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BECCARIA, C. Dos delitos 
e das penas. São Paulo: 
Edipro, 2017.
A CRÍTICA À VIOLÊNCIA NO JUÍZO 
E NA PUNIÇÃO
Um dos principais pensadores jurídicos do Iluminismo foi o italiano Cesare 
Beccaria (1738-1794). Sua obra Dos delitos e das penas (1764) é considerada um 
marco na humanização do direito penal no Ocidente. Beccaria apresentou uma 
crítica frontal à pena de morte, que, para ele, era:
a) ilegal, pois a vida é o principal direito e o maior bem de uma pessoa; logo, a 
sentença deve se voltar à privação da liberdade, um direito natural de todos;
b) inútil, pois condenar o criminoso à prisão em tempo proporcional ao crime 
cometido já é eficaz em dar o exemplo e afastar um perigo para a sociedade;
c) desnecessária, pois a execução de um criminoso, por mais impactante que 
seja no momento, tende a ser esquecida, ao passo que a prisão perpétua, nos 
casos graves, priva para sempre o indivíduo do sagrado direito à liberdade;
d) nociva “pelo exemplo de crueldade que ela dá”, além de ser um contrassen-
so punir um assassino por meio de um assassinato público.
Beccaria também posicionou-se contra o uso da tortura no interrogatório dos pre-
sos, sobretudo porque deve prevalecer a presunção de inocência, e não de culpa: 
como a maioria da população cumpre as leis, deve-se evitar punir inocentes por 
engano. O sofrimento imposto pelo tormento, além de cruel, seria ineficaz para a 
obtenção da verdade. Em resumo, “a tortura seria o meio seguro 
para absolver os delinquentes de constituição resistente e con-
denar os inocentes fracos e debilitados”.
De maneira geral, a abolição gradual da tortura em juízo se-
guiu entrelaçada com a crítica iluminista da pena de morte e, 
principalmente, com a valorização da prisão como meio legítimo 
de castigo para diversos tipos de crimes. As prisões, até o século 
XVIII, não tinham caráter punitivo, embora fossem insalubres e 
cruéis. Eram lugares de reclusão provisória, onde os acusados 
aguardavam o processo ou a execução da sentença, que variava 
conforme o arbítrio do juiz e a posição social do condenado.
Além da pena capital, prevalecia então a condenação a tra-
balhar em obras públicas ou a remar em galeras, sempre com 
grilhões. Em outros casos, a punição era o desterro: o indivíduo 
era obrigado a se mudar para locais inóspitos, o que atendia às 
necessidades do Estado de povoar esses lugares. Podia-se agra-
var a condenação com açoitamentos públicos. A ideia correcional 
era limitada a provocar, por meio de sofrimento físico, emocional 
ou pela privação da liberdade, algum arrependimento.
galera
embarcação movida a 
remo e vela. Muito usada 
em guerras, podia reunir 
dezenas de remadores 
em seu interior.
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As reflexões de Beccaria tiveram enorme impacto nas reformas dos códigos penais no Ocidente. Até 
mesmo a Inquisição portuguesa se deixou influenciar pelos novos princípios. Em seu regimento de 1774, 
referiu-se à tortura como “inteiramente estranha aos pios e misericordiosos sentimentos da Igreja Mãe, a 
mais segura invenção para castigar um inocente fraco e para salvar um culpado robusto”.
 1 Identifique, no trecho do regimento da Inquisição portuguesa, as razões humanitárias ou religiosas e as 
razões judiciárias do combate à tortura pela Igreja.
 2 Segundo o argumento da Inquisição portuguesa, a pena de morte poderia ser defendida para quem 
fosse comprovadamente culpado de um crime considerado grave? Por quê?
ANALISAR E REFLETIR
Retrato de Cesare 
Beccaria, de artista 
desconhecido, século XVIII.
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A INVENÇÃO DO PRES ÍD IO
A construção de um sistema prisional mudou substantivamente o quadro do 
sistema penal no Ocidente. Ao longo do século XIX, multiplicaram-se as instala-
ções penais permanentes, que eram amplas o suficiente para abrigar centenas 
ou até milhares de condenados por diversos crimes. A punição de criminosos 
ficou cada vez mais associada à privação da liberdade, ora por tempo mínimo, ora 
por muitos anos ou até perpetuamente.
Em todo o mundo, o modelo dominante atual é o de presídio ou penitenciária 
como espaço de punição e de ressocialização do criminoso. A ideia é disciplinar 
o detento, levando-o a se adaptar às expectativas da vida em sociedade e às leis 
vigentes. Esse modelo implica que o condenado: trabalhe na comunidade prisio-
nal, até mesmo para ajudar a custear os gastos com sua internação; submeta-
-se a cursos profissionalizantes ou à instrução convencional; siga os protocolos 
penitenciários; frequente a biblioteca do presídio; observe as regras relativas às 
visitas de parentes; pratique esportes. O atendimento a essas condições pode 
levar à comutação do regime de cumprimento da pena: o condenado pode passar 
ao regime semiaberto, ao de prisão domiciliar ou mesmo ao de liberdade condi-
cional, monitorado por agentes penitenciários.
Os propósitos desse modelo, no entanto, têm fracassado em quase todo 
o mundo. As penitenciárias, sobretudo no século XX, transformaram-se em 
espaços nos quais facções do crime organizado aliciam novos integrantes, 
mesmo entre pessoas condenadas por crimes leves – algumas injustamente. 
A violência sexual e a extorsão de dinheiro e favores são a regra, em especial 
para quem se recusa a obedecer aos chefes das facções. Nos Estados Unidos, 
por exemplo, os presos são coagidos a aderir a facções étnicas ou religiosas 
sob pena de serem molestados ou assassinados. Além disso, os detentos são, 
muitas vezes, submetidos a más condições de higiene e alimentação, humi-
lhados e até agredidos pelos agentes penitenciários, o que gera ressentimen-
to e revolta.
No Brasil, a criação do 
sistema penitenciário foi 
tardia, iniciando-se em 
1909. Ao longo do século 
XIX, prevaleceu um 
sistema híbrido, com a 
manutenção de cárceres 
e da pena de morte. 
Homens e mulheres 
escravizados foram as 
maiores vítimas da pena 
de morte, que caiu em 
desuso a partir de 1876, 
quando o escravizado 
Francisco, em Alagoas, 
foi enforcado. Os 
suplícios deixaram 
de ser praticados nas 
penas capitais a partir 
da década de 1830.
OBSERVE QUE . . .
Em 1992, a Polícia Militar de São Paulo (SP) reprimiu com extrema violência uma rebelião no 
presídio do Carandiru, o que resultou na execução de 111 detentos. Na foto, familiares, amigos 
e outras pessoas se aglomeram na entrada do presídio em busca de informações sobre os 
detentos.
Sobrevivendo no 
inferno
Racionais MCs. 
Cosa Nostra 
Fonográfica, 1997.
Álbum mais 
consagrado do grupo 
paulistano de rap, 
reúne composições 
que abordam as 
desigualdades 
sociais. A letra 
de “Diário de um 
detento”, composta 
em parceria com um 
ex-presidiário, traz 
aspectos da violência, 
do tédio e da falta de 
perspectiva da vida no 
cárcere.
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