o tradicionalismo e coloca os alunos como protagonista nas ações criativas”. Silva (2020) "Baseado no paradigma de ensino investigativo, onde há coleta de dados, formulação de hipóteses acerca desses dados e apresentação dessas hipóteses para os pares, acredita-se que a SEI atendeu a esses preceitos, tendo em vista que os alunos observaram e coletaram os dados na aula de campo [...]. Esse tipo de abordagem, baseada em ensino investigativo, valorizou o papel dos educandos dentro do contexto educacional, retirando-os da condição de meros expectadores [...] conferindo-lhes maior protagonismo no processo, potencializando atitudes como colaboração, cooperação, proatividade, entre outras. "Acredita-se que a aula de campo [...] aliada a outras estratégias metodológicas de ensino, muito contribuiu para o ensino" Alves Pereira (2020) “O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise das potencialidades do Parque Estadual de Itaúnas para o planejamento de sequências didáticas investigativas no ensino de Biologia”. “Contudo, os estudantes participantes dessa pesquisa, demonstraram inicialmente certas dificuldades na participação das etapas propostas pelas SDI’s, por estarem habituados no ensino centrado no professor. Entretanto, à medida que foram interagindo com as ações propostas, tornaram-se mais autônomos. Diante das atividades pré-campo, campo e pós-campo, se beneficiaram das potencialidades dos ENF’s do PEI para assimilação de conceitos, que promoveram uma aprendizagem duradoura, capaz de ser vivenciada em novassituações”. “Outro aspecto relevante foi o fato de se adaptaram ao uso do diário de campo, pois apresentaram dificuldades para registrar suas ideias e mais facilidade em expressá-las oralmente nas rodas de conversa”. 82 (conclusão) Ano/Autor Considerações Alves (2022) “Essas metodologias, além de dinamizar as aulas, mesmo que remotas, motivaram o estudante à participação e compreensão de sua corresponsabilidade, tanto em sua própria aprendizagem quanto no que diz respeito ao meio que o rodeia. Também pudemos realizar atividades diferenciadas como a aula de campo desenvolvendo assim o lado investigativo e protagonista do estudante. Em adição, a maioria das questões do pós-teste tiveram nível de acerto significativo em comparação ao pré-teste, contudo, uma das questões essenciais que tratava da prevenção de doenças causadas pelo Aedes aegypti não obteve total êxito, sugerindo que esse tópico precisa ser mais explorado”. Freitas (2022) “[...] contribuiu para o ensino e a aprendizagem daqueles conteúdos, especialmente por favorecer o desempenho ativo dos estudantes bem como o desenvolvimento de características atitudinais e procedimentais como interesse, trabalho em equipe, curiosidade, motivação, criatividade, organização e responsabilidade”. “A SEI também possibilitou aos estudantes enxergarem a Ecologia não apenas como disciplina da Biologia (fundamentada em bases teóricas), mas como ferramenta capaz de auxiliar o ser humano na tomada de decisões sustentáveis a partir do contato com o ambiente natural (base educacional prática) contribuindo a formação cidadã e de sujeito ecológico dos estudantes”. Lopes (2022) “[...] possibilitaram constatar que as aulas de campo associadas às aulas expositivas dialogadas, são importantes aliadas para facilitar e consolidar a aprendizagem”. “O presente trabalho pode ser considerado como uma contribuição didática para o ensino de Ecologia, pois buscou responder problemáticas pertinentes à realidade dos impactos ambientais que a Lagoa vem sofrendo e estimular o surgimento de novas questões e caminhos investigativos que, como consequência, pode melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem”. Marques (2022) “A abordagem da temática destacou a relevância da mediação pedagógica no processo de desenvolvimento da leitura crítica de mundo. Os dados coletados por meio de questionários, fotografias, atividades e anotações, expressaram que as estratégias utilizadas, destacando a aula de campo na Rampa do Urubu, proporcionaram aos alunos a reflexão sobre conhecimento e olhar sobre o espaço em que vivem”. “A pesquisa se tornou inédita e a atividade de pesquisa possibilitou aos alunos o entusiasmo de estarem em campo, a conhecerem um lugar com novas percepções, além de vivenciarem novas experiências socioambientais no espaço geográfico”. Fonte: Elaborado pela autora (2023) De acordo com os dados reproduzidos no Quadro 6, os autores entenderam que a pesquisa delineada e aplicada foi bem-sucedida, porque utilizaram as aulas de campo com atividades investigativas como metodologia pedagógica. Mesmo que não expressando isso abertamente nos relatos escritos. Também foi possível perceber que as aulas de campo se configuraram como atividades prazerosas para os 83 estudantes. Outra constatação existente entre as pesquisas citadas, foi o fato de as aulas de campo centralizarem o estudante no processo de aprendizagem. Porém, devemos destacar duas questões importantes baseados no Quadro 3. A primeira é a dificuldade de os alunos se colocarem no centro da aprendizagem por estarem acostumados com o professor exercendo tal papel. No entanto, com a utilização com frequência e consistência de práticas pedagógicas que centralizam os estudantes, esse redirecionamento do papel discente poderá ocorrer, de modo que a postura mais passiva, possa ser substituída por uma postura mais ativa que proporcione o desenvolvimento de um pensamento reflexivo, fundamental para o exercício da autonomia. A segunda dificuldade foi a utilização do diário de campo, pelo fato de os alunos não terem o hábito dessa prática, como demonstrado no estudo de Alves Pereira (2020), destacando as dificuldades dos estudantes em registrar suas ideias, tendo mais facilidade em expressá-las oralmente. Com a percepção da validade das propostas e com os desafios para alcançar os objetivos descritos, finalizamos a análise das dissertações mapeadas com a prototipação dos produtos educacionais. Trata-se de cinco guias didáticos, um Manual para o desenvolvimento de uma aula de campo, duas sequências de ensinos investigativas (os autores não caracterizaram o material), um caderno de sequências didáticas investigativas e um jogo didático. Andrade (2019) e Kelber (2019) não intitularam ou qualificaram quais produtos educacionais desenvolveram. Nenhum dos autores informou em qual repositório os produtos educacionais são encontrados para consulta. Somente Pereira (2020) informa que o Caderno de SDI está disponível no Parque Estadual de Itaúnas (PEI). 3.1.2 Artigos mapeados De acordo com os termos de busca, foram encontrados 186 trabalhos. Depois de utilizados os critérios de inclusão e exclusão propostos na estratégia do protocolo e a leitura dos resumos, esse número foi reduzido a quatro artigos, todos nacionais (Figura 3). 84 Figura 3 – Fluxograma do mapeamento realizado – Artigos Fonte: Elaborado pela autora (2023) As quatro publicações são pesquisas empíricas desenvolvidas na educação entre os anos de 2018 e 2020. Vale ressaltar que, durante a busca encontramos pesquisas desenvolvidas em aulas de campo com atividades investigativas fora da educação básica, pesquisas teóricas ou pesquisas fora da área de avaliação Ensino/CAPES. Porém, não foram incluídas por não atenderem aos critérios estabelecidos no protocolo do MS. No Quadro 7 estão relacionados os artigos identificados no MS. Os trabalhos foram organizados por ano, autor(es) e trechos extraídos das considerações finais. 85 Quadro 7 – Identificação dos quatro dos artigos selecionadas Ano Autores Trechos/Considerações finais 2018 SILVA, Marcelo Scabelo da; CAMPOS, Carlos Roberto Pires “Como uma prática pedagógica estimuladora de novas leituras de mundo, a aula de campo pode fomentar situações potencializadoras da Alfabetização Científica e, especificamente em ambientes costeiros, torna-se necessária, na medida em que inúmeras demandas vêm exigindo de todos nós a articulação de saberes das mais diversas áreas do conhecimento científico, seja para a percepção-ação concernente ao espaço educativo não formal aqui proposto ou para qualquer outra ocasião que requisite uma tomada de decisão no contexto local-regional-planetário”. 2019 DUQUE, Cleiciane Antunes; CARBO, Leandro; LUCENA, Isabela Codolo de; AGUIAR, Caroline Klesse; FERNADES, Pablo Marimon de Borba “Observou-se em todas as etapas do trabalho que o uso do raciocínio lógico para a resolução da problemática, proporcionou entendimento e interpretação pelos estudantes como forma de compreender a relação entre o homem e a degradação ambiental”. “[...]os estudantes, enovelaram-se na investigação. Os debates estabelecidos durante as atividades na sala de aula e no campo mostraram-se satisfatórias” 2020 SANTANA, Ronaldo Santos; FARIAS, Elza Candido de “[...] acreditamos que a Sequência Didática utilizada teve grande potencial para alfabetizar cientificamente os estudantes envolvidos”. “[...]as atividades conseguiram atingir positivamente os alunos; acreditamos que esse é um caminho promissor para o ensino, mas ainda são necessárias pesquisas para o aperfeiçoamento dessa abordagem e a melhor compreensão do fenômeno em questão”. 2020 SOUSA, José Ramos de; CAMPOS, Carlos Roberto Pires “Os dados obtidoscoadunaram-se com as categorias elencadas, ao constatarmos que os alunos que participaram da pesquisa, fizeram da aula de campo um espaço de luta para a superação de alienação em relação às ações antrópicas sobre o ambiente do qual dependem, visto que o parque contém diversas nascentes e mananciais”. Fonte: Elaborado pela autora (2023) Quanto aos objetivos dos artigos selecionados, Silva e Campos (2018) verificaram em que medida as aulas de campo podem proporcionar, além do desenvolvimento da Alfabetização Científica, momentos para o trabalho colaborativo entre os alunos. O estudo de Duque et al. (2019) avaliou o aprendizado dos estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental em espaços formais e não formais, por meio da metodologia de ensino por investigação e uso do aplicativo QR Code, em 86 área em recuperação, por meio de plantio de árvores. Santana e Farias (2020) relataram a experiência pedagógica de dois professores de ciências dos anos finais do Ensino Fundamental ao realizarem um estudo investigativo com o conteúdo de relações ecológicas. Souza e Campos (2020) investigaram as contribuições decorrentes do desenvolvimento de uma prática pedagógica participativa que culminou com uma aula de campo no Parque Municipal Natural Mochuara em Cariacica/ES. Os trabalhos de Silva e Campos (2018) e Souza e Campos (2020) apresentam metodologias pedagógicas que se aproximam. Silva e Campos (2018) organizaram uma aula de campo no Parque Estadual da Fonte Grande (Vitória/ES), com estudantes do oitavo ano do Ensino Fundamental. A aula de campo foi realizada em três momentos (pré-campo, campo e pós-campo), com vistas a estimular o estudante a resolver determinados problemas, elaborar hipóteses a serem pesquisadas, estruturando a sequência de observação e de interpretação do espaço e decidindo formas de validar o que observaram; discutindo entre si as reflexões e as conclusões. Souza e Campos (2020) desenvolveram uma prática pedagógica com estudantes da primeira série do Ensino Médio no contexto dos objetos de conhecimento de geologia e geomorfologia, com foco na promoção da Alfabetização Científica. Para tanto, buscaram caracterizar o Parque Municipal Natural Mochuara, seccionando o trabalho em etapas, o pré-campo, campo e pós-campo, com vistas a promoção da Alfabetização Científica. Duque et al. (2019) desenvolveram atividades investigativas em três etapas. Na primeira etapa discutiu-se a problemática da região (degradação) e orientações para instalação do aplicativo QR Code no celular. A segunda etapa contou com a realização da aula de campo para reconhecimento da área, explicação de conceitos (fatores bióticos e abióticos, entre outros), culminando com o plantio de árvores e leitura do código QR Code para obtenção das informações ecológicas das espécies arbóreas do Cerrado. A terceira etapa foi realizada em sala de aula com os estudantes desenhando uma área desmatada e uma área em recuperação para depois responderem a questões apresentadas na primeira fase das atividades. Santana e Farias (2020) desenvolveram com os estudantes do sétimo ano do Ensino 87 Fundamental uma Sequência Didática no contexto de aulas de ecologia, baseada no referencial teórico do ensino de ciências por investigação e no estudo do meio (aula de campo). Em relação a produção (coleta) dos dados, Silva e Campos (2018) utilizaram como procedimento a observação participante e como instrumento para coletar os dados, roteiro de campo, diário de bordo, vídeo/gravação, fotografias, desenhos e um portifólio ilustrado produzido pelos estudantes. As análises foram realizadas em três momentos. Inicialmente, à luz do aporte teórico; posteriormente, os autores elaboram a análise dos conhecimentos produzidos em campo a partir da atividade interventiva. Por fim, analisaram os indicadores de Alfabetização Científica, propostos por Sasseron e Carvalho (2008), evidenciados em campo. Duque, et al. (2019) não especificaram quais procedimentos e quais instrumentos utilizaram para a produção dos dados, somente afirmaram que os estudantes expressaram por meio de desenhos e argumentaram por meio de linguagem escrita e verbal. Assim, a aprendizagem dos estudantes foi avaliada utilizando os indicadores de Alfabetização Científica. Souza e Campos (2020) utilizaram a observação participante como procedimento e como instrumentos utilizaram registros em diário de campo, vídeo-gravação, fotografia e preenchimento de grelhas de observação orientada. As análises foram centradas nos indiciadores de Alfabetização Científica propostos por Sasseron e Carvalho (2008). Santana e Farias (2020) utilizaram como técnicas de registros, notas de campo realizadas ao final das aulas, registros realizados pelos alunos, reflexões e análises realizadas das observações dos professores envolvidos na aplicação das atividades. As análises foram centradas no desenvolvimento das atividades apontando graus de potencial das perguntas de investigação durante o desenvolvimento das atividades investigativas, bem como a eficiência de métodos utilizados para a promoção da cultura científica. Apesar de Santana e Farias (2020) denominarem a prática pedagógica que utilizaram de estudo do meio investigativo, eles utilizam os referencias teóricos da metodologia das aulas de campo como base para pesquisa, logo, para esses autores, aulas de 88 campo e estudo do meio são sinônimos, visto que os referenciais teóricos utilizados são aqueles que defendem a metodologia das aulas de campo desenvolvidas na educação básica. Os referencias teóricos utilizados pelos autores de três dos quatro artigos são similares. Os quatro estudos apontam para a eficácia no desenvolvimento das práticas pedagógicas desenvolvidas. Silva e Campos (2018) concluíram que os estudantes assumiram o papel de agentes de (re)construção da melhoria da cidade de Vitória no Espírito Santo, em relação aos seus habitantes, quando buscaram compreender os fenômenos socioambientais. Também se aproximaram dos conhecimentos científicos para realizar uma leitura de mundo, a leitura das metamorfoses do espaço urbano capixaba e como estas se atrelam às intempéries e a ação antrópica. Para Duque, et al. (2019), a partir dos conhecimentos prévios dos estudantes, pode- se construir uma hipótese, discutir e explorar conceitos como fatores bióticos e abióticos, bioma do Cerrado e agrupamento dos seres vivos, que são essenciais para vida em um ambiente. Santana e Farias (2020) concluíram que atividades que envolvem a aprendizagem de ciências com realização de práticas científicas podem contribuir para a AC, bem como podem estimular a elaboração de raciocínios sustentados por evidências, auxiliando os processos de tomada de decisão. Souza e Campos (2020) verificaram que a aula de campo, além de explorar conteúdos de geologia, geomorfologia e de ter promovido debates socioambientais, contribuiu para a promoção da AC, visto que os alunos conseguiram utilizar a aula de campo como um espaço de luta para superação do processo de alienação em relação às ações antrópicas acerca do ambiente do qual dependem, porque o Parque do Mochuara contém diversas nascentes e mananciais. Também foi possível a construção de um conceito de AC emancipatória que, na perspectiva pedagógica freiriana, pode possibilitar aos alunos mais que uma leitura da palavra, mas, uma leitura crítica do mundo. Dos quatro artigos mapeados, dois utilizam a metodologia das aulas de campo, sistematizada nos três momentos (pré-campo, campo e pós-campo). Os outros dois trabalhos não consideram as aulas de campo como uma metodologia, mas as 89 entendem somente como a saída dos estudantes da escola. Ressalta-se, assim, a importância desta pesquisa em desenvolvimento, visto que ao associar as etapas de uma SEI comos momentos de uma aula de campo, estamos estabelecendo uma sistematização para aqueles que, no futuro, pretendem desenvolver atividades investigativas em aulas de campo. Após as análises dos artigos nacionais mapeados, ressaltamos que o recorte utilizado na construção do protocolo de execução do MS, quais sejam: os critérios de busca, os termos de busca, os critérios de seleção, as etapas do processo de seleção e os critérios de inclusão e exclusão, não nos permitiu localizar artigos internacionais. Sendo assim, consideramos importante (devido a relevância de estudos internacionais para o desenvolvimento de uma tese de doutoramento) desvincular a busca por artigos internacionais do protocolo estabelecido, realizando uma nova busca, com novos critérios de inclusão e exclusão. 3.1.3 Artigos internacionais incluídos no Mapeamento Sistemático Para os critérios de inclusão nos artigos internacionais, foram selecionados estudos que atenderam aos seguintes quesitos: trabalhos com os termos no resumo e/ou título e/ou nas palavras-chave na produção acadêmica selecionada, trabalhos desenvolvidos na educação básica, trabalhos empíricos, trabalhos em qualquer idioma e trabalhos desenvolvidos entre os anos de 2015 e 2023. Continuamos com o método de busca automática em cinco plataformas digitais: Scielo, Periódicos Capes; Education Resources Information Center (ERIC), Springer, Directory of Open Access Journals (DOAJ). Como ferramenta de busca, foi utilizada planilha Buscad 2.3.1 - Buscador de trabalhos acadêmicos (Mansur; Altoé, 2021). Utilizamos dois termos de busca, "outdoor education in schools” e "Inquiry-based Science Teaching". Nesta nova busca, depois de lidos os resumos e excluirmos aqueles que se encontravam fora do recorte estabelecido, localizamos onze trabalhos utilizando o termo "Inquiry-based Science Teaching" e três trabalhos utilizando "outdoor education in schools”. Como os artigos que abordam o ensino de ciências por investigação não envolvem aulas de campo ou atividades fora da sala de aula, optamos por nos debruçar apenas nos artigos internacionais que abordaram as aulas de campo. 90 As três publicações são pesquisas empíricas desenvolvidas na educação básica, em três países distintos (Turquia, Finlândia e Croácia), entre os anos de 2020 e 2023. No Quadro 8 estão relacionados os artigos identificados. Os trabalhos foram organizados por ano, autor(es) e trechos extraídos das considerações finais (Quadro 8). Quadro 8 – Identificação dos quatro dos artigos internacionais selecionadas Ano Autores Trechos/Considerações finais 2020 AVCI, Görkem; GUMUS, Nevzat “[...] Os subsídios devem ser atribuídos às escolas para atividades fora da escola, incluindo estudos de campo, viagens de investigação e estudo, observações, visitas a museus, visitas a instituições etc. [...] especialmente para atividades a serem organizadas em ambientes de aprendizagem ao ar livre. Um determinado sistema deveria ser estabelecido para realizar os procedimentos com a instituição, organização, empreendimento para obter a permissão e dar resultados rápidos no processo de licenciamento”. 2020 KERVINEN, Anttoni; UITTO, Anna; JUUTI, Kalle “O presente estudo centrou-se no ensino ao ar livre e explorou formas de incluí-lo com sucesso no currículo formal. Embora algumas das soluções práticas utilizadas pelos professores neste estudo estejam relacionadas com ambientes exteriores em particular, as nossas conclusões também podem ser aplicadas a outras atividades fora da escola”. 2023 ŸALETA, Ana; BULIŸ, Mila; RADANOVIŸ, Ines [...] o ensino por descoberta no ensino extracurricular (de campo) de Natureza e Sociedade, os alunos têm a oportunidade de desenvolver um estilo específico de resolução de problemas aplicável posteriormente à resolução de outras tarefas e problemas da vida quotidiana”. Fonte: Elaborado pela autora (2023) A pesquisa de Avci e Gumus (2020) foi inspirada na ideia de revelar a importância das atividades baseadas no ensino ao ar livre (aulas de campo), com vistas a contribuir para o nível de memorização e assimilação do conhecimento. Para tal, o estudo foi desenvolvido com dois grupos, composto por alunos do quarto ano do ensino primário de uma escola pública (n=33) e outro de um grupo controle (n=31) no distrito de Buca, na província de Izmir (Turquia). Os conteúdos trabalhados estão relacionados a geografia, geologia e história. Os autores denominam de estudos sociais. 91 No grupo controle os conteúdos foram ministrados somente em sala de aula, por meio de aulas expositivas, discussão e atividades envolvendo perguntas e respostas. No grupo experimental, os conteúdos foram trabalhados em quinze atividades (durante seis semanas) interligando momentos em sala de aula com momentos em espaços fora da sala de aula (pátio da escola, por exemplo) e espaços fora dos muros da escola (praças, parques etc.). As atividades foram assim denominadas: 1) Meus métodos para encontrar direções; 2) Encontro Meu Alvo; 3) Desenho do Mapa Esboçado; 4) Preciso Conhecer os Lugares Seguros; 5) Natural? Humanidades; 6) Viagem à Natureza; 7) Como está o tempo; 8) Tempo em Buca; 9) Meteorologia para Viagens; 10) Estamos Estudando o Mapa; 11) Eu viajo por aí; 12) Minha Izmir; 13) Vamos para AFAD; 14) Estamos prontos para um terremoto; 15) Momento do Terremoto. Kervinen, Uitto e Juuti (2020) pesquisaram três professores de biologia do ensino secundário de duas escolas (com alunos dos 13 aos 15 anos), em uma área urbana do sul da Finlândia. Ambas as escolas são conhecidas por terem uma tradição na organização de educação científica ao ar livre. Assim, os professores foram selecionados pela sua experiência na utilização do trabalho de campo no ensino de biologia no ensino secundário. Nas duas escolas, o curso de biologia sobre o ecossistema florestal incluiu as aulas de campo. Todos os três professores utilizaram o ensino ao ar livre como uma parte importante do conteúdo de biologia em dois momentos, um centrado nos ecossistemas aquáticos e outro centrado nos ecossistemas florestais. Para a temática ecossistema florestal, o ensino ao ar livre, representou aproximadamente 60% e 80% das aulas; para a temática ecossistema aquático, o ensino ao ar livre, representou cerca de 30% das aulas. Os professores tinham práticas semelhantes na organização das aulas. As atividades em campo foram divididas em duas categorias, a saber: a) atividades de curta duração e b) atividades de longa duração. As atividades de aprendizagem na floresta foram diversificadas e incluíram atividades de curta duração, bem como investigações de maior duração. As atividades de curta duração consistiram, por exemplo, na observação e discussão de diferentes tipos de florestas, na identificação de fatores abióticos e bióticos, na observação de diferentes biótopos e camadas de 92 vegetação e na coleta e identificação de invertebrados, cogumelos, folhas de árvores e plantas. Ÿaleta, Buliÿ e Radanoviÿ (2023) desenvolveram uma aula de campo em Trilje (Croácia) com alunos do terceiro ano do ensino fundamental. Os alunos aprenderam por descoberta trabalhando em atividades durante cinco horas escolares. O local das atividades foi Gardun, perto de Trilje. Os alunos trabalharam gradualmente em quatro estágios durante a aprendizagem por descoberta. Na primeira etapa receberam problemas/perguntas para resolverem. Na segunda etapa, por meio do registo das observações de campo, deram respostas (ao problema) de acordo com o princípio da observação guiada estruturada (Qual é a margem esquerda do rio? Qual é a margem direita do rio? O horizonte maior do aluno está em um ponto de vista superior ou inferior? Como as árvores, casas, muros e outros objetos afetam o tamanho do horizonte? Se você mudar seu ponto devista, os lados do mundo mudam?). Na terceira etapa, coleta de dados, observação e monitoramento, os estudantes continuaram registrando suas observações, esboçando, fotografando o local e o horizonte e coletando inúmeros dados para posterior trabalho em sala de aula. Os alunos, observaram o horizonte, determinaram a direção a jusante e a montante do rio e as margens esquerda e direita. Eles se orientaram por meio de sinais da natureza e verificaram a precisão de suas respostas por meio de uma bússola. A formação geográfica fornece uma base para a aprendizagem interdisciplinar e conecta as plantas e suas condições de vida no ambiente próximo da terra natal do aluno. Por isso, na quarta etapa, os estudantes observaram as plantas de sua terra natal e as reconheceram a partir de experiências anteriores, mas também foram orientados pela professora com o auxílio do aplicativo PlantNet. Após a identificação, os alunos fotografaram as plantas para criar um foto-herbário. No foto-herbário, eles deveriam descrever as plantas de forma que aplicassem os fundamentos geográficos da navegação que praticaram em campo. Para efeito de descrição, os alunos, em pequenos grupos, foram orientados a fazer perguntas de pesquisa sobre a localização das plantas, a relação no espaço com a planta do local, bem como o relevo observado e as condições do ambiente. Após o 93 retorno das aulas de campo, a partir dos registros fotográficos, os estudantes elaboraram uma maquete da cidade de Trilje. O estudo de Ÿaleta, Buliÿ e Radanoviÿ (2023) se aproxima desta tese de doutoramento por trazer atividades investigativas para as aulas de campo. Os autores denominam tais atividades investigativas de ensino por descoberta. No entanto, o estudo não considera as três etapas de uma aula de campo e nem utilizam a abordagem ensino de ciências por investigação. Nota-se que nos três artigos internacionais analisados, o conceito de aulas ao ar livre/aula de campo é qualquer atividade realizada fora da sala de aula. Em relação a produção (coleta) de dados, Avci e Gumus (2020) utilizaram um “delineamento semi-experimental de grupo controle pré-teste-pós-teste” a partir de métodos quantitativos de pesquisa. Os autores intencionaram testar o efeito de variáveis independentes (método de ensino ao ar livre e atividades-conteúdo) sobre variáveis dependentes (desempenho acadêmico, nível de memorização). Para tal, foi aplicado um “Teste de Desempenho Académico” elaborado no âmbito dos resultados da área de aprendizagem “Pessoas, Lugares e Círculos” do 4º ano do ensino básico, no pré-implementação e pós-implementação do projeto. Além disso, o Teste de Desempenho Acadêmico foi utilizado como um teste de persistência para medir o nível de recordação de conhecimentos dos estudantes, quatro semanas após o término do projeto. As análises quantitativas dos dados foram realizadas com estatística descritiva, teste T para amostras independentes e ANOVA de dois fatores para medidas mistas. Kervinen, Uitto e Juuti (2020) realizaram uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso com três professores de biologia do ensino secundário. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas. As entrevistas foram semiestruturadas, contudo, as perguntas eram abertas e as entrevistas foram orientadas pelas respostas dos professores de forma informal. Os professores foram questionados sobre: 1) as suas experiências e como utilizaram o trabalho de campo no seu ensino, 2) os seus pontos de vista e justificação para o trabalho de campo como parte do ensino de biologia, e 3) os desafios relacionados com o trabalho de campo. 94 As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas. Os autores analisaram os dados por meio de análise temática, identificando, analisando e relatando padrões no material. A unidade de análise foi uma sequência de diálogos composta por uma ou mais frases que formavam uma expressão ou ideia coerente. A análise centrou-se no conteúdo semântico dos dados, ou seja, nas experiências e significados atribuídos à aprendizagem ao ar livre pelos professores. Os autores também buscaram identificar e interpretar ideias, pressupostos e conceitualizações subjacentes ao discurso dos participantes. Ÿaleta, Buliÿ e Radanoviÿ (2023) também desenvolveram uma pesquisa qualitativa. Coletaram os dados, por meio de áudio-gravações realizadas durante todo o transcurso das atividades e pelas análises das respostas dos estudantes em uma avaliação final de conhecimentos escritos. A avaliação foi realizada após as atividades utilizando a aprendizagem pela descoberta associada ao ensino extracurricular (de campo). Os autores não explicitam como realizaram as análises. Os três estudos apontam para a eficácia no desenvolvimento das aulas de campo. Avci e Gumus (2020) concluíram que a implementação de atividades educativas ao ar livre no ensino dos cursos de estudos sociais, aumentou os níveis de sucesso dos alunos e afetou positivamente na aprendizagem dos conteúdos abordados. As análises de Kervinen, Uitto e Juuti (2020) indicam que os três professores entrevistados, consideraram a regularidade, as práticas de avaliação e o currículo escolar como ferramentas importantes para legitimar a aprendizagem ao ar livre. Ÿaleta, Buliÿ e Radanoviÿ (2023) concluíram que os alunos têm a oportunidade de desenvolver um estilo específico de resolução de problemas aplicável posteriormente à resolução de outras tarefas e problemas da vida quotidiana, por meio das aulas de campo, envolvendo o ensino por descoberta. Analisando os três artigos, respeitando os limites do recorte estabelecido nos critérios de inclusão/exclusão do MS, podemos inferir que fora do Brasil, o termo aula de campo é pouco utilizado. Os três artigos selecionados utilizam a expressão atividades educativas ao ar livre ou atividades ao ar livre para se referirem a metodologia das aulas de campo. Quando utilizam o termo campo, é somente para indicar o local em que as atividades fora da sala de aula ocorreram. Os referenciais teóricos utilizados 95 nos três artigos se distinguem e se caracterizam pela regionalização, não nos possibilitando encontrar referências comuns aos três estudos. O fato de precisarmos desvincular a associação dos termos de busca definidos no protocolo no MS, evidencia a escassez de estudos internacionais que utilizam a abordagem ensino de ciências por investigação em aulas de campo. Esses dados, ressaltam importância desta tese para pesquisas futuras. Para encerrar o mapeamento de dissertações e artigos nacionais e internacionais, retomemos as perguntas (1) um e (2) dois do protocolo do MS, quais sejam: 1) quais as características observadas que apresentam maior tendência no conjunto de dissertações e teses dos mestrados e doutorados defendidas no Brasil, no período de 2015 a 2022, envolvendo a temática aulas de campo com atividades investigativas? e 2) quais abordagens didáticas, de modo geral, têm sido mais utilizadas no desenvolvimento das aulas de campo com atividades investigativas? Quanto às características observadas no conjunto de estudos encontrados dentro do nosso recorte (mestrados profissionais e artigos) a tendência que se mostrou presente foi de um ensino que se preocupa em preparar o estudante para desempenhar papel social. Identificamos certa preocupação, por parte dos autores, no planejamento das aulas de campo visando à aprendizagem e à ratificação de as aulas de campo não serem consideradas como passeio mas, momentos de aprendizagem curriculares e extracurriculares, fora dos muros da escola. Também verificamos atividades investigativas desenvolvidas durante as aulas de campo, mesmo com alguns autores não as caracterizando como tal. Outra tendência observada, nos estudos mapeados, foi a preocupação em o aluno ser o centro da aprendizagem.Para alcançar as tendências citadas acima, a maioria dos estudos desenvolveu sequências didáticas (SD). De acordo com Zabala (1998), as SDs consistem em um gama de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas, a fim de cumprir certos objetivos educacionais, com princípio e fim, conhecidos e estabelecidos, tanto pelo docente, quanto pelos alunos, em um processo dialógico e cooperativo. De acordo com nosso MS, as pesquisas utilizaram para desenvolver as atividades em aula de campo, as seguintes SDs: Sequência Didática investigativa, roteiro de atividades 96 utilizando metodologia investigativas, Sequência Didática, sequência de ensino investigativa e roteiro de aula e campo. Mesmo com outras denominações, todas as sequências foram estruturadas de acordo com a proposta de Zabala (1998) e Dolz, Noverraz e Schneuwlym (2004), visto que apresentam um conjunto de atividades ordenadas, articuladas e planejadas para alcançar um certo objetivo didático. Razão pela qual, nesse MS as estamos tratando como atividades dentro do arcabouço das SDs. Em relação às tendências em abordagens didáticas utilizadas nas pesquisas mapeadas, nove delas utilizaram a abordagem ensino de ciências por investigação. Esse resultado aponta para uma tendência nas pesquisas empíricas desenvolvidas com estudantes da educação básica, que utilizaram a aula de campo, em algum momento das atividades investigativas. No, entanto, dos sete trabalhos que utilizaram os três momentos da aula de campo, somente Andrade (2019) utilizou o ensino de ciências por investigação. Isto nos sugere que tal abordagem não é uma tendência entre os pesquisadores que utilizam os três momentos das aulas de campo, visto que nas outras pesquisas citadas, o foco não foi a aula de campo, mas saída a campo como parte integrante de uma SD. Respondidas as perguntas (1) um e (2) dois do protocolo de mapeamento sistemático, passemos ao mapeamento dos produtos educacionais envolvendo aulas de campo. 3.2. Produtos educacionais referentes a metodologia pedagógica das aulas de campo em seus três momentos Na busca manual realizada no Portal Catálogo de Teses e Dissertações Capes, localizamos 70 dissertações que dialogam com as aulas de campo, no entanto, não conseguimos identificar os produtos educacionais em 41 delas, restando-nos 29 produtos mapeados por meio do Portal. Os demais produtos foram mapeados por meio de busca automática no Portal EduCAPES. Após excluirmos as duplicidades, identificamos 46 produtos educacionais distribuídos em diversos Programas de Pós- graduação no Brasil, quais sejam: Instituto Feral do Espírito Santo (23); Universidade Federal de Mato Grosso (04), Universidade Federal do Espírito Santo (3), Universidade Federal do Rio de Janeiro (3), Universidade Federal de Roraima (1), 97 Universidade Federal de Alagoas (1), Universidade Federal do Ceará (1), Universidade Federal de Pernambuco (1), Universidade Estadual de Santa Cruz (1), Universidade Federal do Paraná (1), Universidade Federal de Goiás (1), Universidade Federal do Pará (1), Instituto Federal do Rio Grande do Norte (1), Instituto Federal Baiano (1), Fundação Uniselva (1), Centro Universitário de Volta Redonda (1), Faculdade do Vale do Cricaré (1). Dos 46 produtos educacionais mapeados, selecionamos aqueles que utilizaram os três momentos das aulas de campo, o pré-campo, o campo e o pós-campo (Campos, 2012) (Quadro 9) para análise, os quais foram organizados por ano, título, autores, instituição e tipo de material produzido. Quadro 9 – Identificação dos produtos educacionais que utilizaram a metodologia das aulas de campo em seus três momentos (continua) Ano Título Autor/es Instituição Material 2015 Aulas de campo: uma proposta para o ensino de ciências que tenha como eixo integrador a educação ambiental crítica. Flávia Nessrala Nascimento, Antonio Donizetti Sgarbi Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático 2016 Trilhando ciência, mirando cidadania: um guia didático para aulas de campo no Parque Estadual da Fonte Grande Marcelo Scabelo da Silva, Carlos Roberto Pires Campos, Antônio Donizetti Sgarbi Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático 2017 Vamos ao rio? um guia didático para aulas de campo na planície aluvionar do Rio Doce Bianca Pereira das Neves, Carlos Roberto Pires Campos Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático 2017 O rio da minha terra: um guia para aula de campo na planície de inundação do Rio Itabapoana Carime Rodrigues Salim, Carlos Roberto Pires Campos Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático (conclusão) Ano Título Autor/es Instituição Material 98 2017 Circuito da ciência: aulas de campo na formação inicial de professor de química para debater as temáticas de sustentabilidade e cidadania Elvina Maria de Sousa Arruda, Sidnei Quezada Meireles Leite Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático 2017 Projeto escolar rede pesca: cidadania e educação profissional à luz dos estudos CTS/CTSA Victor Hugo da Silva Valério, Sidnei Quezada Meireles Leite Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático 2018 Conhecendo o Rio Pardo: guia didático para aulas de campo percorrendo o principal corpo hídrico de Ibatiba Ítalo Severo Sans Inglez, Antônio Donizetti Sgarbi Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático 2019 Dia de Pescador: guia didático para aulas de campo nas margens do rio Apodi Mossoró com ênfase na educação ambiental Luis Gomes de Moura Neto Marcos Antônio Ferreira Instituto Federal do Rio Grande do Norte Guia Didático 2019 Cartilha didática para aula de campo n sambaqui do rio Salinas Deovair Monteiro César, Carlos Roberto Pires Campos Instituto Federal do Espírito Santo Cartilha didática 2020 Uma aula de campo no Rio Formate para ensino de Botânica e Ecologia Ana Paula Dutra dos Santos Sampaio Carlos Roberto Pires Campos Instituto Federal do Espírito Santo Caderno pedagógi co 2021 Manual para aula de campo como projeto interdisciplinar na educação profissional e tecnológica Renato Rosário, Leandro Rafael Pinto Instituto Federal do Paraná Manual 2021 Promovendo Alfabetização Científica por meio de uma aula de campo no manguezal da UFES Felipe Schiavo Marques de Almeida Carlos Roberto Pires Campos Instituto Federal do Espírito Santo Guia Didático 2022 Risco geológico, conhecer para prevenir: uma aula de campo na Rampa do Urubu Aline Mattos de Souza Marques Carlos Roberto Pires Campos Instituto Federal do Espírito Santo Guia didático Fonte: Elaborado pela autora (2023) Entre os 14 produtos selecionados temos as seguintes tipologias: guia didático (11); cartilha para aula de campo (01); manual (01); caderno pedagógico (01). Dez dos produtos educacionais produzidos nos Institutos Federais dos Espírito Santo são guias didáticos. O guia didático é um dos diversos recursos de que o professor dispõe 99 em seu trabalho pedagógico e tem sua importância condicionada ao uso que o professor faz dele. Pode proporcionar muitas vantagens para o docente e para os discentes, favorecendo o trabalho pedagógico, porque possibilita o estabelecimento de articulações dos conhecimentos, incluindo conexões entre os saberes, os temas, os conceitos e os conteúdos construídos ao longo das atividades propostas. Nossa seleção apontou produtos educacionais utilizando os três momentos das aulas de campo, organizados pelos Institutos Federais, quais sejam: Instituto Federal do Espírito Santo (12), Instituto Federal do Paraná (1) e Instituto Federal do Rio Grande do Norte (01). Esse resultado sugere que as pesquisas utilizando a metodologia das aulas de campo nos programas de pós-graduação em mestrado profissional em ciências,na área de ensino (CAPES) tem pouca expressividade no Brasil, ficando mais centradas ao estado do Espírito Santo, no Instituto Federal. O momento campo das aulas de campo mapeadas foi realizado, em sua maioria, em rios com uma abordagem visando à sensibilização para a educação ambiental. Os outros PEs foram diversificados, com o momento campo sendo executado em um manguezal, parques estaduais, pontos turísticos da cidade e um sambaqui. O PE de Arruda e Leite (2017) teve como foco a formação de professores e a abordagem do PE de Valério e Leite (2017) foi Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente - CTS/CTSA. Cabe-nos agora responder à terceira pergunta do protocolo do MS. Os produtos educacionais desenvolvidos, no recorte temporal 2015-2022, sobre aulas de campo utilizando os três momentos (pré-campo, campo e pós-campo), estão alinhadas com a produção nacional e com o que está sendo proposto na tese de doutoramento? Nossos resultados sugerem que os produtos educacionais desenvolvidos no recorte temporal estabelecido no MS estão alinhados entre si e, em sua maioria, além da aprendizagem de conteúdos curriculares, têm seu foco em educação ambiental. Em relação a organização dos PEs, todos trazem alinhamento dos momentos das aulas de campo (pré-campo: apresentação do conteúdo, objetivos e história do local do campo); campo (consolidação da teoria e construção de novas aprendizagens); e pós- campo (fechamento das ideias, divulgação). No entanto, somente em dois dos produtos educacionais mapeados, encontramos atividades investigativas em aulas de 100 campo. Um guia didático de Sampaio e Campos (2020) e um caderno pedagógico de Marques e Campos (2022). Esses dois PEs são os que mais se aproximam da nossa proposta pelas características investigativas que empregam em aulas de campo. Encerrado o mapeamento dos produtos educacionais, acreditamos que esse MS possa contribuir para maior compreensão da produção nacional do período analisado que utilizou a temática, conscientes dos limites impostos pelo recorte determinado. Até aqui, o estudo apresentou o MS das referências localizadas no transcurso da pesquisa de revisão, evidenciando a carência de bibliografias e/ou títulos que focalizassem as atividades investigativas ou o ensino de ciências por investigação em movimento em aulas de campo. Nossa intenção, ao realizar essa busca por obras que pudessem dialogar com a proposta da pesquisa em desenvolvimento, foi tentar relacionar a temática ao material já produzido e ressaltar a inovação que trazemos a público, qual seja, aproximar o ensino de ciências por investigação com a metodologia das aulas de campo. Esse desafio nos permitiu empreender um estudo diferenciado e renovado, vez que as referidas instâncias tangenciadas são pouco exploradas. Isto posto, no próximo capítulo, nos dedicaremos a discorrer sobre aspectos teóricos e metodológicos da proposta didática. 101 4 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PROPOSTA DIDÁTICA Os aportes teóricos e metodológicos da proposta didática compõem este capítulo. Abordamos a importância do planejamento das aulas de campo. A necessidade das etapas de preparação de uma aula de campo, pensada como uma intervenção pedagógica com intencionalidade educativa. Razão pelo qual o planejamento pedagógico da aula de campo deve ocorrer em três momentos, o pré-campo (preparação), o campo (realização) e o pós-campo (resultados). Também abordamos a sequência de ensino investigativa (SEI), com os tipos de problemas que podem ser utilizados (experimental e não experimental) e o papel do professor no desenvolvimento de uma SEI. Destacamos os indicadores de AC organizados em três grupos, conforme Sasseron e Carvalho (2008; 2011), os quais representam um arcabouço de ações que os alunos devem praticar em face a resolução de um problema. Neste mesmo capítulo, exploramos a temática ecologia por se tratar do conteúdo curricular explorado nas atividades investigativas em aula de campo. Para tal, situamos a história da biologia como ciência, visto que a ecologia é um ramo da biologia. Discorremos acerca do reconhecimento da ecologia baseada em observação e comparação como ciência, até a aceitação da correlação entre os fenômenos naturais. Por fim, abordamos a ecologia na educação básica e seus desdobramentos. 4.1 MOMENTOS DA METODOLOGIA DAS AULAS DE CAMPO Ao planejar e executar uma aula de campo, o educador deve estar preparado para as investigações que poderão surgir a partir da intervenção no ambiente, as quais, muitas vezes não estão explícitas. O tempo geológico, a evolução biológica dos seres presentes, a história contada pelos moradores locais, entre outros fatores com potencial para serem abordados em uma aula de campo, a partir do conhecimento do espaço em que aula ocorrerá, são exemplos dessas abordagens. Pessoa e Braga (2010) apontam que a primeira perspectiva cativante da aula de campo reside no fato de ela possibilitar aos educandos uma imersão autêntica naquilo que se está estudando. No caso deste estudo, os fatores bióticos e abióticos do 102 espaço, as relações ecológicas entre os seres vivos, as etapas de sucessão ecológica, os tipos de solo existentes no local, entre outros elementos presentes com potencial para contribuir para aprendizagem de ecologia. No entanto, também existem dificuldades para a realização de uma aula de campo. Viveiro e Diniz (2009) expõem a existência de inúmeros obstáculos que podem limitar o uso pedagógico de uma aula de campo, como as dificuldades burocráticas e financeiros (realidade da maioria das escolas públicas), bem como a falta de tempo para o planejamento adequado da aula e o preconceito dos outros professores em relação a esta metodologia pedagógica. Talvez em virtude desses obstáculos, as aulas de campo são pouco utilizadas nas escolas. Na visão de Seniciato e Cavassan (2008), as aulas de campo não devem ser tratadas como passeio, mas como uma atividade instrucional, na qual o aluno terá dificuldade em formular conceitos, caso não ocorra a colaboração de um professor facilitador para a integração dos conteúdos e da formulação de hipóteses. O professor deve planejar a aula de campo com antecedência, ter seus objetivos bem definidos e conhecer bem o local onde ocorrerá a ação, para conseguir atuar como facilitador da integração dos conteúdos e da formulação de hipóteses. O planejamento é essencial em uma aula de campo, nessa perspectiva Viveiro e Diniz (2009, p. 4) pontuam que Por isso, é importante salientar que um trabalho de campo compreende não só a saída propriamente dita, mas as fases de planejamento (incluindo a viabilidade da saída, os custos envolvidos, o tempo necessário, a elaboração e a discussão do roteiro, a autorização junto aos responsáveis pelos alunos, entre outros aspectos), execução (a saída a campo), exploração dos resultados (importante para retomar os conteúdos, discutir as observações, organizar e analisar os dados coletados) e avaliação (verificando, por exemplo, se os objetivos foram atingidos ou mesmo superados, quais aspectos foram falhos, a percepção dos alunos sobre a atividade) (Viveiro; Diniz, 2009, p. 4). Orion (1993) propõe um modelo organizacional para trabalhos de campo divididos em três etapas (pré-viagem; viagem de campo; pós-viagem). A pré-viagem, para o autor, deve ser relativamente curta e com desenvolvimento de atividades que possibilitem ao aluno obter informações detalhadas acerca da saída de campo, bem como 103 atividades que reduzam tensões e inseguranças sobre o campo. A viagem a campo é central para o modelo; conjuntamente com a pré-viagem, age como suporte para níveis mais abstratos de aprendizagem. Nesta fase as atividades são orientadas visando o processo como um todo. Na fase da pós-viagem, os conceitos mais abstratos e as questõesque necessitam ser retomadas da viagem de campo devem ser abordados de forma articulada. Ao discorrerem sobre o planejamento das aulas de campo, Rodrigues e Otaviano (2001) também apontam três etapas; a “preparação”, a “realização” e a “resultados/avaliação”. Corrêa Filho (2015), entendem que a aula de campo deve ser planejada em três momentos e, sugere os termos “planejamento”, “operacionalização” e “socialização/verificação da aprendizagem”. Silva et al. (2015) utilizam as expressões “pré-campo”, “campo” e “pós-campo”, inicialmente propostas no estudo de Campos (2012), terminologia adotada nesta pesquisa. Campos (2012) orienta para a necessidade das etapas de preparação de uma aula de campo, pensada como uma intervenção pedagógica com intencionalidade educativa. Razão pelo qual o planejamento pedagógico da aula de campo deve ocorrer em três momentos, o pré-campo, o campo e o pós-campo. O pré-campo é a etapa em que a aula de campo se inicia. É o momento da preparação, do planejamento do momento campo, essencial para a sua realização, visto que é nessa etapa que o educador organiza a parte estrutural da saída, também é nesse momento que o estudante começa a ter contato com o objeto de estudo. Nesse momento, os estudantes são orientados sobre a organização da saída, como roupas e calçados apropriados, embarque, desembarque e outros cuidados não menos importantes (Campos, 2012). Também é nesse momento que o professor trabalha conceitos e teorias para o desenvolvimento dos processos de aprendizagem dos conteúdos. Para Seniciato e Cavassan (2004), é essencial a inserção de momentos teóricos no planejamento de uma aula de campo, para embasar os estudos práticos e facilitar a aprendizagem dos conhecimentos científicos. Autores como Falcão e Pereira (2009) destacam a teoria como norteadora do objetivo da aula de campo e cooperadora na 104 inserção dos alunos no cenário investigativo. Por isso, o professor deve conhecer bem o local da aula de campo, a partir do quê, seleciona os conteúdos teóricos a serem trabalhados no momento pré-campo, para depois serem consolidados nos outros momentos da aula de campo. No momento denominado campo, os estudantes estão empolgados e dispersos. Assim, o professor necessita assumir uma postura problematizadora para instigar os alunos a discussões de ideias. O estudante necessita entender que as teorias assumem um papel muito importante na prática, sem as quais seria difícil compreender a realidade (Silva et al., 2010). No trabalho de campo, os primeiros passos vão ser sempre os mais difíceis, pois o aluno não consegue ainda enxergar a teoria e prática dialeticamente. O aluno já pensa o roteiro e dele começa a indagar sobre o que está observando, logo deixa de ser observador e passa a ser investigador, tendo uma visão crítica, pois está relacionando a prática com a teoria já mostrada pelo professor anteriormente (Silva et al., 2010, p. 191-192). Nesse momento, os estudantes se apropriam do lugar a ser investigado, podendo vislumbrar a continuação do aprendizado iniciado na escola, vivenciando outra realidade, como também o estabelecimento de uma relação sinestésica que facilite a (re) elaboração do saber científico e valorize os processos de ensino-aprendizagem democráticos e participativos que podem vir a estimular o docente na adoção, em sua prática educativa, das aulas de campo (Campos, 2015, p. 18). O campo necessita ser planejado, a fim de que não se torne apenas uma saída da escola, uma excursão turística. Deve ser visto pelos estudantes como um momento de aprendizado, de curiosidade e discussão de ideias. Em campo os alunos se sentem estimulados, vivenciam a teoria aprendida no momento pré-campo, a qual ganha sentido e passa a ditar a interação dos estudantes com o ambiente. A interdisciplinaridade é favorecida em campo e novos saberes são construídos, rompendo paradigmas. O aluno se conecta com novos saberes e, sem perceber, se conecta aos conteúdos curriculares previstos para a aula, porque aprende de modo mais criativo. Além disso, a formação básica para o mundo do trabalho e prática social, como prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), também é estimulada em uma aula de campo, especialmente no momento do campo, porque 105 trabalha mais do que conhecimentos compartimentalizados. Nesse sentido, o momento campo também é um local de relações interpessoais, com o fortalecimento do trabalho em grupo, integração entre docente e discentes, vez que a intervenções que o professor faz durante a aula privilegiam a interação (Falcão; Pereira, 2009). No momento pós-campo, é realizada a sistematização dos conhecimentos, a socialização dos resultados e a avaliação de todo o trabalho realizado nos dois momentos anteriores. Para Campos e Oliveira (2005), o retorno do campo evidencia os avanços alcançados no processo de aprendizagem dos conhecimentos científicos. Os alunos relacionam as observações do campo ao conteúdo aprendido no decorrer do pré-campo e do campo. Corrêa Filho (2015) recomenda que esse momento privilegie a socialização dos conhecimentos, a verificação do conhecimento aprendido e a realização de seminários. Rodrigues e Otaviano (2001) recomendam atividades como relatos, trabalhos com os registros do campo, croquis, trabalhos em grupos, teatros, produções de vídeos, relatórios etc. Souza (2019) acredita que o momento pós-campo gera a possibilidade de realização de diversas atividades interdisciplinares e elabora um quadro com um resumo dos três momentos de uma aula de campo (Quadro 10). Quadro 10– Características dos três momentos das aulas de campo Pré-campo (preparação) Primeiro contato com o objeto de estudo, é apresentado ao aluno uma representação da realidade, quando a curiosidade é estimulada. Campo (realização) Ida dos alunos ao local planejado. O aluno deixa de ser observador e passa a ser investigador e a relacionar a prática com a teoria. Pós-campo (resultados) Etapa na qual serão analisados os dados e as informações obtidas no campo. Apresentação de um relatório do campo, formação de rodas de debates socioambientais, exposições de fotos, croquis, mapas, maquetes, produção de vídeos e documentários etc. Fonte: Souza (2019, p. 64) Como apresentado no Quadro 10, as aulas de campo integram teoria e prática, estão relacionadas à compreensão dos conhecimentos científicos, promovem o desenvolvimento do raciocínio lógico e suscitam a capacidade de aprender dos 106 estudantes. Com todas essas características descritas para essa metodologia, a integração de uma SEI nos três momentos da aula de campo pode ser favorecida. 4.2 SEQUÊNCIA DE ENSINO INVESTIGATIVA (SEI) De acordo com Capecchi (2013) e Scarpa e Silva (2013), historicamente o ensino de ciências centra-se no acúmulo de informações e no desenvolvimento de habilidades restritas ao campo operacional, em um contexto cujas atividades educacionais são ancoradas no raciocínio, com leis e símbolos voltados para a resolução de problemas bem definidos. Junto com tal prática vem a dificuldade de compreensão das inúmeras linguagens na construção dos conceitos científicos (Capecchi, 2013; Scarpa; Silva, 2013). A construção de sequência didática investigativa utilizando o ensino de ciências por investigação e a Alfabetização Científica podem contribuir para a superação das dificuldades supracitadas (Motokane, 2015; Munford; Lima, 2007). Antes de nos aprofundarmos na sequência de ensino investigativa (SEI), é importante trazer conceitos acerca de sequências didáticas baseadas em autores como Zabala (1998) e Dolz; Noverraz; Schneuwlym (2004). Na visão de Zabala (1998, p. 18), uma sequência didática pode ser vista como “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivoseducacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos, tanto pelo professor como pelos alunos” (Zabala, 1998, p. 18). Sequência didática, compreende “[...] um conjunto de atividades articuladas que são planejadas com a intenção de atingir determinado objetivo didático [...]” (Dolz; Noverraz; Schneuwlym, 2004, p. 97). Os autores acrescentam que a escolha do modelo que o docente vai adotar, relaciona-se diretamente com os objetivos que se pretende alcançar; considerando a necessidade do estudante, seja qual for o modelo escolhido. Em uma perspectiva sócio-histórica, a sequência de atividades contempla objetivos e necessidades que estão ancoradas em alguns princípios didáticos, quais sejam: a) a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, b) ensino com foco na problematização, c) ensino reflexivo com ênfase na explicitação verbal, d) ensino centrado na interação e na sistematização dos saberes, e) utilização de atividades 107 diversas, desafiadoras e com possibilidade de avanço, das mais simples para as mais complexas (Dolz; Noverraz; Schneuwlym, 2004). Endossando Zabala (1998) e Dolz, Noverraz e Schneuwlym (2004) e, aproximando ao ensino de ciências, Sedano; Oliveira e Sasseron (2010) afirmam que as sequências didáticas investigativas podem promover um contexto no qual os estudantes discutem e trabalham temas científicos utilizando ferramentas culturais, como a experimentação e a pesquisa. Tais contextos são inerentes às comunidades científicas. Acreditamos que as sequências didáticas investigativas podem aproximar os estudantes da metodologia científica, estreitando a distância entre o ensino de ciências da educação básica com o conhecimento científico. Desta maneira, a aprendizagem em ciências deve considerar situações cotidianas no qual os alunos consigam observar e contextualizar. A partir das situações observadas, por meio de um problema de investigação, ocorre um confrontamento entre tais situações e a teoria, gerando múltiplas aprendizagens, bem como a aproximação do conhecimento científico. Dentro das possibilidades de desenvolvimento de sequências didáticas investigativas, optamos pela sequência de ensino investigativa (SEI), abordada por Carvalho (2013), objetivando discutir as atividades investigativas utilizando o ensino de ciências por investigação, em uma aula de campo. Tal abordagem de ensino pode ser uma possibilidade de amplificação da cultura científica do aluno, aproximando-o da linguagem científica, consequentemente favorecendo a promoção da Alfabetização Científica (Carvalho, 2013). O Objetivo principal na proposição de uma SEI, segundo Sasseron (2015) é proporcionar a realização da investigação em aulas que, a priori são reconhecidas como distantes daquelas investigativas e, inúmeras vezes dissociadas da investigação. “Ao trabalhar na implementação da SEI, o professor precisa garantir que tanto a atividade experimental quanto a leitura de textos, por exemplo, sejam igualmente investigativas, ou seja, tenham por trás um problema claro que precise ser resolvido” (Sasseron, 2015, p. 59). A autora descreve uma sequência de ensino investigativa como “o encadeamento de atividades e aulas em que um tema é 108 colocado em investigação e as relações entre esse tema, conceitos, práticas e relações com outras esferas sociais e de conhecimento possam ser trabalhados” (Sasseron, 2015, p. 59). Partindo do pressuposto do ensino de ciências por investigação, Carvalho (2013) propõe sequências de ensino investigativas (SEIs) construídas do ponto de vista material e didático, com intuito de promover condições ao estudante para que, a partir dos seus conhecimentos prévios, construa novos conhecimentos, bem como tenha suas próprias ideias para discuti-las com seus pares e com o professor. As SEIs, diante do exposto por Carvalho (2013), devem ser compostas por momentos contemplativos, manipulativos, de questionamento, de teste de hipóteses, de troca de informações entre pares e entre professor, finalizando com a sistematização do conhecimento. A autora ainda propõe que uma atividade avaliativa deva ser aplicada ao término de cada ciclo que integram uma SEI. Carvalho (2013) também discute questão relativas à problematização na construção de uma SEI, por ocorrer vários tipos de problemas em sua organização. Segunda a autora, o que mais agrada o aluno é o problema experimental, entretanto, muitos experimentos podem ser perigosos para os estudantes durante a manipulação, caso em que o professor deve realizar o experimento que passa a ser uma demonstração investigativa. Outras vezes o problema pode ser proposto de modo diferenciado com utilização de imagens de jornal ou da internet, textos ou mesmo ideias que os estudantes já apresentam domínio, intitulados problemas não experimentais (Carvalho, 2013). Não importa o tipo de problema escolhido, desde que se sigam as etapas que possibilitem aos alunos levantar e testar suas hipóteses, com vistas a “passar da ação manipulada à intelectual, estruturando seu pensamento e apresentando argumentações discutidas com os colegas e com o professor” (Carvalho, 2013, p.10). Voltemos nosso olhar para o papel do professor no desenvolvimento de uma SEI. Sasseron (2013) discorre sobre a possibilidade de diferentes maneiras de se investigar cientificamente e a ligação entre o modo e as circunstâncias como ela ocorre, bem como se as particularidades do que está sendo investigado estão intimamente ligadas. Porém, a autora defende que toda investigação científica 109 compreende um “problema, o trabalho com dados, informações e conhecimentos já existentes; o levantamento e o teste de hipóteses, o reconhecimento de variáveis e o controle destas, o estabelecimento de relação entre as informações e a construção de uma explicação” (p. 43). A autora completa defendendo que as etapas supracitadas podem ser trabalhadas em sala de aula, independentemente de a aula ser experimental ou não. Desta maneira, para Sasseron (2013), tanto a leitura de um texto como uma aula em laboratório pode ser investigativa, desde que tenha um problema passível de solução, bem como condições para a sua resolução. Em uma investigação inúmeras relações acontecem conjuntamente, tais inter- relações podem ocorrer entre pessoas, entre pessoas e conhecimentos prévios ou entre pessoas e objetos, sendo todos considerados essenciais para do desenvolvimento da investigação (Sasseron, 2013). Trazendo para a sala de aula, a autora, entende que no planejamento da investigação o professor deve considerar os materiais a serem utilizados pelos alunos, os conhecimentos prévios indispensáveis para a discussão, os problemas que conduzirão a investigação e o desenvolvimento da SEI, contando com a participação dos alunos na sua realização e na participação das discussões. A realização de uma atividade investigativa requer que o professor realize ações que encorajem o estudante a passar pelos planejamentos citados por Sasseron (2013). Tais práticas devem encorajar os estudantes a interagirem com seus colegas e com as ferramentas disponíveis, valorizando as ações dos companheiros e conseguindo argumentar à luz da teoria. Para Sasseron (2013) o debate entre os alunos durante o desenvolvimento de uma SEI, pode promover a organização do conhecimento científico, devendo ser mediado pelo professor com o devido cuidado para a discussão não se tornar trivial. No entender da autora, para isso ocorrer o objetivo da atividade deve estar definido e bem entendido pelo professor a fim de que durante a condução ele faça perguntas, apresente problemas e indague sobre as falas e as informações trazidas pelos alunos, tendo como foco a investigação. Para Sasseron (2013), essa tarefa não é fácil, o professor necessita saber perguntar e saber ouvir, porque boas perguntas precisam de conhecimentodo tema, bem como de sensibilidade para ouvir o que os alunos argumentam, haja vista que muitas informações oriundas do debate necessitam ser 110 esmiuçadas, destacando-as ou confrontando-as ou ainda requisitando um aprofundamento. A divulgação de ideias faz parte da cultura científica, de acordo com Sasseron (2013). Trazendo para o contexto da sala de aula, para a autora, essa divulgação de ideias pode ser as interações discursivas, mas também pode ser explorada a comunicação escrita, tendo inúmeras maneiras de registrar as ideias dos estudantes, quais sejam: relatórios descritivos obedecendo passos estabelecidos pelo professor ou um simples relato contando sua experiência, sendo a última mais adequada para o desenvolvimento de uma SEI. Sasseron expõe que os alunos podem realizar registros gráficos a fim de organizarem os dados, conciliar informações ou apresentar aos demais o trabalho realizado. De posso desses dados o professor os utiliza para mediar as discussões e avaliá-las. Assim, segundo autora, tais registros podem ser úteis para o professor acompanhar o desenvolvimento dos alunos durante o transcurso da atividade. Além de auxiliar na condução da SEI, a organização de dados realizada pelos alunos proposta pela autora, pode auxiliar-nos na identificação dos indicadores de Alfabetização Científica e na verificação se os argumentos escritos apresentam articulação com a metodologia utilizada. A sala de aula não é um espaço simples e homogêneo, ele comporta pessoas diferentes com diferentes experiências de vida, logo tais experiências podem (pensando em ciências) servir de fontes para estudos, por meio de problemas que possam ser resolvidos, caso contrário a investigação não ocorre (Sasseron, 2013). Para a autora, durante a investigação o professor deve proporcionar condições para que a argumentação aconteça, ficando atento para a organização e análise dos dados produzidos pelos estudantes. A partir dessa análise, questione de tal maneira que possa ser crível interpretar as falas e escritos realizados pelos alunos, e, a partir dessas observações contrapor situações (Sasseron, 2013). Nessa perspectiva, Sasseron (2013) reconhece a existência de duas categorias cujas ações dos professores facilitam o ambiente de argumentação em sala de aula, quais sejam: os propósitos pedagógicos e os propósitos epistemológicos. Os propósitos pedagógicos (Quadro 11) referem-se àquelas ações as quais o professor em sala de aula favorece o desenvolvimento no espaço/tempo de uma aula. 111 Quadro 11 – Propósitos e ações pedagógicas do professor para favorecer a argumentação PROPÓSITOS PEDAGÓGICOS DO PROFESSOR AÇÕES PEDAGÓGICAS DO PROFESSOR Planejamento da atividade Definição dos objetivos, organização de materiais necessários à preparação do cronograma Organização para a atividade Divisão de grupos e/ou tarefas, organização do espaço, distribuição de materiais, limite de tempo Ações disciplinares Proposição clara das atividades e das ações a serem realizadas, atenção ao trabalho dos alunos, ações disciplinares Motivação Estímulo à participação, acolhida das ideias dos alunos Fonte: Sasseron (2013, p.48) O outro ponto abordado por Sasseron (2013) acerca das ações do professor para fortalecer a argumentação em sala de aula são os propósitos epistemológicos relacionados à construção do argumento científico. Nessas ações, algumas etapas da metodologia da investigação são evidenciadas. No Quadro 12 alguns propósitos e ações epistemológicas do professor para favorecer a argumentação são apresentados. Quadro 12 – Propósitos e ações epistemológicas do professor para favorecer a argumentação PROPÓSITOS EPISTEMOLÓGICOS DO PROFESSOR AÇÕES PEDAGÓGICAS DO PROFESSOR Retomada de ideias Referência a ideias previamente trabalhadas e/ou experiências prévias dos alunos Proposição de um problema Problematização de uma situação Teste de ideias Reconhecimento e teste de hipóteses Delimitação de condições Descrição, nomeação e caracterização do fenômeno e/ou de objetos Avaliação de ideias Estabelecimentos de justificativas e refutações Fonte: Sasseron (2013, p. 50) 112 Sasseron (2013) retoma cada 7propósito epistemológico detalhando-os. Retomada de ideias – é o levantamento do que os alunos já sabem visando a alicerçar as discussões. O professor organiza as informações a partir dos dados levantados, tendo ciência acerca dos dados disponíveis. Por isso esse propósito é muito importante. Proposição de um problema – a apresentação do problema serve de ponto de partida para a investigação. Quando necessário visando resultados mais consolidados na argumentação em construção, por isso o professor pode realizar outras perguntas relacionadas à situação-problema. Teste de ideias - Além de estar associado ao problema proposto, também é um estímulo para os alunos testarem as ideias que apresentaram para a resolução do problema. O teste de ideias pode ser empírico ou hipotético. Delimitação de condições – É o ato de descrever e nomear a ações realizadas e seus efeitos. A importância nesse propósito reside no fato de que as ações precisam ser construídas e reconstruídas mentalmente, favorecendo o reconhecimento das condições que permeiam o fenômeno. Avaliação de ideias – Depois de correlacionar as variáveis, a análise das condições- limite em que algumas reações poderiam ocorrer como consequência de certas ações se torna possível para avaliar o que foi proposto. Essa avaliação auxilia o estabelecimento de corroborações e refutações para a explicação dada. Finalizamos essa seção, apontando para o fato de que as sequências de atividades privilegiam a contextualização quando os alunos são estimulados a construir conhecimento por meio de argumentações a partir de situações problemas e desafios do cotidiano. Com isso, é possível potencializar o desenvolvimento de suas habilidades, configurando-se como uma via plausível para o ensino de ciências no 7 Sasseron (2018, 2021) propôs e avançou em discussões acerca de práticas epistémicas e práticas científicas a partir das ideias elencadas no Quadro 11. Não abordarmos tais temáticas, vez que nosso foco foi a proposição da SEI. 113 contexto da Alfabetização Científica. No contexto da AC, discorreremos sobre os indicadores propostos por Sasseron e Carvalho. 4.3 INDICADORES DE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA Um cidadão atuante no mundo é aquele que consegue perceber o que está acontecendo, é aquele que consegue estabelecer relações, que consegue pensar em uma boa estratégia de solução para um problema, é aquele que consegue compartilhar com as outras pessoas o seu ponto de vista, que escuta outros pontos de vista e reformula o que pensa. Partindo desse pressuposto, Sasseron e Carvalho (2008) veem a necessidade de se criarem oportunidades para que os estudantes compreendam as informações que recebem acerca de conteúdos relacionados à ciência, à tecnologia e como eles se conectam com a sociedade e com o meio ambiente. De posse desse aprendizado, para as autoras, os alunos serão capazes de argumentar sobre tais informações, refletirem sobre os impactos da informação e do significado para a sociedade e para o meio ambiente, tendo condições para opinar criticamente acerca do tema. Esses estudantes alfabetizados cientificamente, fundamentados em conhecimentos científicos, poderão entender como a ciência e os avanços da tecnologia ocorrem. Na visão de Sasseron e Carvalho (2008), existem vários estudos antigos relacionados ao ensino de ciências que trazem reflexões sobre as aulas de ciências promoverem a Alfabetização Científica nos alunos. As autoras afirmam que a definição de Alfabetização Científica é controversa, então lançam a seguinte pergunta: O que significaria, pois, promover a Alfabetização Científica entre os alunos da escolabásica? Para responder, as autoras se basearam nos estudos de Laugksch (2000) que realizou um levantamento da literatura publicada em língua inglesa, sobre o conceito de Alfabetização Científica e, a partir daí, identificaram pontos comuns entre as inúmeras definições levantadas por Laugksch. Entre os pontos comuns, Sasseron e Carvalho (2008) destacam três itens mencionados para Alfabetização Científica, que mais apareceram nos estudos de Laugksch (2000), as autoras denominaram esses itens de eixos estruturantes da Alfabetização Científica, porque servem de base na concepção, planejamento e 114 reflexões das propostas de ensino de ciências que priorizem a Alfabetização Científica. “Ainda que os três eixos estruturantes eixos estruturantes possam não se fazer presentes em todas as aulas, é necessário que eles sejam equitativamente considerados ao longo do desenvolvimento de um tema” (Sasseron, 2015). Os três eixos estruturantes apresentados por Sasseron e Carvalho (2013) estão contidos no Quadro 13. Quadro 13 – Eixos estruturantes da Alfabetização Científica e sua importância EIXO IMPORTÂNCIA 1. Compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais. Necessidade exigida em nossa sociedade de se compreenderem conceitos-chave como forma de poder entender até mesmo pequenas informações e situações do dia a dia. 2. Compreensão da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática. Em nosso cotidiano, sempre nos defrontamos com informações e conjunto de novas circunstâncias que nos exigem reflexões e análises considerando-se o contexto antes de proceder. Deste modo, tendo em mente a forma como as investigações científicas são realizadas, podemos encontrar subsídios para o exame de problemas do dia a dia que envolvam conceitos científicos ou conhecimentos advindos deles. 3. Entendimento das relações existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e meio-ambiente. Perpassa pelo reconhecimento de que quase todo fato da vida de alguém tem sido influenciado, de alguma maneira, pelas ciências e tecnologias. Neste sentido, mostra-se fundamental de ser trabalhado quando temos em mente o desejo de um futuro saudável e sustentável para a sociedade e o planeta. Fonte: Sasseron; Carvalho (2008, p. 335), adaptado pela autora Para Scarpa et al. (2017): os três eixos estruturantes podem ser considerados como marcos para o planejamento de cursos e aulas, e considerar os objetivos do ensino de ciências como compreensão dos três eixos estruturantes da AC implica em ampliar e aprofundar a visão dos estudantes sobre o que é a ciência e o seu 115 papel na sociedade, contribuindo para a construção de raciocínio, de conhecimento e de tomada de posição (Scarpa et al., 2017, p. 13). Sasseron e Carvalho (2008; 2011) defendem que, para começar um processo de Alfabetização Científica, é necessário que os alunos se familiarizem com o conhecimento de habilidades fundamentados no trabalho do cientista. Essas habilidades devem auxiliar as observações e as análises do professor em relação ao que ocorre em sala de aula, a fim de entender como o aluno enfrenta e comporta-se frente a algum problema encontrado durante as discussões. Uma maneira de observar de que modo os conceitos e os elementos do trabalho científico são desenvolvidos em sala de aula é por meio da busca de indicadores da AC, que representam ações e habilidades utilizadas durante a resolução de um problema (Sasseron; Carvalho, 2011). Os indicadores têm como finalidade aferir certas competências a serem levadas em consideração quando se pretende trabalhar a construção processual da Alfabetização Científica com os estudantes (Sasseron; Carvalho, 2008). Trata-se de habilidades vinculadas à construção de entendimento sobre temas das ciências que podem estar em processo em sala de aula e evidenciam o papel ativo dos estudantes na busca pelo entendimento dos temas curriculares das ciências (Sasseron, 2015). Sasseron e Carvalho (2008) apontam os indicadores como algumas competências inerentes à ciência, quais sejam: competências comuns desenvolvidas e utilizadas para a resolução, discussão e divulgação de problemas em qualquer área da ciência quando ocorre a busca por relações entre o que se vê do problema investigado e as construções mentais que levem ao seu entendimento. Para ensinar ciências, é necessário a utilização de atividades investigativas nas quais os estudantes atuem como pesquisadores. Os indicadores de Alfabetização Científica foram organizados em três grupos, por Sasseron e Carvalho (2008; 2011), os quais representam um arcabouço de ações que os alunos devem praticar em face da resolução de um problema. A organização dos indicadores de Alfabetização Científica com suas respectivas ações e/ou descrições estão representados nos Quadros 14, 15 e 16, aqui nomeadas como dados obtidos, organização do pensamento e Compreensão da situação analisada. 116 Quadro 14 – Dados obtidos: Indicadores que se relacionam especificamente ao trabalho com os dados obtidos em uma investigação GRUPO A DESCRIÇÃO AÇÕES Seriação de informações Deve surgir quando se almeja o estabelecimento de bases para a ação. Ações desempenhadas nas tarefas de organizar, classificar e seriar estes dados Organização de informações Pode ser vislumbrado quando se busca mostrar um arranjo para informações novas ou já elencadas anteriormente. Pode surgir tanto no início da proposição de um tema quanto na retomada de uma questão. Ocorre nos momentos em que se discute sobre o modo como um trabalho foi realizado. Classificação de informações Ocorre quando se busca conferir hierarquia às informações obtidas. Constitui-se em um momento de ordenação dos elementos com os quais se está trabalhando procurando uma relação entre eles. Fonte: Sasseron; Carvalho (2008, p. 338), adaptado pela autora Os três indicadores citados no Grupo A são fundamentais quando existe um problema de investigação, por que são eles que irão fornecer as variáveis envolvidas no episódio, ainda que, nesse determinado momento, o trabalho com as variáveis não tenha como foco a busca das relações entre as variáveis e o episódio, nem entender como o episódio pode ter ocorrido da mesma maneira como observado (Sasseron; Carvalho, 2008). O Grupo B, de acordo com Sasseron e Carvalho (2008), abarca dimensões ligadas à estruturação do pensamento que talha as afirmações e os diálogos decorrentes no transcurso das aulas de ciências; também mostra formas de organização das ideias, fundamentais quando, a priori, pensa-se na construção de um raciocínio lógico e objetivo para as relações que conduzem o comportamento dos episódios naturais. 117 Quadro 15 – Organização do pensamento: Indicadores de Alfabetização Científica composto por raciocínio lógico e raciocínio proporcional GRUPO B AÇÕES Raciocínio lógico Compreende o modo como as ideias são desenvolvidas e apresentadas. Está diretamente relacionado à forma como o pensamento é exposto. Raciocínio proporcional Como o raciocínio lógico dá conta de mostrar como se estrutura o pensamento. A maneira como variáveis têm relações entre si, ilustrando a interdependência que pode existir entre elas. Fonte: Sasseron; Carvalho (2008, p. 338), adaptado pela autora No Grupo C, segundo Sasseron e Carvalho (2008), os indicadores de Alfabetização Científica devem aparecer nos processos finais das argumentações, vez que se configuram como o processamento das variáveis inerentes ao episódio e à procura por relações que consigam descrever as situações tanto daquele cenário quando de outros semelhantes. Quadro 16 – Compreensão da situação analisada: Indicadores de Alfabetização Científica composto por levantamento de hipótese, teste de hipótese,justificativa, previsão, explicação. (continua) GRUPO C DESCRIÇÃO AÇÕES Levantamento de hipóteses Aponta instantes em que são alçadas suposições acerca de certo tema. Pode surgir tanto da forma de uma afirmação ou como uma pergunta. Teste de hipóteses Concerne nas etapas em que se coloca à prova as suposições anteriormente levantadas. Pode ocorrer tanto diante da manipulação direta de objetos quanto no nível das ideias, quando o teste é feito por meio de atividades de pensamento baseadas em conhecimentos anteriores. Justificativa Aparece quando em uma afirmação qualquer proferida lança mão de uma garantia para o que é proposto. Previsão É explicitado quando se afirma uma ação e/ou fenômeno que sucede associado a certos acontecimentos. 118 (conclusão) GRUPO C DESCRIÇÃO AÇÕES Explicação Surge quando se busca relacionar informações e hipóteses já levantadas. Normalmente a explicação sucede uma justificativa para o problema, mas é possível encontrar explicações que não se recebem estas garantias. Mostram-se, pois, explicações ainda em fase de construção. Fonte: Sasseron; Carvalho (2008, p. 339), adaptado pela autora Sasseron e Carvalho (2008; 2011) ressaltam que a identificação de um indicador não anula a presença de outro; o que pode ocorrer é o oposto, por ocasião das discussões em sala de aula, onde os alunos estão envolvidos nas explicações fundamentando seus argumentos, é provável que outros indicadores de Alfabetização Científica se manifestem como argumento durante as discussões. Sasseron (2015) afirma que os indicadores de AC não devem ser tomados como um método que se espera implementar ou atingir e, portanto, não devem ser avaliados na perspectiva de ocorrência cronológica, pois representam, de modo mais específico, o envolvimento evidenciado ao longo de processos de discussão e resolução de problemas ligados às ciências e trabalhados em situações de ensino (Sasseron, 2015, p. 57). Diante do exposto, na visão de Scarpa et al. (2017), a Alfabetização Científica “não é uma habilidade, mas um conjunto delas; é uma atitude, uma maneira de se posicionar em sociedade com respeito a situações que envolvam as ciências” (p. 12). As autoras entendem que a Alfabetização Científica, deve ir além do ensino de termos científicos, não descartando a importância deles. Logo, devemos considerar que a AC não demanda em o indivíduo ter amplo domínio do conhecimento científico, mas um pouco de conhecimento necessário para avaliar as informações recebidas, bem como saber buscar informações necessárias para o entendimento de questões relacionadas a ciências e à tecnologia e posteriormente utilizar essas informações para se posicionar frente a um fato. Scarpa et al. (2017) concebem a possibilidade de a AC ser praticada além da sala de aula, em casa, em museus, em espaços não formais de educação, entre outros. Mas, e em sala de aula? é a pergunta que as autoras fazem e concluem expondo que no 119 espaço escolar, as aulas devem ser planejadas de modo a permitir que os alunos interajam em situações investigativas com problemas científicos que tenham potencial para a promoção ou iniciação do processo de Alfabetização Científica. Auler e Delizoicov (2001) também compreendem que para a prática da AC em sala de aula, o ambiente deve favorecer a busca da compreensão das relações existentes entre ciência, tecnologia e sociedade, a partir de situações problematizadoras sem perder de vista os acontecimentos que ocorrem no mundo. O ensino de ciências, no caso dessa pesquisa, o ensino de biologia, voltado para a Alfabetização Científica é fundamental em toda a educação básica, vez que ao explorar questões do cotidiano, problematizando-os, pode suscitar a curiosidade do estudante e no processo de realização das atividades propostas, ele dará um salto do senso comum para o pensar científico, favorecendo o processo de ensino- aprendizagem. Ensinar ciências utilizando a investigação e promovendo a Alfabetização Científica vai ao encontro das dez competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), especialmente as competências dois, cinco, sete e dez. Portanto, quando ensinamos ciências utilizando o cotidiano e problematizando estamos cumprindo o que prevê os documentos que norteiam a educação básica no Brasil. As competências gerais da BNCC têm inter-relação e desdobramentos no diálogo didático proposto para toda a educação básica (Infantil, fundamental e médio) vinculando-se à construção de conhecimentos, ao desenvolvimento de habilidades e à constituição de ações e valores, de acordo com a Lei diretrizes e bases da educação nacional – LDB. Desta maneira, o ensino de ciências baseando-se, principalmente nas competências dois, cinco, sete e dez da BNCC deve promover ao estudante a possibilidade de compreender o mundo para ser um sujeito ativo e capaz de aplicar seu conhecimento no cotidiano. Se isso ocorrer, ele foi alfabetizado cientificamente. As competências citadas estão transcritas a seguir. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 120 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (Brasil, 2017, p. 553). Para isso ocorrer, na visão de Auler e Delizoicov (2001), o ensino superficial e descontextualizado deve ser abandonado e em seu lugar deve entrar um ensino que favoreça a construção de conhecimentos, por meio de situações-problema, de estudo de assuntos que envolvam o entorno no qual o aluno está inserido. Assim, entendemos que, quando a aprendizagem faz sentido para o aluno, e nesse processo, ele se sinta parte integrante, buscando responder os problemas propostos a Alfabetização Científica está sendo favorecida. Partindo do pressuposto da construção do conhecimento por meio de situações problema para o ensino de ciências com vistas a promoção da AC, abordaremos na próxima seção a temática das atividades desenvolvidas na proposta didática desenvolvida nesta pesquisa, denominada SAIAC. 4.4 ECOLOGIA COMO CIÊNCIA E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO BÁSICA No século IV a.C. Aristóteles contribuiu sobremaneira para a biologia, de modo particular para a metodologia e seus princípios (Mayr, 2005). Mesmo com algumas descobertas interessantes realizadas no período helênico e por Galeno e sua escola "a biologia permaneceu mais ou menos adormecida até o século XVI”, quando algumas contribuições surgiram em dois campos distintos: As escolas de medicina a partir do século XVI, obtiveram avanços no campo da anatomia, embriologia e fisiologia; enquanto no campo da história natural avançavam estudos com teólogos naturais como Ray, Derham e Paley, com naturalistas como Buffon e Lineu e muitos outrosestudos com naturalistas leigos (Mayr, 2005, p. 32). 121 Antes de discorrer sobre ecologia, voltemos nosso olhar para a história da biologia como ciência, visto que a ecologia é um ramo da biologia. Nesse sentido, de acordo com Mayr (2005), a partir do século XVI, a revolução científica trouxe consigo o surgimento de inúmeras ciências, entre as quais as ciências históricas como a cosmologia e a geologia, bem como outros campos incluídos nas humanidades, como a psicologia, a antropologia, a linguística e a história. Posteriormente, ais acontecimentos contribuiriam para o estabelecimento biologia. Nos séculos XVII e XVIII os estudiosos das escolas médicas e os historiadores naturais, “assentaram ativamente os fundamentos para a ciência da biologia” (Mayr, 2005, p. 32). A despeito disso, um campo específico da biologia não existia, tendo sido esquecido pelos filósofos e historiadores. Uma vez que Kant (1790), em sua Crítica do Juízo, teve pouco sucesso ao explicar fenômenos do mundo vivo com auxílio de leis e princípios newtonianos, ele resolveu seu dilema atribuindo processos biológicos à teologia. A maioria dos outros filósofos simplesmente ignorou a existência a biologia. Ciência é a física, diziam, categóricos. Em época mais recente os escritos de filósofos da ciência da Escola de Viena até Hempel e Nagel até Popper e Kuhn se baseavam nas ciências físicas e eram aplicáveis a elas. Quando C. P. Snow execrou o abismo entre a ciência e humanidade, ele na realidade descrevia o abismo entre as ciências físicas e as humanidades. A biologia não foi mencionada em parte alguma de suas discussões. Mesmo nos anos 1970 e 1980 vários filósofos (como Hull, 1964; Ruse, 1973; Sober, 1993) escreviam filosofias da biologia essencialmente baseadas no quadro conceitual das ciências físicas. Sem dúvida, sua formação provinha da lógica ou da matemática, não da biologia (Mayr, 2005, p. 33). Na visão de Mayr (2005), alguns autores abandonaram o domínio das ciências físicas, porque entenderam que esses esforços inflexíveis fisicalistas não seriam os fundamentos que correspondiam às particularidades da filosofia da biologia. “Mas sua solução não era ainda almejada porque invocava forças ocultas (vitalismo e teologia) e, embora, esses autores pressentissem que o vitalismo era uma abordagem inadequada, não conseguiram encontrar uma solução melhor” (Mayr, 2005, p. 33). O autor, nos anos de 1950, entendeu que uma abordagem da perspectiva da filosofia da biologia que tem por base essencialmente a matemática e a lógica, deixando de lado os conceitos específicos da biologia, não seria adequada. 122 Mayr (2005) reflete que, apesar do desenvolvimento da genética, do darwinismo (século XIX) e da biologia molecular, a biologia ainda era considerada uma ciência fisicalista, mesmo alguns filósofos entendendo que a mecânica, assim como todas as ciências pós-galileana, abarcava dois tipos de atributos. Para o autor, por ocasião do surgimento da filosofia da ciência, os pesquisadores entenderam que as ciências eram correspondentes no que tangia à filosofia e, como consequência, Galileu, Kant e outros filósofos empregaram a biologia sem mudança, uma filosofia apoiada na mecânica, mesma conduta utilizada em todas as ciências. Assim, passaram-se mais de duzentos anos para que a biologia fosse reconhecida (Mayr, 2005). Scarpa e Silva (2013) completam Mayr (2005) afirmando que mesmo a biologia sendo reconhecida como uma ciência autônoma somente no século passado; sua origem remete à antiguidade clássica, quando os filósofos gregos tentavam explicar os fenômenos biológicos à luz da medicina e da história natural; sendo que a metodologia utilizada para esses estudos eram a observação e a descrição. Para as autoras, a prática descritiva prevaleceu nas ciências biológicas por muito tempo. Considerando que, muitas vezes, os problemas biológicos não podem ser aferidos por meio de experimentos comparados e replicados em laboratório, a biologia foi relegada a segundo plano no campo da ciência por muito tempo. No entanto, para as autoras, há consenso entre os pesquisadores no que tange à importância da metodologia experimental em vários campos da biologia, em outros a observação e a comparação é fundamental para guarnecer hipóteses e respostas para muitos problemas. Apesar de a biologia ser reconhecida como uma ciência diferente das outras devido a suas particularidades, a ecologia baseada em observação e comparação é reconhecida como ciência, somente no século XX em meio a algumas controvérsias. Haeckel8 propôs a palavra ecologia em 1866 no livro Generelle Morphologie der Organismen9, momento em que passou a utilizá-la em suas obras. Adepto de uma visão una e harmoniosa do universo; Haeckel tanto institui as bases da ecologia 8 O alemão Ernst Haeckel (1834-1919) foi biólogo, naturalista, filósofo, médico e professor que ajudou a entender a evolução humana. Recebeu influências de grandes nomes, como Charles Darwin. Em 1866, publicou a obra “Morfologia geral dos organismos”, que acarretou a criação das disciplinas de Biogeografia e Ecologia. 9 Morfologia geral dos organismos: Princípios gerais da ciência da forma orgânica baseada mecanicamente na teoria da descendência reformada por Charles Darwin. No Brasil, a obra pode ser adquirida por meio da Editora Hansebooks, com reimpressão inalterada e de qualidade. 123 científica quanto do ecologismo, ou seja, o universo está em movimento de contradição, de comportamento e atuação, sugerindo “uma reforma política baseada no conhecimento científico das relações do homem com o mundo e no respeito fundamental da beleza e a ordem da natureza” (Deléage, 1993, p. 76). Apesar da definição postulada por Haeckel, na passagem do século XIX par o século XX, o desenvolvimento de métodos que viabilizassem o estudo das relações entre os seres vivos e o ambiente que os cerca ainda era insipiente. A produção científica sob influência darwiniana do final do século XIX ocasionou inúmeros trabalhos sobre os seres vivos com predominância na tradição Lineana (Santiago, 2012). No entanto, o caráter descritivo dos estudos não reforçava o funcionamento da comunidade biológica, relacionando seres vivos e ambiente; tal aprofundamento só ocorreu depois da primeira guerra mundial, por meio das práticas de controle biológico e das formulações matemáticas sobre as populações animais (Acot; Pozo, 1990). Segundo Jacobs (2003), os trabalhos sobre as populações animais pós Primeira Guerra focavam as relações predador/presa, daí a origem do uso da matemática na ecologia; Lotka e Volterra foram autores que se dedicaram a esses estudos, em um contexto que buscava, como na física, a relação entre hipóteses matemáticas e realidade experimental. As equações de Lotka-Volterra foram propostas independentemente. O matemático Vito Volterra, desenvolveu em 1925 o modelo de equações analisando o crescimento da população de tubarões e o decréscimo da população dos demais peixes em um mar da Itália; o biofísico Alfred J. Lotka, no mesmo ano, estudou a interação predador-caça e publicou um livro chamado "Elements of Physical Biology10" apresentando a mesma modelagem (Pinheiro, 2010). Com base nos estudos de Lotka e de Volterra (1925) e outros autores da Europa oriental, pesquisas em ecologia começaram a assemelhar-se às da física (Santiago, 2012). O autor acrescenta que, nesse cenário Georgy Frantsevich Gause (1934) biólogo e evolucionista russo, propôs o princípio da exclusão competitiva (princípio de Gause), preconizando que duas espécies não ocupam o mesmo nicho ecológico, em uma mesma região geográfica, fundamental para a ciência da ecologia 10 Obra disponibilizada pela Editora Frnklin Calssics Trade Press. 124 Depois de vários estudos em muitas direções, em meados de 1950, a ecologia se estabelece como a que conhecemosna atualidade; uma ciência complexa, ramificada e, por muitas vezes divergentes, em um emaranhado de ideias que permeia desde a hipótese de Gaia11 até a modelagem matemática multifatorial (Santiago, 2012). Na mesma época, multiplicam-se os institutos de pesquisa, cursos universitários de graduação e pós-graduação, bem como organizações não governamentais dedicadas às manifestações da ecologia. O estudo do habitat, definido por Haechel, ganha conceitos e ferramentas da cibernética, da genética, da matemática e da estatística, da química, da física, enfim, de inúmeras áreas da ciência, tornando-se um campo de conhecimentos altamente complexo (Santiago, 2012). Mediante a origem e interesses tão diversos, uma grande variedade de métodos e abordagens investigativas se desenvolveram dentro da ecologia (Spiegelberger; Starr, 2012). As primeiras pesquisas eram majoritariamente baseadas no monitoramento ambiental, com observações descritivas e/ou comparativas dos fenômenos naturais, por um longo período; posteriormente, experimentos foram incluídos na tentativa de determinar melhor os mecanismos causais responsáveis por alguns eventos observados e assegurar certas generalizações (Mcintosh, 1986). Com o aumento dos estudos, no século XX, surgiram novas abordagens envolvendo modelos estatísticos ainda mais comprometidos em prever e generalizar padrões ecológicos (Coudun et al., 2006). Segundo Wilson (1997), com o auxílio da tecnologia, essas metodologias continuaram se diversificando e aperfeiçoando, e esses avanços mostraram a preocupação dos ecólogos em caracterizar e prever o comportamento dos fenômenos estudados, traduzindo, de forma matemática, os seus mecanismos ocultos. Outra preocupação surgida entre os ecólogos no final do século XX, segundo Jacobs (2003) foi a relação entre ecologia e a sociedade. A autora traz como exemplo para essa preocupação, a obra de Odum “Ecologia: uma ponte entre ciência e sociedade”, publicada em 1996. Jacobs enfatiza que essa consideração do todo começou a ganhar força na segunda metade do século XX, sendo influenciado pelo desenvolvimento da tecnologia que auxiliou na visualização do todo que envolve o planeta Terra. Os problemas ambientais por consequência da ação humana passam 11 Propõe que a biosfera e os componentes físicos da Terra são integrados, formando um complexo sistema interrelacionado que mantém as condições climáticas e biogeoquímicas em homeostase. 125 a ser pensados como problemas de pesquisa para os ecólogos; em decorrência dessa nova realidade, a dimensão humana, dentro dos ecossistemas, passa a ser considerada (Jacobs, 2003). Em face das questões citadas acerca dos problemas ambientais, surgiu a necessidade de uma revisão da ciência denominada ecologia, visando à integração de suas diversas áreas específicas. Para Holling (1998), essa revisão deveria considerar o papel das ações humanas nos ecossistemas, no sentido de uma ecologia aplicada. Holling (1998), acreditava que para iniciar a revisão dever-se-ia reconhecer e integrar inúmeras epistemologias na ecologia. O autor ainda destaca uma dualidade na ecologia, quando refletida a partir da biologia, pois a ecologia apresenta uma cultura analítica e outra integrativa e, para o autor, é preciso considerar as duas culturas, tentando um equilíbrio, reconhecendo a importância complementar das duas. Odum (1996) também considera a ecologia como uma ciência integrativa, com grande capacidade para se constituir como um elo de comunicação entre a ciência e a sociedade. Para o autor, a ecologia deve reconhecer a necessidade de propriedades diferentes em cada estrato de organização. Em concordância com Odum, Begon, Townsend e Harper (2007, p. 9) propõem um novo conceito para ecologia, “o estudo científico da distribuição e abundância dos organismos e das interações que determinam a distribuição e a abundância”. Essas interações incluem o ser humano, logo, o elo de comunicação com a sociedade. Nesse contexto, o desenvolvimento da ecologia mostra-se interdisciplinar e científico, ela está presente na sociedade, seus conceitos e teorias validam e apoiam cientificamente uma crítica ao modelo de desenvolvimento das sociedades modernas (Jacobs, 2003). Essa crítica representa a união dos inúmeros questionamentos dos ecologistas, conservacionistas ou ambientalistas que, mesmo tendo suas particularidades têm por base a crítica acerca das relações humanas e seus ambientes. Para Brando (2010), a compreensão dos conceitos biológicos e ecológicos são fundamentais para promover a identificação da correlação entre os fenômenos naturais que existem entre os organismos e as sociedades de seres vivos, constituindo porções dos ciclos naturais. 126 Diante do exposto, a ecologia se destaca pelo engajamento nas análises acerca das relações do ser humano com o mundo natural. No entanto, no entender de Fracalanza (1992), existe uma contradição nessa relação que, por um lado, anseia por suprir as necessidades culturalmente estabelecidas, promovendo degradação ambiental e por outro lado, tenta manter o equilíbrio ecológico, exigindo a conservação da biosfera. Depois de discorrermos sobre ecologia como ciência em um olhar histórico até sua incorporação como um ramo da biologia, nosso olhar centra-se em como o objeto de conhecimento ecologia é estudado na educação básica, abordando algumas dificuldades encontradas no ensino de sucessão ecológica. 4.4.1 Ecologia na Educação Básica Refletindo acerca de algumas contribuições históricas, Wilson (2009) aponta que a introdução de modelos matemáticos e estatísticos na ecologia contribuiu fortemente para o seu estabelecimento enquanto disciplina científica, progredindo de atividades basicamente descritivas e de classificação para esforços na constituição de teorias mais gerais (ideia chave das ciências Naturais). Dessa forma, o conceito de interações parece refletir bem a variedade de níveis hierárquicos e objetos estudados pelos ecólogos profissionais, sendo um tópico interessante para discutir em que medida esse pluralismo pode ser transposto para a ecologia escolar (ou ecologia a ser ensinada). No entender de Brando (2010), a ecologia se manifesta como um conceito de relações, sendo a ótica ecológica um obstáculo para o saber fragmentado; sendo assim, o ensino da ecologia possibilita o resgate da percepção da totalidade que integra as partes em um todo mais dinâmico. Desse modo, a autora compreende que o estudo da ecologia pode funcionar como um reforço ao pensamento sistémico, em que organismos e sistemas biológicos são internalizados como um emaranhado complexo de interações. Para Brando (2010), a organização do currículo no Brasil dificulta a compressão da rede complexa cujos sistemas biológicos se organizam, de modo correlacionado e 127 interdependente. Nesse viés, sobre o ensino-aprendizagem de ecologia, na visão de Silva (2012), para pensar nos conteúdos de ecologia, é fundamental entender que: [...] os estudos de Ecologia estão diretamente ligados às questões de funcionamento do ecossistema, é de extrema importância que as crianças e os jovens aprendam nas escolas seus princípios básicos e suas fundamentações teóricas para que esse tema transversal seja trabalhado de maneira correta (Silva, 2012, p. 13). Cavalcante et al. (2014) evidencia que os conteúdos de ecologia são fundamentais para o entendimento das relações de dependência mútua entre os indivíduos vivos e entre esses organismos com os outros elementos do local onde vivem. Independentemente do modo escolhido para ensinar ecologia, as questões colocadas pelos dois autores acerca desse objeto de conhecimento devem ser consideradas. Isso significa que, o ensino da ecologia pode ocorrer em vários níveis de hierarquia, como a relação entre um inseto e uma espécie animal, uma plantae um fungo ou em nível mais complexo como as relações envolvendo a estrutura e o funcionamento de comunidades de fauna e flora, bem como o ciclo da matéria e fluxo de energia no ecossistema (Siniciato, 2006). De acordo com Brando (2010), ecologia é um assunto ensinado na educação básica desde as séries iniciais; à medida em que os estudantes vão progredindo ano/série, a abordagem vai se tornando mais complexa e, na visão de Pedrancini et al. (2007), apesar dessa progressão na complexidade, não só em ecologia mas também em outros conceitos de biologia, ao final da educação básica os alunos, de modo geral, apresentam uma compreensão alternativa (sincrética) ou de senso comum acerca dos principais conceitos de biologia abordados em diferentes níveis de complexidade ao longo dos anos. Segundo Seniciato (2006) é provável que isso ocorra pelo fato de os conteúdos de biologia serem ensinados nas escolas de modo descritivo, com inúmeros nomes e conceitos, tornando a aprendizagem enfadonha. Isso inclui os conteúdos de ecologia. Os conteúdos de ecologia, no passado, foram relegados quando se ensinava ciências para o Ensino Fundamental e biologia para o Ensino Médio, também não houve preocupação em integrar os conhecimentos sobre ecologia com as questões ambientais, como na atualidade (Francalanza, 1992; Gomes; Barbosa, 2008; Gomes; 128 Selles; Lopes, 2013). Gomes, Selles e Lopes (2013) analisaram livros didáticos e manuais de primeiro e segundo graus no Brasil do século XX e perceberam, que até a metade da década de 1970, a ecologia era desprezada nas escolas. A inserção ocorreu de forma mais dinâmica a partir do surgimento e fortalecimento dos movimentos ambientais e do surgimento da educação ambiental nas décadas de 1960 e 1970, por ocasião da tomada de consciência dos problemas ambientais provocadas pelo ser humano (Fracalanza, 1992; Gomes; Barbosa, 2008). Segundo Dias (2004), o departamento de Ensino Médio, ligado ao Ministério da Educação e Cultura – MEC e a Companhia de Tecnologia de Aaneamento ambiental (CETESB/SP), no ano de 1979, publicaram um documento denominado “Ecologia: uma proposta para o ensino de primeiro e segundo graus”, na tentativa de aproximar a sociedade dos resultados das pesquisas realizadas na área de ecologia, a fim de possibilitar-lhe a compreensão do funcionamento da biosfera e a sua inclusão no sistema. Entretanto, o autor ressalta que o documento demonstra uma visão reducionista, vez que despreza questões sociais, econômicas, políticas, culturais, éticas, entre outras, reduzindo o ensino de ecologia a teorias ecológicas naturalistas, desconsiderando nesse processo, o ser humano. Mesmo com esses entraves, foi um começo, e a partir daí a ecologia gradativamente começou a fazer parte do currículo em todo o Brasil, cujos conteúdos buscam integrar o ser humano como participante dos ciclos e fluxos dos ecossistemas, como produtor de tecnologia, como modificador intencional do ambiente e como transformador, domesticando para sua utilização de novos ambientes (Brasil, 2000). A BNCC corrobora com essa concepção no que tange à primeira competência específica de ciências da natureza e suas tecnologias para o Ensino Médio: 1. Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas relações entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e/ou global (Brasil, 2017, p. 539). Diante das mudanças descritas no ensino de ecologia desde a década de 1970, passando de uma visão reducionista em que o ser humano não era incluído, até o cenário atual em que além de participante, estuda-se seu poder de transformar, 129 interferir e até construir novos ambientes, não é possível ensinar de forma descritiva e conceitual, emergindo a necessidade de quebrar esse paradigma no ensino de ecologia. Assim, o ensino de ecologia fará sentido, porque iremos criar uma relação na qual todos são participantes, seja como um simples hospedeiro de um determinado verme, seja em relações mais complexas onde destruímos o ambiente em que vivemos para manter nosso modo de vida. Com base nas premissas descritas acerca das relações complexas e interligadas entre os seres vivos, e em outras premissas que envolvem as relações sociais, econômicas e ambientais poderemos pensar em análises mais meticulosas, a fim de encontrar um caminho para o ensino de ecologia amplo em conceitos e significados. Por tratar-se do estudo das inter-relações dos seres vivos com o meio e entre si, o estudo de ecologia apresenta-se como um tema interdisciplinar, facilitando que o estudante elabore uma visão mais ampliada, apontando pontos em comum e favorecendo análises a respeito das diversas abordagens para um determinado assunto. Nesse pensamento, passaremos ao estudo de sucessão ecológica, tema central a ser abordado dentro do objeto de conhecimento ecologia. 4.4.2 Sucessão ecológica Odum (1996) pressupõe a sucessão ecológica em padrões essenciais e imperiosos: a) processo organizado de desenvolvimento da comunidade que circunda mudanças na estrutura específica e nos processos da comunidade ao longo do tempo, razoavelmente dirigido e prognosticável; b) a mudança orientada pela comunidade do ambiente físico resulta em um ecossistema equilibrado, sustentada por unidade de espaço, energia disponível, máxima biomassa e a simbiose entre os indivíduos. Odum (1996) acrescenta que há um encadeamento inteiro de comunidades que se sucedem umas às outras, em uma determinada área; havendo comunidades inteiras instáveis em etapas de exploração, cujo sistema se estabiliza no chamado clímax. Essa substituição de espécies ocorre devido ao fato de as populações terem tendência para modificar o meio; criando condições favoráveis para outras populações se estabelecerem nesse mesmo meio. Nesse pensamento, para Coelho (2002), a sucessão ecológica seria uma sequência de modificações estruturais e funcionais na 130 comunidade, que seguem padrões mais ou menos definidos, atingindo-se um equilíbrio dinâmico (clímax). Odum (1996) divide em dois os processos naturais de sucessão ecológica, a sucessão primária e a sucessão secundária. A sucessão primária seria aquela que ocorre em uma área ainda não ocupada por uma comunidade, como exemplo, podemos citar uma rocha nua ou após derramamento de lava; a sucessão secundária ocorre quando no local ocupado já havia presença de comunidade/s, as quais por algum motivo foram removidas e, nesse local devastado, uma nova comunidade se estabeleceu, como em uma mata desflorestada. A sucessão secundária ocorre mais rapidamente do que a sucessão primária, porque alguns indivíduos ou seus propágulos permaneceram no local após a remoção da floresta original, assim o território ocupado fica mais propenso ao estabelecimento da nova comunidade em relação às áreas estéreis de sucessão primária. De acordo com Murillo e Quílez (2009) a compreensão do significado de sucessão ecológica abarca o entendimento a priori de inúmeros conceitos, incluindo aqueles como de população, de ecossistema, de comunidade, de relações ecológicas entre os seres vivos, de nicho, de habitat etc. Para os autores, a aplicação do seu significado envolve a capacidade de antever formações paisagísticas futuras ou conjecturar soluções para alguns problemas ambientais. Conforme defendem Brando, Cavassam e Caldeira (2009), no contexto da educação básica, o conceito de sucessão ecológica fica comprometido, visto que os livros didáticos normalmente trazem exemplos em que a variável tempo é apresentada de modo amplo (explicação a partir de colonização de uma rocha nua ou da formação de uma ilha vulcânica no oceano, ou ainda a partir de areia de novas dunas). Para osautores, essa prática destaca exemplos de fenômenos identificados com a sucessão ecológica primária. Além do exposto, o processo de sucessão ecológica está relacionado à toda dinâmica que acontece em um ecossistema, envolvendo as interações entre os fatores bióticos e abióticos, ciclos biogeoquímicos, fatores como tempo e espaço dentro de um gradiente evolutivo, ou seja, a evolução de organismos, considerando todos os fatores 131 que o interferem (Brando; Cavassam; Caldeira, 2009). Conforme os autores, esses temas, normalmente, não são contemplados quando se ensina sucessão ecológica. De modo geral, os professores exploram o conceito substituindo as espécies em uma determinada área, sem levar em consideração toda a dinâmica que envolve o conceito. Essa abordagem pode gerar um erro conceitual induzindo os estudantes a entenderem o processo de sucessão ecológica como um fenômeno linear e estático. Grandi (2016) aponta para outro aspecto problemático em relação ao ensino de sucessão ecológica no Ensino Médio; o qual se refere à abundância e à ambiguidade relacionada a muitos conceitos de ecologia, como estabilidade, clímax, equilíbrio, entre outros, bem como os múltiplos aspectos abordados pela teoria da sucessão ecológica, quando analisamos vários autores diferentes. Em meio a tantas dificuldades, muitas vezes, os professores não dão a devida importância a esse conteúdo quando ensinam ecologia, atendo-se mais fortemente às relações ecológicas entre os seres vivos e aos conceitos inerentes a essas relações. Esses pontos revelaram algumas dificuldades para o ensino de sucessão ecológica, somadas a outra questão. A maneira como o professor conduz a aula e como ele entende o conceito de sucessão ecológica, o que vai interferir nas interações discursivas, nas argumentações dos alunos e nas do professor. Logo, não basta preparar atividades investigativas em uma aula de campo para sucessão ecológica, é necessário levar em consideração quando da análise do problema, toda dinâmica e as interrelações que ocorrem em um ecossistema. Encerramos o capítulo citando Fracalanza (1992) para quem, entre o ser humano e a natureza coexistem faces contraditórias, em que uma busca a sobrevivência (benefício) da própria espécie e a outra denúncia as necessidades biológicas para a conservação do meio ambiente. A ecologia seria o ponto de encontro entre essas duas faces, situando o ser humano como parte da própria natureza, em uma compreensão da totalidade. Para a autora, o ensino de ecologia tem como sua principal função colocar o ser humano nessa segunda posição, promovendo sua percepção sobre o uso da natureza com cautela, visando a sua conservação. 132 Coadunamos com a visão de Fracalanza (1992) acerca do que deve ser o ensino de ecologia. Acreditamos em um ensino de ecologia com potencial para contribuir na sensibilização dos estudantes quanto a percepção de que somos parte de um todo; consequentemente nossas ações irão influenciar esse todo. Por isso, buscamos apresentar a ecologia desde o passado quando ainda não era reconhecida como ciência até os dias atuais, em que existe a compressão da importância do entendimento das interações dos seres vivos com o ambiente, modificando esse ambiente; sendo modificado, por consequência. Tais reflexões são importantes para essa pesquisa, visando situar o leitor nesse contexto, facilitando o entendimento das escolhas das atividades propostas para os estudantes desenvolverem quando da aplicação da sequência de atividades investigativas em aula de campo (SAIAC). Apresentadas as metodologias pedagógicas utilizadas no estudo, quais sejam: os três momentos das aulas de campo, o pré-campo, o campo e o pós-campo, a sequências de ensino investigativa (SEI), os indicadores de AC e ecologia como ciência e sua relação com a educação básica, passamos ao detalhamento da metodologia da pesquisa. 133 5 METODOLOGIA DA PESQUISA O capítulo descreve o percurso metodológico adotado. Situamos a pesquisa como qualitativa, aplicada e do tipo participante. São apresentados os sujeitos e os locais da pesquisa. Os sujeitos são estudantes pertencentes às três séries do Ensino Médio de duas escolas da rede estadual de ensino, uma escola da Região Metropolitana de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo e uma escola da Região Centro Serrana do Estado. A etapa campo da aula de campo, para as duas escolas, foi realizada no Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), localizado em Santa Teresa/ES. Outro ponto abordado no capítulo foram os aspectos éticos da pesquisa, a organização da pesquisa e do produto educacional, divididos em cinco momentos, quais sejam: 1º) levantamento bibliográfico e revisão de literatura; 2º) Contato com os espaços e sujeitos da pesquisa (apresentação da proposta e definição do desenvolvimento da SAIAC); 3º) Organização, validação e aplicação da SAIAC na primeira escola; 4º) Análise dos dados e replicação da sequência de atividades investigativas em aula de campo na segunda escola; 5º) elaboração e validação do artefato desenvolvido para materializar produto educacional, o handbook. Finalizamos o capítulo apresentando como foram realizadas a produção (coleta) e a análise dos dados. A produção dos dados ocorreu por observação participante, utilizando como técnica de registro a descrição dos acontecimentos por meio do diário de campo da pesquisadora; áudio-gravação, relatos escritos e desenhos realizados pelos estudantes em cadernos de campo. A análise dos dados ocorreu por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011). As categorias elencadas para a análise foram: momentos das aulas de campo em diálogo com as etapas da SEI, identificação dos indicadores de AC e ações associadas aos objetivos de aprendizagem. 5.1 A PESQUISA O interesse pelo estudo de atividades apropriadas para aulas de campo sempre foi algo presente nas pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa Divulgação e Popularização da Ciência – Divipop, desde a sua fundação. Neste período, o Divipop objetivava responder a questões que envolviam como o aluno aprende nas aulas de 134 campo? Como espaços de educação não formal poderiam ser explorados para promoção da Alfabetização Científica bem como questões relacionadas à divulgação científica e à cultura científica. Em decorrência das reflexões trazidas pelos diferentes pesquisadores do grupo Divipop ao longo do tempo, surgiu a necessidade de um aprofundamento teórico- metodológico acerca dos três momentos que compõem uma aula de campo. Para melhor compreendê-los, os pesquisadores recorreram a estudos que valorizam e utilizam a aula de campo como metodologia pedagógica composta pelos três momentos (pré-campo, campo e pós-campo), os quais se tornaram centrais nas pesquisas. É com base no exposto que buscamos analisar o desenvolvimento de uma prática pedagógica, à luz do ensino de ciências por investigação, propondo relações de congruências entre as etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI) e os três momentos da metodologia das aulas de campo, de modo a avançar na construção de uma proposta didática. Para tanto, trata-se de desenvolver uma pesquisa qualitativa, tendo em vista as inúmeras perspectivas de análise dos dados produzidos, estabelecendo-se conexões entre o produzido e a literatura específica relativa ao objeto de estudo, com vistas a legitimar a discussão. De acordo com Minayo (2004), a pesquisa qualitativa circunda um mundo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes que estão no campo das relações, dos processos e dos fenômenos os quais não se restringem à mensuração matemática. Deste modo, o pesquisador vai a campo buscando captar o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vistas relevantes. Vários tiposde dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do fenômeno (Godoy, 1995, p. 21). Triviños (1987) descreve as cinco características inerentes a uma pesquisa qualitativa, quais sejam: • A pesquisa qualitativa tem o ambiente como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento-chave; • A pesquisa qualitativa é descritiva; • Os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus dados indutivamente; • O significado é a preocupação essencial. 135 Quanto à natureza da pesquisa, trata-se de uma pesquisa aplicada porque busca produzir conhecimentos para a aplicação prática e solucionar problemas, objetivando “descobertas ou novas formas de interpretar algo para serem utilizadas imediatamente” (Malheiros, 2011, p. 31). Em relação aos objetivos, inicialmente configura-se como um estudo exploratório, visto que nesta etapa da pesquisa precisamos aprofundar sobre o que foi produzido para nos apropriarmos da temática e definir caminhos a serem trilhados, com vistas a proporcionar maior familiaridade com o problema, para torná-lo mais explícito. Para Gil (2018) tais pesquisas, priorizam o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. Acerca dos procedimentos técnicos, a pesquisa qualitativa pode conduzir a diferentes caminhos, o que seguiremos é a pesquisa qualitativa do tipo participante. A pesquisa participante surge dentro das ciências sociais como uma alternativa metodológica para investigação da realidade social, cujo princípio básico é a participação ou contado direto do pesquisador junto do seu objeto de pesquisa (Bartelmebs, 2012). Para Brandão (1998, p. 43) a pesquisa participante “procura incentivar o desenvolvimento autônomo (autoconfiante) a partir das bases e uma relativa independência do exterior”. Neste sentido, a pesquisa participante procura entender e desenvolver ações que têm o potencial de provocar mudança ao grupo pesquisado, no entanto, sem ser uma obrigação. A ação não é uma obrigação na pesquisa participante, ainda que haja a necessidade de construção de um plano de ação, mesmo em se tratando de uma pesquisa teórica (Gil, 2018). Caracteriza-se pela interação entre pesquisador e grupo pesquisado. A pesquisa participante é uma forma de compreender a pesquisa para além de uma aplicação de métodos rígidos e frios na leitura de uma dada realidade. Ela implica na inserção do sujeito como pesquisador - participante. Portanto, é ver-se de fato como um sujeito que produz compreensões, mas que não o faz sozinho, pois, na pesquisa participante a comunidade pesquisada tem uma forte participação na ação de pesquisar (Bartelmebs, 2012, p. 59). Felcher, Ferreira e Folmer (2017) elencam características de uma pesquisa participante, das quais extraímos algumas: • Busca-se uma comunicação horizontal entre os participantes; 136 • Ações planejadas nem sempre se encontram em propostas de pesquisa participante; • O diálogo é utilizado como forma de comunicação fundamental no processo colaborativo de estudo e de produção dos dados; • As metas e o desenvolvimento do projeto não são previamente determinados, mas que se elaborem com a intervenção de todos os participantes. A pesquisa participante propõe um olhar diferenciado para os sujeitos da pesquisa, os quais deixam de ser objetos de interpretação e análises externas, passando a fazer parte da pesquisa, dotando-se de sentido e significado. A pesquisa participante possibilita a inclusão das vivências e experiências dos pesquisados na investigação e exige uma participação ativa do pesquisador. Diante do exposto, este estudo se caracteriza como pesquisa participante, principalmente porque a pesquisadora/professora também conduz as atividades propostas para as três etapas da SAIAC (sensibilização, experimentação e elaboração), logo, ela também faz parte do grupo pesquisado, desenvolvendo a pesquisa com vistas a produzir os dados para a análise. Encerramos essa seção com o pensamento de Brandão e Borges (2007, p. 61) acerca das pesquisas em educação, destacamos “[...] que o conhecimento que produzimos deságua, em primeiro lugar, numa comunidade cultural chamada educação e, a seguir, nas suas pequenas e insubstituíveis comunidades sociais chamadas escolas, salas de aulas, comunidades aprendentes” 5.2 SUJEITOS E CONTEXTO DA PESQUISA O ambiente no qual o estudante está inserido é importante para o processo de aprendizagem, visto que eles não são descolados de seus contextos históricos, logo, tais contextos influenciam o modo como eles aprendem. Dependendo do tempo, do local, do ambiente, dos recursos materiais e humanos disponíveis, a aprendizagem ocorre de um modo diferente. Nesse sentido, os objetivos didáticos da proposta didática (sequência de atividades investigativas em aula de campo – SAIAC) foram definidos, tomando como base o contexto da pesquisa, ou seja, de acordo com o 137 currículo do Espírito Santo para o Ensino Médio, em consonância com as características, a infraestrutura e os recursos materiais disponíveis nas escolas em que as atividades foram desenvolvidas, bem como com o perfil dos estudantes sujeitos da pesquisa. Os sujeitos desta pesquisa, são estudantes pertencentes às três séries do Ensino Médio de duas escolas da rede estadual de ensino, uma escola da Região Metropolitana de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo e a outra escola da Região Centro Serrana do Estado. A Aula de campo, para as duas escolas, foi realizada no Instituto Nacional da Mata Atlântica-NIMA, localizado em Santa Teresa/ES. O perfil dos estudantes foi delineado por meio de duas fontes de informação: o PDI das duas escolas e a partir da vivência com os alunos tanto da professora/pesquisadora, quanto com demais professores participantes da pesquisa. Os alunos, sujeitos da pesquisa, são residentes da zona rural dos municípios, bem como moradores do centro, dos bairros da periferia e dos distritos, constituindo-se, desse modo, em um público diversificado. Nesse processo de conhecimento dos sujeitos, percebe-se o interesse de muitos pelos estudos e expectativas que veem na escola, já outros seguem sem expectativa. 5.2.1 Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Tempo Integral Nair Miranda Situada à Rua Vicente Fernandes de Oliveira, Nº 38, Centro, Fundão/ES (Figura 4), trata-se de uma Instituição de Ensino Público Estadual, vinculada ao Sistema Estadual de Educação mantida pelo Governo do Estado do Espírito Santo por meio da Secretaria de Estado da Educação – SEDU, sob a jurisdição da Superintendência Regional de Educação de Carapina. Todas as informações dadas nesse estudo sobre a escola Nair Miranda foram extraídas do 12Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI. 12 https://qedu.org.br/escola/32020910-ceefmti-nair-miranda 138 Figura 4 – Fachada principal do CEEFMTI “Nair Miranda” Fonte: Elaborada pela autora (2023) A missão do CEEFMTI Nair Miranda é constituir o Espírito Santo como um estado de excelência na oferta de educação, com condições para que os jovens do Ensino Fundamental e médio construam seu projeto de vida e desenvolvam suas competências e potencialidades de forma consciente, crítica e autônoma, capacitando-os para interagir na sociedade de forma ativa e cooperativa. Sua visão é desenvolver um trabalho administrativo e pedagógico que promova sua formação integrada e integral, respeitando as dimensões afetivas, sociais, culturais e cognitivas, oferecendo uma educação de qualidade. A escola busca possibilitar que o aluno seja capaz de inserir-se no mundo do trabalho e acadêmico de forma autônoma, responsável e comprometido com valores éticos. A escola foi fundada em 25/03/1958 pela Sociedade de Melhoramento de Fundão, formada por um grupo de cidadãos de oposição ao GovernoMunicipal, entre eles: Eloy Miranda, Nair Miranda, Tarciano Oliveira, com recursos vindos de doações de parlamentares e/ou verba do Governo do Estado. Inicialmente, a escola recebeu o nome de Ginásio Fundão, funcionando no prédio do Grupo Escolar Professor “Ernesto Nascimento”. Em 1962, foi criada a Escola Normal “Nair Miranda” e a Escola de Aplicação (de 1ª a 4ª séries) ofertando estágio supervisionado para os estudantes que cursavam o magistério. 139 Em 21 de maio de 1965, a Escola foi encampada pelo Governo do Estado e os professores realizaram concurso passando a fazer parte do quadro de efetivos do estado. Em 1975, a Escola foi desmembrada, passando o Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série a funcionar na Escola de 1º Grau “Eloy Miranda”, mais conhecida como ‘Polivalente’ a qual foi posteriormente municipalizada, passando a se chamar Escola Municipal de Ensino Fundamental “Eloy Miranda”. Nesta época, a escola Nair Miranda continuou a oferecer o Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries e no 2º Grau, além do magistério foi criado o curso “Técnico em Contabilidade”, com funcionamento apenas no noturno. Na década de 1990, a escola passou a oferecer os Cursos Adicionais de Ciências, Matemática e Educação Infantil. No ano de 1992, a Escola Normal ‘Nair Miranda’ passou a chamar-se Escola de 1º e 2º Graus “Nair Miranda”. Os cursos de Habilitação para o Exercício do Magistério em 1º Grau e Técnico de Contabilidade foram extintos, dando lugar ao Ensino Médio, passando a se chamar Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Nair Miranda” até a presente data. Como era do interesse da equipe escolar e atendendo à reivindicação da comunidade, após a conclusão da obra da escola, foi implantado o curso técnico em administração atendendo aos anseios da comunidade, com vistas a preparar os alunos para o mercado de trabalho. A opção pelo curso ocorreu por meio de sugestões dadas no diagnóstico realizado com os alunos e seus familiares. Na atualidade, a escola atende a estudantes do Ensino Fundamental séries finais e de Ensino Médio, com turmas do nono ano do Ensino Fundamental e todo Ensino Médio, com idade a partir dos treze anos. A integração com a comunidade é fundamental, tendo em vista a necessidade de nortear ações dentro da escola, para todo ano letivo. Isso traz novos desafios, inegavelmente exigindo da equipe gestora o conhecimento dos problemas locais, de forma a possibilitar o atendimento às expectativas no estreitamento das relações entre comunidade-escola. Na perspectiva de conseguir mais apoio e participação, a escola trabalha com autenticidade, transparência, segurança, considerando a riqueza cultural de sua clientela. A escola realiza ao longo do ano letivo programas e projetos diversos desenvolvidos dentro do seu espaço, com participação da comunidade local. Além disso, os professores, pedagogas e diretora planejam, no início de cada ano, os projetos 140 institucionais e interdisciplinares que serão desenvolvidos no decorrer do ano letivo, incluindo jogos esportivos, aulas de campo, visitas técnicas, entre outras atividades. Procura selecionar temas para o desenvolvimento de projetos que despertem o interesse dos alunos e que visem à formação social e intelectual, para o desenvolvimento de valores como a solidariedade e o respeito mútuo, resgatando valores éticos e morais dos educandos em favor de si e do meio em que vivem. Em relação à estrutura para receber os estudantes, a escola possui quatorze salas de aulas, um laboratório de informática, uma biblioteca, um auditório, uma sala de educação especial, uma quadra de esportes coberta e dois laboratórios de ciências. 5.2.2 Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Pinto Coelho A escola Jose Pinto Coelho está localizada na Avenida Barão Orlando Bonfim, 978, Vila Nova, Santa Teresa/ES (Figura 5). Trata-se de uma Instituição de Ensino Público Estadual vinculada ao Sistema Estadual de Educação mantida pelo Governo do Estado do Espírito Santo por meio da Secretaria de Estado da Educação – SEDU, sob a jurisdição da Superintendência Regional de Educação de Carapina. A Escola funciona no turno matutino, das sete às doze horas, no turno vespertino das doze horas e trinta minutos as dezessete e trinta e no turno noturno, das dezoito às vinte e duas horas e dez minutos. Todas as informações dadas nesse estudo sobre a escola José Pinto Coelho foram extraídas do seu 13Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI. 13 https://qedu.org.br/escola/32020910-pinto-coelho 141 Figura 5 – Fachada Principal da Escola José Pinto Coelho Fonte: Elaborada pela autora (2023) A escola foi fundada em 1970, por meio do ato de criação/aprovação Portaria Nº 295, de 07/04/1970, com a denominação de Grupo Escolar José Pinto Coelho, para atender às séries iniciais. Em 1980, tomou novos rumos, passando a atender às séries finais do Ensino Fundamental, denominando-se na época 1º Grau (5ª a 8ª séries). A Escola foi absorvida, em 1989, pela Escola Santa Catarina, em consequência da venda do prédio para a Prefeitura Municipal de Santa Teresa, sendo oferecido o Ensino Fundamental, de 5ª a 8ª séries, e o Ensino Médio. Na ocasião, ocorreu a extinção de várias escolas Unidocentes e a Escola José Pinto Coelho funcionou como o polo convergente, passando a atender crianças e adolescentes de 1ª a 8ª séries. Atualmente, a escola atende a alunos de Ensino Fundamental das séries finais, no turno vespertino, e de Ensino Médio, nos turnos matutino, vespertino e noturno. Possui, ainda, curso técnico integrado ao médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA, no turno noturno. A EEEFM “José Pinto Coelho” apresenta parceria com o Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) em que são realizadas palestras de divulgação científica, oficinas de educação ambiental e visitas técnicas. Também desenvolve ainda projetos em 142 parceria com instituições de curso superior da região. Com destaque para o Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) Campus Santa Teresa, a qual recebe muitos estudantes para a realização de estágio curricular obrigatório e projetos de conclusão de curso. Em parceria com o IFES, a escola desenvolve o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e do Programa de Residência Pedagógica. A EEEFM José Pinto Coelho tem como meta, a curto prazo a melhoria no processo de ensino-aprendizagem e a longo prazo a mudança de concepção da comunidade escolar em face dos obstáculos impostos e a credibilidade de cada um para transformar a realidade em que estão inseridos. Sua visão de futuro é ser referência na rede estadual de ensino pela qualidade do ensino ministrado e pela valorização dos estudantes e colaboradores. Sua missão é formar estudantes críticos, solidários, criativos e capazes de respeitar ao próximo e o meio ambiente. Seu compromisso principal é provocar no estudante a valorização aos estudos como condição para atuar em diversos setores e áreas do estado do Espírito Santo. Em relação à estrutura para receber os estudantes, a escola possui dez salas de aulas, um laboratório de informática, uma biblioteca, uma sala de educação especial, uma quadra de esportes coberta e um refeitório. 5.2.3 Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA A história do INMA se inicia com um jovem morador de Santa Teresa/ES, Augusto Ruschi, nascido no ano de 1945. Ruschi, Gutti, como era conhecido pelos amigos e familiares, se encantou pela natureza na adolescência, quando preferia brincar com besouros e plantas a jogar bola com os demais amigos (Biasutti, 1994), quando adulto funda o Museu de Biologia Professor Mello Leitão (MBML). A família de Augusto Ruschi, possuía uma propriedade denominada Chácara Anitta e, com a finalidade de conservar aquele espaço e desenvolverpesquisas científicas, o naturalista reestruturou a chácara, transformando-a em Estação Experimental do Museu Nacional. Esse foi o embrião que seria o futuro Museu de Biologia Professor Mello Leitão, atualmente Instituto Nacional da Mata Atlântica. “No silêncio daquela 143 vegetação, Ruschi cria seu ambiente de estudo, organiza seu orquidário e começa sua peregrinação pelo interior do município de Santa Teresa” (Biasutti, 1994, p. 137). Em 26 de junho de 1949, com a finalidade de desenvolver pesquisas científico- biológicas, particularmente no Estado do Espírito Santo (Ruschi, 1979), o MBML teve seu Estatuto publicado no Diário Oficial Municipal de 27-11-1955. Inicialmente como um museu particular, mantendo-se como uma organização não governamental por 34 anos (1949 a 1983). Em 1983, foi incorporado ao Governo Federal, por meio da Fundação Nacional Pró-Memória, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), do Ministério da Cultura (Mendes; Padovan, 2000). Mais tarde, após a sanção da Lei nº 11.906 de 2009, foi incorporado ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), ainda do Ministério da Cultura. Visando a melhorias em suas perspectivas e objetivos institucionais, a partir da sanção da Lei 12.594, de 05 de fevereiro de 2014, a instituição passou a denominar- se Instituto Nacional da Mata Atlântica, vinculada ao então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e regulamentada pelo decreto Nº 8.877, de 18 de outubro de 2016, que em seu Artigo 10 consta: Ficam transferidos, do Instituto Brasileiro de Museus IBRAM, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, para o Instituto Nacional da Mata Atlântica, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, os acervos, as obrigações e direitos e a gestão financeira e patrimonial dos recursos destinados às atividades finalísticas e administrativas do Museu de Biologia Professor Mello Leitão (Brasil, 2014). O INMA tornou-se um espaço de visitação pública no ano de 1987, logo após a morte de Augusto Ruschi. Atualmente possui um parque zoobotânico, recebendo visitantes, entre grupos familiares e estudantes da educação básica a pós-graduação (Pietre, 2015). A Figura 6 mostra os principais pontos de visitação do INMA. 144 Figura 6 – Mapa ilustrativo do INMA, indicando os pontos de visitação do INMA Fonte: Pelomundocommanu [s.d] O atendimento aos grupos escolares no INMA, denominado visita monitorada, é oferecido de terças às sextas-feiras, sendo conduzidos por recepcionistas/monitores, funcionários terceirizados que conduzem os grupos escolares pelo parque zoobotânico e pelas exposições temporárias e uma exposição permanente de animais taxidermizados. O público predominante nas visitas monitoradas são alunos do Ensino Fundamental, seguidos do Ensino Médio, com uma procura pouco expressiva de Educação Infantil e Educação Superior de escolas do estado do Espírito Santo, principalmente da região metropolitana de Vitória e das cidades localizadas no entorno de Santa Teresa. As visitas monitoradas são agendadas previamente pelos 145 recepcionistas do Instituto, por intermédio de e-mail ou telefone, momento em que a escola informa o número de alunos, o nome e sua localização, a série escolar e o nome do professor/a responsável pela atividade extramuro escolares. Além de ser um espaço de visitação pública, o Instituto também é local de pesquisa zoológica, botânica e de divulgação científica com foco na Mata Atlântica. Recebe pesquisadores (de todo Brasil) visitantes que consultam o acervo zoológico e botânico e atualmente conta com pesquisadores bolsistas-PCI do Programa de Capacitação Institucional- CNPq, entre outras parcerias com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para o desenvolvimento de projeto relacionados a Mata Atlântica. O INMA localiza-se no centro da cidade de Santa Teresa, Região Centro-Serrana do Espírito Santo, situada a aproximadamente 78 km de Vitória, com uma extensão territorial de 8000 m2 (Figura 7). Santa Teresa é considerada o berço da imigração italiana no Brasil, por ser a primeira cidade fundada por imigrantes italianos no país. 146 Figura 7 – Mapa do ambiente de investigação: O Instituto Nacional da Mata Atlântica em Santa Teresa-ES (19° 56′ 9ºS e 40° 35′ 59ºW) Fonte: Elaborado pela autora (2023) O município possui cerca de 31.740 ha de Mata Atlântica de encosta, do tipo Floresta Ombrófila Densa Montana, na maior parte vegetação primária e bem conservada (Figura 8), contando com áreas de preservação protegidas, com destaque a Reserva Biológica Augusto Ruschi. (INCAPER, 2020). Além das áreas protegidas em Unidades 147 de Conservação, o município apresenta, em sua grande maioria propriedades com área de reserva legal cobertas com vegetação nativa da mata atlântica e muitas Áreas de Preservação Permanente-APPs também protegidas por vegetação nativa (INCAPER, 2020). Ainda que parte da cobertura vegetal esteja conservada, existem grandes áreas que sofrem com impactos ambientais por meio de práticas que não visam um desenvolvimento sustentável (INCAPER, 2020). Figura 8 – Mapa da vegetação do Município de Santa Teresa-ES Fonte: Elaborado pela autora (2023) 148 O relevo do município de Santa Teresa é montanhoso e acidentado (Figura 9), com diferenças de altitudes que variam desde 100 até 1.143 m acima do nível do mar (Tabacow, 1992). A área em que se localiza faz parte do escudo cristalino pré- cambriano brasileiro, estando sob erosão durante quase toda a sua história pós- cambriana, fornecendo sedimentos para bacias sedimentares hoje interiorizadas para o vale do rio Doce, bem como para os grandes depósitos sedimentares costeiros do grupo barreiras (Tabacow, 1992, 1992). Figura 9 – Mapa da Geomorfologia do Município de Santa Teresa-ES Fonte: Elaborado pela autora (2023) 149 5.3 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA Manter os padrões éticos na pesquisa participante é de responsabilidade do pesquisador. Assim, buscamos antecipar questões éticas que pudessem aparecer antes, durante e depois da realização do estudo. Deste modo foi realizada a solicitação para autorização do estudo junto ao órgão mantenedor das escolas pesquisadas (Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo-SEDU). De posse da autorização, a pesquisa foi cadastrada por meio da ferramenta eletrônica 14Plataforma Brasil, instituído pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Ela passou pela avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Federal do Espírito Santo, tendo recebido parecer favorável à sua execução (ANEXO A). Para esclarecimentos e orientações quanto à participação na pesquisa, realizamos reunião nas escolas com os sujeitos da pesquisa acompanhados de seus responsáveis, a fim de explicitar o processo da pesquisa e apresentar o TALE - Termo de assentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B) e o TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Menores de Idade (Apêndice C). Nessa reunião, as assinaturas dos termos foram coletadas, em consonância com a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), resoluções nºs 466/2012 e 510/2016. Os responsáveis que não compareceram à reunião receberam o termo de consentimento livre e esclarecido em suas residências. Os próprios estudantes levaram os termos e foram orientados a explicar o contexto da pesquisa sendo que, em caso de dúvida, os responsáveis poderiam entrar em contato com a pesquisadorapara possíveis esclarecimentos. Dentro das preocupações éticas em relação aos pesquisados, além do consentimento para participação da pesquisa, temos ainda os riscos relacionados à pesquisa, como a confiabilidade. A confiabilidade permeia questões ligadas à proteção de possíveis constrangimentos que possam ocorrer durante a realização da pesquisa, de modo não ser ético produzir dados a partir de informações sem o conhecimento e autorização 14 https://plataformabrasil.saude.gov.br/ 150 dos sujeitos pesquisados. Assim, também deve ser garantido o anonimato dos participantes em todas as divulgações dos resultados da pesquisa. Isto pode ser feito com o uso de pseudônimos, com o primeiro nome de cada estudante ou com numeração dos alunos (aluno 1, aluno 2, aluno 3...). Em simultâneo a esses procedimentos, é importante fornecer meios pelos quais os dados obtidos na pesquisa possam ser acessados por outros pesquisadores, por professores ou a quem mais possa interessar. A tese e o produto educacional serão disponibilizados no site do 15Instituto Federal do Espírito Santo/Educimat, e ainda, a tese na plataforma 16Catálogo de Teses e Dissertações – CAPES e o produto educacional no 17Portal eduCapes. O produto educacional também será disponibilizado para as escolas participantes da pesquisa, para a Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo-SEDU e para o Instituto Nacional da Mata Atlântica. Outra preocupação considerada são os riscos a que os estudantes poderiam ser expostos durante o trajeto para a aula de campo e durante sua permanência no Instituto Nacional da Mata Atlântica-INMA. Sendo assim, em caso de qualquer tipo de acidente, durante o percurso até INMA ou durante o desenvolvimento das atividades durante a aula de campo, é possível acionar o resgate e os estudantes serão encaminhados para o Hospital mais próximo. o Hospital Madre Regina Protmann, localiza-se à aproximadamente três quilômetros do Instituto, na Avenida das Acácias, 417, Jardim da Montanha, Santa Teresa, ES. Cabe ressaltar que a aula de campo ocorreu em uma instituição acostumada a receber estudantes. Durante a permanência dos alunos neste espaço, um segurança e uma monitora da instituição, acompanharam junto com a professora/pesquisadora e as outras professoras das escolas, todo o desenvolvimento das atividades. 15 https://educimat.ifes.edu.br/ 16 https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/ 17 https://educapes.capes.gov.br/ 151 5.4 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA E DO PRODUTO EDUCACIONAL A partir do interesse investigativo referente ao ensino de ciências por investigação e à metodologia das aulas de campo, com vistas a conhecer mais profundamente as temáticas na perspectiva da Alfabetização Científica e a aprendizagem do objeto de conhecimento sucessão ecológica, dividimos o percurso metodólogo em cinco momentos, para alcançar os objetivos propostos na pesquisa e, consequentemente do produto educacional, visto que não existe a possibilidade nem o desejo de separá- los (Figura 10). Figura 10 – Resumo do seccionamento das fases da pesquisa e do produto educacional Fonte: Elaborada pela autora (2023) O primeiro momento da pesquisa refere-se ao levantamento biográfico das publicações no âmbito do estudo. Dividimos os materiais por temáticas para facilitar a organização das leituras: Ensino de ciências por investigação e Alfabetização Científica, aula de campo e atividades investigativas. Após a imersão na literatura pertinente ao estudo, realizamos a revisão de literatura por meio do MS. Esse momento foi importante para a apropriação do tema, para orientar a condução da 152 investigação, bem como auxiliar na identificação de ações similares as pretendidas na pesquisa. Trata-se de um momento contínuo e ininterrupto. O segundo momento consistiu no contato com os espaços (local da pesquisa). Tal momento ocorreu de modo a contactar o chefe da divisão de ciências do Instituto Nacional da Mata Atlântica para apresentação do projeto e pré agendamento das aulas de campo. Ainda no segundo momento (realizado em fevereiro o ano de 2022), entramos em contato com a escola Nair Miranda, para a apresentação da pesquisa à equipe pedagógica/gestora e para a professora de geografia da escola. Definimos que a sequência de atividades investigativas em aula de campo (SAIAC), seria aplicada durante a disciplina eletiva, ministrada pela professora de geografia e por essa pesquisadora e professora de biologia da escola. Desta maneira, as duas professoras conseguiram planejar e preparar a eletiva de acordo com o fluxo de planejamento coletivo e individual da unidade de ensino. A escolha da eletiva ocorreu por motivo da implantação gradativa do novo currículo do Ensino Médio na rede estadual de ensino; com isso, o objeto de aprendizagem ecologia não está sendo ministrado em nenhuma das três séries do Ensino Médio, restando-nos a opção de ofertar uma disciplina ou esperar o ano de 2023 para a aplicação da SAIAC. A opção de esperar até o ano de 2023, não seria viável devido ao tempo de desenvolvimento de uma pesquisa de doutorado. Assim, optamos pela oferta da disciplina eletiva. A ementa da disciplina eletiva encontra-se no apêndice D. O terceiro momento consistiu na organização e na validação da SAIAC. A tabela de validação encontra-se no Apêndice E. A validação a priori da sequência de atividades foi realizada pelos pesquisadores do grupo de pesquisa Divipop, pelos doutorandos do Programa Educimat turma 2021/Ciências e pela professora de geografia da Escola Nair Miranda. A validação realizada com os doutorandos da turma 2021/Ciências ocorreu de forma virtual por meio do aplicativo meet. Os doutorandos que participaram da validação são professores da educação básica da rede pública federal, estadual e municipal do estado do Espírito Santo, os quais, primeiramente realizaram uma leitura prévia da sequência de atividades, posteriormente fizeram suas críticas e comentários e 153 preencheram a tabela de validação. A reunião foi gravada e transcrita para que, em conjunto com a tabela de validação, fossem realizadas as adequações sugeridas pelos doutorandos. A validação realizada pelos pesquisadores do grupo Divipop ocorreu presencialmente em reunião do grupo de pesquisa, no Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vila Velha. Os pesquisadores que participaram da validação são mestres, mestrandos e doutorandos com variadas formações (biologia, geografia, pedagogia, geologia, química, serviço social e física) e atuam como profissionais da educação ou em suas áreas especificas de formação. Os pesquisadores também fizeram a leitura prévia da sequência de atividades e, durante a reunião do grupo, expuseram suas contribuições e preencheram a tabela de validação. Nessa segunda validação a priori, as sugestões foram anotadas no diário de campo da pesquisadora. A terceira validação a priori ocorreu presencialmente, no horário de planejamento da pesquisadora/professora de biologia e da professora de geografia, na escola de tempo integral de Ensino Fundamental e médio Nair Miranda. A professora de geografia tem vinte e sete anos, e atua na rede estadual de ensino há cinco anos. Ela também fez a leitura prévia da sequência de atividades e, durante o planejamento apresentou suas contribuições e preencheu a tabela de validação. As sugestões foram anotadas no diário de campo da pesquisadora. Após a validação a priori da SAIAC (Apêndice F), por meio das colaborações dos pesquisadores, foi possível perceber que esta professora/pesquisadora estava com dificuldades em separar a professora de biologia, que ministrava o componente curricular eletiva "Pode entrar, a casa é nossa", da pesquisadora que necessitava produzir seus dados durante o desenvolvimento da SAIAC, para posterior análise.Tais contribuições foram fundamentais para essa percepção e para a reestruturação da SAIAC, bem como para a condução das atividades pela professora da disciplina eletiva e pela pesquisadora no desenvolvimento da pesquisa e na produção dos dados. Acreditamos que isso ocorreu pelo fato de a pesquisa participante ter esse envolvimento intrínseco entre pesquisador e pesquisados, em que os sujeitos deixam de ser objetos de interpretação e análises externas, e passam a ser parte da pesquisa. 154 De posse do material produzido durante as validações, realizamos as adequações (Apêndice G) e aplicamos a sequência de atividades investigativas em aula de campo, durante a disciplina eletiva na escola Nair Miranda. O terceiro momento também se destinou à organização dos aspectos operacionais de controle de participação e procedimentos de organização documental referente à saída dos estudantes da escola. Foram coletadas as autorizações dos responsáveis pelos estudantes, permitindo a saída da escola para o INMA. Também foram realizados os trâmites da contratação de transporte rodoviário para viajem. A equipe gestora da escola se responsabilizou pela contratação de transporte e alimentação dos estudantes, seguindo os trâmites legais de licitações para contratação de serviços de terceiros, estabelecidas pela mantenedora, Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo. O quarto momento consistiu na replicação da SAIAC na segunda escola. Os passos seguidos nesse contato, foram os mesmos detalhados no segundo momento da organização da pesquisa. A escola José Pinto Coelho, localiza-se em Santa Teresa/ES e pertence à rede estadual de ensino. A escolha da escola ocorreu pelo fato de estar localizada no mesmo município em que se localiza o INMA, facilitando o transporte dos estudantes para a aula de campo. A SAIAC foi aplicada em uma turma da primeira série do Ensino Médio pela professora de biologia, em conjunto com esta professora/pesquisadora e em uma turma da segunda série do Ensino Médio, somente pela professora de biologia da escola. Devido a algumas particularidades desta escola, optamos por desenvolver a prática pedagógica no componente curricular projetos integradores de ciências da natureza. O quinto momento foi destinado à reunião dos elementos produzidos durante a intervenção na Escola Nair Miranda, com vistas a análise dos dados, por meio de métodos de abordagem elencados no corpo dessa tese, com a intenção de responder ao problema de pesquisa. Também foi o momento de viabilizar a transferência do produto educacional que consistiu na elaboração e validação do handbook (Capa Apêndice H) contendo orientações para utilização de uma proposta didática que incorpora elementos do ensino de ciências por investigação em uma aula de campo, com vistas a promover a Alfabetização Científica. A validação do handbook foi realizada por três especialistas, doutorandos do Programa Educimat turma 2021/2022 Ciências e pela banca avaliadora da tese. 155 5.5 PRODUÇÃO DOS DADOS Algumas atividades foram gravadas e fotografadas, a fim de utilizarmos os relatos e ações desenvolvidas, com vistas a uma análise criteriosa. Também foram utilizadas, na produção dos dados, anotações em diário de campo da pesquisadora e o material produzido pelos alunos em caderno de campo para compor o corpus da análise. O resumo da produção dos dados está apresentado no Quadro 17. Quadro 17 – Resumo dos instrumentos para produção de dados PROCEDIMENTO TÉCNICA DE REGISTRO INSTRUMENTO DE REGISTRO Observação participante Descrição dos acontecimentos Diário de campo da pesquisadora Áudio-gravação Aparelhos celulares pesquisadora/estudantes Relatos escritos e desenhos Caderno de campo dos estudantes Fonte: Elaborado pela autora (2023) A observação durante a pesquisa qualitativa é importante, sendo que tal prática é considerada por Gil (2018) como um elemento indispensável. O autor divide a observação em três categorias: observação simples, observação participante e observação sistemática. Utilizamos a observação participante por apresentar características como a espontaneidade, a informalidade e o envolvimento da pesquisadora com os pesquisados, característica da pesquisa participante. A imersão no grupo estudado nos permite verificar nuances que as vezes são difíceis de serem flagradas, como afirma Cury (2005): Essa forma de observação da realidade, imersa nela, não visa à mera descrição de detalhes, e sim a compreender o universo de significações, captando o momento em que o grupo - ou indivíduos - se manifesta de maneira 'real'. Esta que é a experiência pessoal do observador, deve gerar análises da objetivação posta pelo pesquisador observador na apreensão dos fatos culturais (Cury, 2005, p. 376). Observação participante é um procedimento de investigação em que o pesquisador compartilha, conforme a conjuntura o permite, as atividades, os momentos, os 156 interesses e apreços de um grupo de pessoas ou de uma comunidade (Marcon; Elsen, 2000). O registro da observação é realizado durante seu andamento e pode ocorrer de diferentes modos, quais sejam: a escrita (diário de campo) ou a gravação de sons ou imagens, entre outras. Fotografias e Gravações são muito utilizadas como fonte de dados nas pesquisas, para esse tipo de registro, o ideal é que o pesquisador (fotógrafo) utilize sua câmera de uma forma que não atraia tanto a atenção dos fotografados, para que não haja a perda da neutralidade (Marietto, 2016). Segundo Loizos (2008, p. 149), a gravação torna-se necessário “sempre que algum conjunto de ações humanas é complexo e difícil de ser descrito compreensivamente por um único observador, enquanto este se desenrola”. A gravação de vídeo/áudio pode auxiliar a capturar momentos que posteriormente podem ser esquecidos ou descritos de modo oral ou escrito. No entanto, os sujeitos da pesquisa podem se inibir diante de uma câmera de gravação e, com isso, os dados tendem a ficar comprometidos, o que prejudicaria os objetivos da pesquisa. Sendo assim, é importante refletir sobre o contexto em que serão produzidas as gravações e com que propósito elas serão utilizadas. Nesse sentido, as imagens e os áudios foram obtidos por meio de dois aparelhos celulares, operados pela pesquisadora e pelas professoras das escolas, sem o uso de suporte para celular (tripé). Tal opção ocorreu visando reduzir o impacto e/ou constrangimento aos sujeitos da pesquisa, visto que o aparelho celular tem seu tamanho extremamente reduzido e não se destaca em meio às aos aparelhos celulares utilizados pelos próprios estudantes. Para o registro da observação escrita foi utilizado o diário de campo. A utilização de diários de campo como ferramenta de pesquisa possibilita visibilizar aspectos da implicação do(a) pesquisador(a) com o campo estudado. Tal modalidade de escrita compreende a descrição dos procedimentos do estudo, do desenvolvimento das atividades realizadas e também de possíveis alterações realizadas ao longo do percurso da pesquisa, além de servir como uma narrativa textual das impressões do(a) pesquisador(a) (Kroeff et al., 2020, p. 466). A escrita do diário de campo pode tornar-se parte do processo da pesquisa, direcionando para algumas experiências com vistas ao registro de eventos, fatos, 157 fenômenos e evidências para outras análises não vislumbradas pela pesquisadora durante o desenvolvimento das atividades. Para Triviños (1987), o diário de campo é uma maneira de complementar as informações produzidas no contexto em que o estudo está sendo desenvolvido, que não foram coletadas durante outras formas de produção dos dados, como entrevistas, aplicações de questionários, entre outros. Outro instrumento utilizado para a produção dos dados são os cadernos de campo dos estudantes, os quais possibilitam a avaliaçãodas atividades desenvolvidas pelos estudantes de forma particularizada, levando em consideração as condições de cada grupo de trabalho (neste estudo, os cadernos de campo não são individuais, mas coletivo, um por grupo). Este tipo de instrumento de produção de dados, também pode revelar o crescimento intelectual durante o desenvolvimento das atividades investigativas. Desta maneira, podemos analisar o material produzido de forma cronológica e contínua. Nessa análise contínua é possível detectar possíveis ajustes a serem realizadas durante a aplicação da SAIAC, de acordo com o desenvolvimento das atividades propostas. 5.6 ANÁLISE DOS DADOS Como o foco dessa pesquisa está no processo de desenvolvimento de uma proposta didática com alunos do Ensino Médio, buscamos definir alguns critérios para analisar os dados produzidos no transcurso das atividades. As categorias de análise escolhidas podem se constituir uma base sólida para direcionar novos estudos sobre a temática. Devido à característica prioritariamente discursiva dos dados produzidos nesse estudo, o tratamento dos dados ocorreu por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011), segundo a qual a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações objetivando obter indicadores que possibilitem a inferência de conhecimentos relacionados às condições de produção/recepção, por meio de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens. Em face disso, esse tipo de análise busca identificar padrões e categorizá-los por meio do discurso do comunicador. Esse conjunto de técnicas possui as etapas retratadas no Quadro 18. 158 Quadro 18 – Etapas de análise de conteúdo PRÉ-ANÁLISE CODIFICAÇÃO CATEGORIZAÇÃO ANÁLISE - Organização de documentos. - Formulação de hipóteses/objetivos. - Leitura Flutuante. - Transformação dos dados. - Unidades de registro/contexto. - Criação do sistema de categorias. - Interpretação. - Conclusões. Fonte: Bardin (2011), adaptado pela autora Após reunir todo material produzido, iniciamos a fase de leitura flutuante, momento de contato direto com o material coletado (Cavalcante et al., 2014), seguida da separação e organização dos dados obtidos. Para verificar a viabilidade da utilização/adaptação dos três momentos: pré-campo, campo e pós-campo incorporados às etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI), utilizamos categorias extraídas das etapas da SAIAC (Quadro 19). A escolha da utilização das etapas da SAIAC como categoria de análise, ocorreu por essas categorias já terem sido validadas durante a validação a priori da sequência de atividades, não ficando restrito a esta pesquisadora tal tarefa. 159 Quadro 19 – Categoria de análise: Momentos das aulas de campo em diálogo com as etapas da SEI MOMENTOS DAS AULAS DE CAMPO ETAPAS SEI Pré-campo: Primeiro contato com o objeto de estudo. Levantamento dos conhecimentos prévios Problematização para introdução ao objeto de conhecimento Sucessão Ecológica Entendendo o processo de sucessão ecológica Campo: Ida ao local planejado. Investigação e relação da teoria com a prática Proposição da situação-problema: formulação de hipóteses Observando os resultados: Teste de Hipóteses. Pós-campo: Análise dos dados e das informações obtidas no campo Sistematização do conhecimento Aplicação Fonte: Elaborado pela autora (2023) De acordo com o referencial teórico adotado, para identificar os indicadores de Alfabetização Científica, as categorias estabelecidas são aquelas propostas por Sasseron e Carvalho (2008). Para tanto, sistematizamos tais categorias (Quadro 20) para posterior análise. Quadro 21 – Identificação dos indicadores de AC DIMENSÃO CATEGORIA Dados obtidos, Seriação de informação Organização das informações Classificação de informações Organização do pensamento Raciocínio lógico Raciocínio proporcional Compreensão da situação analisada Levantamento de hipóteses Teste de hipóteses Previsão, explicação Fonte: Sasseron; Carvalho (2008), adaptado pela autora 160 Com vistas a verificar se a proposta didática apresentada, nesta tese de doutoramento, favorece a aprendizagem, utilizamos os objetivos de aprendizagem propostos na SAIAC (Quadro 21), aproximando-os da mediação em Vigotski e do ensino de ciências por investigação. Os motivos da escolha dos objetivos de aprendizagem como categoria de análise são os mesmos descritos para verificar a viabilidade da utilização/adaptação dos três momentos: pré-campo, campo e pós- campo incorporados às etapas de uma sequência de ensino investigativa (SEI). Quadro 21 – Favorecimento da aprendizagem OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Analisar como ocorre o processo de sucessão ecológica de uma comunidade, suas etapas, e quais organismos participam em cada uma delas até atingir o clímax. Apontar as interações entre as populações e comunidades. Compreender com acuidade o processo de regeneração e recuperação de áreas degradadas. Identificar os constituintes do solo e as propriedades dos solos. Relacionar os pontos teóricos da ecologia com as atividades antrópicas. Desenvolver uma reflexão crítica perante a complexidade das relações entre os seres vivos e os ambientes nos ecossistemas, reconhecendo o alto grau de interdependência entre os diversos componentes da biosfera. Fonte: Elaborado pela autora (2023) 5.6.1 Codificação para compor a identificação dos participantes dos grupos analisados Os sujeitos da pesquisa foram codificados para preservar suas identidades. Para a representação dos alunos participantes da pesquisa, foi realizada a codificação de acordo com os nomes dos grupos. Cada grupo, criou um nome para representá-los na pesquisa, desse modo, buscamos aproximar os nomes dos estudantes ao nome atribuído ao grupo, a saber: Grupo Aborígenes (Adoni, Batuhan, Derain e Tuana); Grupo Parasitas (Ameba, Ancilóstomo, Giárdia e Tênia); Grupo Minha Casa Minha Vida (Alice, Heitor, Miguel e João); Grupo Tiradentes (Cláudio, Francisco, Joaquim, 161 José e Tomás); Grupo Malícia (Agravo, Fereza, Pirraça e Trama); Grupo Exploradores (Antônio, Bartolomeu, Domingas, Fernanda e Miguel). Temos 26 estudantes participando das atividades, sendo dois os motivos pelos quais alguns não aparecem nas análises: pelo fato de não terem participado oralmente das atividades gravadas ou por terem faltado a aula por ocasião das gravações das atividades. Cabe ressaltar, que grande parte das análises foram verificadas a partir dos cadernos de campo dos grupos. Nesse sentido, os nomes dos integrantes dos grupos são pouco mencionados, ficando nossa análise mais centradas nas respostas escritas oriundas dos cadernos de campo. A investigação aqui posta não se apresentou unicamente materializada no problema de pesquisa e na busca em respondê-lo, engendrando análises em um percurso metodológico. Buscamos escolher uma metodologia que se adequasse às pesquisas em educação, em especial em educação em ciências. Nossa preocupação centrou- se no processo como todo, com foco no produto educacional. A prática pedagógica desenvolvida na pesquisa, foi idealizada e testada para gerar subsídios para produção do produto educacional. Sendo assim, no próximo capítulo nos dedicamos ao detalhamento da elaboração e da validação do produto educacional. 162 6 PRODUTO EDUCACIONAL Este capítulo detalha a elaboração do produto educacional (PE). Apresentamos a estruturação da sequência de ensino investigativa em aula de campo (modelo planejado e aplicado para testar a proposta didática). A sensibilização contempla um diagnóstico inicial, uma problematização e uma instrumentalização primária. Na experimentação, ocorre o refinamento desses conhecimentos, a instrumentalização secundária, coma proposição de um novo problema que precisa ser resolvido dentro daquela realidade. Na elaboração ocorre a sistematização dos conhecimentos e a divulgação final da prática produzida pelos estudantes. Destacamos os motivos para a escolha do handbook como forma de transferência do produto educacional, visando a garantir a replicabilidade em outros contextos escolares, além do processo de validação do material, a qual foi realizada em duas instancias. A primeira composta por três especialistas escolhidos com base nos parâmetros da formação, atuação e experiência em ensino de ciências na educação básica e a segunda composta pela banca avaliadora da tese. 6.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL Partindo da premissa da importância do problema de uma pesquisa, foi necessário consultar a trajetória dos estudos desenvolvidos relacionados ao tema com que essa pesquisa se preocupa. Depois da consulta, propusemos uma nova pergunta, a partir da qual construímos a proposta do Produto Educacional (PE) com um olhar criterioso. O Produto Educacional do doutorado deve ser diferenciado, seja pelo aprofundamento teórico, seja pela ampliação dos espaços de aplicação/testagem, seja pela abrangência do público-alvo e/ou pela facilidade de uso mais imediato pelas/nas instituições a que se destina. O fato é que o leitor do PE deve entender, de modo geral, do que tratou a pesquisa. O Produto Educacional deve facilitar o trabalho na escola, de acordo com o público- alvo escolhido. Além disso, deve ser gestado com o objetivo de impactar a educação de forma funcional, assim, mais pessoas discutirão sobre o problema que o 163 pesquisador identificou. A construção do produto é realizada ao longo do desenvolvimento da pesquisa, quando se define quais caminhos serão trilhados e qual direção a pesquisa irá seguir. O produto educacional é intrínseco à pesquisa e culmina com sua prototipação. Diante do exposto sobre o que consideramos ser o produto educacional de um doutorado, as ideias iniciais do projeto de doutoramento emergiram durante o mestrado, como apontadas no primeiro capítulo um desta tese. Tais ideias se materializaram no contexto da preparação do anteprojeto, visando à participação do processo seletivo para o doutorado profissional em educação em ciências e matemática do Ifes. Das ideias iniciais, durante o primeiro ano de doutoramento, ocorreu um processo tanto de maturação acadêmica, quanto da proposta em si. Ao construir uma prática, buscamos referenciais teóricos e metodológicos, momentos de interlocução com os pares e com os mais experientes, de onde decorrem as escolhas metodológicas. Assim, elegemos para esta tese uma proposta didática que interage com as aulas de campo e com as sequências de ensino investigativas, ancorada na abordagem do ensino de ciências por investigação. Para as ações/organização das atividades de ensino, optamos por propor uma prática pedagógica dividida em três etapas, quais sejam: sensibilização, experimentação e elaboração. As etapas devem privilegiar os pressupostos do ensino de ciências por investigação nas aulas de campo. As atividades investigativas devem apresentar problemas abertos e passíveis de solução; as hipóteses devem ser levantadas e testadas pelo estudante e o professor deve adotar uma postura problematizadora em cada uma das etapas. Com o objetivo de testar a proposta didática, elaboramos um modelo organizacional denominado SAIAC - sequência de atividades Investigativas em aula de campo, a qual foi planejada para ser o Produto Educacional (PE). Para dar materialidade ao PE elaboramos um handbook (Apêndice H) A intencionalidade na elaboração do handbook foi auxiliar outros professores (em especial da área de ciências) a utilizarem a proposta em sua prática pedagógica, sem necessariamente replicar a sequência de atividades investigativas em aulas de campo, desenvolvida nesta pesquisa de 164 doutoramento. O handbook é um guia explicativo contendo instruções relativas às etapas do desenvolvimento da SAIAC, com vistas a ser referência para professores da Educação Básica. Durante o planejamento das atividades investigativas, surgiu o primeiro esboço da SAIAC, ainda tímido e com muitas inconsistências. Somente alguns passos que considerávamos necessários para a incorporação da SEI aos três momentos da aula de campo. As escolhas não são definitivas, elas podem ser ampliadas e sofrer novas contextualizações a partir de novas leituras e modificadas de acordo com novos estudos, com novo olhar ou com novas experiências. Diante disso, elaboramos a SAIAC e passamos pelo processo de validação a priori, detalhada no capítulo cinco, no terceiro momento da seção organização da pesquisa e do produto educacional e novamente a redefinimos. Inicialmente nossa pretensão, considerando a formação em ciências biológicas desta professora/pesquisadora, seria desenvolver a SAIAC com alunos da primeira série do Ensino Médio durante as aulas de biologia, dentro do objeto de conhecimento ecologia. Com a mudança do currículo do Ensino Médio no estado do Espírito Santo, adaptamos a sequência de atividades para uma disciplina eletiva, formulada exclusivamente para o desenvolvimento da SAIAC. Para elaboração da SAIAC, tanto na versão inicial planejada para estudantes da primeira série do Ensino Médio, quanto na versão para a disciplina eletiva, foi utilizada uma estruturação voltada para os três momentos específicos das aulas de campo, o pré-campo, o campo e o pós-campo com as especificidades das etapas de uma sequência de atividades investigativa (Figura 11). 165 Figura 11 – Estruturação das etapas SAIAC Fonte: Elaborada pela autora (2023) A sensibilização contempla um diagnóstico inicial (sensibilização acerca do tema), uma problematização e uma instrumentalização primária. Os estudantes realizam a primeira leitura do conhecimento científico e os conteúdos são apresentados. Na experimentação, ocorre o refinamento desses conhecimentos, a instrumentalização secundária, no sentido de que é na própria prática, na própria vivência, que os estudantes adquirem novos conceitos e novas experiências, é a experimentação e a aplicação dos conhecimentos em campo. Temos a proposição de um novo problema que precisa ser resolvido dentro daquela realidade, o que gera a instrumentalização. O que foi construído até aquele momento é utilizado na etapa experimentação, demonstrando quais são esses conhecimentos, enfim, os estudantes experimentam, na prática, os conhecimentos que aprenderam, aplicando-os na formulação das hipóteses (para a resolução do problema proposto) testando-as em campo. Na elaboração ocorre a sistematização desses conhecimentos e a divulgação final da prática produzida pelos estudantes. No planejamento da SAIAC, efetivamente aplicada, foram considerados os indicadores de AC propostos por Sasseron e Carvalho (2008). Neste sentido, nossa intenção foi mobilizar processos de Alfabetização Científica por meio de atividades investigativas. Nesse processo, nos preocupamos com a promoção da AC, visto que 166 o ensino de ciências por investigação favorece a AC, de acordo com os referenciais teóricos adotados nesta tese. Também foram considerados para o planejamento da SAIAC o contexto escolar no qual as atividades foram executadas, como a sua sequenciação e integração, sem esquecer o título e os objetivos. Consideramos, ainda, a seleção do tópico de aprendizagem, as questões científicas exploradas, os recursos e as estratégias de ensino escolhidas (pesquisas, construção de texto coletivo, trabalho em grupo...), a etapa em que os estudantes se encontram, seus conhecimentos prévios e os instrumentos de avaliação. No transcurso da pesquisa, não foi ignorado oprocesso de prototipagem do produto educacional (PE), razão pela qual a SAIAC foi aplicada em duas escolas, indo ao encontro das orientações de Rizzati e colaboradores (2020, p. 6) acerca da “prototipagem - elaborar uma situação/artefato que simule o funcionamento do PE, com o objetivo de testar a funcionalidade e/ou usabilidade por parte do usuário”. Avaliando sobre quais meios poderíamos utilizar para verificar a aplicabilidade da proposta didática e sobre a possibilidade de ser utilizada por outros docentes, seja nas aulas de biologia, seja em disciplinas eletivas ou em outro componente curricular. Além disso, visando a garantir a replicabilidade em outros contextos escolares, entendemos que um handbook seria de fácil acesso para aqueles que desejam utilizar a proposta. A escolha do handbook, além da praticidade de estar disponível para download, possibilita, aos docentes interessados, uma visão geral da pesquisa sem necessariamente ler a tese, que é mais densa. Também é um material de acesso rápido, o qual dispõe de recursos digitais que possibilitam aumentar o tamanho da fonte, realizar anotações, destacar trechos no texto, navegar em fontes secundárias, entre outras possibilidades. A Figura 12 mostra as etapas do desenvolvimento do PE. 167 Figura 12 – Etapas do desenvolvimento do produto educacional (PE) Fonte: Rizzati et al. (2020, p. 18), adaptado pela autora 168 Para a produção do handbook, optamos por um material conciso e didático, indo ao encontro das ideias de Kaplún (2003) acerca da construção de material educativo. Inúmeras vezes, em determinados contextos, utilizamos com sucesso materiais no processo educativo não idealizados para esse fim, como algumas obras literárias, por exemplo. Enquanto bons materiais elaborados com finalidade educativa são pouco utilizados, porque tendem a se afastar do didatismo e acabam assemelhando-se àquelas obras não produzidas para tal finalidade (Kaplún, 2003). Kaplún (2003) reconhece três eixos para a análise e construção de mensagens educativas: o eixo conceitual, o eixo pedagógico e eixo comunicacional. Trata-se de eixos inerentes à formulação dos materiais e são a base para alcançar os objetivos propostos na construção do material educativo. A seguir, realizamos uma abordagem concisa dos três eixos apontados por Kaplún (2003), aproximando-os do planejamento do nosso produto educacional. Eixo conceitual: relaciona-se com escolha das ideias principais e do tema que compõem o material educativo e com sua organização. São realizadas pesquisas que perpassam os campos temático e diagnóstico, com vistas a conhecer, com profundidade, o objeto em questão, os conceitos que o articulam e o que mais está sendo discutido sobre a temática. Esta etapa da construção do material educativo possibilita que os temas sejam abordados com foco no público que se quer atingir. O eixo conceitual foi considerado durante todo o desenvolvimento da tese e, principalmente durante a realização do mapeamento sistemático, momento em que realizamos as leituras de trabalhos que dialogam com nosso objeto de estudo. O momento foi importante para o refinamento e aprofundamento das ideias, bem como nos auxiliou em algumas escolhas que dialogam mais especificamente com nosso objeto de estudo. Eixo pedagógico: por meio do eixo pedagógico se estabelece um caminho em que o público-alvo do material é convidado a trilhar, na perspectiva que se intenciona apresentar-lhe. Neste eixo, é necessário analisar e identificar as ideias que já estão presentes no destinatário, definir os conceitos a serem trabalhados, bem como as atividades que favoreçam a apropriação e aplicação desses conceitos. Deve-se, 169 também, definir o contexto e o interesse do grupo destinado. Nesta pesquisa, os destinatários descritos neste eixo são os professores da educação básica, aos quais o handbook se destina. O contexto da educação básica foi considerado para a elaboração de um produto educacional com potencial de efetividade. Eixo comunicacional: propõe um modo concreto de relação com os destinatários, ou seja, define como ocorrerá a comunicação com o destinatário escolhido de forma fecunda. É o formato e a linguagem utilizada no processo de criação que irá possibilitar a comunicação com o público-alvo. Pode-se recorrer à figura retórica ou poética, qualquer que seja o recurso que facilite e auxilie o processo pedagógico. Esse eixo é a articulação entre os eixos conceitual e pedagógico, mesmo que tal relação seja dinâmica e interdependente. À medida em que a tese se concretizava, entendemos que a escolha de um guia prático, um handbook, seria mais apropriado para a comunicação com nosso interlocutor, por sua objetividade e não demandar aprofundamento em discussões epistemológicas acerca do tema. Definimos que o guia de orientações seria apropriado para auxiliar o planejamento e as intencionalidades pedagógicas de cada etapa da proposta didática, a partir das ações concretas desenvolvidas na tese, por meio da SAIAC. Aqueles que desejarem maior aprofundamento epistemológico, poderão ler a tese. O handbook destaca a importância de ensinar a partir de um problema, com vistas a desenvolver a postura investigativa nos estudantes, superando o ensino de ciências descontextualizado. Para tal, são apresentadas a metodologia das aulas de campo, algumas bases da abordagem do ensino de ciências por investigação e sua relação com a Alfabetização Científica, bem como as sequências de ensino investigativa (SEI), utilizadas no ensino de ciências por investigação. O handbook também contém instruções para o desenvolvimento da proposta didática que incorpora as etapas da SEI aos três momentos de uma aula de campo, o pré-campo, o campo e o pós-campo. No capítulo 1 Aulas de campo, discutimos os espaços fora dos muros da escola como locais estimulantes para a aprendizagem de conteúdos curriculares e extracurriculares 170 e o planejamento das aulas de campo envolvendo os três momentos, o pré-campo, o campo e o pós-campo. No capítulo 2 Ensino de ciências por investigação e Alfabetização Científica destacamos nosso entendimento acerca da Alfabetização Científica. Explicitamos o ensino de ciências por investigação, tendo a formulação de um problema central para a abordagem de ensino e como um dos caminhos possíveis para a promoção da Alfabetização Científica. Desta perspectiva, apresentamos os indicadores da Alfabetização Científica propostos por Sasseron e Carvalho (2008, 2011). No Capítulo 3 Aproximações entre a metodologia das aulas de campo e a sequência de ensino investigativa (SEI), discorremos sobre o ensino de ciências por investigação e as SEIs, trazendo seus objetivos, suas etapas e a resolução de um problema como centralidade das atividades propostas. Também apresentamos a proposta didática materializada em uma sequência de ensino investigativa em aula de campo (SAIAC), considerando as especificidades da SEI e as três etapas da metodologia das aulas de campo. No capítulo 4 Ensino de ciências por investigação em aulas de campo: apresentação de um modelo para aplicação da proposta didática, exibimos o planejamento da prática pedagógica delineando cada etapa. Indicamos ações que auxiliam os professores na organização e na execução de uma sequência de atividades. Também apontamos alguns questionamentos que podem ser realizados durante o planejamento da prática pedagógica, com vistas a verificar se os objetivos estão sendo contemplados. Para ilustrar as orientações utilizamos a SAIAC, visando aproximar a proposta a situações reais vivenciadas no cotidiano escolar. No capítulo 5 Concluindo retomamos, brevemente, alguns pontos relevantes acercada proposta didática, materializado na sequência de atividades investigativas em aula de campo. Além da preocupação com os três eixos propostos por Kaplún (2003) na construção do produto educacional, é necessário que ele seja validado e, se necessário, 171 realizados os ajustes sugeridos pela equipe técnica que participou do processo de validação. 6.2 VALIDAÇÃO DO HANDBOOK ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO EM AULAS DE CAMPO: ORIENTAÇÕES PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA Inicialmente, para a elaboração de um handbook destinado a professores da educação básica, devemos considerar a adequação do vocabulário, sua coerência e se o planejamento da ideia central é de fácil compreensão e motivadora para os professores. Também é aconselhável a validação do material por profissionais especializados, a qual deve considerar aspectos como conteúdo, linguagem, ilustrações gráficas, apresentação do material, estímulo/motivação para sua leitura e adequação cultural ao seu público-alvo (Zombini; Pelicioni, 2019). Partindo desse pressuposto, o handbook foi validado em duas instâncias: A primeira validação foi composta pela banca avaliadora da tese e dividida em dois momentos (qualificação/defesa) e a segunda validação foi composta por três pareceristas, companheiros do doutorado, escolhidos com base nos parâmetros da formação, atuação e experiência em ensino de ciências na educação básica. O primeiro nível de validação envolveu a banca avaliadora da tese durante a fase de qualificação. Neste estágio, o handbook foi submetido a uma avaliação mais criteriosa por parte dos acadêmicos especializados na área. Entre os pontos sugeridos pela banca de qualificação para melhoria do handbook, destacam-se: • A avaliação é contínua, logo, necessita constar em cada uma das etapas da SAIAC. • Inserir no capítulo que trata das orientações para o planejamento da proposta didática as intencionalidades pedagógicas. • O guia deve orientar outros professores a planejar sua sequência de atividades investigativas em aulas de campo sem replicar a SAIAC desenvolvida na pesquisa. As etapas da SAIAC devem servir como exemplo. • Incluir nas orientações para o planejamento da proposta os objetivos pedagógicos e a utilização da taxonomia de Bloom. 172 A partir das considerações e orientações realizadas pela banca de qualificação, reelaboramos o handbook e enviamos para o segundo nível de avaliação. Para a segunda validação, desenvolvemos um instrumento com indicadores que permitiram aos avaliadores emitir um parecer pautado nos mesmos elementos. Desta maneira, o handbook foi encaminhado por e-mail aos três pareceristas. Nesse e-mail, também foi enviado um link de acesso ao instrumento de validação, organizado por meio do Google forms. O formulário (Apêndice I) contém perguntas sobre a aplicabilidade (avaliação da aplicabilidade), a replicabilidade (possibilidade de o produto ser utilizado em outros contextos escolares); a linguagem (avaliação da linguagem/escrita); a aplicação da metodologia das aulas de campo em diálogo com o ensino de ciências por investigação, bem como aspectos gerais acerca do produto. O primeiro grupo de perguntas (de 01 a 07) da validação do handbook foi destinado à apresentação do material, à coleta de informações pessoais, bem como às autorizações de divulgação dos resultados. Os três pareceristas que validaram o handbook estão cursando Doutorado em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo. Algumas informações profissionais dos pareceristas estão apresentadas no Quadro 22. Quadro 22 – Informações profissionais dos pareceristas que validaram o handbook NOME FORMAÇÃO TITULAÇÃO ETAPA EM QUE ATUA COMPONENTE CURRICULAR QUE ATUA Guilherme Augusto Maciel Ribeiro Licenciatura em Ciências Biológicas Mestre em Educação em Ciências e Matemática Ensino Fundamental/ séries finais e Ensino Médio Ciências e Biologia Raíza Carla Mattos Santana Licenciatura em Química Mestre em Educação em Ciências e Matemática Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos Química Robson Cordeiro Licenciatura em Filosofia e Pedagogia Mestre em Educação em Ciências e Matemática Ensino Fundamental/ séries iniciais Núcleo Comum e Filosofia Fonte: Elaborado pela autora (2023) 173 As questões oito e nove do formulário, com respostas de múltipla escolha, destinaram- se a identificar se os três professores tinham proximidade/afinidade com o ensino de ciências por investigação. O resultado apontou que os três participantes da validação conhecem a abordagem ensino de ciências por investigação. Tal aproximação com a abordagem, contribuiu para uma avaliação consciente e responsável do material. Nas questões de dez a quinze, buscamos coletar informações acerca da contribuição do material para o ensino de ciências na Educação Básica e no seu potencial de replicabilidade. Os três avaliadores concebem o handbook como um material que pode favorecer a prática investigativa em aula de campo na Educação Básica, apontando seu potencial de replicação. Os avaliadores consideram adequada a linguagem adotada no material educativo, considerando professores da educação básica, revelando, ainda que não teriam dificuldade em desenvolver a proposta didática, a partir do handbook. Na questão dezesseis, o parecerista foi convidado a emitir sua percepção geral acerca do guia prático, considerando pontos importantes para o aperfeiçoamento do material. Parte das observações dos pareceristas encontram-se transcritas a seguir. Guilherme Augusto Maciel: O handbook proposto tem total possibilidade de ser aplicado e replicado em escolas da Educação Básica. No entanto, seguem algumas poucas contribuições que poderão abrilhantar o PE: 1) Seria interessante oferecer um design atrativo, com uso de infográficos para dinamizar a leitura [...] 2) A inserção de imagens e exemplos práticos produzidos pelos estudantes ofereceria uma visualização potente para que os professores possam se inspirar para a elaboração de suas situações de aprendizagem via SAIAC. 3) Oferecer ao final do handbook sugestões de atividades como aquelas que deram origem à pesquisa doutoral [...] 4) No capítulo a que se refere à produção da SAIAC, seria interessante alguns reforços imagéticos (fotografias, esquemas, desenhos) evidenciando o passo-a-passo para a construção de uma SAIAC. Isso pode suavizar a quantidade de texto de modo a tornar ainda mais fluida e prática a produção de SAIACs por professores usuários do handbook [...] Creio serem essas as minhas singelas contribuições. O material está muito completo e bastante informativo. Atende plenamente as concepções de Kaplun no que tange aos aspectos pedagógicos, comunicacionais e conceituais. Excelente material de apoio ao professor. Simples, objetivo, didático e muito potente! Parabéns pela escrita cirúrgica. Amei! 174 Raíza Carla Mattos Santana: O material possui linguagem adequada, aporte teórico significativo e orientações objetivas quanto ao que se propõe. Percebe-se que a intencionalidade pedagógica de sugerir uma prática estruturada para aulas de campo a partir do Ensino de ciências por Investigação e Alfabetização Científica. É brilhantemente atendida. O conteúdo é bem estruturado e apresenta uma proposta interessante para integrar as etapas da metodologia das aulas de campo com as etapas de uma Sequência de Ensino Investigativa (SEI), culminando em um modelo chamado SAIAC (Sequência de Atividades Investigativas em Aula de Campo). Portanto, o handbook pode se tornar uma ferramenta potente para os educadores interessados em enriquecer suas práticas pedagógicas. Pontos positivos: Clareza da proposta: O texto consegue transmitir com clareza o objetivo da SAIAC, que é unir os três momentos dasaulas de campo com as etapas de uma SEI, promovendo uma abordagem investigativa em uma aula de campo. Relação entre teoria e prática: A proposta ressalta a importância de vincular a teoria e a prática por meio de atividades investigativas, o que pode enriquecer o aprendizado dos estudantes e aproximá-los da relação homem- natureza. Enfoque na Alfabetização Científica: A SAIAC é apresentada como uma estratégia para mobilizar processos de Alfabetização Científica, baseada nos indicadores propostos por Sasseron e Carvalho (2008). Essa abordagem pode ser significativa para o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo dos estudantes. Organização das etapas: O texto detalha as etapas da SAIAC, começando pelo pré-campo, passando pelo momento campo e finalizando com o pós- campo. Essa estruturação ajuda os docentes a visualizar como a abordagem pode ser implementada em diferentes fases da aula de campo. Pontos para o aperfeiçoamento: Contextualização do uso da SAIAC: Seria interessante destacar em que cenários a SAIAC pode ser mais eficaz e quais os benefícios específicos que ela traz em comparação com outras abordagens de ensino [...]. Exploração dos resultados da avaliação formativa: Poderia incluir uma seção dedicada à avaliação dos resultados e do processo investigativo. Discutir como avaliar o aprendizado dos estudantes e a eficácia da abordagem contribuiria para o sucesso da implementação da SAIAC. Como a proposta é que tal proposta didática seja desenvolvido no contexto da educação básica, seria importante focar um pouco mais nos aspectos avaliativos, visto que há esse tipo de cobrança nos sistemas educacionais [...]. Robson Vinicius Cordeiro: O handbook inova ao demonstrar a aplicação da SEI dentro de uma perspectiva de ensino-aprendizagem diferenciada (as aulas de campo). Contribui imensamente para reafirmar a necessidade de um planejamento bem fundamentado para práticas pedagógicas em espaços diferenciados da escola e destaca possibilidades de desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor que podem ficar esquecidos nos processos de aprendizagem. A linguagem é clara, objetiva e didática, enriquecida por esquemas e quadros que ilustram as discussões e tornam ainda mais fácil a compreensão dos processos em debate. Precisa de pequenos ajustes no texto e nos quadros, mas nada que comprometa a qualidade do material. Um primor de produto educacional! Faço uma observação: apesar de dizer que não há questões epistemológicas em debates, elas se fazem presentes nas escolhas metodológicas, nos modos de abordagem pedagógica, nas práticas realizadas. Não é possível fugir das bases epistemológicas, pois elas são inerentes às nossas formas de agir. Parabéns!!! Sou seu fã! 175 Cabe ressaltar que o último avaliador (Robson), por questões de conflito de agenda, recebeu o material posteriormente aos ajustes realizados a partir das considerações dos outros dois avaliadores (Raíza e Guilherme). Esse fato justifica os elogios realizados aos esquemas e quadros, enquanto os dois primeiros avaliadores consideraram inserir mais esquemas, quadros e imagens. A banca avaliadora da tese realizou o segundo momento da primeira validação, durante a defesa, de acordo com a proposta de Rizzati et al. (2020) que apresenta diversos critérios a serem considerados na análise de um PE, tais como complexidade, registro, impacto, aplicabilidade, aderência e inovação. Com base nessas considerações e nos debates ocorridos na área de Ensino entre 2017 e 2019, foi elaborado um modelo de ficha de validação a ser utilizado na avaliação dos produtos educacionais (Anexo 3). Depois de realizadas os dois momentos de validação em primeira instância (qualificação/defesa), consideramos importante expor, resumidamente, algumas considerações realizadas pela banca durante a defesa da tese, quais sejam: • A proposta didática do guia prático contempla o objetivo de facilitar a compreensão e a implementação da prática pedagógica em outros contextos escolares. • A produção do material levou em consideração a praticidade como elemento essencial. • O material contribui para orientar educadores na promoção da compreensão crítica dos estudantes em relação aos tópicos científicos abordados. • A proposta didática é flexível e replicável, bem como adaptável. • O guia prático se destaca como um valioso recurso educacional, combinando sólido referencial teórico e qualidade gráfica. • A clareza das informações é um ponto notável no handbook. • A qualidade gráfica do material contribui significativamente para a experiência do usuário, tornando o conteúdo mais atraente e facilitando a compreensão dos conceitos apresentados. • O produto demonstra aderência com a linha de pesquisa no qual está inserido. 176 A validação do PE permitiu identificar possíveis lacunas que poderiam comprometer suas potencialidades. Além disso, contribuiu para a sua credibilidade e confiabilidade. Em síntese, a validação contribuiu para a melhoria contínua do produto, possibilitou a identificação de algumas inconsistências, bem como o potencial de aumentar sua credibilidade perante o público-alvo (professores da Educação Básica). Na trilha dessas reflexões, concluímos que o PE assumiu um papel central nesta pesquisa. A SAIAC se materializou no formato de um handbook, um guia prático desenvolvido com o objetivo de facilitar a compreensão e a utilização da proposta didática em outros contextos escolares. As etapas da SAIAC (sensibilização, experimentação e elaboração) foram projetadas para promover o favorecimento da aprendizagem por meio de problemas contextualizados, alinhando-se ao enfoque do ensino de ciências por investigação em aulas de campo, com vistas a mobilização de processos para a Alfabetização Científica. Por fim, destacamos, que além da validação do handbook, buscamos validar a SAIAC em duas escolas distintas: a Escola Nair Miranda e a Escola José Pinto Coelho. O desenvolvimento da proposta didática na Escola Nair Miranda ocorreu no contexto de uma disciplina eletiva, planejada especificamente para o desenvolvimento da sequência de atividades com estudantes do ensino médio, local onde ocorreu a produção (coleta) gerando dados para análise. Assim sendo, abordaremos no próximo capítulo, as análises da proposta didática. 177 7 A SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES INVESTIGATIVAS EM AULAS DE CAMPO: ANÁLISE DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA O foco deste capítulo são os dados produzidos. Inicialmente descrevemos a aplicação da SAIAC na escola Nair Miranda, em aulas do componente curricular eletiva. Posteriormente, analisamos os dados que produzimos nesta escola. Para tal, verificamos a viabilidade da adaptação dos três momentos: o pré-campo, o campo e o pós-campo incorporados às etapas de uma SEI, a partir de evidências extraídas de cada uma das etapas da SAIAC, a sensibilização, a experimentação e a elaboração. Continuamos a reunião dos dados, de modo a identificar os indicadores de Alfabetização Científica que surgiram durante o desenvolvimento das atividades. A análise foi organizada de modo a evidenciar esses indicadores em cada uma das dimensões (dados obtidos, organização do pensamento e compreensão da situação analisada). Finalizamos com a análise da prática pedagógica, com vistas a verificar se ela favoreceu a aprendizagem sobre sucessão ecológica. Utilizamos como categorias de análise os objetivos previstos para cada uma das etapas da SAIAC. Ainda nesse capítulo, discorremos sobre a replicação da intervenção pedagógica em duas turmas da escola José Pinto Coelho, em aulas do componente curricular projetos integradores de ciências da natureza. Apresentamos algumas adequações para contemplar a realidade local, as percepções da professora de biologia, que em parceria com esta professora/pesquisadora, conduziuas atividades propostas, bem como as percepções de duas estudantes das turmas em que a prática pedagógica foi replicada. 7.1 UM OLHAR SOBRE A DISCIPLINA ELETIVA “PODE ENTRAR, A CASA É SUA” Conforme detalhado na metodologia desta tese, no segundo momento da pesquisa ficou definido que a SAIAC seria aplicada durante a oferta da disciplina eletiva, pensada e planejada para o desenvolvimento da sequência de atividades com estudantes do Ensino Médio. As disciplinas eletivas são ofertadas trimestralmente/semestralmente e os estudantes fazem suas escolhas por meio do Feirão de Eletiva (organizada por meio de edital). Nesse feirão, os professores 178 divulgam sua temática e quais metodologias serão utilizadas para o seu desenvolvimento. As eletivas são multisseriadas e objetivam diversificar, aprofundar e/ou enriquecer os conhecimentos oferecidos pelos componentes curriculares da BNCC. Realiza-se, semanalmente, em dois tempos de 50 minutos em aulas geminadas e os professores devem ser de componentes curriculares diferentes e, de preferência, de diferentes áreas de conhecimento. No final de cada trimestre, ocorre a “culminância das eletivas”, com uma mostra do/s produtos desenvolvidos. No Processo de planejamento/elaboração, cada dupla de professores propõe uma eletiva, utilizando como base o material produzido no acolhimento inicial do ano letivo, no resultado da avaliação diagnóstica, no projeto de vida dos estudantes e em um dos temas da BNCC (Espírito Santo, 2021). A escola em que os dados foram analisados foi o Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Tempo Integral Nair Miranda, localizado em Fundão/ES. Os sujeitos da pesquisa foram vinte e seis alunos do Ensino Médio: quatro estudantes da primeira série, dez estudantes da segunda série e doze estudantes da terceira série. É importante relatar as ações realizadas no transcurso da disciplina eletiva antes de apresentarmos a prática pedagógica, com vistas à posterior análise dos dados produzidos, facilitando a compreensão das etapas do processo. Para iniciar a disciplina eletiva, lembramos que parte das atividades seriam utilizadas na tese da professora de biologia, expusemos os aspectos éticos da pesquisa, bem como a ementa. Após essa parte inicial situando a disciplina para os alunos, exibimos o filme “Ainbo – Guerreira da Amazônia. Nossa intenção, inicialmente, foi exibir um filme que retratasse a Mata Atlântica. No entanto, na busca por títulos que fossem atraentes para os estudantes, optamos por tal filme, por considerar o interesse deles por gêneros cinematográficos de aventura. Dentro desse gênero não localizamos um título que retratasse a Mata Atlântica. Os estudantes foram instruídos a estarem atentos aos aspectos ecológicos mostrados no filme (Quadro 23). 179 Quadro 23 – Planejamento da disciplina eletiva – aula 1, 2 e 3 Aulas Aula 1 (100 minutos) DESENVOLVIMENTO Atividades - Explicar o que é um projeto de doutoramento, o objetivo da pesquisa e a participação dos alunos na produção dos dados para estruturar e compor a análise da pesquisa. - Projetar a ementa da eletiva e explicá-la. - Exibir o filme: Ainbo - A Guerreira da Amazônia. 1h 24min / Animação, Aventura. Aulas Aula 2 (100 minutos) Atividades - Continuação da exibição do filme: Ainbo - A Guerreira da Amazônia. - Formação de grupos de até 05 componentes. - Distribuir material impresso contendo conceitos relacionados a ecologia: Nicho, habitat, biomas, componentes bióticos, abióticos, teia e cadeia alimentar. - Entregar para grupo uma cartolina branca para que produzam cartazes relacionando cenas do filme com os conceitos de ecologia que receberam. Aulas Aula 3 (100 minutos) Atividades - Construção dos cartazes relacionando cenas do filme com alguns conceitos de ecologia que receberam. Fonte: Elaborado pela autora (2023) Após assistirem ao filme, os estudantes, em grupo, construíram cartazes aproximando cenas do filme à conceitos relacionados à ecologia, quais sejam: Nicho, habitat, biomas, componentes bióticos e abióticos, teia e cadeia alimentar (Figura 13). Também lhes foi solicitado que intitulassem seus grupos, visto que a formação seria a mesma durante todas as aulas da disciplina eletiva e a pesquisadora/professora de biologia utilizaria esses nomes nas análises da pesquisa. 180 Figura 13 – Cartazes produzidos pelos estudantes relacionando conceitos ecológicos a cenas do filme Ainbo Fonte: Elaborada pela autora (2023) Na aula quatro (Quadro 24), cada grupo apresentou o cartaz e explicou quais aspectos estudados da ecologia conseguiram relacionar com o filme. Nesse momento, as professoras fizeram intervenções, quando necessário, e lembraram que o bioma em que o Espírito Santo está inserido é o da Mata Atlântica, não representado no filme. Após a apresentação dos cartazes, cada grupo recebeu um caderno de campo (Figura 14) para personalizarem com o nome escolhido. Quadro 24 – Planejamento da disciplina eletiva – aula 4 Aulas Aula 4 (100 minutos) Atividades - Apresentação dos grupos: Cada grupo explica o cartaz que produziu a partir das cenas do filme Ainbo. - Entregar para cada grupo um caderno de campo. Explicar que o caderno de campo os acompanhará durante toda a disciplina eletiva para a produção de relatos e anotações. - Solicitar que personalizem o caderno de campo e atribuam-lhe nome, o qual deve constar no caderno juntamente como o nome dos componentes do grupo, visando garantir o anonimato. Fonte: Elaborado pela autora (2023) 181 Figura 14 – Alunos personalizando o caderno de campo Fonte: Elaborada pela autora (2023) Nas aulas cinco, seis e sete (Quadro 25), foi realizado um júri simulado, com objetivo de discutir o tema responsabilidade ambiental. As professoras atuaram como juízas e os estudantes foram divididos em dois grupos e cada qual elegeu seu representante (advogado), bem como as testemunhas de defesa e de acusação. Quadro 25 – Planejamento da disciplina eletiva – aula 5, 6 e 7 (continua) Aulas Aula 5 (100 minutos) Atividades - Formação do júri simulado - O caso: A empresa Tabajara entrou com uma ação na justiça a fim de conseguir liberação para aterrar um brejo localizado próximo a escola. Nesse local a empresa irá construir um edifício de 05 andares. - Tarefas: Dividir os personagens - Juízes - tomadores de decisão (estudar todo o processo para, depois de ouvir os grupos contra e a favor, tomar a decisão final sobre o aterramento) - Grupo favorável ao aterramento do brejo (estudar meios para obter a liberação do aterramento e conseguir testemunhas para dar depoimento a favor da obra) - Grupo contra (estudar para encontrar argumentos, a fim de convencer os juízes acerca da importância dos brejos para o município. - Testemunhas de defesa – Dar depoimento a favor do aterramento. - Testemunhas de acusação – Dar depoimento contra o aterramento. 182 (conclusão) Aulas Aula 6 (100 minutos) Atividades - Organização do júri simulado - Os grupos se organizam, estudam o caso, selecionam as testemunhas e constroem seus argumentos Aulas Aula 7 (100 minutos) Atividades - Juri simulado: Apresentação do Juri Simulado com os grupos formados. - Organizar um espaço que lembre um tribunal. - Auxiliar os juízes a manter a ordem e a condução dos debates. Fonte: Elaborado pela autora (2023) Depois de os grupos estudarem o caso apresentado, foi realizado o debate acerca do empreendimento. Não houve sentença ao final do júri simulado, mas, as professoras expuseram as principais dificuldades encontradas pelos órgãos responsáveis, quando da análise de situações semelhantes ao do júri simulado, por isso o recurso de compensação ambiental. Nesse momento, foi explicadocomo funciona os processos, de um modo geral, de compensação ambiental. A partir da oitava aula, iniciamos as atividades investigativas em aula de campo, que será detalhada a seguir. 7.2 SENSIBILIZAÇÃO: DIAGNÓSTICO INICIAL – INSTRUMENTALIZAÇÃO PRIMÁRIA Ao planejar a etapa da sensibilização, evitamos aulas totalmente expositivas, buscando situar os estudantes no centro do processo de aprendizagem. Nossa principal preocupação foi proporcionar um espaço em que os educandos pudessem estabelecer relações entre os conceitos científicos inerentes ao objeto de conhecimento “sucessão ecológica” com seu cotidiano. Os trabalhos foram desenvolvidos na sala de biologia da escola Nair Miranda (Figura 15). 183 Figura 15 – Registro dos alunos desenvolvendo atividades na etapa sensibilização Fonte: Elaborada pela autora (2023) A etapa sensibilização foi realizada durante três semanas, totalizando seis aulas de cinquenta minutos. Para iniciar, os alunos (reunidos em seus grupos, previamente definidos) discutiram sobre conceitos de comunidade, população e ecossistemas. Para essa primeira discussão, não utilizaram nenhuma fonte de pesquisa, somente seu acervo de conhecimentos prévios. Após o levantamento dos conceitos, por meio de brainstorm, pesquisaram em seus celulares e escreveram no caderno de campo o conceito pesquisado e o que mudou acerca da discussão anterior à pesquisa. Após os registros, houve a partilha das informações entre os grupos, com as devidas intervenções realizadas, quando necessário, pela professora e pela professora/pesquisadora. A atividade seguinte constitui a resolução de uma situação-problema: A maioria de vocês conhece o Parque Municipal de Goiapaba-Açú, localizado aqui em Fundão. Sabem que lá encontramos muita vegetação e animais entre os seres daquela rica biodiversidade. Imaginem a seguinte situação: Um sitiante próximo ao Parque cultiva café em sua propriedade, porém houve uma praga que matou toda a plantação. Com a morte do cafezal, o sítio ficou devastado, sem vegetação alguma. O sitiante, desolado, abandonou a propriedade e se mudou para Vitória. Passados 184 quinze anos, ele voltou para ver como estava sua propriedade. Para surpresa, havia uma mata em formação no local. Buscamos aproximar o conteúdo científico estudado à realidade dos estudantes, visto que a maioria deles conhecem o Parque Municipal do Goiapaba-Açú e tem uma relação de pertencimento com o local. Os grupos se reuniram para responder à questão proposta e registraram as hipóteses formuladas no caderno de campo. Cada grupo expôs para os demais estudantes a hipótese que havia levantado e, conforme surgiam outras hipóteses sobre como a floresta estava reaparecendo, a professora/pesquisadora complementava com conceitos dos estágios de sucessão ecológica, regeneração natural, entre outros conceitos inerentes à sucessão ecológica. O debate se ampliou com os alunos dialogando e verificando equívocos e/ou acertos nas hipóteses levantadas. Ainda na etapa sensibilização, foram distribuídos temas para os grupos pesquisarem e colocar em discussão, seguido dos registros das conclusões no caderno de campo para posterior partilha. Os temas foram: sucessão ecológica primária; sucessão ecológica secundária; comunidade pioneira; comunidade intermediária; comunidade clímax; sucessão em floresta. Após a atividade, os estudantes produziram cartazes com os resultados da pesquisa. Também houve partilha dos dados pesquisados, com intervenção das professoras quando necessário. Para finalizar a etapa sensibilização, exibimos os documentários “Centenário de nascimento do naturalista Augusto Ruschi” (15 minutos de duração) e o vídeo: Visita [virtual] ao INMA - Museu de Biologia Prof. Mello Leitão (9 minutos de duração), seguidos de uma roda de diálogo sobre a história da vida do naturalista e fundador do Museu de Biologia Professor Mello Leitão, atual Instituto Nacional da Mata Atlântica. Também orientamos para o a etapa experimentação: vestimenta, regras de comportamento em campo, horários, entrega da autorização para saída a campo, bem como os detalhes de modo a não haver intercorrências durante a etapa experimentação. 185 7.3 EXPERIMENTAÇÃO: SITUAÇÃO-PROBLEMA, INSTRUMENTALIZAÇÃO SECUNDÁRIA - APLICAÇÃO DOS CONHECIMENTOS Após a realização das atividades propostas nas etapas sensibilização, nos preparamos para a experimentação, a saída da escola para o campo, o qual contou, além da professora/pesquisadora e da professora de geografia, com uma professora de educação especial, visto que um dos alunos da disciplina eletiva tem necessidades educativas especiais. O embarque para o INMA ocorreu na escola, às sete horas e cinquenta minutos, após a verificação da documentação exigida para saída com alunos. Nesse momento, também retomamos as atividades que seriam desenvolvidas no Instituto, os horários dos lanches, almoço e retorno para a escola. Como a escola é de tempo integral, além das atividades planejadas especificamente para a etapa experimentação, ocorreram outras atividades oferecidas pelo próprio Instituto Nacional da Mata Atlântica, em razão do que a etapa se encerrou às dezesseis horas, com retorno à escola às dezesseis horas e quarenta minutos. No INMA estivemos acompanhados por uma monitora e um segurança. Após o lanche realizado no INMA, no momento da chegada, recebemos as orientações iniciais da monitora e do segurança e demos início as atividades planejadas para o dia. Antes de as iniciarmos, a monitora mediou uma visita mediada oferecida aos grupos escolares, a qual consiste em conhecer as exposições permanentes e temporárias e o parque zoobotânico do Instituto (Figura 16), obedecendo, de modo geral, ao seguinte roteiro: 1º Ponto: De frente para o busto do Prof. Mello Leitão (Pau Brasil, Canhão, Âncora) 2º Ponto: Eucaliptos (Eucalipto, Palmeiras Imperiais) 3º Ponto: Viveirão (Paineira) 4º Ponto: Ofidiário 5º Ponto: Viveiros (Saguis-da-cara-branca, aves e antigo orquidário) 6º Ponto: Jabutis e tigres d’água 7º Ponto: Casa de Augusto Ruschi 8º Ponto: Pavilhão de Ornitologia 9º Ponto: Casa das epífitas 10º Ponto: Jardim Rupestre (Piteira; cactos) 11º Ponto: Pavilhão de Botânica (abriga exposições temporárias. 186 Figura 16 – Imagens dos locais explorados durante a visita monitorada. Os números representam os pontos visitados Fonte: Elaborada pela autora (2023) Em razão de uma solicitação nossa, a visitação ocorreu de modo a permitir os estudantes terem a liberdade de explorar os pontos de visitação sem muita intervenção da monitora (Figuras, 17, 18 e 19). Para isso, a monitora evitou relatos longos acerca dos locais explorados, procurando responder às dúvidas que surgiam. Em virtude desse ato, a visitação se estendeu por aproximadamente uma hora e quarenta minutos, impossibilitando o início das atividades planejadas para o campo ainda no período matutino. 187 Figura 17 – Monitora do INMA mostrando os jabutis no 6º ponto de visitação: Terrário dos quelônios Fonte: Elaborada pela autora (2023) Figura 18 – Estudantes observando os animais taxidermizados no 8º Ponto: Pavilhão de Ornitologia Fonte: Elaborada pela autora (2023) 188 Figura 19 – Estudantes fotografando às aves em cativeiro no 3º Ponto de visitação Fonte: Elaborada pela autora (2023) Após o encerramento da visita monitorada, ocorreu o momento do almoço com os estudantes. A refeição foi oferecida pela EEEFM José Pinto Coelho, localizada a aproximadamente dois quilômetros do INMA. Saímos do Instituto as onze horas e quarenta minutos e retornamos as treze horas e dez minutos. De