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Fisioterapia Cardiopneumofuncional II Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Esp. Paula de França Carmo da Silva Revisão Textual: Vinicius Oliveira Fisioterapia Cardiovascular Fisioterapia Cardiovascular • Conhecer os aspectos fisiopatológicos das doenças cardíacas; • Desenvolver as capacidades e as habilidades necessárias tanto para a avaliação dos distúr- bios e das alterações cardiovasculares quanto para a atuação terapêutica. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Doenças Cardíacas; • Parada Cardiorrespiratória; • Reabilitação Cardíaca; • Cirurgia Cardíaca – Reabilitação Pré e Pós-Operatória; • Alterações Decorrentes de Cirurgia Cardíaca; • Recursos Utilizados pela Fisioterapia. UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Introdução Olá, aluno(a)! Vamos iniciar a Unidade, cujo conteúdo é fundamental para sua for- mação acadêmica. Não deixe de acessar o material complementar e ler cuidadosamente cada elemento. Bom estudo! O sistema cardiovascular é o conjunto que inclui o coração e os vasos sanguíneos. Tem a função de levar o sangue rico em oxigênio e pobre em gás carbônico para todos os órgãos do corpo, permitindo que funcionem de forma adequada, e de trazer o san- gue pobre em oxigênio do corpo todo e fazê-lo passar pelos pulmões, possibilitando as trocas gasosas. Veia cava superior Veias pulmonares direita Artéria pulmonar direita Aorta Válvula aórtica Artéria pulmonar esquerda Veias pulmonares esquerda Átrio esquerdo Válvula AV esquerda Ventrículo esquerdo Ventrículo direito Válvula pulmonar Veia cava inferior Válvula AV direita Átrio direito Figura 1 – Visualização em corte de um coração Fonte: Adaptada de Getty Images Vamos relembrar os principais componentes do sistema cardiovascular: • Coração: considerado o principal órgão do sistema cardiovascular, caracteriza-se por ser um músculo oco, localizado no centro do tórax, que funciona como uma bomba. Ele é dividido em quatro câmaras: • dois átrios: por onde o sangue chega ao coração vindo do pulmão, através do átrio esquerdo, ou vindo do corpo, através do átrio direito; • dois ventrículos: de onde o sangue vai para o pulmão ou para o resto do corpo. • Vasos sanguíneos: para circular por todo o corpo, o sangue flui dentro de vasos san- guíneos, que podem ser classificados em: • artérias: são fortes e flexíveis, pois precisam transportar o sangue do coração e suportar pressões sanguíneas elevadas, e sua elasticidade ajuda na manutenção da pressão arterial durantes os batimentos cardíacos; • artérias menores e arteríolas: têm paredes musculares que ajustam seu diâmetro a fim de aumentar ou diminuir o fluxo sanguíneo em determinada área; 8 9 • capilares: são vasos sanguíneos pequenos e com paredes extremamente finas, os quais atuam como pontes entre artérias, permitindo que o oxigênio e os nutrientes passem do sangue para os tecidos e que os resíduos metabólicos passem dos teci- dos para o sangue; • veias: transportam o sangue de volta para o coração e, como geralmente não estão sujeitas a grandes pressões, não são tão flexíveis quanto as artérias. Todo o funcionamento do sistema cardiovascular está baseado no batimento do coração: os átrios e os ventrículos relaxam e se contraem, formando um ciclo que garantirá toda a circulação do organismo. Figura 2 – Visualização do sistema cardiovascular no corpo humano Fonte: Getty Images O sistema cardiovascular pode ser dividido em duas partes principais: a circulação pulmonar (pequena circulação), que leva o sangue do coração aos pulmões e dos pul- mões de volta ao coração, e a circulação sistêmica (grande circulação), que leva o sangue do coração para todos os tecidos do organismo por meio da artéria aorta. Vamos relembrar a pequena e a grande circulação. Acesse o vídeo a seguir e reflita sobre esse importante tópico relacionado à fisioterapia cardiovascular. Sistema circulatório – coração – pequena e grande circulação. Disponível em: https://youtu.be/t4T6s3416lM Bom vídeo! 9 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Artéria pulmonar Veia cava superior Carótidas (2) Pulmão Veia pulmonar Aorta RimRim AE VE VD AD Fígado Intestino Veia pulmonar Veia cava inferior Figura 3 – Pequena e grande circulação Fonte: Reprodução Doenças Cardíacas Existem diversas doenças que podem afetar o sistema cardiovascular. As mais co- muns são as seguintes: • Doença arterial coronariana (DAC) e arterioesclerose (ou aterosclerose): a doença coronária pode manifestar-se por uma dor no peito passageira relacionada aos esforços ou ao estresse, denominada angina de peito ou angina pectoris, que resulta de um déficit transitório na irrigação do miocárdio, resultado de uma obstru- ção parcial da artéria coronária, da qual decorre um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de sangue e oxigênio na região obstruída. A dor no peito relacionada à doença arterial coronariana pode ter as seguintes ca- racterísticas: sensação de aperto no coração; dor que se espalha pelo corpo, em regiões como costas, pescoço, nuca, ombros e braços (especialmente o esquerdo); dor recorren- te, que dura por alguns minutos, desaparece e retorna, variando sempre de intensidade, e pode estar acompanhada de falta de ar, tontura e náusea. 10 11 Os principais riscos da doença arterial coronariana são: angina de peito (dor du- rante esforços que pode progredir para dor em repouso), que reduz a qualidade de vida; infarto agudo do miocárdio, que pode levar ao enfraquecimento do músculo cardíaco (insuficiência cardíaca); morte súbita devido a arritmias originadas do músculo necrosado (morto) ou sob isquemia (baixa oxigenação); e insuficiência cardíaca. Figura 4 – Visualização interna de uma artéria Fonte: Adaptada de Getty Images O tratamento tem dois objetivos: combater a placa de aterosclerose e melhorar o flu- xo sanguíneo pela coronária. Como todas as doenças na cardiologia, a primeira etapa consiste em mudanças de hábitos: praticar atividade física, alimentar-se de maneira saudável, não ingerir álcool nem outras drogas lícitas ou ilícitas, por exemplo. Figura 5 – Prática de exercícios físicos Fonte: Getty Images Medicações para tratar DAC: estatinas e ácido acetilsalicílico • Infarto agudo do miocárdio: é a necrose miocárdica resultante de obstrução agu- da de uma artéria coronária. Os sintomas incluem desconforto torácico com ou sem dispneia, náusea e diaforese. O diagnóstico é efetuado por ECG e pela existência ou ausência de marcadores sorológicos. 11 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular O tratamento consiste em fármacos antiplaquetários, anticoagulantes, nitratos, beta- bloqueadores, estatinas e terapia de reperfusão. Para infarto do miocárdio com elevação do segmento ST, reperfusão de emergência com fármacos fibrinolíticos, intervenção percutânea ou, ocasionalmente, cirurgia de revascularização miocárdica. Para IM sem elevação do segmento ST, a reperfusão é por meio de intervenção percutânea ou cirur- gia de revascularização do miocárdio. O IM também pode ser classificado em cinco tipos com base na etiologia e nas circunstâncias: • Tipo 1: IM espontâneo causado por isquemia devido a um evento coronário primá- rio (por exemplo, ruptura, erosão ou fissuras na placa; dissecção coronária); • Tipo 2: isquemia em consequência de aumento da demanda de oxigênio (por exemplo, hipertensão) ou diminuição do fornecimento (por exemplo, espasmo ou embolia arterial coronariana, arritmia, hipotensão); • Tipo 3: relacionado com a morte cardíaca inesperada e súbita; • Tipo 4a: associado com intervenção coronariana percutânea (sinais e sintomas de infarto do miocárdio com valores cTn > 5 × 99º percentil do LSR); • Tipo 4b: associado com trombose do stent documentada; • Tipo 5: associado com revascularização do miocárdio (sinais e sintomas de infarto do miocárdio com valores cTn > 10 × 99º percentil do LSR). O IM compromete predominantemente o ventrículo esquerdo, mas a lesão pode estender-se ao ventrículo direito ou aos átrios: • O infartodo ventrículo direito geralmente resulta de obstrução da coronária direita ou de uma artéria circunflexa esquerda dominante; é caracterizado por pressão de enchimento do ventrículo direito elevada, muitas vezes com regurgitação tricúspide grave e redução do débito cardíaco; • O infarto inferoposterior provoca algum grau de disfunção do ventrículo direito em cerca da metade dos pacientes e provoca alteração hemodinâmica em 10% a 15%. Deve-se considerar a disfunção do ventrículo direito em qualquer paciente que desenvolva infarto inferoposterior e elevação da pressão venosa jugular, com hipotensão ou choque. O infarto do ventrículo direito que complica o infarto do VE aumenta significativamente a taxa de mortalidade; • Os infartos anteriores tendem a ser maiores e de prognóstico pior que os infar- tos inferoposteriores. Eles geralmente ocorrem por obstrução da artéria coronária esquerda, especialmente da artéria descendente anterior. Os infartos posteroinfe- riores refletem uma obstrução da artéria coronária direita ou da artéria circunflexa esquerda dominante. Em se tratando de extensão, o infarto pode ser transmural ou não transmural: • Infartos transmurais envolvem toda a espessura do miocárdio, do epicárdio ao en- docárdio, e costumam ser caracterizados por ondas Q anormais no ECG; • Os infartos não transmurais (como os subendocárdicos) não atravessam a parede ventricular e provocam apenas alterações no segmento ST e na onda T (ST-T). Nor- malmente, os infartos subendocárdicos envolvem o terço interno do miocárdio, onde a tensão de parede é mais elevada e o fluxo sanguíneo miocárdico é mais vulnerável às alterações circulatórias. Tais infartos podem ocorrer após hipotensão prolongada; 12 13 • Hipertensão arterial sistêmica (HAS): é uma condição clínica multifatorial ca- racterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA). Associa-se frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais. A HAS tem alta prevalência e baixas taxas de controle. É considerada um dos prin- cipais fatores de risco (FR) modificáveis e um dos mais importantes problemas de saúde pública. A mortalidade por doença cardiovascular (DCV) aumenta progressivamente com a elevação da PA a partir de 115/75 mmHg de forma linear, contínua e independente. Os principais fatores de risco para HAS são: • idade (principalmente acima de 50 anos); • prevalência parecida entre ambos os sexos: mais comum em homens até 50 anos, invertendo-se a relação nas décadas subsequentes; • indivíduos não brancos; • obesidade; • inatividade física; • tabagismo; • etilismo; • ingesta aumentada de sódio; • fatores socioeconômicos e genéticos. Figura 6 Fonte: Getty Images 13 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Após a verificação correta da PA, classificamos os indivíduos conforme os critérios a seguir: Tabela 1 – Classificação da pressão arterial de acordo com a medida casual no consultório (> 18 anos) Classificação Pressão sistólica (mmHg) Pressão diastólica (mmHg) Ótima Normal Limítrofe < 120 < 130 130-139 < 80 < 85 85-89 Hipertensão estágio 1 140-159 90-99 Hipertensão estágio 2 160-179 100-109 Hipertensão estágio 3 ≥ 180 ≥ 110 Hipertensão sistólica isolada ≥ 140 < 90 Fonte: NOBRE, 2011 Você sabe aferir corretamente a pressão arterial? Assista ao vídeo a seguir. Como aferir corretamente a pressão arterial. Disponível em: https://youtu.be/-m8QueLqxxk • Cardiomiopatias: são doenças cardíacas que afetam diretamente o músculo cardí- aco, cuja função é bombear o sangue. Cardiomiopatia dilatada (CMD) É a doença primária do músculo cardíaco com dilatação e alteração na função con- tráctil do ventrículo esquerdo (VE) ou de ambos os ventrículos. Ela pode ser: idiopática, familiar/genética, viral e/ou imune, alcoólica/tóxica ou associada com doença cardio- vascular reconhecida, cujo grau de disfunção do miocárdio não é explicado pelas condi- ções de anormal sobrecarga ou extenso dano isquêmico. Predomina a disfunção sistólica, havendo hipertrofia miocárdica reacional nas áreas não acometidas pelo processo de agressão miocárdica, podendo evoluir para a insufici- ência cardíaca (IC) ou não (dilatação sem insuficiência), apresentar arritmias atrial e/ou ventricular e resultar em óbito em qualquer estágio da doença. Esse diagnóstico deverá sempre ser ventilado após afastadas outras doenças que acarretam dilatação cardíaca, como a doença arterial coronária, a hipertensão arterial (HA) sistêmica, as lesões oro- valvares, as doenças congênitas e outras formas de acometimento do miocárdio, como, em nosso continente, a cardiopatia chagásica. Cardiomiopatia viral Os vírus são agentes infecciosos que podem causar CMD e ICC. A maioria apresen- ta tropismo cardíaco, agredindo o miocárdio, sendo o mais encontrado o enterovírus (Coxsackie, especialmente os sorotipos B1-B6). Ocasionam insuficiência miocárdica por dois mecanismos: ou por seu efeito citotóxico direto (neste caso detectam-se partículas do vírus nas biópsias endomiocárdicas [BEM]), ou por resposta imunológica secundária 14 15 desencadeada por múltiplos mecanismos, como: macrófagos, linfócitos T, autoanticor- pos contra componentes celulares (miosina, membrana e canais), citoquinas (interleuci- na 1, fator necrose tumoral), com o encontro de anticorpos específicos contra estruturas cardíacas, reações citotóxicas humorais e celulares, presença de infiltrado celular com grande expressão de antígenos de histocompatibilidade e moléculas de adesão (neste caso, não é necessário o encontro do vírus no tecido à época do diagnóstico). A persistência de RNA viral, particularmente do RNA enteroviral, tem sido demons- trada na ausência de processo inflamatório, por meio de técnicas como do PCR (reação de polimerase em cadeia) ou da hibridização em cito, associada à evolução desfavorável da CMD e/ou da ICC. A infeção viral tem sido sugerida como precursora da CMD; no entanto, tem sido difícil demonstrar, por meios histológicos, o aspecto dessa agressão. Com o emprego das técnicas de biologia molecular (PCR e hibridização), passou-se a encontrar grande associação desses casos com a presença de fragmentos de RNA viral, corroborando o conceito de persistência viral. Cardiomiopatia dilatada idiopática Embora sua etiologia seja desconhecida, acumulam-se, atualmente, evidências das alterações celulares, moleculares e imunológicas envolvidas em sua gênese. Alterações celulares: redução no número de receptores ß1 adrenérgicos, de AMP cícli- co e do peptídeo intestinal vasoativo, da ATPase miofibrilar e da ATPase de transporte do cálcio do retículo sarcoplasmático (RS); e aumento da isoforma da troponina T2 e do LDH5, da matriz extracelular e de carreamento do ADP/ATP dentro da membrana mitocondrial, o que diminui sua atividade funcional. Alterações moleculares ao nível do RNA mensageiro: redução dos receptores ß adre- nérgicos, do fosfolambano, da ATPase de transporte e liberação do cálcio do RS; e aumento dos fatores natriuréticos atrial, ventricular e encefálico. Alterações imunológicas: atividade linfocitária deficiente das células T assassinas e su- pressoras; presença de anticorpos contra: receptores ß adrenérgicos, laminina, miosina de cadeia pesada carreador de ADP/ATP, proteína de choque de alta temperatura e de antígenos cardíacos não específicos; aumento da frequência do HLA-DR4 e indução de maior taxa de histocompatibilidade de classe I e II entre antígenos e monócitos A frequente discrepância entre os achados histológicos e os sintomas clínicos pode decorrer da localização e gravidade da lesão cardíaca. A lesão focal é bem tolerada; po- rém, se o infiltrado celular ou a mudança fibrótica ocorrer nas proximidades do tecido de condução, verificam-se graves consequências, incluindo os bloqueios de ramo e as arritmias. Nas lesõesdifusas, há dilatação cardíaca e disfunção contráctil. Fisiopatologia da CMD A agressão é mais frequente nos ventrículos: o volume aumenta e a função sistólica diminui (hipossistolia), acarretando diminuição do débito cardíaco (DC) e da fração de 15 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular ejeção (FE). O aumento da pressão diastólica final (pd2) ocasiona elevação da pressão atrial, que é a responsável pelos sintomas congestivos: a esquerda com elevação da pressão venocapilar pulmonar – o que provoca congestão pulmonar – e a direita com aumento da pressão nas cavas – o que ocasiona a congestão sistêmica. A insuficiência valvar atrioventricular agrava a CMD; a mitral, por desviar parte do sangue que deveria ser ejetado pelo VE, agrava a congestão venocapilar pulmonar e au- menta o volume que retorna na próxima sístole ao VE, piorando a dilatação; a tricúspide intensifica a congestão sistêmica. Quadro clínico e exame físico O quadro varia do assintomático (dilatação cardíaca sem disfunção ventricular em re- pouso) até sintomas mais avançados. Em, aproximadamente, 30% dos casos é possível obter uma história de doença infecciosa (com febre e envolvimento respiratório superior, gastrointestinal e/ou musculoesquelético). A dispneia é o sintoma mais frequente, devido à hipertensão venocapilar pulmonar. Dependendo do esforço (grande ou pequeno) pode evoluir para ortopneia, paroxística noturna até a de repouso, geralmente acompanhada de tosse e hemoptoicos. A diminuição do DC é responsável por fadiga, extremidades frias, sudorese, tonteiras e síncope. São frequentes os distúrbios da condução e do ritmo, daí surgindo palpita- ções, sensação de falta de equilíbrio e perda dos sentidos. São frequentes os casos de tromboembolismo (encefálico, pulmonar, renal, mesentérico e periférico), em razão da formação de trombos intracavitários, de repouso prolongado no leito ou de grande dis- função miocárdica, que às vezes são os quadros iniciais na doença. A dor torácica pode ser decorrente da embolização pulmonar ou coronária. A insu- ficiência mitral e/ou tricúspide resulta da dilatação do anel atrioventricular, decorrente da mudança geométrica do ventrículo, distorcendo o aparelho subvalvar e acarretando alterações no fechamento valvar e consequente regurgitação. Finalmente, nos casos mais avançados e graves, surgem sintomas relacionados com a congestão direita, como dor no hipocôndrio direito, edema de membros inferiores e as- cite. O exame físico pode variar do normal, nos assintomáticos e/ou nos compensados com medicamentos, até o quadro de franca ICC. Tratamento O repouso deve ser instituído na fase de descompensação, estando indicada a mobi- lização precoce após a compensação da disfunção cardíaca. A prática regular de ativi- dade física deve ser encorajada, em especial a realização de exercícios dinâmicos, como caminhada, jogos, jardinagem, ciclismo e natação. O fisioterapeuta tem um papel fundamental na promoção, reabilitação e manu- tenção da saúde humana, em especial no tratamento de indivíduos com altera- ções cardiovasculares. 16 17 É necessário orientar os pacientes a restringir o consumo de bebidas alcoólicas, por- que, se for contínuo, pode contribuir para agredir o miocárdio e piorar a disfunção preexistente. Embora haja diuréticos mais potentes, não se deve negligenciar a restrição dietética, pois é preciso manter a natremia nos níveis normais. O sódio desempenha papel fundamental no controle da liberação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA); em nível <130mEq/L, a PA é mantida pela liberação de renina, daí a não utilização dos IECAs nos pacientes com sódio <130mEq/L, sob risco de hipotensão e agravamento da disfunção miocárdica. Figura 7 Fonte: Getty Images Cardiomiopatia hipertrófica (CMH) É uma doença miocárdica primária, de caráter genético (autossômico dominante), caracterizada pela hipertrofia ventricular desproporcional, mais frequente no VE, com maior acometimento do SIV do que da parede livre, podendo, em alguns casos, reduzir o volume ventricular. O VE é o mais acometido, e o envolvimento pode ser simétrico (concêntrico) ou as- simétrico (septal, medioventricular, apical, lateral e posterior). Deve-se excluir outras causas de hipertrofias ventriculares, entre elas a HA e a estenose valvar aórtica, além de doenças, como a síndrome de Noonan, ataxia de Friedreich, lentiginose e cardiomiopa- tia restritiva familiar com desarranjo celular. Segundo a localização da hipertrofia, a doença é classificada nos seguintes tipos: sep- tal, medioventricular, apical, lateral e concêntrico, podendo se estender a outras regiões do coração. Do ponto de vista hemodinâmico, é dividida em formas obstrutiva (septal assimétrica e medioventricular) e não obstrutiva (septal assimétrica não obstrutiva, con- cêntrica, apical, lateral e/ou lateroposterior). Quanto à distribuição, varia de acordo com a população analisada, sendo sua incidên- cia média de 80-90% na forma septal, 5-10% na concêntrica (simétrica), 3-8% na apical, 1-2% na medioventricular e na lateral. 17 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular O comprometimento do VD ocorre na CMH predominante do lado esquerdo, porém suas manifestações clínicas são menos evidentes, sendo raros os casos isolados ou com predomínio do lado direito. • Insuficiência cardíaca: estado fisiopatológico em que o coração se torna incapaz de manter o débito cardíaco adequado para suprir as demandas metabólicas tecidu- ais ou realize com elevada pressão de enchimento. É uma síndrome clínica comple- xa, que geralmente resulta de alterações estruturais e funcionais que impedem ou dificultam a manutenção de um débito cardíaco normal. Frequentemente, resulta de uma alteração estrutural que compromete a função con- trátil, levando à disfunção sistólica. Contudo, na prática clínica, também se observa a síndrome de insuficiência cardíaca com função sistólica preservada, principalmente em pacientes idosos, do gênero feminino, portadores de diabetes e hipertensão arterial. Tabela 2 – Classificação da insuficiência cardíaca • Insuficiência cardíaca aguda • Insuficiência cardíaca crônica • Insuficiência cardíaca sistólica • Insuficiência cardíaca diastólica Importante! Quando não conseguimos definir a etiologia da dilatação cardíaca, utilizamos a denomi- nação “miocardiopatia dilatada idiopática”. Na presença de doença genética ou de com- prometimento de membros de uma mesma família, podemos utilizar a denominação “miocardiopatia genética ou familiar”. Figura 8 Fonte: Getty Images Independentemente da etiologia, as alterações da função do coração ocorrem por causa de evidentes modificações anatômicas, caracterizadas fundamentalmente por di- latação da cavidade e queda de seu desempenho sistólico, com consequente redução do 18 19 débito cardíaco e ativação dos mecanismos de compensação, aumento da frequência cardíaca e de contratilidade, vasoconstricção (redistribuição do fluxo sanguíneo), redu- ção do débito urinário e retenção de sódio e água. Esses mecanismos de “compensação” são alimentados pela ativação do sistema neuro-hormonal, precocemente no início da doença, mesmo antes do aparecimento dos sintomas. Os sinais clínicos sugestivos de insuficiência cardíaca incluem extremidades frias, perfusão periférica lentificada, cianose periférica, pulsos finos ou filiformes, às vezes alternantes ou arrítmicos, pressão arterial sistólica deprimida ou convergente. Na avalia- ção do precórdio podemos encontrar ictus cordis globoso e desviado para a linha axilar. É frequente a presença de taquicardia, as bulhas podem estar hipofonéticas (hipossisto- lia) e, na presença de hipertensão pulmonar, encontra-se a hiperfonese de P2. A presença do ritmo de galope, decorrente da presença de terceira bulha, é altamente preditiva de disfunção sistólica grave. Devido à dilatação dos anéis atrioventriculares, são frequentes os sopros de regurgitação mitral e tricúspide. A congestão pulmonar determina o aparecimentode estertores crepitantes, subcrepitantes e sibilos esparsos. A abolição ou redução do murmúrio vesicular é indicativa de derrame pleural, mais frequentemente à direita. A congestão sistêmica determina estase jugular, refluxo hepatojugular, hepatomega- lia, ascite e edema de membros inferiores. Cabe ressaltar que o exame físico nem sempre é sensível para o diagnóstico da insuficiência cardíaca ou para sua diferenciação em relação a outras causas de dispneia, pois nos pacientes estáveis a maioria desses sinais está ausente. Fisiopatologia Quando ocorre queda da função cardíaca, mecanismos adaptativos são estimulados e visam corrigir a disfunção ventricular. Nos pequenos danos miocárdicos, conseguem melhorar a função e, muitas vezes, normalizá-la. Nos comprometimentos maiores, esses mecanismos são insuficientes e, muitas vezes, a sua contínua estimulação pode provo- car um círculo vicioso que pode levar a uma futura deterioração da função cardíaca. O mecanismo de Frank-Starling é, usualmente, um dos primeiros a serem estimulados e melhora a função cardíaca. Aprofunde seu conhecimento sobre o mecanismo de Frank-Starling assistindo ao vídeo a seguir. Mecanismo de Frank-Starling. Disponível em: https://youtu.be/yJ3Mx-IMvWc Bom vídeo! Nas lesões maiores, a contínua dilatação cardíaca se torna um mecanismo desadapta- tivo. Vários estudos mostram que a contínua dilatação (remodelação ventricular) é deleté- ria e quanto maior a dilatação ventricular pior o prognóstico do paciente. A estimulação simpática e a neuro-humoral também podem ser adaptativas no início dos quadros, mas sua perpetuação ou maior intensidade de estimulação é deletéria para o coração. A análise dos dados dos grandes estudos multicêntricos em IC permitiu compreender melhor a estimulação neuro-humoral e como ocorre esta estimulação. Na fase inicial au- mentam, principalmente, os neuro-hormônios com efeito vasodilatador, como o fator atrial natriurético, que induz vasodilatação arterial, provocando melhora da função cardíaca. 19 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Nos casos de dano cardíaco de pequena monta, essa estimulação é suficiente para a normalização da função cardíaca. Nos danos mais extensos, a maior estimulação neuro- -humoral se faz com predomínio dos neuro-hormônios com efeito vasoconstritor, que induzem aumento da resistência e piora da função cardíaca, levando o coração a um círculo vicioso de agravamento progressivo. De há muito se documenta que, nas formas avançadas, quanto maiores os níveis de noradrenalina, adrenalina, renina, arginina-vasopressina, pior a evolução e maior a mor- talidade. Hoje sabemos que alguns medicamentos, mas não todos, podem melhorar a história natural da IC. Drogas que modulem essa estimulação neuro-humoral aumentada são aquelas que influenciam positivamente a evolução da doença. A hipertrofia miocárdica é outro mecanismo adaptativo importante para a compensa- ção do coração. Entretanto, quando imaginamos a hipertrofia, em geral consideramos que esta ocorreria por aumento de miócitos e haveria consequente melhora do desempenho cardíaco. Mas na IC a hipertrofia ocorre por aumento dos níveis de neuro-hormônios, estí- mulo este que, além da hipertrofia de miócitos, induz proliferação do interstício e provoca aumento da fibrose, acarretando efeitos deletérios ao coração. Assim, a IC é uma situação clínica complexa, com múltiplos fatores influenciando sua evolução. A intervenção em alguns pacientes, embora possa melhorá-los, não leva ao controle total da doença. Parada Cardiorrespiratória A parada cardiorrespiratória (PCR) é uma condição de emergência severa. É definida como a interrupção das atividades respiratórias e circulatórias efetivas. A intervenção para reverter o quadro tem como princípios fundamentais a aplicação de um conjunto de procedimentos para restabelecer a circulação e a oxigenação. A parada cardíaca pode ser causada por quatro ritmos: fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) sem pulso (ritmos que merecem choque imediato; ocorrem cerca de 73% de reversão desde que o desfibrilador seja utilizado nos primeiros três ou quatro minutos de PCR) ou ritmos de assistolia ou atividade elétrica sem pulso (ritmos que não devem receber desfibrilação). Entretanto, uma vez constatadas essas condições, devem-se iniciar, com brevidade, as manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP), já que o cérebro não suporta a hipóxia por um período superior a cinco minutos, sob o risco de sofrer lesões irreversíveis. É uma situação de emergência, com dados epidemiológicos distintos, conforme o ambiente de sua ocorrência, se extra ou intra-hospitalar. Para tentar restabelecer a circulação espontânea do paciente, devem ser realizadas as manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP), as quais fazem parte de uma intervenção rápida, apropriada, coordenada e padronizada, para que se alcance o sucesso em sua reversão. 20 21 Imagine-se em uma situação de emergência com uma vítima de ataque cardíaco: você sa- beria como agir? Assista ao vídeo a seguir e aprimore seu conhecimento sobre a ressuscita- ção cardiopulmonar. Ressuscitação cardiopulmonar (RCP) | Primeiros socorros. Disponível em: https://youtu.be/WoB0AQ2aqgA Bom vídeo! A American Heart Association (AHA) propõe diretrizes sobre RCP baseadas em uma ampla revisão da literatura e em diversos debates e discussões com especialistas internacionais. A cada cinco anos, ocorrem a análise e a publicação de novas reco- mendações, o que não implica dizer que as orientações passadas sejam inseguras ou ineficientes. Uma RCP bem-sucedida depende de uma sequência de procedimentos que pode ser sistematizada no conceito de corrente de sobrevivência, além de determinantes como o conhecimento teórico e as habilidades práticas dos profissionais de saúde, pois a PCR requer ações rápidas, eficazes e integradas. Figura 9 Fonte: Getty Images Assista ao vídeo a seguir sobre o algoritmo de PCR para adultos. O novo algoritmo de atendimento à parada cardiorrespiratória (PCR) em adultos. Disponível em: https://youtu.be/zjdrI_7Z6xw Bom vídeo! Reabilitação Cardíaca Está cientificamente comprovado, sendo algo incorporado ao senso comum, que ser fisicamente ativo contribui para preservar e recuperar a boa saúde do corpo e da mente. Os efeitos favoráveis da reabilitação cardiovascular (RCV) com ênfase nos exercícios físicos têm sido consistentemente documentados, inclusive em meta-análises de estudos 21 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular clínicos randomizados, que demonstram significativas reduções da morbimortalidade cardiovascular e global, bem como da taxa de hospitalização, com expressivo ganho de qualidade de vida, o que justifica sua consensual e enfática recomendação pelas princi- pais sociedades médicas mundiais. O principal objetivo da RCV com ênfase nos exercícios físicos é propiciar uma me- lhora dos componentes da aptidão física, tanto aeróbicos quanto não aeróbicos (força/ potência muscular, flexibilidade, equilíbrio), algo que exige a combinação de diferentes modalidades de treinamento. Assim, a RCV deve proporcionar os mais elevados níveis de aptidão física, de modo a reduzir o risco de eventos cardiovasculares e promover todos os outros benefícios a serem auferidos pela prática regular de exercícios físicos, contribuindo para a redução da mortalidade geral. Os fisioterapeutas atuam diretamente na prescrição e na supervisão dos exer- cícios físicos, dentro das metas e dos limites definidos na orientação médica, após a avaliação pré-participação e subsequentes reavaliações. Devem ter conhecimentos espe- cíficos sobre as DCV e fisiologia do exercício e receber, periodicamente, treinamento de suporte básico de vida, com uso de desfibrilador automático externo. Além de atuarem nas sessões de exercícios físicos, podem contribuir para as orientações e demais medi- das, visando à adoção de hábitos saudáveis. Os equipamentos mais usados são esteiras rolantes e cicloergômetrosde membros inferiores (MMII) e membros superiores (MMSS), remoergômetros, ergômetros de esqui, elípticos, entre outros. As esteiras rolantes devem ser elétricas, com capacidade de su- portar, pelo menos, 100 kg de massa corporal, e ter suportes frontal e lateral para as mãos, bem como trava de segurança. Figura 10 Fonte: Getty Images 22 23 Exercícios aeróbicos Devem permitir ajuste individualizado dentro de uma faixa ampla de velocidade e inclinação. Os cicloergômetros podem ser de frenagem mecânica ou eletromagnética. Há modelos específicos para MMSS e os que permitem que os quatro membros sejam exercitados simultaneamente. Para os modelos de MMII existem as opções vertical e horizontal. O ideal é que o cicloergômetro possibilite a leitura da cadência ou velocidade e, principalmente, da potência em watts. Há cicloergômetros em que é possível progra- mar a intensidade diretamente em watts, de modo que a resistência do pedal aumenta quando a cadência diminui e vice-versa. Figura 11 Fonte: Getty Images Conheça mais sobre os exercícios aeróbicos e seus benefícios para a saúde humana assistin- do ao vídeo a seguir. Reabilitação cardiovascular (aula 2): exercícios aeróbicos e de força. Disponível em: https://youtu.be/-p9uQwof_9Y Bom vídeo! Exercícios de fortalecimento muscular Há vários tipos de equipamentos que podem ser utilizados para o fortalecimento mus- cular. Porém, é possível realizar vários exercícios utilizando somente o peso corporal, os quais demandam um esforço, em geral, suficiente para os pacientes mais debilitados. Um exemplo prático é o exercício de sentar-se e levantar-se, cuja realização requer tão somente uma cadeira ou um banco. O uso de cordas ou faixas suspensas, bem fixadas no teto ou no alto da parede, podem permitir uma ampla variedade de exer- cícios com a utilização do peso do próprio corpo. Pesos livres, halteres ou caneleiras com pesos variados são frequentemente adotados em programas de RCV e possibili- tam uma ampla variedade de movimentos e estímulos adequados de diferentes grupos 23 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular musculares. Podem ser também utilizados aparelhos específicos, com pesos ligados a cabos e polias. Outros equipamentos que também podem ser usados: barras, bastões, bolas com peso (medicine balls), “bolas suíças” e faixas ou bandas elásticas com diferen- tes graus de resistência. Figura 12 Fonte: Getty Images Importante! Em todos os exercícios se deve prestar atenção na correta execução dos movimentos e na manutenção da postura adequada, a fim de evitar lesões osteomusculares. Tam- bém requer atenção o manuseio dos equipamentos, de modo que se evitem acidentes e eventuais lesões corporais. É fundamental que o fisioterapeuta assista o paciente todo o tempo. Desse modo, visando à saúde global e considerando a cardiopatia e doenças asso- ciadas, pode ser necessário acrescentar exercícios voltados, por exemplo, para o trei- namento isométrico manual e da musculatura inspiratória e para o aprimoramento do equilíbrio e da flexibilidade. Tradicionalmente, a RCV é dividida em fases temporais, sendo a fase 1 intra-hospita- lar e as fases 2 a 4 ambulatoriais. A princípio, a fase 1 foi destinada à recuperação após infarto agudo do miocárdio (IAM) ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM). Posteriormente, em contexto atualmente denominado reabilitação cardiopulmonar e metabólica, foram incluídos os pacientes internados submetidos a intervenções coroná- rias percutâneas (ICP), cirurgias valvares, cirurgias para cardiopatias congênitas e trans- plante cardíaco (TxC), além dos portadores de insuficiência cardíaca (IC), doença arterial coronariana (DAC), diabéticos, hipertensos, pneumopatas e nefropatas crônicos, assim que estabilizados clinicamente. Portanto, a RCV deve ser iniciada imediatamente após o paciente ter sido considerado clinicamente compensado, como decorrência do tratamento clínico e/ou intervencionista. 24 25 • Na fase 1 da RCV objetiva-se que o paciente tenha alta hospitalar com as melhores condições físicas e psicológicas possíveis, municiado de informações sobre um estilo saudável de vida, em especial no que diz respeito ao exercício físico. Propõe-se a combinação de exercícios físicos de baixa intensidade, técnicas para o controle do estresse e programas de educação em relação aos fatores de risco e à cardiopatia. A equipe de atendimento deve ser composta de, pelo menos, médico, fisioterapeuta e enfermeiro capacitados para atuar em RCV (não precisam dedicar tempo integral ao programa de reabilitação, podendo exercer outras atividades no hospital). O dire- cionamento às fases ambulatoriais da RCV deve ser realizado na alta da internação ; • A fase 2 começa imediatamente após a alta hospitalar e tem duração média de 3 meses ; • A fase 3 costuma ter duração de 3 a 6 meses ; • A fase 4 tem duração prolongada. Em todas as fases objetiva-se a progressão dos benefícios da RCV ou, pelo menos, a manutenção dos ganhos obtidos. Em uma divisão rígida da RCV em fases temporais, pode-se não levar em consideração que existem pacientes com cardiopatias graves, muito sintomáticos e debilitados, que permanecem por longo prazo em uma reabilitação de fase 2, pois continuam re- querendo supervisão direta durante os exercícios físicos, enquanto outros, de baixo risco, desde o início se enquadram em programas de fase 3 ou mesmo de fase 4, sendo potenciais candidatos a uma RCV domiciliar, em que a maioria das sessões ocorre sob supervisão indireta, a distância. Figura 13 Fonte: Getty Images Os pacientes de alto risco, com menor capacidade física e mais sintomáticos, devem participar de sessões supervisionadas por tempo indeterminado, enquanto os de menor risco, com maior capacidade física e menos sintomáticos, precocemente podem realizar, sem supervisão direta, exercícios mais intensos e diversificados. O programa de exercícios deve ser individualizado em termos de intensidade, duração, frequência, modalidade de treinamento e progressão, de acordo com os testes funcionais realizados no início e ao longo da reabilitação. 25 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Você como futuro fisioterapeuta deve adotar recursos para a correta determinação da FC e verificação da PA, em repouso e em esforço, além da possibilidade de verifi- cação de saturação de oxigênio, determinação da glicemia capilar e monitoramento eletrocardiográfico. Lembre-se de que a prescrição deve ser individualizada e enfa- tizada a real necessidade do paciente. As características clínicas dos pacientes que se enquadrariam inicialmente no risco clínico alto (presença de, pelo menos, uma delas) são: • Internação por descompensação cardiovascular recente (menos de 8 a 12 semanas) devido a quadros de: IAM ou angina instável; revascularização cirúrgica ou percutâ- nea; arritmias complexas; morte súbita revertida; descompensação de IC; • Cardiopatas, com presença ou ausência de evento cardiovascular e/ou interven- ções, mas com importantes alterações funcionais em esforço físico: » baixa capacidade funcional no TE (menor que cinco equivalentes metabólicos [MET]) ou no TCPE (classificação de Weber C e D ou consumo de oxigênio [VO2] abaixo de 60% do predito para idade e sexo); » sinais e sintomas de isquemia miocárdica em baixa carga (abaixo de 6 MET ou de VO2 de 15 ml.kg-1.min); » sintomatologia exacerbada (IC com classe funcional III e IV ou angina classe fun- cional III e IV). • Outras características clínicas de pacientes com risco aumentado aos exercícios físicos: doença renal crônica (DRC) dialítica, dessaturação de oxigênio em esforço e arritmia ventricular complexa em repouso ou esforço. As características clínicas dos pacientes com risco intermediário (presença de, pelo menos, uma delas) são: • Evento cardiovascular ou intervenções com intervalo superior a 12 semanas, com estabilidade do quadro clínico; • Cardiopatas que ainda apresentam algumas alterações funcionais em esforço físico: » moderadacapacidade funcional no TE (entre 5 e 7 MET) ou no TCPE (classifica- ção de Weber B ou VO2 entre 60% e 85% do predito para idade e sexo); » sinais e sintomas de isquemia em carga acima de 6 MET ou com VO2 acima de 15 ml.kg-1.min; » sintomatologia de menor magnitude (IC com classe funcional I e II ou angina classe funcional I e II). • Outras características clínicas que o médico responsável pela avaliação pré-partici- pação julgue que representem risco intermediário durante os exercícios físicos. As características clínicas dos pacientes do estágio 4 (presença de todas as caracte- rísticas a seguir) são: • Evento cardiovascular ou intervenções com intervalo superior a 6 meses e estabili- dade clínica; 26 27 • Cardiopatas que não apresentam alterações funcionais em esforço físico ou que estas sejam muito discretas quando presentes. Os pacientes nessa classificação cos- tumam apresentar as seguintes características: » boa capacidade funcional no TE (superior a 7 MET) ou no TCPE (classificação de Weber A ou VO2 acima de 85% do predito para idade e sexo); » ausência de sinais e sintomas de isquemia miocárdica ou de outra sintomatologia anormal em esforço físico. Cirurgia Cardíaca – Reabilitação Pré e Pós-Operatória A cirurgia cardíaca tem proporcionado avanço nos resultados de tratamento das do- enças cardiovasculares, sendo realizada quando a probabilidade de uma vida útil é maior com o tratamento cirúrgico do que com o tratamento clínico. É fundamental saber que o fisioterapeuta não é habilitado para realizar procedimentos cirúrgicos. Faz parte da competência do profissional a atuação na atenção primária, secundária e terciária com prescrições, orientações e tratamentos não invasivos. Existem três tipos de procedimentos cirúrgicos: • corretores (fechamento de canal arterial, defeito de septo atrial e ventricular); • reconstrutores (revascularização do miocárdio, plastia de valva aórtica, mitral ou tricúspide); • substitutivos (trocas valvares e transplantes), que buscam garantir alívio dos sinto- mas, melhorar o funcionamento cardíaco, prevenir infartos do miocárdio e recupe- rar a condição física, psíquica e social do paciente. O procedimento cirúrgico leva a alterações em todo o organismo, reduzindo a capa- cidade cardiorrespiratória, que também é influenciada negativamente pela inatividade física pós-operatória, devido ao maior tempo de repouso no leito, que pode gerar perda de força muscular e descondicionamento. Mesmo com a modernização dos procedimentos cirúrgicos, diversos fatores envol- vidos na cirurgia cardíaca podem comprometer a função pulmonar, como anestesia geral, incisão cirúrgica, circulação extracorpórea (CEC), levando a perdas funcionais que contribuirão para uma limitação do desempenho das atividades de vida diárias (AVD). Para aumentar sua curiosidade sobre a temática, assista ao seguinte vídeo, que mostra a atuação médica durante uma cirurgia cardiovascular, associada com procedimento da CEC. Conhecendo a cirurgia cardíaca. Disponível em: https://youtu.be/ce73RIrBXAo Bom vídeo! 27 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Alterações Decorrentes de Cirurgia Cardíaca As alterações respiratórias no pós-operatório podem estar relacionadas às funções pulmonar e cardíaca prévias, ao procedimento da CEC, ao grau de sedação, à inten- sidade da manipulação cirúrgica e ao número de drenos pleurais, sendo os fatores intraoperatórios os principais responsáveis por alterar a mecânica respiratória no pós- -operatório imediato. Você está estudando nesta disciplina diversos assuntos, incluindo a CEC. Você já viu o fun- cionamento dessa máquina? Assista ao vídeo a seguir. Saúde em prática | circulação extracorpórea. Disponível em: https://youtu.be/71su0299tP8 Bom vídeo! A anestesia geral parece reduzir a capacidade residual funcional (CRF) em cerca de 20%. A circulação extracorpórea prejudica a troca gasosa. Os pacientes cujas artérias mamárias são dissecadas apresentam um risco maior de extravasamento de líquido para pleura com subsequentes complicações pulmonares. As complicações respiratórias após a cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM) estão associadas à incisão (esternotomia) e à presença de drenos pleurais que, por sua vez, reduzem o volume residual (VR), a capacidade pulmonar total (CPT), a capacidade vital e a CRF, levando à formação de atelectasias, com alterações da relação ventilação- -perfusão (V/Q), da pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial (PaCO2) e da pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2). Ocorre nos pulmões um aumento no extravasamento de água extravascular, causa- do pelas células inflamatórias, com preenchimento alveolar, o que leva à inativação do surfactante e ao colapso de algumas regiões, modificando a relação V/ Q, alteração dos valores de PaO2 e PaCO2, decréscimo com considerável aumento no trabalho respirató- rio no período pós-operatório. A exposição à hipotermia durante a CEC também afeta a função pulmonar negativamente, causando prejuízo para o endotélio pulmonar. Amplie seu conhecimento assistindo ao vídeo a seguir, que mostra um procedimento médi- co muito comum: a cirurgia de substituição da válvula aórtica. Disponível em: https://youtu.be/MOdbb1niaQU Bom vídeo! Os agentes anestésicos pulmões um aumento no extravasamento de água extravas- cular, causado pelas células inflamatórias, com preenchimento alveolar, o que leva à inativação do surfactante e ao colapso de algumas regiões, modificando a relação V/ Q, alteração dos valores de PaO2 e PaCO2, decréscimo na SaO2 com considerável aumento no trabalho respiratório no período pós-operatório. A exposição à hipotermia durante a CEC também afeta a função pulmonar negativamenteutilizados em anestesia geral 28 29 podem deprimir o sistema respiratório, e o principal efeito é a ocorrência de hipoxemia durante a cirurgia, que pode estar relacionada a alterações na distribuição dos gases, dos volumes pulmonares e também das propriedades mecânicas do sistema respiratório. A parede torácica pode sofrer alterações estruturais, após indução anestésica, tra- duzidas pela redução do diâmetro transverso torácico e também pelo deslocamento cefálico do diafragma, que provocam queda na capacidade residual funcional (CRF) e o aparecimento de áreas de atelectasias em regiões dependentes da gravidade, visíveis em tomografia computadorizada de tórax. A hipoxemia, além de acontecer em razão da atelectasia pela promoção de shunt e/ ou efeito shunt, pode ser piorada pela inibição do reflexo de vasoconstrição hipóxica induzida pela anestesia. Esse fenômeno pode causar maior desequilíbrio na relação ventilação-perfusão pelo aumento do fluxo sanguíneo para regiões atelectasiadas. Manobras de expansão pulmonar até sua capacidade vital, aplicação de pressão posi- tiva ao final da expiração (PEEP) e uso criterioso de altas frações inspiradas de oxigênio são recursos utilizados com o intuito de minimizar a ocorrência de atelectasias no intra e pós-operatório, proporcionando melhores condições para a recuperação cardiovascular. A fisioterapia é frequentemente utilizada no pós-operatório de cirurgias cardíacas para o tratamento de complicações pulmonares, como atelectasia, derrame pleural e pneumonia, na tentativa de acelerar o processo de recuperação da função pulmonar, que ocorre normalmente apenas 15 dias após o procedimento cirúrgico. Nesse momento, o fisioterapeuta deve conectar o paciente ao ventilador mecânico previamente testado, fixar a cânula orotraqueal e realizar a ausculta pulmonar para con- ferir simetria e expansibilidade torácica. Após a admissão, o fisioterapeuta deve anotar os dados cirúrgicos, ventilatórios e complicações. São realizadas avaliações radiológicas e gasométricas periódicas, adotan- do-se as condutas necessárias correspondentes às alterações presentes. Alguns recursos podem ser utilizados para realizar a fisioterapia respiratória no pós-operatório de cirur- gia cardíaca, tais como manobrasfisioterapêuticas, pressão positiva contínua, pressão aérea positiva de dois níveis, pressão expiratória, respiração intermitente com pressão positiva e incentivador respiratório. São seguros, fáceis de aplicar e podem ser utilizados durante todo o período pós-operatório. Existem diferenças técnicas entre esses recursos, pois cada um tem uma ação espe- cífica para a recuperação da função pulmonar e da mecânica. Recursos Utilizados pela Fisioterapia Diversas são os recursos que podem ser utilizados. Cabe destacar os seguintes: espi- rometria de incentivo; exercícios de respiração profunda; exercícios de respiração pro- funda associados à pressão expiratória positiva e pressão expiratória positiva acrescida de resistência inspiratória; respiração com pressão positiva intermitente, entre outras. 29 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Pós-Operatório 1ª fase do pós-operatório (detalhes clínicos fisioterapêuticos básicos): • início do atendimento fisioterapêutico com paciente no leito; • evitar complicações pulmonares; • avaliação do estado geral, parâmetros hemodinâmicos, ausculta pulmonar, gaso- metria arterial e raio X; • avaliação da dor; • expansibilidade torácica. Figura 14 Fonte: Getty Images Você sabia que o fisioterapeuta hospitalar deve saber interpretar resultados advindos da gasometria? Veja no vídeo a seguir como é realizado esse procedimento. Como interpretar uma gasometria arterial. Disponível em: https://youtu.be/YTMJd4XaSQ0 Bom vídeo! 2º fase do pós-operatório: • retirada de dreno torácico e mediastinal; • sentar paciente fora do leito; • alta para enfermaria. 3º fase do pós-operatório: • início da deambulação; • cinesioterapia ativa fora do leito; • exercícios respiratórios; • higiene brônquica. 30 31 Figura 15 Fonte: Getty Images Alta Hospitalar • continuidade da fisioterapia até alta hospitalar, que ocorre por volta do sétimo dia; • orientação de exercícios domiciliares; • programa de caminhada domiciliar; • retorno para reavaliação médica e fisioterápica; • acompanhamento individualizado e integral do paciente. 31 UNIDADE Fisioterapia Cardiovascular Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos SBV no adulto + uso do desfibrilador externo automático (DEA) https://youtu.be/otZre1iZxak Parada cardíaca no adulto, o que fazer? https://youtu.be/r_5FMieycVU Angioplastia coronária | Série Saúde Brasil https://youtu.be/K-UOitJdxpg Leitura Instrumentos de medida em fisioterapia cardiorrespiratória APFISIO. https://bit.ly/3zqtuMZ Exercício para pacientes com doença arterial coronariana CAMP et al. Trad. José Kawazoe Lazzoli. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 4, n. 4, jul./ago. 1998. https://bit.ly/3Dr9iNi Consenso sobre tratamento do pós-infarto do miocárdio Reabilitação após infarto do agudo do miocárdio CASTRO et al. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 64, n. 3, 1995. https://bit.ly/3yo0lRo Reabilitação cardíaca fase I: uma revisão sistemática CHAGAS, A. M.; SILVA, Y. M. A.; ALENCAR, A. M. C. de. ASSOBRAFIR Ciência, v. 7, n. 3, p. 51-60, dez. 2016. https://bit.ly/3BhuCmz Análise dos protocolos de fisioterapia utilizados em pós-operatório de cirurgia cardíaca GOMES et al. Fisioterapia Brasil, v. 16, n. 1, 2015. https://bit.ly/38kjvwY Diretriz sul-americana de prevenção e reabilitação cardiovascular HERDY et al. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 103, n. 2, supl. 1, p. 1-31, ago. 2014. https://bit.ly/3BwuS1t Fisioterapia no pós-operatório de cirurgia cardíaca: a percepção do paciente LIMA et al. Rev. Bras. Cir. 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