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C e n tr a l P re s s /H u lt o n A rc h iv e /G e tt y I m a g e s O fascismo, por sua vez, passou quinze anos sem fazer nenhuma perseguição aos judeus. O antissemitismo não integrava, portanto, o regime de Mussolini até 1938, quando foram decretadas medidas antissemitas contra os judeus italianos. Elas só foram adotadas por pressão de Hitler, cujo Estado se tornou muito mais forte do que o italiano. Mesmo assim, não houve deportação de judeus italianos até a queda de Mussolini, em 1943, seguida da ocupação da Itália pelos alemães e da consequente adoção das ações de extermínio também naquele país. Portanto, não há dúvida de que o antissemitismo genocida foi uma originali- dade do totalitarismo nazista enquanto regime, apesar de muito difundido pela Europa ocupada. Tais particularidades históricas não enfraquecem os demais ingredientes do conceito oferecido por Hannah Arendt, preocupada em carac- terizar o que há de comum entre tais regimes antiliberais que destroçaram os direitos humanos das populações dominadas. Apesar de o nazismo ter adotado o antissemitismo como sua razão política, levando ao extermínio milhões de pessoas, ele não ficou circunscrito à Alema- nha. Na Europa ocidental surgiram diversos movimentos inspirados no nazismo, especialmente após a ascensão de Hitler ao poder. Na Noruega, Vidkun Quisling (1887-1945) fundou o Nasjonal Samling, em 1933, organização racista e nazista. Na Bélgica, Léon Degrelle (1906-1994) organizou seus camisas-negras em 1940. Nos Países Baixos, fundou-se, em 1934, a Frente Negra, movimento antissemita. No Reino Unido, o ex-ministro trabalhista Oswald Mosley (1896-1980) liderou a British Union of Fascists, em 1932, promotora de várias passeatas antissemitas. Na França, o coronel François de la Rocque (1885-1946) fundou a Cruz de Fogo (Croix-de-Feu), em 1927, organização antissemita e anticomunista. Com exceção do Reino Unido, que combateu o nazismo desde 1940, os de- mais países foram ocupados pela Alemanha. As deportações de judeus para os campos de extermínio seriam impensáveis sem a colaboração de movimentos e lideranças antissemitas desses países. O mesmo ocorreu na Europa oriental, a exemplo de Polônia, Hungria e Ucrânia, onde se formaram milícias antissemitas que atuaram no extermínio de judeus. Oswald Mosley, um dos principais líderes fascistas do Reino Unido e admirador de Mussolini, inspeciona membros da União Britânica de Fascistas na rua Royal Mint, em Londres, em 4 de outubro de 1936. Sua presença desencadeou a Batalha de Cable Street, um conflito entre a Polícia Metropolitana de Londres, que defendia a União Britânica de Fascistas, e manifestantes antifascistas, incluindo judeus e comunistas. O século XX explicado a meus filhos FERRO, Marc. São Paulo: Agir, 2008. De maneira clara e objetiva, o autor apresenta os principais acontecimentos do século XX: as guerras mundiais, a Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim, etc. F I C A A D I C A Bandeira da União Britânica de Fascistas. R e p ro d u ç ã o /A rq u iv o d a e d it o ra 63 P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 63P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 63 8/31/20 10:10 AM8/31/20 10:10 AM R O T E I R O D E E S T U D O S 1 Leia o texto a seguir. Ele foi escrito pelo filósofo e historiador francês Georges Didi-Huberman (1953-) após sua visita ao Memorial e Museu Estatal Auschwitz-Birkenau, criado no lugar onde funcionou o campo de concentração nazista. Eu caminhava rente aos arames farpados quando um passarinho veio pousar perto de mim. Bem ao lado, mas: do outro lado. Tirei uma foto, sem pensar muito, provavelmente tocado pela liberdade daquele animal que driblava as cercas. A lembrança das borbo- letas desenhadas em 1942, no campo de The- resienstadt, por Eva Bulová, uma criança de doze anos que viria a morrer aqui, em Aus- chwitz, no início de outubro de 1944, possi- velmente me veio à cabeça. Mas hoje, obser- vando essa imagem, percebo uma coisa bem diferente: em segundo plano, corre o arame farpado eletrificado do campo, com o metal já escurecido pela ferrugem e disposto segundo uma “trama” bastante peculiar que não ve- mos no arame farpado do primeiro plano. A cor deste último – cinza-claro – sugere que foi instalado recentemente. Compreender isso já me dá um aperto no co- ração. Significa que Auschwitz como “lugar de barbárie” (o campo) instalou os arames farpados do fundo nos anos 1940, ao passo que os do primeiro plano foram dispostos por Auschwitz como “lugar de cultura” (o museu) bem mais recentemente. Por que razão? Seria para orientar o fluxo dos visitantes, empre- gando o arame farpado como “cor local”? Ou para “restaurar” uma cerca degradada pelo tempo? Não sei. Mas sinto claramente que o passarinho pousou entre duas temporali- dades terrivelmente disjuntas, duas gestões bem diferentes da mesma parcela de espaço e de história. Sem saber, o passarinho pousou entre a barbárie e a cultura. DIDI-HUBERMAN, Georges. Cascas. São Paulo: Editora 34, 2017. p. 21-22. Agora você fará como Didi-Huberman e realiza- rá uma visita a Auschwitz-Birkenau, uma rede de campos de concentração erguida pelos nazistas no sul da Polônia em 1940 e declarada Patrimô- nio da Humanidade pela Unesco em 1979. Sua vi- sita, porém, será virtual, por meio do link: http:// panorama.auschwitz.org (acesso em: 1o jun. 2020). Durante a visita, procure a cerca onde o autor encontrou o passarinho. Também visite as edifi- cações que lembram a barbárie nazista, como o paredão das execuções, as celas dos prisioneiros e a câmara de gás. a) Explique as duas classificações utilizadas para se referir a Auschwitz: lugar de barbárie e lugar de cultura. b) É possível afirmar que há alguma proximidade entre cultura e barbárie, considerando o incô- modo sentido por Didi-Huberman? Explique. c) Agora que você leu o texto e visitou o campo de concentração, elabore duas hipóteses que justificam a transformação de Auschwitz em Patrimônio da Humanidade e a preservação daquele lugar de barbárie. Discutindo um conceito 2 O uso da arte para veiculação de ideais políticos foi uma estratégia utilizada por diferentes regi- mes totalitários. Para compreender esse uso, dois conceitos são importantes: estetização da política – quando os atores políticos emprestam da estética elementos para traduzir suas posi- ções políticas – e politização da arte – que ocor- re quando a política determina o que é a arte e como ela deve ser produzida e divulgada. Assim, observe as imagens e leia os textos para respon- der às questões. Imagem I Capa do livro O judeu eterno, publicado em 1937 pela editora Franz- -Eher-Verlag, uma das principais casas publicadoras de obras com ideiais nazistas durante o II Reich. Reprodução/Coleção particular 64 P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 64P5_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_Cap2_040a065_LA .indd 64 8/31/20 10:10 AM8/31/20 10:10 AM