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Centro-periferia: uma caracterização limitante Segundo o paradigma socioespacial, na compre- ensão da dinâmica centro-periferia, que consiste na divisão entre centros mais desenvolvidos e influentes, opondo-se a outras regiões sem poder ou destaque, as condições materiais de existência importam mais do que a organização espacial propriamente dita. De acordo com o geógrafo Mike Davis, desde a década de 1970 o crescimento das favelas em todo o hemisfério sul é enorme. Por essa razão, para Davis, a urbanização e a favelização poderiam ser sinônimos. Segundo seus estudos, a partir de 1970, o crescimento populacional foi absorvido, de forma horizontal, pelas comunidades faveladas nas peri- ferias das grandes cidades. Mas houve também a transformação do uso de habitações e de bairros inteiros, antes destinados às classes com maior renda. Segundo Davis, muitas vezes bairros burgueses inteiros transformaram-se em favelas; antigos casarões se tornaram moradias populares. Hoje em dia, portanto, a “periferalidade” é repensada, tendo em vista que “periferia” se tornou um termo extremamente relativo e sua apreensão muda no decorrer do tempo. Como afirmou Davis, a “orla urbana de hoje, vizinha de campos, florestas ou desertos, pode amanhã tornar-se parte de um denso núcleo metropolitano”. Centro-periferia e a quest‹o do desenvolvimento É interessante notar que os dualismos norte-sul e centro-periferia caminham em conjunto. Em 1949, na instância da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), Raúl Prebisch (1901-1986), economista que era então diretor da comissão, publicou um estudo chamado O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas, no qual se vale do dualismo centro- -periferia para se referir às relações entre os países industrializados e os da América Latina, subordinados a eles. Prebisch estabeleceu essa relação com base em um estudo sobre a renda média de ambos grupos de países. Seu estudo demonstrou quanto a produtividade dos países ditos “periféricos” era transferida para os países “centrais”. O estudo de Prebisch sofreu influência do economista britânico John Maynard Keeynes (1883-1946) e seu trabalho serviu como base para o que posteriormente se estabeleceu como a teoria da dependência, estudada no Tema 2. Para o geógrafo David Harvey (1935-), caracterizações como a diferenciação en- tre norte e sul ou entre centro e periferia seriam demasiadamente simplificadoras. Na Grã-Bretanha, na França, nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo, há vastos processos de marginalização. Em Baltimore ou em Nova York, nos Estados Unidos, há crianças pedindo dinheiro nas ruas tanto quanto em Porto Alegre (RS). Para o autor, a distinção que contrapõe um norte rico e poderoso a um sul pobre já não daria conta da realidade. Isso deveria ser encarado mais como um “desenvolvimento capitalista desigual” do que uma simples relação centro-periferia ou norte-sul. Cidade de Al Qarafa, no Cairo, Egito, em 2010. A cidade também é conhecida pelo nome de “Cidade dos Mortos”. Cerca de 1 milhão de pessoas vivem em precárias moradias construídas entre os túmulos de um cemitério. u ch a r/ G e tt y I m a g e s Dica O documentário A ci- dade dos mortos foi produzido com base em registros da maior necrópole do mundo, no Cairo, Egito: a cha- mada Cidade dos Mor- tos. Enquanto ocorrem funerais, a vida no en- torno segue normal- mente, com famílias morando em túmulos e até mesmo com co- mércio no local. A cidade dos mortos. Direção de Sérgio Tré- faut. Portugal, Espanha: Faux e Ático Siete, 2011 (62 min). HARVEY, David. A condição pós-moderna. Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 17. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008. DAVIS, Mike. Planeta Favela. Tradução: Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 47. 105 V2_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap4_088-111.indd 105V2_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap4_088-111.indd 105 10/09/2020 11:5110/09/2020 11:51 1. No Brasil, poucas cidades foram inauguradas ten- do como base um planejamento inicial. Existem algumas exceções como Salvador, Teresina, Ser- gipe, Belo Horizonte, Goiânia, Maringá, Brasília e Palmas, mas o crescimento acelerado e a negligên- cia do poder público tornaram o planejamento inicial insuficiente. Da falta de planejamento urbano deriva uma série de problemas, como trânsito caótico, alagamen- tos, ausência ou ineficiência de saneamento bási- co e a falta de opções de lazer. Observe a charge e a fotografia desta página. Elas mos- tram duas realidades sobre planejamentos urbanos ineficientes: na charge, o crescimento vertical exage- rado; na foto, uma medida paliativa de acessibilidade. a) Em grupo, façam uma pesquisa sobre o cresci- mento urbano desordenado. • Investiguem quais são os impactos negativos da verticalização das cidades. • Investiguem quais os possíveis problemas das ocupações sem planejamento. • Identifiquem problemas semelhantes no mu- nicípio ou na região em que vocês vivem. Na ocupação do espaço, há planejamento? Como se dá o acesso a mobilidade, saúde, emprego, infraestrutura, saneamento básico, educação, lazer, moradia e segurança? b) Como é a situação habitacio- nal da região onde você mora? Há moradia para todos? Existe alguma divisão entre bairros de alta classe e bairros peri féricos, onde moram pessoas de baixa renda? Há investimento e pla- nejamento públicos para a dis- tribuição de terras e constru- ção de moradias populares? Existem pessoas em situação de rua, sem moradia? Indivi- dualmente, elabore um texto sobre a ocupação do espaço onde vive e proponha solu- ções para os problemas que você relatar. Professor, no Manual você encontra orientações sobre esta atividade.Explorando NÃO ESCREVA NO LIVRO Acima, charge de Maringoni publicada na Revista Móbile em 2018. A charge satiriza a verticalização das cidades. Abaixo, fotografia da Comuna 13, em Medellín, Colômbia, em 2019. Na imagem, pode-se ver escadas rolantes que auxiliam os moradores da comunidade a chegarem até suas casas. J u a n ch o T o rr e s /A n a d o lu A g e n c y /G e tt y I m a g e s G ilb e rt o M a ri n g o n i/ A c e rv o d o c a rt u n is ta 106 V2_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap4_088-111.indd 106V2_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap4_088-111.indd 106 10/09/2020 11:5110/09/2020 11:51