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A preocupação em usar a tortura como meio de interrogatório para alcançar 
uma verdade credível era tal que diversos códigos europeus dos séculos XVI e 
XVII recomendavam não se aplicarem seguidas sessões de tormento físico ao 
mesmo réu; desse modo, seria possível evitar confissões falsas, movidas unica-
mente por medo da dor.
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Tribunal da inquisição, do pintor espanhol Francisco de Goya (1746-1828), 1812-1819 (óleo sobre madeira, de 46 cm 3 76 cm). 
A obra representa um auto de fé, evento no qual os acusados de heresia eram submetidos a constrangimento público, 
interrogados e coagidos a confessar suas transgressões, não raro sob tortura, antes de terem suas sentenças anunciadas.
Tortura e desumanidade
Leia o texto a seguir.
As sociedades que não reconhecem a dignidade da pessoa humana ou professam reconhecê-la 
e não fazem na prática, ou a reconhecem apenas em circunstâncias extremamente restritas, tor-
nam-se sociedades em que existe a tortura, mas também sociedades nas quais a presença da tor-
tura transforma a própria dignidade humana e, consequentemente, toda a vida individual e social. 
PETERS, Edward. História da tortura. Lisboa: Teorema, 1994. p. 213.
■ Com base no texto, discuta com os colegas:
a) a relação entre a filosofia humanista e a prática da tortura;
b) se o autor sugere que existem sociedades que condenam a tortura, mas a praticam;
c) se a prática da tortura em prisões ou em organizações criminosas da atualidade indica que a dignidade 
humana, como princípio, é um valor desprezado.
QUESTÕES EM FOCO
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O I LUMIN ISMO CONTRA A 
TORTURA
O questionamento sobre a tortura e, em menor escala, sobre a pena de mor-
te derivou de um grande processo de transformação no pensamento ocidental 
entre os séculos XV e XVIII. Não foi à toa que a Inquisição perseguiu cientistas 
no início desse período: ao valorizar o pensamento racional e o conhecimento 
empírico para entender a realidade, esses pensadores contrariavam os modelos 
teológicos tradicionais. Com a chamada Revolução Científica, a Igreja católica viu 
sua influência sob ameaça.
A busca por explicações que não dependessem apenas da religião também se 
estendeu ao campo da política. No século XVII, Thomas Hobbes sustentou que o 
poder dos reis não derivava do direito divino, mas de um pacto entre os indivíduos. 
Para evitar a guerra de todos contra todos, eles delegariam o poder a um soberano 
que controlasse o cumprimento desse contrato. O surgimento do Estado era, por-
tanto, a solução necessária para conter os apetites egoístas do ser humano.
Foi o filósofo inglês John Locke (1632-1704), porém, quem introduziu uma crí-
tica contundente ao absolutismo e à violência, fosse na tortura judiciária, fosse 
nas crueldades das penas capitais. Ele defendeu a liberdade e a tolerância como 
virtudes e estabeleceu três direitos básicos: à vida, à liberdade e ao patrimônio. 
Na obra Dois tratados sobre o governo civil, Locke escreveu: “a liberdade do ho-
mem na sociedade consiste em não ser submetido senão ao poder legislativo, 
estabelecido de comum acordo no Estado, e em não reconhecer nenhuma auto-
ridade ou lei fora das criadas por este poder”.
Cientistas e filósofos do século 
XVII abriram caminho para o Ilumi-
nismo ou esclarecimento, processo 
em que, segundo o filósofo alemão 
Immanuel Kant (1724-1804), o ser 
humano sairia de sua “menoridade” 
graças ao uso da razão e ao exercício 
da liberdade de pensamento. Na Eu-
ropa do século XVIII, multiplicaram-
-se descobertas de caráter científico, 
bem como obras de filosofia políti-
ca questionadoras da violência e da 
opressão dos Estados absolutistas. O 
século XVIII foi um tempo de afirma-
ção do racionalismo e do humanis-
mo no pensamento ocidental.
Esse ambiente de renovação cul-
tural repercutiu nos saberes jurídi-
cos, e foram escritas obras dedica-
das a reformar as práticas judiciárias 
dos Estados, no Ocidente, com des-
taque para as críticas ao uso da tor-
tura nos interrogatórios processuais 
e mesmo à pena de morte.
LOCKE, J. Dois tratados 
sobre o governo civil. 
Coimbra: Edições 70, 2019.
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Retrato do filósofo inglês John Locke, de 
Godfray Kneller (1646-1723), 1697 (óleo 
sobre tela, de 76 cm 3 64 cm). Atualmente, 
a obra está em exposição no Museu 
Hermitage, em São Petersburgo, Rússia.
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