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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6478-6 9 7 8 8 5 3 8 7 6 4 7 8 6 Código Logístico 58552 Vania Maria Andrade Artes VisuaisArtes Visuais DesenhoDesenho Este livro apresenta algumas das principais abordagens sobre desenho, com o objetivo de colaborar no processo de ensino-aprendizagem dessa técnica. São apresentados os conceitos básicos que fundamentam o estudo do desenho e os elementos que o compõem, bem como os principais suportes e técnicas para produção. Ao longo desta obra, são destacadas a prática imprescindível da leitura de imagens e alfabetização visual, assim como a importância do desenho durante o desenvolvimento da criança. Cada um dos capítulos conta ainda com a seção Na aula de Arte, destinada ao professor e à prática escolar, com propostas de trabalho sobre os conteúdos apresentados. Desenhar não é apenas traçar linhas no papel, mas comunicar-se, observar, movimentar-se e expressar-se. Você está convidado(a) a explorar as possibilidades que o desenho tem a oferecer como forma de expressão e autoconhecimento, diversão e comunicação. VAN IA M ARIA AN DR ADE ARTES VISUAIS DESEN HO Artes Visuais: desenho IESDE BRASIL S/A 2019 Vania Maria Andrade Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: YamabikaY/Nadiia Korol/Agafonov Oleg/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A571a Andrade, Vania Maria Artes visuais : desenho / Vania Maria Andrade. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 144 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6478-6 1. Artes. 2. Desenho - Técnica. I. Título. 19-57976 CDD: 741.2 CDU: 741 Vania Maria Andrade Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e em Altas Habilidades/Superdotação pela Faculdade Padre João Bagozzi. Licenciada em Artes Visuais com ênfase em Computação pela UTP e bacharel em Pintura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora de ensino a distância, autora de conteúdos multimídia e objetos digitais em Arte. Sumário Apresentação 7 1 Introdução ao estudo do desenho 9 1.1 Desenho de observação 13 1.2 Desenho de memória e desenho de criação 15 1.3 Modelo vivo 16 1.4 Paisagem 19 1.5 Figurativo e abstrato 20 2 Fundamentos do desenho 25 2.1 Ponto, linha e plano 27 2.2 Bidimensional e tridimensional 31 2.3 Luz e sombra 36 3 Outros conceitos sobre desenho 41 3.1 Ritmo 43 3.2 Equilíbrio 44 3.3 Cor 46 3.4 Textura 47 3.5 Figura e fundo 50 3.6 Enquadramento e composição 52 4 Papel como suporte 57 4.1 Antes do papel: o papiro 60 4.2 História do papel 62 4.3 Tipos de papel 66 5 Técnicas em escala de cinza 75 5.1 Desenho a carvão 77 5.2 Grafite 80 5.3 Desenho com nanquim 85 6 Técnicas policromáticas 95 6.1 Sépia, sanguínea e giz branco 97 6.2 Lápis de cor 99 6.3 Giz pastel 101 6.4 Canetas ou marcadores 103 7 Grafismo infantil e desenho estereotipado 111 7.1 Desenvolvimento do desenho infantil 113 7.2 As fases do grafismo infantil 114 7.3 Estereotipia 119 7.4 Desestereotipização 121 8 Leitura de imagens 127 8.1 O que é imagem? 129 8.2 Modos de ver 131 8.3 Educando o olhar 133 Gabarito 141 Apresentação Desenhos são para a gente folhear, são para serem lidos que nem poesias, são haicais, são rubaes, são quadrinhas e sonetos. (Mário de Andrade) O ato de desenhar vai muito além de traçar linhas no papel. Desenhar é comunicar-se, é observar, é movimentar-se, e é expressar-se, trazendo para fora o que temos de bagagem. Por isso, o professor de Arte deve estar atento ao desenvolvimento da prática do desenho desde a primeira infância, ponto por ponto, linha por linha. Para colaborar nessa relação de aprendizagem, trazemos neste livro algumas abordagens principais sobre essa técnica artística. Figurativo ou abstrato, de memória ou de criação, paisagem, modelo vivo ou observação são algumas das categorias nas quais podemos classificar o desenho de acordo com o motivo representado, como mostra o Capítulo 1 deste livro. O ponto, a linha e o plano, a bidimensionalidade e a tridimensionalidade, a luz e a sombra são alguns dos conceitos básicos que fundamentam o estudo do desenho, permitindo a sua utilização consciente para encontrar as soluções gráficas que causarão os melhores efeitos no espectador. Abordaremos esses aspectos no Capítulo 2 e mais alguns elementos no Capítulo 3, como ritmo, equilíbrio, cor, textura, figura e fundo, enquadramento e composição, destacando a relação entre eles em uma mesma produção gráfica. Abordando desde as paredes das cavernas até o papel produzido industrialmente, passando pela argila, cera e papiro, o Capítulo 4 apresenta algumas das inúmeras possibilidades de suportes que já foram utilizadas para produzir um desenho, principalmente o papel. Para mostrar algumas técnicas de desenho, o Capítulo 5 apresenta as que possibilitam explorar escalas em cinza, como o carvão, o grafite e o nanquim. As técnicas policromáticas estão no Capítulo 6, que aborda o uso do lápis sépia, do sanguínea, do giz branco, do lápis de cor, do pastel seco e oleoso, das canetinhas e marcadores. O Capítulo 7 é dedicado à importância do desenho durante o desenvolvimento da criança, destacando algumas das principais fases do grafismo infantil, além de abordar o desenho estereotipado e algumas formas de o professor trabalhar a desestereotipização. O último capítulo destina-se a um assunto imprescindível ao profissional da arte: a leitura de imagens, a alfabetização visual, os modos de ver uma imagem e como exercitar essa prática para aprimorar a comunicação visual entre espectador e imagem. Em cada capítulo há uma seção específica destinada ao professor de Arte e à prática escolar: Na aula de Arte, que traz propostas de trabalho sobre os conteúdos apresentados, de modo que o professor possa adaptar essas ideias de acordo com a sua realidade escolar, faixa etária da turma e possibilidades de espaço e materiais. Convidamos profissionais e alunos a explorarem tudo o que o desenho tem para oferecer como forma de expressão e autoconhecimento, diversão e comunicação. Aproveitem, criem, e bons desenhos! Um desenho só ocorre quando o olho o revela. (TIBURI; CHUÍ, 2010) Introdução ao estudo do desenho Na página anterior: Chaosamran_Studio/Shutterstock Introdução ao estudo do desenho 11 Produzir marcas em uma superfície é um ato quase tão antigo quanto a humanidade. Se essa é uma das definições de desenhar, o ser humano o faz desde os primórdios. Assim como outras formas de expressão, essa técnica foi se desenvolvendo de diferentes maneiras ao longo dos tempos (HUTTER, 2019). O desenho se faz presente em diversas áreas do conhecimento, além da arte: na botânica (Figura 1), na zoologia, na anatomia, na arquitetura, na indústria, na publicidade, entre outras. Em qualquer desses campos e assuntos, o desenho pode servir como registro, expressão e linguagem. W ik iA rt Fonte: DA VINCI, L. Lírio. c.1473 - 1475. Giz e tinta sobre papel: 31,4 x 17,7 cm. Milão, Itália. Figura 1 – Desenho de botânica Com tantas possibilidades de expressão, o alcance de uma ideia desenhada pode ir além, ampliando os limites da comunicação. Assim, fica aqui uma questão lançada por Tiburi e Chuí (2010) para reflexão: você concorda com a ideia de que desenhar é pensar? Se há um artista que explorou suas habilidades de desenhista para ilustrar os conhecimentos em diferentes áreas do saber, esse é Leonardo da Vinci. Dos desenhos Artes Visuais: desenho 12 anatômicos (que até hoje ilustram livros de Medicina) aos projetos de máquinas, passando por desenhos arquitetônicos (como o da Figura 2)e de outras áreas, Da Vinci utilizou o desenho como forma de expressão, como registro da sua maneira de pensar e para ilustrar as suas descobertas. W ik iA rt Fonte: DA VINCI, L. Estudo de uma igreja central. c. 1488. Giz e tinta sobre papel: 24 x 19 cm. Biblioteca do Instituto de França, Paris. Figura 2 – Desenho arquitetônico A linguagem do desenho era muitas vezes utilizada por Da Vinci em lugar da escrita ou da matemática, pois era considerada a melhor forma de expressar seus pensamentos (CAPRA, 2008). Dessa forma, o artista se utilizou do desenho da mesma forma como é proposto por Tiburi (2010, p. 14), que considera “o gesto de pensar como ato de criar conceito por meio de traços”. Portanto, o ato de desenhar vai muito além de apenas produzir marcas em uma superfície, trata-se de pensamento e expressão. Para classificar algumas formas de pensar por meio do desenho, algumas modalidades foram criadas, já que as técnicas de desenho se desenvolveram e muitas opções surgiram para a realização dessas práticas. Abordaremos aqui as seguintes modalidades específicas da área artística: desenho de observação, desenho de memória, modelo vivo, paisagem, desenho figurativo e desenho abstrato. Introdução ao estudo do desenho 13 1.1 Desenho de observação Quando nos propomos a estudar Arte, iniciamos uma nova educação do nosso olhar, dos nossos modos de observar as imagens e o ambiente ao nosso redor. É imprescindível essa alfabetização visual para que seja possível uma comunicação adequada entre espectador e produto artístico. O ato de observar, nesse sentido, adquire novo significado. Segundo Jacques Aumont (2008, p. 77), “As imagens são feitas para serem vistas, por isso convém dar destaque ao órgão da visão”. Com essa afirmação, o autor destaca a importância da relação que envolve os nossos olhos (como órgão do corpo humano) e a nossa forma de ver as imagens enquanto espectadores. Ele afirma também que: esse órgão não é um instrumento neutro, que se contenta em transmitir dados tão fielmente quanto possível mas, ao contrário, um dos postos avançados do encontro do cérebro com o mundo: partir do olho induz, automaticamente, a considerar o sujeito que utiliza esse olho para olhar uma imagem, a quem chamaremos, ampliando um pouco a definição habitual do termo, espectador. (AUMONT, 2008, p. 77, grifos do original) De acordo com essa afirmação, o espectador utiliza o órgão da visão para observar e realizar a leitura de imagens, considerando todo o seu conhecimento enquanto sujeito. Portanto, tudo o que somos e pensamos exerce influência direta naquilo que observamos. Ao falar de desenho de observação, devemos refletir sobre esse ato de observar e sobre o desenho enquanto técnica. Para Tiburi e Chuí (2010, p. 19) “o desenho, ao contrário do que pensam muitos, não é uma ação das mãos, é uma ação do olhar”. Com a educação do olhar, desenvolve-se melhor a capacidade de representação por meio das técnicas de desenho. A ação das mãos e do olhar precisa de muita prática para esse desenvolvimento. Todo mundo pode aprender a desenhar. O caderno de esboços é o grande aliado da prática de desenho, principalmente do desenho de observação. Podemos considerar como desenho de observação tudo aquilo que é observado e registrado graficamente direto de um modelo, que pode ser uma natureza morta, uma paisagem, entre outros. É importante ter sempre à mão um caderno ou bloco para que se possa registrar a qualquer momento esse motivo que chame a atenção. Pode ser um caderno de rascunhos, anotações e esboços. Segundo Vasari (2011, p. 44), “é chamado esboço um primeiro desenho feito para se encontrarem as melhores posições e a primeira composição da obra”. Observe a seguir, na Figura 3, como o artista reproduziu em poucas linhas a paisagem com o castelo. Os registros no caderno podem ser até mais simples, apenas traços gerais. Vídeo Artes Visuais: desenho 14 Figura 3 – Estudo ou esboço Fonte: LEVITAN, I. Ruínas do castelo Doria. 1890. Lápis sobre papel. Itália. W ik iA rt A observação do modelo e a produção do esboço podem ser rápidas e livres, utilizando alguns recursos. Anotações de cores e outras ideias também podem fazer parte desse caderno. Um recurso importante em um desenho de observação é a definição do enquadramento, ou seja, o motivo que será retratado e o seu entorno. Utilizar um visor ou uma moldura pode ajudar nessa definição. O visor pode ser improvisado com as mãos, unindo os dedos e formando um retângulo, ou feito de cartolina. Para achar o enquadramento adequado, desloque devagar (aproximando ou afastando) o visor, até ficar satisfeito com o motivo enquadrado. Muitos artistas, desde os mais antigos, praticam o desenho de observação retratando esculturas em museus. Outro exercício simples e eficiente, no entanto, é compor uma natureza morta com alguns objetos (como vasos e garrafas) para desenhar. A mesma composição serve para inúmeros esboços rápidos, pois o objetivo é desenhar bastante, treinando os traços. Depois de vários desenhos, que devem ser datados e numerados, é possível verificar o progresso. Introdução ao estudo do desenho 15 Marcar um tempo para produzir os esboços também é um ótimo exercício. Os desenhos podem ser feitos em tempos variados: 2 minutos, 1 minuto, 30 segundos, diminuindo aos poucos. Depois de treinar bastante, aumente o tempo e elabore melhor o desenho final. Esses exercícios valem para sempre, em qualquer lugar, por isso o caderno deve estar sempre à mão. Aproveite para desenhar tudo o que vê! 1.2 Desenho de memória e desenho de criação O desenho atinge importância artística a partir do Renascimento, quando surgem as Academias de Arte. Nesse período, em 1562, foi fundada a primeira Academia de Arte do Desenho, por Giorgio Vasari, em Florença, considerada a mais antiga do mundo (UNA STORIA, 2019). A partir desse período, os artistas passaram a utilizar o desenho como técnica definitiva para produções artísticas. Acompanhando a evolução dos movimentos de arte ao longo dos tempos, tornou-se possível expressar-se pelo desenho em variadas técnicas e formas. Com maior liberdade de expressão, os artistas puderam dar asas à imaginação e desenhar motivos e cenas inventados, partindo para a criação. Nessa forma de desenhar, o artista passa a utilizar as imagens guardadas na própria memória e, combinando-as, faz surgir outras, produzindo novas montagens, muitas vezes sem conseguir perceber os limites entre o que já viu e o que é pura criação. O desenho de memória se caracteriza pelo registro gráfico daquilo que já foi observado e até registrado anteriormente por meio de um esboço. Muitos artistas produzem esboços em seus cadernos, apenas com os principais traços e algumas informações marcantes, para, posteriormente, trabalhar com calma em uma produção, utilizando os esboços e as anotações como base. O restante é produzido pela memória daquele momento de observação. Por isso, no desenho de memória ou de criação é tão importante armazenar um vasto repertório na memória, ao qual se possa sempre recorrer para criar. Para adquirir esse repertório, é necessário educar o olhar para observar as imagens e o entorno. Assim, a criatividade combina as imagens observadas com a imaginação, criando novas formas e narrativas. Vídeo Artes Visuais: desenho 16 Figura 4 – Desenho de criação Fonte: KLEE, P. Conto à la Hoffmann. 1921. Aquarela, grafite e tinta de impressão em papel: 40,3 × 32,1 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. W ik iA rt O artista Paul Klee criou essa obra (Figura 4) motivado por um dos contos mais famosos do poeta e escritor alemão E. T. A. Hoffmann. Diversos elementos do conto fantasioso podem ser observados na obra, como a árvore, a garrafa e os relógios (THE MET, 2019). Contos, canções e poemas são estímulos poderosos para a produção em desenho de criação. 1.3 Modelo vivo O desenho de um modelo vivo consiste em retratar uma figura humana observando diretamenteuma pessoa, tendo o corpo como principal objeto a ser representado. A representação da figura humana existe desde os registros rupestres, mas foi a partir da criação das academias de arte, no período Renascentista, que o estudo da figura humana adquiriu importância. Vídeo Introdução ao estudo do desenho 17 Os artistas do Renascimento desenharam muitas esculturas gregas para aperfeiçoar suas representações humanas. O estilo clássico grego, que pode ser observado na Figura 5, criou um ideal de beleza com base em estudos aprofundados de medidas e proporções anatômicas que retratassem o corpo humano com perfeição (SYMONDS, 2019). Figura 5 – Escultura grega Fonte: POLICLETO. Doryphoros de Pompéia (cópia romana de um original grego). Mármore de Carrara: 200 cm. Museu Arqueológico Nacional de Nápoles, Itália. W ik iA rt O período renascentista retomou a ideia da Antiguidade Clássica, fazendo com que artistas e cientistas se interessassem por dissecações de cadáveres, com o intuito de estudar, de maneira aprofundada, o corpo humano. Foi nesse período que o desenho anatômico adquiriu importância, não só para as artes, mas também para a medicina. A relação entre anatomia e desenho uniu médicos e artistas, produzindo registros do corpo humano por meio de desenhos de grande importância científica (LÉPORI, 2007). O artista e cientista que melhor define essa relação entre desenho e anatomia é, sem dúvida, Leonardo Da Vinci, que realizou suas próprias dissecações e registrou em seus cadernos inúmeros estudos do corpo humano. Observe na Figura 6, a seguir, que, ao mesmo tempo em que desenhava, Da Vinci fazia anotações com sua escrita espelhada. Artes Visuais: desenho 18 Figura 6 – Desenho anatômico Fonte: DA VINCI, L. Estudos anatômicos do ombro. c.1510. Giz e tinta sobre papel: 28,9 x 19,9 cm. Milão, Itália. Figura 7 – Desenho da figura humana W ik iA rt Fonte: BUONARROTI, M. Estudo para Ignudo. c.1508. Giz sobre papel: 27,9 x 21,4 cm. Teylers Museum, Haarlem, Países Baixos. Nesse período, o desenho do corpo humano buscava a perfeição da forma física, envolvendo estudos de anatomia, proporção e perspectiva. Michelangelo Buonarroti também foi um artista que explorou o desenho humano, retratando cada músculo em diferentes poses, como se pode observar na Figura 7. As cenas da Capela Sistina, em Roma, demonstram isso. O estudo da anatomia favorece o artista por fornecer-lhe conhecimentos a respeito das modificações musculares de acordo a posição que se quer retratar. Dependendo da posição do modelo, os músculos do corpo tensionam, provocando áreas de destacado volume. Esses artistas fizeram inúmeros estudos de cada pose, destacando a musculatura e o posicionamento dos ossos do esqueleto. A partir do Renascimento, o ensino da disciplina de Modelo Vivo tornou-se frequente nas Escolas de Arte, sendo mantida essa prática até os dias de hoje. Essa disciplina envolve o estudo do corpo humano, observando sua musculatura e seus ossos, aliado ao desenho de observação da figura humana, buscando relacionar esses conhecimentos. No decorrer dos anos, a representação do corpo humano modificou-se, acompanhando a evolução da História da Arte. De qualquer forma, o conhecimento sobre anatomia só tem a acrescentar ao artista que trabalha com o retrato da figura humana. Introdução ao estudo do desenho 19 1.4 Paisagem O desenho de paisagem caracteriza-se por retratar cenas da natureza ou do ambiente externo e adquire maior representatividade a partir do século XIX, com a popularidade dos artistas que trabalham ao ar livre. Com as ideias impressionistas sobre a luz e a cor, o trabalho ao ar livre tornou-se cada vez mais comum entre os artistas. Vincent Van Gogh, muito conhecido por suas pinturas, produziu um número notável de desenhos de paisagem. O artista valorizava muito a habilidade de desenhar, considerando-a a raiz de tudo (IVES; STEIN, 2000). Ele desenhava quase por compulsão. Suas cartas para o irmão Theo são, em grande parte, ilustradas pelos seus traços e desenhos, com referências aos assuntos sobre os quais escrevia. Figura 8 – Desenho de paisagem Fonte: VAN GOGH, V. Rua em Saintes-Maries-de-la-Mer. 1988. Caneta, pena e tinta sobre giz em papel: 24,3 x 31,7 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque, Estados Unidos. Observe, na Figura 8, as texturas exploradas pelo artista: linhas, traços e pontos que formam os elementos. A paisagem sempre oferece motivos para serem retratados, permitindo esboços ricos e criativos, além de engrandecer o repertório da memória. Van Gogh trabalhou com caneta e bico de pena em diversos desenhos de paisagens, aperfeiçoando seu domínio da perspectiva. Muitas vezes, produziu pinturas a partir de desenhos de observação da natureza, mas também desenhou a mesma paisagem após tê-la pintado. Assim como na classificação de pinturas, as paisagens podem ser rurais (cenas do campo), urbanas (cenas da cidade) ou marinhas (praias, porto, mar). Vídeo Artes Visuais: desenho 20 1.5 Figurativo e abstrato A partir das vanguardas artísticas do século XX, a arte cada vez mais se liberta em suas formas de representação, principalmente com o surgimento do cubismo, abrindo os caminhos para uma expressão mais abstrata. A arte figurativa caracteriza-se pela representação de imagens que têm referência no mundo real, ou seja, objetos e figuras reconhecíveis, como a arte produzida antes do século XX. O termo figurativo passou a ser usado para diferenciar a arte abstrata, que não se utiliza de referências reais. Abstracionismo: “A decomposição da figura, a simplificação da forma, os novos usos da cor, o descarte da perspectiva e das técnicas de modelagem e a rejeição dos jogos convencionais de sombra e luz, aparecem como traços recorrentes das diferentes orientações abrigadas sob esse rótulo.” (ABSTRACIONISMO, 2019). Diversas foram as manifestações surgidas a partir da arte abstrata: o Suprematismo, com Kasimir Malevich (1878-1935), que pode ser observado na Figura 9; o Construtivismo, com Alexander Rodchenko (1891-1956); o Neoplasticismo, com Piet Mondrian (1872-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931); o Tachismo, com Manabu Mabe (1924-1997) e Tomie Ohtake (1913-2015); o Expressionismo Abstrato, com Jackson Pollock (1912-1956), entre outras. Figura 9 – Suprematismo Fonte: MALEVICH, K. Composição suprematista: avião voando. 1915. W ik iA rt Vídeo Introdução ao estudo do desenho 21 No Brasil, alguns dos principais artistas com produções abstratas são: Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988), Abraham Palatnik (1928-) e Luiz Sacilotto (1924-2003). Na aula de Arte Para colaborar com a educação do olhar e com o processo de observação, proponha uma brincadeira de enquadramentos divertidos com a turma, fazendo uma moldura com as mãos e registrando no papel os motivos selecionados. O uso do visor de papelão ou uma pequena moldura de porta-retrato pode facilitar a atividade. Para a produção do visor (cada um pode fazer o seu, de acordo com a faixa etária), o material mais apropriado é o papelão, mas a cartolina preta também pode ser usada, apesar de não ser tão firme. O importante é treinar o olhar para um enquadramento equilibrado. Proponha também uma pesquisa sobre estudos e esboços de artistas famosos, para que observem que há um longo caminho antes de uma pintura ser reconhecida como obra-prima. Apresente estudos de alguns artistas como motivação. Existem muitas reproduções de Da Vinci e Michelangelo, por exemplo. Para uma atividade que envolva o desenho de memória e de criação, fazer um passeio (pela escola, mesmo), visitar um museu ou ler uma história ou um poema podem servir como referências. Após o passeio, cada um pode registrar graficamente um objeto que tenha visto. Como continuação da atividade, a leitura do poema ou da história pode servir como cenário e sugerir elementos que, junto ao que foi observado no passeio, deem origem à criação de um desenho de imaginação. Paraos estudos de modelo vivo, um colega pode servir de modelo para os outros realizarem esboços rápidos. Considerações finais Produzir um desenho implica saber observar, ler imagens ao redor e reproduzi- las por meio de traços, seja seguindo modelos observados, seja combinando imagens do repertório mental ou simplesmente criando formas expressivas. A capacidade de desenhar está diretamente relacionada à prática. Por isso, quanto mais se desenha, melhor ficará o produto final, em qualquer técnica que se escolha. Artes Visuais: desenho 22 Ampliando seus conhecimentos • TIBURI, M.; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. Esse livro reúne cartas trocadas entre a filósofa e seu professor de desenho, discutindo a técnica artística em uma abordagem poética que vai além do que costumamos pensar. • CAMINHOS da abstração: aspectos da cultura brasileira. (5 min. 9 seg.). Publicado por ItauCultural2012. Disponível em: https://youtu.be/wT65Cnhc0tA. Acesso em: 16 jun. 2019. Esse vídeo é um trecho de um documentário de Roberto Moreira e mostra, a partir de obras de arte brasileiras, como foi o processo de transformação entre a representação figurativa e a abstrata, destacando a negação da estética naturalista. Atividades 1. A imagem a seguir pode ser classificada em qual modalidade de desenho? Quais são as características dessa modalidade? W ik iA rt Fonte: WRIGHT, J. Estudo do terreno perto do Vesúvio. 1774. Lápis sobre papel: 31,1 x 45 cm Introdução ao estudo do desenho 23 2. Indique, entre as obras a seguir, qual pode ser classificada como figurativa e qual é abstrata. Justifique sua resposta. a) W ik iA rt Fonte: MALEVICH, K. Oradores no Tribune. 1919. Tinta e aquarela sobre papel: 24,8 x 33,8 cm. b) W ik iA rt Fonte: VAN GOGH, V. Women Working in Wheat Field. 1890. Giz sobre papel. Van Gogh Museum, Amsterdam, Holanda. 3. Comente sobre a modalidade de desenho para a qual é importante o estudo da anatomia humana. Artes Visuais: desenho 24 Referências ABSTRACIONISMO. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Verbete de Enciclopédia. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org. br/termo347/abstracionismo. Acesso em: 16 jun. 2019. AUMONT, J. A imagem. 13. ed. São Paulo: Papirus, 2008. CAPRA, F. A ciência de Leonardo da Vinci: um mergulho profundo na mente do grande artista. São Paulo: Cultrix, 2008. HUTTER, H. R. Drawing. Encyclopædia Britannica. 4 jun. 2019. Disponível em: https://www. britannica.com/art/drawing-art. Acesso em: 16 jun. 2019. IVES, C.; STEIN, S. A. Vincent van Gogh (1853–1890): The Drawings. In: HEILBRUNN Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000. Disponível em: http://www. metmuseum.org/toah/hd/gogh_d/hd_gogh_d.htm. Acesso em: 16 jun. 2019. LÉPORI, L. R. Atlas da arte anatômica: um olhar de seis séculos. EC Europe, 2007. SYMONDS, KM. Life Drawing: a short history. Centre for Science and Art (CSA). Disponível em: http://www.stroudlifedrawing.com/history.html. Acesso em: 16 jun. 2019. THE MET. Tale à la Hoffmann. Paul Klee. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/ collection/search/483143. Acesso em: 16 jun 2019. TIBURI, M.; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. UNA STORIA Lunga. Accademia delle Arti del Disegno. Disponível em: https://www.aadfi.it/ accademia/. Acesso em: 16 jun. 2019. VASARI, G. Vida dos artistas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. O que é, afinal um desenho senão o ato de unir pon- tos para formar imagens? (TIBURI; CHUÍ, 2010) Fundamentos do desenho Na página anterior: Creativika Graphics/Shutterstock Fundamentos do desenho 27 O desenho é uma forma de expressão, pensamento e linguagem. Portanto, para se aprofundar no ato de desenhar, é necessário conhecer as possibilidades de comunicação por meio dessa linguagem. Quais são, então, os elementos envolvidos nesse processo de comunicação entre o desenho, o artista e o espectador? Sendo o desenho uma linguagem visual, conforme pontua Wong (2001), essa é a base de sua criação. Portanto, o olhar, o ato de ver, enxergar e observar tem papel fundamental nessa comunicação. É o olhar que guia a mão na produção de um desenho, mesmo que supostamente seguindo apenas a intuição e o repertório de imagens da memória. Sendo assim, é preciso permitir que a mão tenha sintonia com o olhar. Diversos elementos visuais relacionam-se diretamente com a produção de um desenho. Assim, conhecê-los e saber utilizá-los facilita a expressão e amplia o poder de comunicação. Além disso, produzir um desenho combinando as abordagens intuitiva e intelectual permite um resultado muito mais satisfatório (WONG, 2001). Por isso, é interessante aliar a sensibilidade intuitiva aos conhecimentos intelectuais acerca da criação artística. Vamos abordar aqui, então, alguns elementos fundamentais desse processo: o ponto, a linha e o plano como elementos básicos; os desenhos bidimensional e tridimensional; a luz e a sombra. 2.1 Ponto, linha e plano O ponto, a linha e o plano são considerados por Wong (2001) como elementos conceituais, ou seja, não visíveis: percebemos que há pontos, que a forma tem uma linha de contorno e que sugere um plano, mas não os vemos na realidade. No entanto, a partir desses três elementos básicos, podem surgir todos os outros. Vejamos cada um deles mais detalhadamente. Wassily Kandinsky (1976), em seu famoso livro Ponto, linha, plano, utiliza diferentes linguagens para explicar os elementos visuais de uma composição. O artista inicia fazendo uma abordagem sobre o ponto, considerado o primeiro elemento, a origem. “O ponto geométrico é um ser invisível” (KANDINSKY, 1976, p. 35), pois essa marca tem contornos e dimensões relativas, de acordo com a imagem na qual o percebemos: na linguagem, ele é o silêncio, o ponto final; no balé, é o momento em que a ponta da sapatilha toca o chão; na música, a pauta é salpicada de pontos, que são as notas. Esses são alguns exemplos que Kandinsky (1976) menciona para exemplificar o quanto o ponto está presente em diferentes manifestações ao nosso redor. No momento em que o instrumento de desenho toca no suporte e produz a primeira marca, o resultado desse toque é um ponto. Pode ser o lápis sobre o papel, a goiva na madeira ou o pincel na tela. “O ponto é, interiormente, a forma mais concisa” (KANDINSKY, 1976, Vídeo Artes Visuais: desenho 28 p. 41) e pode apresentar contorno e dimensão variados. Observe, na obra de Kandinsky, as marcas que podem ser consideradas pontos, de formatos e tamanhos variados. W ik iA rt Fonte: KANDINSKY, W. Mundos pequenos XI. 1922. Ponto seca sobre papel: 23,9 x 20 cm. Lenbachhaus, Munique, Alemanha. Figura 1 - Variedade de pontos Uma sequência de pontos se transforma em uma linha. Kandinsky (1976) considera a linha como um elemento secundário, sendo o produto do ponto ou o ponto em movimento. A partir do ponto estático, pode surgir a linha, elemento dinâmico, como na Figura 2, a seguir. Figura 2 – Ponto e linha Fonte: Elaborada pela autora. A linha tem tensão e direção. É a direção que faz com que possamos distinguir a horizontal, a vertical e a diagonal (como na Figura 3, a seguir), que são os três principais tipos de linhas retas. Os demais tipos de linhas são derivados dessas, como as linhas quebradas ou angulares. Além disso, a menor distância entre dois pontos é sempre uma reta. Fundamentos do desenho 29 Figura 3 – Tipos de linhas D ire çã o das li nhas Linhas angulares horizontal vertical diagonal ângulo reto ângulo agudo ângulo obtuso quebrada mista Fonte: Elaborada pela autora. Já a linha curva surge quando a linha reta apresenta fortes pontos de tensão, obrigando-a a formar um arco, como na Figura 4. Os pontos que iniciam e terminam a linha reta podem se encontrar na formação de uma linha curva, transformando-se em um plano. Figura 4 – Linha curva Fonte: Elaborada pela autora. As linhas formam os limitesde um plano. De acordo com Wong (2001, p. 42), “um plano tem comprimento e largura, mas não tem espessura. Tem posição e direção” das retas que o compõe, mas não tem profundidade. Figura 5 – Planos Fonte: Elaborada pela autora. Artes Visuais: desenho 30 Quando as linhas se movimentam em direção a outras e se encontram, fecham-se formando um plano, como pode ser visto na Figura 5: um plano formado por linha curva e outro por linhas angulares. Observe agora, na Figura 6, este desenho de Kandinsky, que ilustra seu livro Ponto, linha, plano. A imagem deu origem à obra denominada Pequeno sonho em vermelho. Veja como o artista trabalha com as linhas e os planos nas duas composições, comparando-as. Fonte: PRANCHA 25. Linha. Construção linear da pintura Pequeno sonho em vermelho (1925). In: KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano. Lisboa: Edições 70, 1976. p. 169. Figura 6 – Construção linear W ik iA rt Figura 7 – Composição abstrata Fonte: KANDINSKY, W. Pequeno sonho em vermelho. 1925. Óleo em papelão: 35,5 x 41,2 cm. Kunstmuseum, Berna, Suíça. Fundamentos do desenho 31 Para chegar ao resultado dessas obras, Kandinsky produziu muitos estudos e esboços. Da mesma forma, podemos trabalhar informalmente com elementos visuais, sem preocupação com um produto final. Entretanto, o ato de produzir registros gráficos estimula a nossa capacidade de criação, possibilitando armazenar certo repertório de material que pode se transformar em alguma produção artística. 2.2 Bidimensional e tridimensional Segundo Wong (2001), nossas primeiras experiências são com formas tridimensionais, devido ao mundo em que vivemos. Pode ser um objeto ou um ser vivo. “Uma forma tridimensional é aquela em direção à qual podemos caminhar, da qual podemos nos afastar ou em torno da qual podemos andar; pode ser vista de diferentes ângulos e distâncias” (WONG, 2001, p. 138, grifo nosso). Os desenhos ou pinturas são representações bidimensionais. “Formas bidimensionais são constituídas por pontos, linhas e/ou planos sobre uma superfície” (WONG, 2001, p. 139, grifo nosso). É a combinação desses elementos visuais básicos que produzirá uma forma, que poderá ser figurativa ou abstrata. Essa forma bidimensional pode ser retratada de diversas maneiras, com diferentes tamanhos, posições e direções. Com base em recursos como repetição (rotação, em vários sentidos), transformação e inversão (da forma), as formas produzem uma composição. Observe as três imagens a seguir, que podem ser tidas como exemplo de como produzir uma composição bidimensional. Na primeira, a composição partiu de um ponto central e, ao redor dele, repete-se uma figura geométrica que aumenta gradativamente de tamanho, fazendo com que o fundo também se destaque pelo contraste formado. M ar k G re ni er /S hu tt er st oc k Figura 8 – Composição concêntrica Vídeo Artes Visuais: desenho 32 Na figura seguinte, podemos dizer que linhas onduladas na vertical, de espessuras variadas, intercalam-se entre espaços com a representação de pontos de variados tamanhos. As linhas e os pontos se repetem de forma aleatória, em tamanhos e formatos variados. ru .c o. la / Sh ut te rs to ck Figura 9 – Composição com linhas e pontos A repetição também é utilizada na próxima imagem, com o desenho das folhas em uma sequência de encaixes na composição figurativa. M an ga ta / Sh ut te rs to ck Figura 10 – Composição figurativa Produzir composições simples com base em figuras geométricas contribui para o treino do desenho bidimensional, utilizando os elementos conceituais básicos. No início, Fundamentos do desenho 33 vale a pena destacar uma forma qualquer e experimentar repetir, rotacionar, aumentar e transformar essa forma, produzindo certa variedade de composições. De acordo com Wong (2001), a forma bidimensional foi criada pelo ser humano para suas representações em desenho, pintura e escrita. As representações bidimensionais têm comprimento e largura, mas não profundidade. Para realizar um desenho tridimensional, portanto, é preciso pensar de uma forma diferente da que exige o desenho bidimensional. A representação tridimensional pressupõe imaginar o motivo, observando-o por todos os lados, como se pudesse segurá-lo nas mãos. Devemos considerar as suas três principais dimensões – comprimento, largura e profundidade –, ou seja, medi-lo nas direções vertical (de cima para baixo), horizontal (esquerda para direita) e transversal (frente para trás). Assim, teremos três planos representados (de cada dimensão): o vertical, o horizontal e o transversal. Se duplicarmos esses planos, teremos os planos da frente e de trás (vertical), os planos superior e inferior (horizontal) e os planos lateral esquerdo e lateral direito (transversal). Com esses planos, formamos o cubo, como na Figura 11, que mostra os planos duplicados (WONG, 2001). Figura 11 – Figura tridimensional Fonte: Elaborada pela autora. Trabalhar com a tridimensionalidade em um desenho envolve o volume e a perspectiva. “Em termos técnicos, volume é a ilusão de tridimensionalidade. É o que transforma um círculo em uma esfera, um triângulo em um cone e um quadrado em um cubo. Para dar volume aos seus objetos, você precisa usar perspectiva e sombreamento” (COMBS; HODDINOT, 2016, p. 48). Artes Visuais: desenho 34 Yo ko D es ig n/ S hu tt er st oc k Figura 12 – Figuras tridimensionais Toda imagem a ser desenhada pode ser esboçada como uma forma geométrica tridimensional (como as da Figura 12), assim se torna mais fácil aplicar a perspectiva na composição. Observe, neste estudo de Van Gogh, como o artista desenhou destacando as figuras geométricas. W ik iA rt Fonte: VAN GOGH, V. Esboço inacabado de um interior com uma panela no fogo. 1881. Giz sobre papel. Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda. Figura 13 – Estudo Fundamentos do desenho 35 “A perspectiva, basicamente, é a forma como os objetos e espaços são visualizados de determinado ponto de vista” (COMBS; HODDINOT, 2016, p. 48, grifo do original). O domínio da perspectiva depende de muita prática. Por isso, é válido adquirir o hábito de desenhar todo sólido geométrico que você encontrar pela frente: vasos, livros, mesas, baldes, potes... Transforme tudo o que você vê em figuras geométricas simples e, depois, em figuras tridimensionais. Os desenhos em perspectiva sugerem a tridimensionalidade e, para obtê-la, devemos determinar a linha do horizonte. É ela que definirá se os motivos desenhados serão vistos de frente (na linha), olhando para baixo (abaixo da linha) ou para cima (acima da linha), como mostram as três imagens da Figura 14, a seguir. Figura 14 – Desenho em três perspectivas Ps eu do ny m a/ Sh ut te rs to ck Linha do horizonte: “Às vezes chamada linha dos olhos, a linha do horizonte é uma linha horizontal imaginária que divide a terra do céu. Ela fica exatamente na altura dos olhos quando se olha para frente.” (COMBS; HODDINOT, 2016, p. 206, grifo nosso) Após determinar a linha do horizonte, deve ser definido o ponto de fuga, isto é, o ponto situado na linha do horizonte para onde todas as retas convergem (observe na Figura 14). Alguns desenhos têm mais de um ponto de fuga (como na Figura 15). Artes Visuais: desenho 36 Figura 15 – Dois pontos de fuga at ta ph on g/ Sh ut te rs to ck Esses conhecimentos facilitarão o raciocínio quando for necessário calcular proporções entre os elementos de uma composição. Um bom exercício para isso é observar as perspectivas trabalhadas em diferentes obras, como pinturas, fotografias e desenhos. 2.3 Luz e sombra Acrescentar linhas, pontos ou texturas mais expressivos dentro do contorno de um desenho pode servir para indicar áreas de luz e sombra e, ao mesmo tempo, trabalhar o volume nessa imagem. O primeiro passo para iniciar um desenho aplicando áreas de luz e sombra é definir o motivo e a forma como a luz incide sobre ele. Algumas caixas e potes organizados em uma composiçãopodem servir como modelo para um desenho. A luz sobre os objetos pode ser natural ou artificial, mas deve ser definida para não causar confusão para um desenhista principiante. Ela pode ser utilizada em diversas direções: • Frontal: ilumina o modelo de frente e quase não produz sombra; • Contraluz: ilumina por trás do modelo; • Lateral: ilumina por um dos lados do modelo (é considerada a mais adequada para desenhistas iniciantes). Em qualquer desenho de observação, podemos utilizar o recurso de transformar mentalmente os motivos em sólidos geométricos (cone, esfera, cubo, cilindro) e traçar esboços rápidos com essas figuras, para depois acrescentar mais detalhes, como mostra a Figura 16, a seguir. Vídeo Fundamentos do desenho 37 O an a_ U nc iu le an u/ Sh ut te rs to ck Figura 16 – Luz e sombra Em seguida, devemos verificar como estão iluminados. Observe, na Figura 16, as áreas com mais e com menos luz, além dos tons intermediários. Para perceber as áreas mais claras e mais escuras, às vezes facilita fechar parcialmente os olhos, pois assim somos mais capazes de nos desligarmos de detalhes de cor, por exemplo, para nos concentrarmos apenas na luz. Essas áreas mais claras e escuras podem ser marcadas no desenho com linhas, para, posteriormente, ser aplicado o tom adequado. O importante é definir qual área é a mais escura e qual é a mais clara, preservando esta última – de preferência, deixando-a apenas com a cor do fundo (cor do papel), pois é mais difícil clarear do que escurecer uma área, em qualquer técnica de desenho. Veja, na Figura 17, como Van Gogh trabalhou com diferentes tons para mostrar as áreas de luz e sombra. Observe a área mais escura na frente do jarro. Observando também as áreas mais claras (abaixo do bico e na asa), você vai perceber que elas não apresentam traços do grafite, só o fundo do papel. Em seguida, pode-se definir os meios- -tons, isto é, as áreas de luz e de sombra Fonte: VAN GOGH, V. Jarro de leite. 1862. Lápis sobre papel. Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda. Figura 17 – Desenho com luz e sombra Artes Visuais: desenho 38 intermediárias. É interessante fazer uma escala dos tons que serão trabalhados em um papel à parte, desenhando alguns quadrados e preenchendo-os com o tom mais forte, o mais claro e os intermediários. Dessa forma, é possível definir quantos tons serão utilizados no desenho e em que áreas serão aplicados. Hachuras, pontos ou linhas podem ser aplicados para cobrir as áreas de sombras. Muitos artistas utilizam também o esfuminho para fazer as passagens de cor graduais. Na aula de Arte Se o desenho está diretamente ligado ao olhar, a artista Edith Derdyk faz uma relação direta do ato de desenhar com a dança, o desenho como ação no ir e vir que marca o papel. Os trabalhos dessa artista podem servir como base para trabalhar os três elementos conceituais do desenho – ponto, linha e plano. A partir do contato com a produção de Derdyk, proponha uma pesquisa sobre linhas e fios que permitam construir uma composição em colagem com linhas. Estimule a busca por variedade de cor, tamanho, espessura e material, classificando-os. Permita um momento descontraído para brincar com os fios e ensine a brincadeira “cama de gato”, valorizando a cultura popular. Para a produção, conceda um tempo para trabalharem com os fios sobre o papel, verificando possibilidades de composição. Os fios podem ser colados no papel a partir de um desenho mental prévio, ou podem ser jogados aleatoriamente para serem fixados depois. Uma possibilidade de exercício para treinar o desenho com linhas é marcar alguns pontos lado a lado em um papel, com certa distância. O desafio é traçar linhas, mais retas quanto for possível, de um ponto ao outro. Dessa forma, também, podem ser desenhadas, à mão livre, figuras geométricas, repetindo-as em uma sequência ou composição. Para treinar o olhar quanto à observação de luz e sombra, organize alguns objetos – como vasos, potes e caixas (de preferência sem estampas) – e ilumine-os lateralmente, de forma que a composição apresente claramente algumas sombras definidas. Verifique se todos têm boa visibilidade do modelo. Explique a técnica de pensar em figuras geométricas e fechar um pouco os olhos para enxergar as áreas de luz e sombra. Solicite que produzam, em um papel à parte, uma graduação de tons para serem utilizados no desenho. hachuras: traços paralelos ou cruzados usados para marcar as sombras e meias-tintas. Fundamentos do desenho 39 Considerações finais Os conhecimentos sobre como realizar uma representação gráfica bidimensional ou tridimensional têm como finalidade facilitar o trabalho do indivíduo que deseja se expressar e pensar por meio do desenho. Essa técnica artística é acessível a todos, no sentido de que é por meio da prática que se aprende a desenhar, não importando habilidades artísticas prévias. A arte de desenhar exige muito trabalho de quem se propõe a realizá-la, pois é fazendo que se aprende. Ampliando seus conhecimentos • SAPIENZA, T. T. (org.); MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G. (coord.). Viés (Edith Derdyk). São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2005. Disponível em: http://artenaescola. org.br/uploads/dvdteca/pdf/arq_pdf_37.pdf. Acesso em: 16 jun. 2019. Viés apresenta uma proposta de trabalho arte-educativo com base na obra da artista Edith Derdyk, envolvendo elementos como linhas, texturas e planos. • MUSEU Vivo: Edith Derdyk. SescTV. (23 min. 10 seg.). Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=SYP3gacfIM8. Acesso em: 16 jun. 2019. O documentário Museu Vivo: Edith Derdyk apresenta a artista e sua produção, relatando seu processo de trabalho com o desenho e a linha. • WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Esse livro explica didaticamente, passo a passo, como entender e explorar técnicas de desenho, inclusive com noções de desenho digital. Atividades 1. Como explicar a diferença entre desenho bidimensional e desenho tridimensional? 2. Quais são os três elementos conceituais básicos que compõem um desenho bidimensional? Como podemos defini-los? 3. De que formas podemos destacar as áreas de luz e de sombra em um desenho? Artes Visuais: desenho 40 Referências COMBS, J.; HODDINOT, B. Desenho para leigos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. KANDINSKY, W. Ponto, linha, plano. Lisboa: Edições 70, 1976. TIBURI, M; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Desenhar é fazer planos ludicamente com pon- tos e linhas. (TIBURI; CHUÍ, 2010) Outros conceitos sobre desenho Na página anterior: Plasteed/Shutterstock Outros conceitos sobre desenho 43 O papel em branco que antecede o começo de um desenho pode ser assustador para o desenhista, mas alguns conhecimentos e dicas podem amenizar esse momento que antecede uma produção. Aprender a técnica já é um bom começo, mas só se aprende fazendo, então a melhor opção é praticar bastante. Mas, por onde podemos começar? Desenhando tudo o que se vê, sem preocupação com o resultado. Depois de alguns rabiscos, é hora de se adaptar a alguns conceitos básicos para ajustar a composição. São esses conceitos que veremos adiante e que podem contribuir para diminuir o temor do desenhista diante do papel em branco. O conhecimento, a prática e a imaginação possibilitarão ao artista desenvolver seu desenho sem medo – a começar pelo papel, que não precisa ser branco, pode ser colorido. 3.1 Ritmo De acordo com Wong (1992), o ritmo de uma composição é formado pelo movimento e pela velocidade originados da direção sugerida pelos elementos retratados. Desenhos figurativos ou abstratos podem demonstrar um ritmo visual semelhante ao ritmo musical, de acordo com a disposição dos elementos da representação. Há diversas formas de trabalhar o ritmo em uma composição, e ele pode ser alterado verificando o posicionamento dos elementos visuaisbásicos. Esses elementos podem, por exemplo, estar paralelos, rotacionados (em torno de um centro) ou contrastados. Observe o movimento sugerido pelas linhas paralelas em diferentes tamanhos, lado a lado, no desenho de Theo van Doesburg (Figura 1). Fonte: DOESBURG, T. V. Desenho. 1921. 7 x 6 cm. Figura 1 – Ritmo por paralelismo Vídeo Artes Visuais: desenho 44 Quando o ritmo é gerado pelo contraste, podemos identificar elementos opostos: reto e curvo, grande e pequeno, claro e escuro. Todavia, a composição tende a se tornar agitada quando são representadas direções contrastantes (WONG, 1992). Linhas grossas e finas também interferem diretamente e ditam o ritmo de uma composição. Fonte: POPOVA, L. Construção força-espacial. 1921. Giz de cera sobre papel: 25,4 x 20,3 cm. Figura 2 – Ritmo por contraste Observe, na Figura 2, como a artista Liubov Popova trabalhou o ritmo com algumas linhas paralelas e o contraste de linhas curvas e retas em direções praticamente opostas. Além delas, os espaços entre os elementos sugerem a velocidade do movimento. 3.2 Equilíbrio Uma composição equilibrada provoca uma sensação agradável ao olhar. Quando não há equilíbrio, o espectador sente desconforto, mesmo não sabendo a causa. Isso ocorre porque alguns elementos da composição podem apresentar um peso maior do que outros. Combs e Hoddinott (2016, p. 104) conceituam equilíbrio como “um arranjo estável do peso visual dentro da composição”. Se sua intenção é contrabalançar os pontos de tensão de uma composição, é necessário determinar, em primeiro lugar, quais são esses pontos de tensão, para verificar se estão dispostos de forma que as forças estejam distribuídas. Ao determinar todos os elementos que serão utilizados em uma composição, é preciso verificar se os pesos visuais estão contrabalançados, ou seja, se um elemento marcante de Vídeo Outros conceitos sobre desenho 45 um lado é equilibrado por outro de peso semelhante ou complementar doutro. Se não for esse o caso, será necessário reorganizar, incluindo, excluindo ou trocando elementos de lugar. Nessa organização devem ser considerados os objetos retratados, as cores, os contrastes e as formas, que são elementos visuais influenciadores diretos do equilíbrio. Fonte: MALEVICH, K. Quatro quadrados. 1915. Figura 3 – Equilíbrio simétrico Nessa obra (Figura 3), Malevich repete as formas e as cores, invertendo-as, fazendo uso de um equilíbrio simétrico. A simetria é a forma mais fácil de equilibrar, e chega-se a esse resultado repetindo os mesmos motivos ao dividir a obra em um eixo imaginário; porém devemos ter cuidado para que uma composição simétrica não se torne monótona. Nesse caso, a assimetria pode ser uma saída para resolver o problema, por meio do deslocamento, da inserção ou da repetição de algum elemento, tornando possível equilibrar assimetricamente. Fonte: GAINSBOROUGH, T. Figuras com carrinho na beira da estrada. 1727-1788. Giz e grafite sobre papel: 34,8 x 27,8 cm. Museu Britânico, Londres. Figura 4 – Equilíbrio assimétrico Artes Visuais: desenho 46 Observe, na Figura 4, como o artista trabalhou com uma massa mais escura na parte direita ao alto, o centro da composição mais iluminado e uma camada também escura, porém mais leve, em primeiro plano, sobressaindo-se, à esquerda. As formas claras e escuras, grandes e pequenas, leves e pesadas equilibram-se quando utilizadas em pontos destacáveis da composição; cabe ao desenhista definir esses pontos de tensão. Desenhos de retrato também exigem que a figura humana esteja em uma posição que não provoque a sensação de desequilíbrio; por isso, ela deve estar em seus pontos de apoio. 3.3 Cor Para que nossos olhos percebam as cores, é necessária uma quantidade suficiente de luz no ambiente. Além disso, nossa percepção pode se modificar conforme a fonte luminosa que incide sobre os objetos. A cor é um poderoso elemento visual, que influencia os principais aspectos de uma composição. São diversas as formas de se explorar as cores, produzindo uma composição com ritmo, equilíbrio e harmonia. Para isso, devemos recordar os principais conceitos básicos da teoria da cor, que podem ser observados em um círculo cromático, como o da Figura 5, a seguir. IE SD E Br as il S/ A Figura 5 – Círculo cromático Para Wong (1992), o uso da cor preta (a mais escura de todas as cores) junto à cor branca (a mais clara e opaca) cria o contraste de tons mais acentuado. Por isso, convencionalmente, o preto tornou-se a marca, e o branco, a superfície. O branco enquanto superfície pode receber qualquer cor sem interferir nela. Apesar disso, outras cores devem ser exploradas como superfície, pois produzem efeitos ricos em tonalidades quando as demais cores são aplicadas sobre elas. Vídeo Outros conceitos sobre desenho 47 Observe, na Figura 6, como James Whistler explora o papel marrom-escuro para destacar os traços nas cores rosa e branco. O título da obra, Nota em rosa e marrom, refere-se ao tecido na sacada (com um toque também no vestido da mulher) e ao marrom das janelas. Fonte: WHISTLER, J. M. Nota em rosa e marrom. ca. 1880. Carvão e pastel em papel marrom escuro: 29,8 x 18,4 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 6 – Desenho sobre papel escuro A repetição de cores pode proporcionar harmonia e equilíbrio em uma composição, pois não é necessário utilizar grande variedade de pigmentos para obter bons efeitos em um desenho. O contraste de cores também permite o equilíbrio dinâmico, se utilizado adequadamente. Não é apenas a relação entre as cores (que podemos observar pelo círculo cromático) que devemos considerar ao compor uma obra, mas também a relação delas com os demais elementos, como linhas, formas e contrastes. 3.4 Textura A textura é um importante elemento visual por meio do qual se podem obter equilíbrio e contraste. Texturas contrastantes podem equilibrar uma composição, além de deixá-la mais interessante. Podemos pensar em Vídeo Artes Visuais: desenho 48 contrastes básicos de textura, como brilho e fosco, liso e estampado, por exemplo. As hachuras e os sombreados esfumaçados podem ajudar nesses efeitos. De acordo com a definição de Combs e Hoddinott (2016, p. 190, grifo do original), “textura é o detalhamento da superfície de um objeto que diz aos seus olhos como ele é quando tocado”. Podemos dizer então que a textura visual (basicamente bidimensional) mostra como é a textura tátil, por meio de linhas, pontos, formas, cores e contrastes. Observe na Figura 7, a seguir, como Redon representou a textura dos troncos das árvores com carvão. Fonte: REDON, O. Duas árvores. 1875. Carvão sobre papel: 63,5 x 49,5 cm. Figura 7 – Textura visual com carvão Para desenhar uma textura, em primeiro lugar, é necessário observá-la em detalhes, percebendo os espaços de luz e sombra. A natureza é fonte rica de texturas variadas que servem como referência para uma produção gráfica: pele, água, vegetais, entre outros. Esse exercício de observação e identificação deve ser feito com frequência, para treinar o olhar para a identificação dessas texturas: lisa, áspera, brilhante, fosca, peluda, crespa etc. Depois de bem observadas e identificadas as texturas, dê o passo seguinte, que é desenhar a forma geral e marcar as sombras e a luz, para depois começar a traçar as texturas por meio do recurso que achar mais conveniente: linhas, formas, manchas etc. Outros conceitos sobre desenho 49 Fonte: VAN GOGH, V. Campo trigo e ciprestes. 1889. Lápis, caneta e tinta sobre papel: 47 x 62 cm. Museu Van Gogh, Amsterdã. Figura 8 – Texturas 1 Observe, na Figura 8, a variedade de traços e pontos que Van Gogh explora para produzir as texturas da vegetação no chão, no cipreste e no céu. São linhas curtas e curvas, em várias direções, paralelas ou opostas, em contraste. O artista trabalhou com texturas em toda a sua produção artística, nas mais diversas técnicas, incluindo o empastamento na pintura. As hachuras são muitoutilizadas na produção de texturas. Como a variedade é grande, podemos treinar produzindo, em um caderno de esboços, uma coleção de hachuras, para ser consultada sempre que for necessário produzi- -las. Reproduza algumas com linhas horizontais, verticais, diagonais, mistas, cruzadas, onduladas etc. e aproveite para experimentar também a Fonte: DA VINCI, L. Cabeça de um homem. c. 1503. Giz sobre papel. Figura 9 – Texturas 2 Artes Visuais: desenho 50 pressão sobre o papel. Veja no desenho de Da Vinci, na Figura 9, além da textura da pele, como as linhas curtas e curvas representam o cabelo. Perceba que o maior espaçamento entre as linhas produz texturas mais abertas em áreas de mais luz, enquanto as mais fechadas (mais próximas) produzem maior efeito de sombra. Veja a seguir, na Figura 10, algumas das diferentes possibilidades de hachuras que podem ser produzidas por qualquer técnica de desenho. G ol de n Sh rim p/ Sh ut te rs to ck Figura 10 – Hachuras As texturas podem ser produzidas além do desenho, com fricções e raspagens. As raspagens podem ser feitas com uma espátula de pintura, um estilete ou outro objeto delicado, riscando a superfície desenhada. 3.5 Figura e fundo Os espaços vazios também têm importância e devem ser explorados em prol de uma boa composição. Vamos considerar que as formas positivas são as formas dos objetos e as formas negativas são os espaços vazios em torno deles. Podemos utilizar as formas que se complementam colocando- as mais próximas, para um equilíbrio mais adequado. As formas negativas são molduras para as positivas, destacando-as (COMBS; HODDINOTT, 2016). Vídeo Outros conceitos sobre desenho 51 As formas negativas devem ser consideradas desde o esboço de um trabalho, para que sejam bem distribuídas na composição, valorizando o ritmo e o ponto focal. Porém, alguns cuidados devem ser tomados para que elas não tornem a composição monótona: o espaço negativo pode conter elementos que o interrompa, como uma pequena janela ao fundo ou uma cortina. Uma composição não deve conter excesso de elementos, pois isso leva à exclusão de praticamente todas as formas negativas. Fonte: VAN GOGH, V. Mulher costurando. 1885. Giz sobre papel: 30.5 cm x 36.9 cm. Museu Van Gogh, Amsterdã. Figura 11 – Composição com janela Observe, na Figura 11, como a composição é resolvida por meio da janela, que permite a entrada de luz e contrasta com as áreas mais escuras. Além disso, o artista utiliza recursos gráficos na parede e no chão para produzir os tons intermediários e equilibrar a composição. Desenhar as formas negativas de uma composição também é uma forma de estudá- la melhor, treinando o olhar para aspectos muitas vezes deixados em segundo plano. Entre as maneiras de se trabalhar as figuras de acordo com o fundo estão a repetição, a variação de tamanho e a superposição. A superposição de figuras pode sugerir um avançar ou recuar, ou seja, uma figura à frente de outra pode sugerir profundidade; assim como a redução de tamanho de certas figuras sugere seu afastamento e o aumento dá a sensação de proximidade. Artes Visuais: desenho 52 Outro recurso para trabalhar a figura é o uso do fundo branco, que destaca mais as figuras de cores escuras, enquanto um fundo preto ou escuro destaca as figuras de cores claras (WONG, 2001). O uso de cores contrastantes entre figuras e fundo também podem proporcionar um efeito de dinamismo para o espectador. Nem sempre é possível trabalhar com a repetição de figuras e, nesse caso, uma solução pode ser o uso de elementos que apresentem semelhanças, como formas parecidas ou as mesmas cores. 3.6 Enquadramento e composição Como o senso de equilíbrio é natural do ser humano, observar uma composição que não é bem resolvida causa incômodo. Muitas vezes podemos achar que conseguimos o enquadramento perfeito, mas, na hora de desenhar, os elementos parecem não se encaixar. Realizar alguns esboços com enquadramentos variados ajuda a chegar a um bom resultado com maior segurança. Um enquadramento inusitado pode resultar em uma interessante composição abstrata. É preciso estar atento ao que o desenho demanda. Para isso, nada melhor do que praticar bastante com esboços. Antes de esboçar sua composição, compare mentalmente os tamanhos dos objetos a serem retratados, suas posições, cores, luzes e sombras, os contrastes e as formas geométricas. Algumas dicas ajudam a produzir uma boa composição. Por exemplo, se você possui um objeto que é o ponto focal na sua produção, ou seja, um objeto de foco principal, tente deixá-lo fora do centro da obra, utilizando pontos focais secundários para chegar até o principal. Dessa forma, os olhos do espectador podem passear por toda a obra até chegarem ao destaque (COMBS; HODDINOTT, 2016, p. 104). A representação da figura humana em uma composição tem um peso maior do que a de outros motivos. Dependendo do enquadramento e de como os demais motivos estão dispostos, a tendência de resultar em um retrato é grande. Por isso, ao retratar pessoas em uma composição, devemos ter atenção maior com os objetivos finais da composição, definindo o que será destacado com maior importância, considerando como poderá ficar o produto final. É importante observar e ler o motivo com atenção, para depois tentar abstrair a composição e deixar a intuição falar um pouco mais alto, equilibrando razão e emoção. Vídeo Outros conceitos sobre desenho 53 Na aula de Arte 1. Texturas Explore os grafismos por meio das texturas propondo a produção de um arquivo de texturas desenhadas. Em um papel sulfite, dobrado três vezes pela metade (para marcar oito partes), solicite aos alunos que cada parte seja preenchida com uma textura diferente. Estimule a variedade no desenho de hachuras e uma pesquisa sobre o assunto, se possível, apresentando obras de arte como exemplo de texturas. Como continuidade do trabalho, proponha a criação de uma padronagem que pode surgir das texturas, da combinação entre elas ou da observação de objetos e imagens, como estampas de tecidos, crochês e papéis de presente. Para isso, solicite que cada um extraia uma forma qualquer da observação sugerida. Essa forma deve ser repetida utilizando recursos como rotação, paralelas, diagonais etc., para depois ser preenchida com uma ou mais cores. Cada etapa desse trabalho pode ser feita separadamente, com apresentações independentes. A última etapa consiste em preencher um espaço com essa padronagem, como o tamanho de um azulejo, uma barra decorativa, um pedaço de tecido etc. Uma boa motivação para essa atividade é apresentar as obras de M. C. Escher, em que o artista explora a combinação de repetição e as relações entre figura e fundo. 2. Composição, enquadramento, figura e fundo Aproveite a técnica do desenho de observação (de uma natureza morta ou retrato) para explicar os conceitos sobre enquadramento, figura e fundo. Ensine algumas dicas básicas para desenhar uma composição: • Uma figura humana geralmente mede o tamanho de oito cabeças (como mostra a figura a seguir). Pode-se fazer o esboço geral e depois verificar se as proporções estão corretas, fazendo os ajustes necessários. É importante lembrar-se do estudo do modelo vivo para representações humanas. M ar is h/ Sh ut te rs to ck Artes Visuais: desenho 54 • O tamanho dos motivos a serem desenhados pode ser medido com o lápis, por meio de comparações. Para isso, esticamos o braço que segura o lápis, fechamos um pouco os olhos e ajustamos o lápis no tamanho da figura observada, podendo marcar alguma referência com o indicador para comparar com outra. IE SD E Br as il S/ A a) IE SD E Br as il S/ A b) Considerações finais A prática de desenhar considerando todos esses conceitos básicos levará ao aprimoramento da técnica: quanto mais desenhar, melhor será o resultado dos desenhos. Dessa forma, chegará o momento em que a técnica não precisará ser tão destacada, pois o aprendizado terásido efetivo e o ato de desenhar fluirá espontaneamente. Outros conceitos sobre desenho 55 Ampliando seus conhecimentos • INSTITUTO ARTE NA ESCOLA (org.). Desenhos cidades desejos. Disponível em: http://artenaescola.org.br/uploads/dvdteca/pdf/arq_pdf_92.pdf. Acesso em: 17 jun. 2019. O desenho urbano é abordado nesse material como forma de proposta para uma aula de Arte, envolvendo a observação da cidade em que se vive e a criação de uma cidade desejada, imaginada. • INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Desenhos cidades desejos. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?time_continue=3&v=Xz1xrVXYm7g. Acesso em: 17 jun. 2019. Esse vídeo está relacionado ao material anterior e mostra uma animação elaborada a partir dos desenhos produzidos nesse trabalho. • INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Desenho: arte e criação. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?time_continue=4&v=M7yi-rFM_qU. Acesso em: 17 jun. 2019. Com base no relato de profissionais e alunos, o vídeo Desenho: arte e criação apresenta diversos processos criativos relacionados ao ato de desenhar. Atividades 1. Descreva o que é o ritmo em uma composição gráfica e de que forma ele pode ser trabalhado. 2. Defina equilíbrio e cite as formas de identificá-lo em um desenho. 3. De que forma podemos produzir texturas em um desenho? Referências COMBS, J.; HODDINOTT, B. Desenho para leigos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. TIBURI, M.; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. WONG, W. Principios del diseño en color. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1992. WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Papel como suporte [...] eu-desenho, como se o desenho carregasse algo como o eu de cada um e o definisse numa folha de papel. (TIBURI; CHUÍ, 2010) Na página anterior: Maria Uspenskaya/Shutterstock Papel como suporte 59 Em busca de suportes para se expressar, o ser humano já experimentou diversos materiais ao longo de sua existência, desde os primórdios da humanidade. Do período das escrituras em pedra até os dias de hoje, os suportes utilizados para registro são muito variados. Veremos, neste capítulo, alguns deles e, em seguida, aprofundaremos os conhecimentos sobre o suporte mais utilizado atualmente para desenhar: o papel. A tábua de argila, ilustrada na Figura 1, a seguir, era um material usado pelos babilônios para a escrita cuneiforme, que recebia esse nome porque as marcas eram feitas com objetos em formato de cunha. Essa escrita foi inventada pelos sumérios, por volta de 3300 a.C. (ASUNCIÓN, 2002). Fonte: TÁBUA cuneiforme: texto gramatical babilônico tardio. ca. 1º milênio a.C. Argila: 8,1 × 6,5 × 2,2 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 1 – Placa de argila Já no período clássico, os gregos e romanos utilizaram uma ideia um pouco mais prática (Figura 2): placas de madeira cobertas com uma camada de cera, na qual se podia “escrever” com uma ferramenta denominada stillus, que era pontiaguda de um lado e com formato de espátula de outro, para que o artista pudesse remendar a cera caso errasse o traço (ASUNCIÓN, 2002). A madeira, nesse tipo de suporte, servia de moldura e apoio para a cera, formando as “folhas” de um livro ou caderno. Artes Visuais: desenho 60 Fonte: TÁBULA. 500 a 700 d.C. Madeira e cera: 26,7 x 30,2 x 14 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 2 – Tábula ou tabella As placas de metal gravadas, como bronze ou chumbo, também foram muito utilizadas para registros. Em alguns lugares, a escrita era registrada em ossos de baleia, peles de animais, conchas e cascos de tartaruga (ROCHA; ROTH, 2005). Porém, foi o papiro a grande invenção como suporte para a escrita e para a arte, abrindo os caminhos para a criação de outro suporte, utilizado até hoje para diversas finalidades: o papel. 4.1 Antes do papel: o papiro Da mesma forma que ainda se buscam, atualmente, novas opções de suportes para expressão, como os aparelhos digitais, muitos outros materiais foram sendo experimentados. O papiro, de origem vegetal (Figura 3), foi um suporte tão utilizado na antiguidade quanto é o papel hoje. Cyperus papyrus é o nome científico para o papiro, uma planta cultivada nas margens dos rios africanos, como o Nilo, e considerada sagrada, pois sua flor é comparada, pelos egípcios, aos raios do sol (ASUNCIÓN, 2002). Figura 3 – Cyperus papyrus So ni a Bo ne t/ Sh ut te rs to ck Vídeo Papel como suporte 61 Segundo Rocha e Roth (2005), o papiro era utilizado para diversos fins, como para a produção das tiras de sandálias (Figura 4). Porém, de 3.200 a.C. até a Idade Média, aproximadamente no século X, o papiro foi um importante suporte de caligrafia como arte. Fonte: EGITO antigo. Par de sandálias. ca. 1580-1479 a.C. Papiro, grama e junco: 28,7 × 12,8 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 4 – Sandálias egípcias Para transformar a planta em suporte, o seu talo era fatiado em lâminas (Figura 5), sobrepostas perpendicularmente e pressionadas para liberar a seiva, que atribuía unidade, formando uma folha parecida com papel (Figura 6). Depois de seca, essa folha era polida com marfim ou ágata (ASUNCIÓN, 2002). Figura 5 – Transformação do papiro em folha Ve ro ni ca K ov al en ko /S hu tt er st oc k Artes Visuais: desenho 62 Figura 6 – Papiro em formato de papel M ys tic aL in k/ Sh ut te rs to ck Até o século V, aproximadamente, utilizava-se o papiro enrolado em madeira ou osso. Esses rolos eram denominados volumen, podendo medir até 40 m. O material de escrita era o calamus: uma cana oca talhada – a pena de ave só viria a ser adotada posteriormente. Podia também ser usada uma espécie de borracha: a spongia deletis (ASUNCIÓN, 2002). Apesar da fragilidade do material, o papiro é muito durável e ainda hoje existem alguns utilizados há aproximadamente 5 mil anos. A flexibilidade desse material permitiu seu uso por muito tempo e foi dele que derivou o nome e a pesquisa para o surgimento do novo suporte: o papel. 4.2 História do papel A busca por um material similar ao papiro, mas melhor do que ele, incentivou as pesquisas até se chegar à fabricação do papel. Por volta de 105 d.C., o chinês Tsai Lun conseguiu produzir o primeiro papel a partir da mistura “de fibras de vegetais extraídas de trapos, redes de pescar, cascas de amoreira, rami, cânhamo ou bambu” (ASUNCIÓN, 2002, p. 14). De acordo com Asunción (2002), foi também Tsai Lun quem instalou a primeira fábrica de papel no Turquestão mongol. A sequência de imagens apresentadas na Figura 7 mostra como era a fabricação do papel na China antigamente. Vídeo Papel como suporte 63 Figura 7 – Fabricação chinesa de papel 1 – Seleção das fibras vegetais. 2 – Preparação das fibras na mistura de água e outros elementos. M ak in g_ Pa pe r.g if/ W ik im ed ia 3 – Formação da folha de papel sobre a rede de fibras de bambu ou tela. 4 – Prensagem das folhas de papel. 5 – Secagem do papel nas paredes de um forno; depois de descolado, era impermeabilizado. Fonte: Asunción, 2002, p. 14. Artes Visuais: desenho 64 A invenção do papel teve uma importância muito maior do que apenas a possibilidade de um novo suporte para expressão. O papel permitiu o registro e a disseminação do conhecimento de uma forma muito mais ampla, facilitada e economicamente viável. Devido à sua importância, a fabricação do papel manteve-se em segredo durante muitos anos, aproximadamente até o ano de 751, quando, durante algumas batalhas, prisioneiros chineses acabaram revelando o processo de fabricação (BRITT, 2012). No período de sua expansão, os árabes aproveitaram bastante o invento chinês e a facilidade local de cultivo do cânhamo e do linho, tornando-se um grande centro de produção papeleira. Durante o século X, a produção de papel foi superior à de papiro. Foi assim que, por volta do século XII, o papel chegou à Europa, que até então ainda utilizava o pergaminho (BRITT, 2012). O linho é uma plantaherbácea (Figura 8), cujas fibras são amplamente utilizadas na produção têxtil. Sua semente, a linhaça, é usada na indústria alimentícia e para fins artísticos, como a produção de tintas (LINHO, 2015). Até hoje o linho é considerado uma matéria-prima de excelente qualidade. Figura 8 – Linho em flor H G al in a/ Sh ut te rs to ck Papel como suporte 65 Pergaminho: “suporte utilizado desde 258 a.C., obtido por meio da raspagem e do polimento da pele de animais como cabras, ovelhas ou vitelos. Até o século XIII, era fabricado exclusivamente nos mosteiros, sendo chamado de charta pergamena. Forte concorrente do papiro, também se apresentava em rolos, passando a ser utilizado em folhas a partir do século V. Por ser feito da pele de animais, era preciso muito gado para suprir a produção de pergaminhos, o que fez com que alguns fossem reaproveitados, como os conhecidos palimpsestos, cujos textos anteriores puderam ser lidos pelo uso de raios ultravioleta” (ASUNCIÓN, 2002). No século XIV, já existiam diversas fábricas de papel em funcionamento na Europa. Porém, até o século XVIII o papel era exclusivamente feito à mão, mantendo seu processo de fabricação praticamente inalterado, apesar de toda a estrutura desenvolvida para facilitar sua produção. Com o desenvolvimento das indústrias e a invenção da imprensa, foram feitos grandes investimentos para a industrialização da fabricação de papel. Mesmo assim, até hoje, muitos artistas ainda preferem o papel artesanal, muitas vezes de produção própria, incorporando outros elementos durante a fabricação e não o considerando apenas como suporte, mas também como expressão artística. O papel é basicamente “um emaranhado de bilhões de fibras vegetais chamadas celulose” (ROCHA; ROTH, 2005, p. 23, grifo nosso) adicionadas a outros elementos que lhe dão as características necessárias para determinadas finalidades. Atualmente, a indústria papeleira dispõe de uma engenharia moderna que possibilita uma grande produção para atender ao consumo do material, mas os processos básicos da fabricação permanecem os mesmos, conforme descrito a seguir (BRITT, 2012): 1. as fibras vegetais são batidas com água para serem completamente separadas e saturadas; 2. a polpa é filtrada em uma tela para formar uma folha de fibra emaranhada (a Figura 9, apresenta a forma artesanal de realização desse processo); 3. a polpa é comprimida e compactada para espremer uma grande proporção de água; 4. a água restante é removida por evaporação (o papel pode ser pendurado em varal para secar, como na Figura 10); 5. dependendo dos requisitos de uso, a folha de papel seco é ainda comprimida, revestida ou impregnada. Artes Visuais: desenho 66 Lu ca L or en ze lli / Sh ut te rs to ck Figura 9 – Retirada da tela com o papel La Ki rr / Sh ut te rs to ck Figura 10 – Secagem do papel As fontes de fibras para a produção de papel podem ser: plantas, madeiras, trapos, papel para reciclar. Cada fonte produz um tipo específico de papel. A preocupação do uso da madeira como fonte é o esgotamento do recurso natural, já que é preciso uma quantidade considerável de árvores para uma produção industrial de papel. Por isso, diversas iniciativas vêm sendo realizadas com a intenção de reflorestar e reciclar. É imprescindível que a educação da arte aborde essa questão, estimulando a consciência ecológica e os hábitos de reciclagem e de sustentabilidade. A opção de utilizar o papel reciclado, sempre que possível, colabora bastante, já que a sua produção utiliza uma quantidade bem menor de fibra virgem. 4.3 Tipos de papel O papel é um material amplamente utilizado no mundo inteiro, para finalidades muito variadas e, por isso, apresenta-se de formas tão diversas, a fim de atender a cada especificidade de seu uso. As características e Vídeo Papel como suporte 67 propriedades que adquire em sua produção devem atingir os objetivos de acordo com a utilidade que lhe será dada. Quase todos os tipos de papel são adequados ao desenho, exceto aqueles em que a superfície não permite fixar os traços ou registros. O desenhista é quem escolhe as características do papel, de acordo com os efeitos que deseja produzir: papel artesanal ou industrial, liso ou rugoso, com alta ou baixa rugosidade, com ou sem textura, importado ou não. Sugerimos experimentar os mais variados tipos para saber os efeitos que podem ser explorados com as técnicas disponíveis. Existe no mercado uma variedade grande de papéis próprios para desenho, em preços também variados. No entanto, para quem está começando, o mais importante é desenhar e, para isso, qualquer papel serve. Vários artistas consagrados deixaram traços de seus desenhos em papéis de guardanapo. Para conhecer melhor esse suporte tão variado, vamos analisar algumas de suas principais características, a fim de tornar a escolha mais consciente. Cada papel apresenta determinadas propriedades ópticas, entre elas (BRITT, 2012): • Brilho: poder de refletir a luz, ou refletância. • Opacidade: capacidade de não permitir que a impressão ou a escrita em um lado da folha seja percebida no outro lado. • Acabamento e suavidade: características da superfície do papel, como a ausência de irregularidades sob condições visuais ou de uso. • Cor: atualmente, a variedade de opções de papéis coloridos é muito grande. Para embranquecer o papel e tirar a cor natural da fibra, utiliza-se o cloro; para colorir, utilizam-se corantes naturais (chás, café, cascas de cebola etc.) ou industriais (pigmentos em pó, tintas solúveis em água etc.). A forma mais adequada para absorção da cor é aplicá-la na mistura da polpa, mas efeitos de pintura podem ser produzidos no papel úmido. Com certa prática, é possível fazer misturas com polpas coloridas no papel úmido. Além das propriedades ópticas, o papel industrial ou artesanal apresenta também características e propriedades que o classificam. Vejamos algumas delas: • Resistência: todo papel deve suportar um mínimo de manipulação e uso sem se alterar ou rasgar. • Gramatura: peso do papel, que definirá se será cartolina, cartão etc. O papel com alta gramatura, como a cartolina, é mais pesado do que o de gramatura baixa, como o papel de seda, por exemplo. A gramatura da cartolina costuma ser superior a 180 g, portanto, é um papel resistente, com maior densidade. Artes Visuais: desenho 68 • Superfície: o papel pode ser rústico (artesanal, sem ser prensado – conforme Figura 11), acetinado (prensado novamente depois de seco), brilhante, texturizado (Figura 12), rugoso (Figura 13), semirrugoso etc. Figura 11 – Papel rústico Figura 12 – Papel texturizado an na st oc k/ S hu tt er st oc k el bu d/ Sh ut te rs to ck Figura 13 – Papel artesanal rugoso sk yb oy sv /S hu tt er st oc k • Grau de acidez: o papel livre de ácido tende a ser mais durável. Papéis com pH 7 são neutros e têm maior durabilidade. Se o pH for próximo a zero, o papel é ácido; se for próximo a 14, é alcalino. A conservação do papel também interfere em sua durabilidade. Deve ser conservado em ambientes secos, sem umidade. • Tamanho: algumas convenções de tamanho de papel foram criadas para facilitar a indústria e o comércio, como os tamanhos A0, A1, A2, A3 etc. Papel como suporte 69 Figura 14 – Tamanhos de papéis iu ne w in d/ Sh ut te rs to ck • Colas: são acrescentadas na fabricação, para que o papel adquira características adequadas a diferentes funções. Podem ser de origem animal (cartilagens), vegetal (resinas e gomas) ou sintética (PVA). Papéis sem cola são muito absorventes e papéis com muita cola se tornam mais impermeáveis. Para determinadas técnicas de desenho e pintura, deve-se considerar a absorção de água do papel. Para isso, existem papéis próprios para aquarela, por exemplo, absorvendo a quantidade certa de água, sem que crie poças ou absorva completamente a tinta. Artes Visuais: desenho 70 • Cargas: elementos acrescidos na pasta de celulose que alteram opeso e a superfície do papel. Podem ser de origem animal (cartilagens e couros), vegetal (resinas e gomas) ou mineral (carbonato de cálcio). Favorecem os papéis de impressão, pois evitam manchas. • Marcas-d’água: geralmente são observadas quando o papel é colocado contra a luz. Inicialmente, foram criadas para identificar o artesão e até hoje os papéis mais tradicionais e famosos mantém a prática de trazer sua marca em um dos cantos da folha. • Barbas: acabamento das bordas do papel. Até o século XIX, barbas em um papel eram consideradas um defeito, e a produção industrial faz o corte de acordo com o tamanho exato do papel. Atualmente, porém, muitas produções artesanais valorizam as barbas do papel, que podem ser largas, fibrosas, irregulares etc. Rasgar um papel lentamente pode produzir uma falsa barba. Veja na Figura 15, a seguir, as barbas em um papel feito à mão: • Texturas: quando o papel ainda úmido é prensado, torna-se liso. Para produzir texturas no papel, pode-se deixá-lo sem prensar ou acrescentar alguns artifícios no momento da prensagem, como pedaços de palha ou a textura do tecido entre o qual é prensado. Enquanto as fibras da polpa estão hidratadas, é possível fazê-las adquirir outras características. Como podemos ver, a diversidade de papéis é muito grande, possibilitando uma pesquisa em torno da descoberta de suportes que mais se adéquam ao modo de cada um de produzir seus desenhos. Além disso, a possibilidade de criar o próprio papel, de acordo com as especificidades de cada trabalho e interferindo na sua produção, permite maior liberdade para o potencial criativo. Na aula de Arte Produzir papel reciclado é uma atividade que envolve vários processos e exige certa disponibilidade de espaço e material para sua realização. A faixa etária com a qual se trabalhará também deve ser considerada com cuidado, devido à complexidade da atividade. Em contrapartida, é uma prática que pode envolver desde a história do papel até a consciência ecológica, destacando que, para a fabricação Figura 15 – Barbas el bu d/ Sh ut te rs to ck Papel como suporte 71 do papel, é necessária uma grande quantidade de árvores e um volume muito grande de água, por isso a necessidade de reciclar sempre. Outra questão a ser abordada é a utilização adequada do papel e o não desperdício, já que muita gente inutiliza uma folha inteira por ter usado apenas um pedaço dela. Realizar uma pesquisa abordando soluções para o não desperdício cotidiano do papel é um passo em benefício de uma consciência mais ecológica. Nesse sentido, proponha a confecção de pequenos cartazes (reciclados) com as soluções sugeridas para diferentes ambientes (escolar, familiar, profissional) e promova com a turma uma campanha escolar. Dê sugestões como: aproveitar folhas pouco usadas como papel para recados ou fazer uma caixa com retalhos de papéis coloridos que todos possam usar nos trabalhos da escola. Outra pesquisa que amplia os estudos sobre o material, suas possibilidades de uso e suas características é o fichamento de tipos de papel. Podem ser colados retalhos de diferentes tipos de papel, como papel fotográfico, jornal, embalagem, de presente, de desenho, revista, gibi etc., anotando ao lado uma explicação de suas características e propriedades. Aproveite também para disseminar na escola a ideia do uso de papel reciclado para todos os trabalhos, tornando-se um hábito. Dessa forma, incentiva-se cada vez mais a diminuição do uso de papel branco, já que, para a sua produção, é utilizado muito cloro, produzindo mais resíduos prejudiciais ao ambiente. Se houver a possibilidade, produza o papel reciclado; mesmo que não seja possível a participação ativa dos alunos, assistir a esse processo já é muito atrativo. Existem muitas formas de se produzir papel artesanal. Um jeito simples é juntar retalhos de papel (quanto maior a qualidade dos retalhos, melhor será o papel final) e, depois de deixar de molho por uma noite, bater bem e aos poucos em um liquidificador (que não seja utilizado para outros fins) com água e cola. Adicione sempre bastante água e pouco papel, para não danificar o liquidificador. A quantidade total de água utilizada deve caber em uma grande bacia, maior do que a tela na qual será feito o papel, que pode ser uma moldura de madeira com uma tela ou peneira bem fina esticada, tipo uma tela para serigrafia. Outra moldura sem tela deve ser sobreposta a essa, formando os limites do papel. Depois de pronta a mistura, ela deve ser despejada na bacia. Deve- -se, então, segurar as molduras firmemente e inseri-las lateralmente até o fundo da bacia e, em seguida, retirá-las devagar. Retire, então, a moldura que limitou a polpa e vire-a com o papel sobre um pano limpo, pressionando-a devagar, para que o papel crie aderência ao pano. Retire a moldura e coloque outro pano limpo por Artes Visuais: desenho 72 cima, para absorver a água. Se quiser produzir uma marca d’água, modele-a em arame e insira sobre um dos cantos do papel. Comprima o papel com pesos e depois deixe-o secar ao ar livre. Com a prática, é possível criar a partir desse processo básico, inserindo outros elementos na polpa, como pigmentos ou vegetais. É possível também interferir no papel depois que ele sai da moldura, acrescentando outros papéis ou elementos, como fios. Os processos criativos são infinitos a partir do domínio da produção básica. Portanto, é válido criar com a turma uma produção artística inusitada, agregando elementos à fabricação do papel enquanto suporte e objeto de arte. É sempre bom lembrar: todo o material deve ser bem lavado após o uso, caso contrário, pode estragar. Considerações finais Conhecer melhor a história antes da invenção do papel e os detalhes de sua fabricação nos permite repensar a forma como lidamos com esse material tão comum, que se apresenta com tanta variedade e se faz tão valioso por nos permitir novas possibilidades de expressão. A arte também tem o papel de valorizar esse material e explorar todas as possíveis formas de utilizá-lo, desviando dos caminhos tradicionais para permitir novas descobertas a respeito desse suporte criado há tanto tempo e ainda tão importante em tempos virtuais. Ampliando seus conhecimentos • ROCHA, R.; ROTH, O. O livro do papel. São Paulo: Melhoramentos, 2005. Esse livro faz parte de uma coleção sobre a origem de diferentes meios de comunicação. Ele conta como eram os suportes para registros antes do papel e como foi o caminho percorrido para sua criação, além de abordar a sua importância na sociedade. • MANUAL do mundo. Como fazer papel reciclado em casa (experimentos de química). 17 dez. 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fjt5gWCx120. Acesso em: 28 jun. 2019. Esse vídeo mostra, passo a passo, como é possível fazer uma produção caseira e bem simples de reciclagem de papel, com materiais acessíveis, além de algumas explicações químicas envolvidas no processo. Papel como suporte 73 • MANUAL do mundo. Como é fabricado o papel. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=rFqpki-sScM. Acesso em: 28 jun. 2019. Esse outro vídeo mostra o processo industrial de fabricação de papel, desde o recolhimento dos troncos de eucalipto até o produto final pronto para a venda ao público, mostrando o que as máquinas fazem a cada etapa da sequência de uma produção. Atividades 1. Cite ao menos três materiais usados como suporte antes da invenção do papel e descreva como cada um deles era utilizado. 2. Descreva o processo básico de produção do papel. 3. Destaque três características e propriedades do papel, explicando-as. Referências ASUNCIÓN, J. O papel, técnicas e métodos tradicionais de fabrico. Lisboa: Editorial Estampa, 2002. BRITT, K. W. Papermaking. Encyclopædia Britannica. 2 fev. 2012. Disponível em: https://www. britannica.com/technology/papermaking. Acesso em: 28 jun. 2019. LINHO. In: MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos,2015. Verbete. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/ busca/portugues-brasileiro/linho/. Acesso em: 28 jun. 2019. ROCHA, R.; ROTH, O. O livro do papel. São Paulo: Melhoramentos, 2005. TIBURI, M.; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. Rabisquei um desenho que representa mineiros de carvão, homens e mulheres, indo à mina pela manhã sob a neve, num atalho ao longo de uma cerca de espinhos; sombras que passam vagamente discerníveis no crepúsculo, ao fundo se esfumam contra o céu as grandes construções da mina. (VAN GOGH, 1991, p. 27) Técnicas em escala de cinza Na página anterior: Anastasiia Firsova/Shutterstock Técnicas em escala de cinza 77 O contraste entre o claro e o escuro, a luz e a sombra, o branco e o preto causam efeitos atraentes para o espectador de uma obra quando são trabalhados com harmonia. É um desafio distribuir algumas variações de tons entre o branco e o preto em uma composição buscando o contraste, o equilíbrio e o ritmo. Algumas técnicas de desenho oferecem essas possibilidades e são utilizadas há muito tempo na história da arte, tais como o carvão, o grafite e o nanquim, que veremos a seguir. Todas essas técnicas permitem explorar a gama de tons entre o preto e o branco, seja nas possibilidades a seco, como o carvão e o grafite, seja com o nanquim, que também pode ser trabalhado em aguadas ou hachuras. A utilização da cor do suporte como fundo do desenho também é uma característica que as três técnicas permitem explorar, possibilitando experimentar diferentes cores de base para causar novos efeitos na produção artística. Por isso, neste capítulo, vamos analisar cada uma dessas técnicas mais detalhadamente. 5.1 Desenho a carvão Um dos mais antigos meios de expressão humana, o carvão é um material que se apresenta de diversas formas, adequando-se a diferentes possibilidades de uso tanto no desenho como na pintura. Indícios de sua utilização foram encontrados em registros rupestres e desde então continua, até a atualidade, a ser usado como meio de expressão. Originado normalmente da carbonização de ramos de videira ou nogueira, o carvão para desenhar pode apresentar-se em forma de barras (tipo as do pastel), lápis ou bastões, como se vê na Figura 1. Dependendo do formato e dos fornecedores, alguns se apresentam com graduações que vão do mais macio, como o 3B, ao mais duro, como o HB (BALLESTAR, 2005). Bu rh an B un ar di /S hu tt er st oc k. Figura 1 - Carvão em lápis e bastões Vídeo Artes Visuais: desenho 78 O carvão em lápis constitui-se de uma mina de carvão com aglutinantes protegida pela madeira do lápis. Podem ser encontrados nas graduações 3B, 2B, HB ou diferenciados por brando, médio e duro, dependendo da marca (PARRAMON, 1993). Dependendo do efeito de desenho que se quer produzir, às vezes é preciso modelar a ponta do carvão para detalhes. Para isso, os lápis, por exemplo, podem ser apontados com auxílio de estiletes, enquanto uma lixa fina (Figura 2) ajuda na modelagem da ponta do carvão em bastão, permitindo o traçado de forma mais precisa. Figura 2 – Lixa para apontar carvão fo to se n5 5/ Sh ut te rs to ck O carvão também pode ser utilizado em pó, aplicado direto no papel e espalhado com os dedos, com um pincel, um tecido macio ou um algodão, para se formar o desenho. A flexibilidade do carvão possibilita dar forma e movimento aos traços, permitindo corrigir, apagar e esfumaçar com facilidade (PARRAMON, 1993). Observe, na obra a seguir, como o artista explorou os tons que vão do negro intenso, ao fundo, até a cor clara do papel, trabalhando os contrastes do rosto. Podemos verificar também o uso do carvão nas linhas, nas massas de tons e nas áreas em que foi explorado o esfumaçado. Este desenho mostra algumas das diversas possibilidades do carvão. Figura 3 – Desenho em carvão Fonte: SARGENT, J. S. Vaslav Nijinsky em Le Pavillon d'Armide. 1911. Carvão sobre papel: 61.1 x 47.3 cm. Coleção privada. Técnicas em escala de cinza 79 Em desenhos a carvão e grafites macios, além de se produzir efeitos esfumaçados utilizando as mãos (os dedos ou a lateral da palma da mão), um pedaço de algodão ou um trapo macio, pode-se utilizar também um esfuminho. O esfuminho (Figura 4) é um instrumento que ajuda a produzir muitos efeitos no desenho de variadas técnicas. Essa espécie de lápis, com uma ponta de cada lado, pode ser levemente friccionado no traçado para dar o efeito esfumaçado. Para desenhos mais delicados e menores, utiliza-se um esfuminho mais fino. O ideal é que não se utilize o mesmo esfuminho para várias cores, pois elas podem se misturar no desenho. É possível improvisar um esfuminho com um triângulo de papel jornal, enrolando-o a partir de uma das pontas e colando a ponta final com um pedacinho de fita adesiva. Segundo Parramón (1993), os dedos são os mais eficientes no ato de esfumaçar um desenho, pois se adaptam à rugosidade do papel, além de transportar e mesclar a umidade adequada para destacar o tom da cor, como o negro intenso no caso do carvão. No entanto, devemos destacar que o uso excessivo dos dedos pode também prejudicar o efeito esfumaçado no papel, devido à gordura natural da pele, que pode saturar a superfície se esta for muito esfregada. Se for preciso apagar ou limpar áreas mais claras do desenho, pode-se utilizar uma borracha plástica macia ou a massa de limpa tipos, que pode ser modelada para produzir detalhes. Modelar a massa também é uma forma de limpá-la para que não suje o trabalho. O carvão pode ser utilizado inclinado, para produzir linhas, ou deitado, para preencher uma grande área. O pó que se solta dele também pode ser aproveitado para desenhar com os dedos ou para esfumar. Segurar o carvão como um giz permite maior segurança no traço e amplitude dos movimentos do braço. Figura 5 – Efeito do carvão deitado An as ta si ia F irs ov a/ Sh ut te rs to ck Bu rh an B un ar di /S hu tt er st oc k Figura 4 – Esfuminho Artes Visuais: desenho 80 De acordo com Parramón (1993), o carvão é um dos meios que oferece mais possibilidades de desenhar por meio de manchas, massas, luzes e sombras, podendo ser associado a outras técnicas, como o pastel, a sanguínea e o giz. O desenho com carvão permite bons resultados em papel branco ou colorido, dependendo do grau de contraste que se deseja obter. O uso do carvão no papel colorido favorece a aplicação de giz branco para destacar áreas de luz no desenho, como podemos ver na obra de Degas, que explorou amplamente essas duas técnicas, muitas vezes em conjunto com pastel. Figura 6 – Carvão e giz branco Fonte: DEGAS, E. Duas dançarinas. ca. 1879. Carvão vegetal e giz branco sobre papel colorido: 63,8 x 48,9 cm. Museu Metropolitano de arte, Nova Iorque. A menos que seja misturado com goma ou resina, deixando de ser uma técnica a seco, o carvão não se fixa na superfície, tornando-se um meio prático para a realização de esboços, pois pode ser apagado ou manchado com facilidade. Assim como o pastel seco, para fixar o carvão no suporte é necessário o uso de fixadores em spray depois que o trabalho estiver pronto. O fixador deve ser aplicado uniformemente em toda a superfície e preferencialmente em três demãos, aguardando o tempo de secagem entre uma e outra. 5.2 Grafite As primeiras minas de grafite foram descobertas por volta do século XV na Europa. Esse mineral sólido e de brilho metálico, também chamado de plumbago ou chumbo negro, é constituído de carbono e só começou Vídeo Técnicas em escala de cinza 81 a ser efetivamente utilizado por artistas a partir do século XVII. Até meados do século XVIII, o grafite era mais utilizado para delinear esboços que seriam acabados em outras técnicas; dificilmente um desenho era produzido todo em grafite (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2019). Figura 7 – Grafite Ep ita vi /S hu tt er st oc k Nesta obra do século XVIII (Figura 8), Thomas Gainsborough (1727–1788), aplicou umaaguada cinza para obter a base tonal sobre a qual produziu os traços de grafite para descrever a folhagem, variando a pressão para sugerir claros e escuros. O artista ficou conhecido por esse tratamento abstrato que dava às suas paisagens, destacando massas contrastantes. Figura 8 – Desenho em grafite do século XVIII Fonte: GAINSBOROUGH, T. Um grupo de árvores. ca. 1757. Grafite, escova e aguada cinza sobre papel: 15,8 x 19,4 cm. Museu Metropolitano de arte, Nova Iorque. Artes Visuais: desenho 82 Inicialmente, o grafite era utilizado entre pedaços de madeira, como um sanduíche, até ser criado o lápis: um cilindro de madeira oco, onde é depositada a mina de grafite. No século XVIII, o francês Nicolas-Jacques Conté inventou um método para produzir lápis a partir de misturas de grafite e argila. (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2019). Como destaca Parramón (1993), dessa forma foi possível criar lápis com graduações de maciez e dureza, escuros e claros, de acordo com a quantidade de argila e grafite que seriam misturadas. Foi assim que Conté patenteou o lápis que leva seu nome e que até hoje é marca famosa de artigos para desenhistas. Segundo a Encyclopaedia Britannica (2019), o artista neoclássico Jean-Auguste- Dominique Ingres (1780-1867) associava sua habilidade precisa na produção de retratos ao uso de um grafite moderadamente mais duro, permitindo a produção de contornos e sombreamentos extremamente equilibrados. Na Figura 9, a seguir, apresentamos um dos primeiros retratos produzidos pelo artista, no qual aparece a cidade de Roma como cenário de fundo e a sede da Academia Francesa (da qual era pensionista) à esquerda. Figura 9 – Desenho em grafite duro Fonte: INGRES, J. B. D. Madame Guillaume Guillon Lethière, Marie-Joseph-Honorée Vanzenne e seu filho Lucien Lethière. 1808. Grafite sobre papel: 24,1 x 18,7 cm. Museu Metropolitano de arte, Nova Iorque. Técnicas em escala de cinza 83 Para o artista romântico Eugène Delacroix (1798-1863), um grafite mais macio e mais escuro permite a espontaneidade, a liberdade e a sugestão de traços não muito definidos, características de suas produções, como podemos ver na Figura 10, a seguir. Figura 10 – Desenho em grafite macio Fonte: DELACROIX, E. Monge em oração. 1821. Grafite sobre papel: 9.5 × 16.9 cm. Museu de Arte Walters, Baltimore, Estados Unidos. As graduações dos lápis grafite (Figura 11) são definidas por um número e pelas letras B (que indica ser mais macio e escuro) e H (que indica ser mais claro e duro). Geralmente, na prática de desenho, utiliza-se um lápis 6B quando se quer mais cor e maciez, mas esta escolha depende das preferências de quem está desenhando e do que se quer produzir no desenho. Por isso é interessante realizar esboços com os diferentes tipos de grafite para conhecer as possibilidades de cada um e fazer as próprias escolhas com maior propriedade. Figura 11 – Graduações de lápis grafite IE SD E Br as il S/ A 6H 5H 4H 3H 2H H F HB B 2B 3B 4B 5B 6B Como vimos, o grafite para desenho pode se apresentar em lápis ou em uma barra, tipo o pastel. Para apontar o lápis, pode-se usar um estilete, pois com ele é mais fácil modelar o tipo de ponta que melhor definirá o traço – pontas mais finas, para produzir linhas delicadas e precisas, ou mais grossas, para linhas mais expressivas e espontâneas. No grafite em bastão, a lixa apropriada para carvão também pode ser utilizada. Artes Visuais: desenho 84 A ponta do grafite definirá a espessura do traço, que deve ser considerada principalmente ao produzir desenho com hachuras, outra possibilidade desse material. Observe, no desenho de Van Gogh (Figura 12), como o artista trabalha com variedade de linhas e hachuras, proporcionando ritmo à composição. Figura 12 – Hachuras com grafite Fonte: VAN GOGH, V. O varredor. 1883. Grafite sobre papel Wove: 220 x 310 mm. Museu de Belas Artes de São Francisco, Estados Unidos. O desenho em grafite pode ser trabalhado em associação a outras diversas técnicas, lembrando que, em sua origem, ele era apenas a base para as demais. Conhecendo todas as suas possibilidades, podemos explorar o uso do grafite valorizando-o e enriquecendo-o com giz, aquarela, aguadas etc. Figura 13 - Grafite e aquarela Fonte: SIGNAC, P. Lézardrieux. 1925. Grafite e aquarela sobre papel. Técnicas em escala de cinza 85 Nesta obra, Paul Signac trabalha com traços curtos em grafite para compor a paisagem marinha, introduzindo alguns pontos de cor com aquarela, em detalhes, manchas e aguadas, permitindo que a cor de fundo do papel também interaja na composição. 5.3 Desenho com nanquim Também conhecido como tinta da China ou tinta da Índia, o nanquim é a tinta que permite desenhar a partir do uso de instrumentos apropriados. Em sua origem chinesa, a escrita é considerada uma arte, um desenho. Criada vários séculos antes de Cristo, é um meio de expressão muito antigo, amplamente explorado pelos orientais, que na sua fabricação envolvem fórmulas específicas ao misturar o pigmento negro de fumo com outras substâncias capazes de lhe conferir mais brilho ou outras qualidades. Em algumas receitas, até perfumes são acrescentados (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2019). O pigmento negro de fumo permite uma capacidade de cobertura e permanência muito destacada, fazendo com que o nanquim seja um meio muito valorizado como expressão artística (MAYER, 1996). Além dessas características, deve ser destacado o fato de que depois de aplicado no suporte, dificilmente o nanquim poderá ser removido. Portanto, a sua aplicação é definitiva. Encontrado no comércio em líquido ou no formato de bastão para ser diluído, o nanquim pode ser utilizado com pincel, pena de aves, bico de pena metálico e canetas próprias. Além desses, outros instrumentos já foram utilizados e muitos deles continuam na preferência de alguns desenhistas, como o bambu. As penas de aves (Figura 14) podem ser utilizadas de acordo com o tamanho e a firmeza do material adequado à mão do desenhista. A ponta da pena que será embebida na tinta deve ser cortada com estilete em formato pontiagudo. Figura 14 – Pena de ave Li ub ab as ha /S hu tt er st oc k Vídeo Artes Visuais: desenho 86 O bico de pena de metal (Figura 15) foi um instrumento de escrita e desenho usado por muito tempo, até a invenção do lápis. Há muitos modelos disponíveis no mercado, mas basicamente consiste em um cabo onde deve ser aplicada a ponta metálica, que pode ser redonda, quadrada, própria para caligrafia etc. Figura 15 – Bico de pena Li ub ab as ha /S hu tt er st oc k Os modelos de penas metálicas podem ser encontrados em grande diversidade, cada uma permitindo a produção de linhas específicas, de acordo com seu formato (Figura 16). ju _s ee /S hu tt er st oc k Figura 16 – Modelos de penas metálicas A caneta própria para nanquim exige um cuidado específico quanto à limpeza, pois, se não for lavada logo após o uso, a tinta seca, entupindo-a e impossibilitando o uso. As pontas dessas canetas são delicadas e finas, por isso exigem cuidado no manuseio e manutenção constante. Técnicas em escala de cinza 87 55 10 1/ Sh ut te rs to ck Figura 17 – Canetas nanquim Essas canetas também estão disponíveis no mercado em diferentes números de ponta, que correspondem à espessura da linha que produzem. São muito utilizadas em desenho técnico, mas alguns artistas acabam adotando um tipo ou outro de caneta cujo traçado tenha a ver com seu modo particular de desenhar. Na obra a seguir (Figura 18), Boccioni explora as linhas curvas que, em alguns espaços, unem-se a ponto de se transformarem em massas, contrapondo-se a linhas finas e interrompidas. Figura 18 – Desenho a nanquim Fonte: BOCCIONI, U. Desenho depois de "estados da mente: as despedidas". Nanquim sobre papel. As canetas permitem a produção de linhas muito delicadas e precisas, possibilitando riqueza de detalhes e hachuras. Observe, na figura a seguir, alguns exemplos de traços para a produção dehachuras: Artes Visuais: desenho 88 Figura 19 – Hachuras em nanquim Ka sh ta l/ Sh ut te rs to ck Ba bi ch A le xa nd er /S hu tt er st oc k Todos esses instrumentos podem trabalhar com o nanquim produzindo linhas e hachuras, por isso é importante tirar proveito das possibilidades de variação que cada material permite. Observe, na Figura 20, como Van Gogh explora as linhas de diferentes espessuras e tamanhos, além de pontos, produzindo hachuras que dão calor e ritmo à composição: Técnicas em escala de cinza 89 Figura 20 – Desenho com caneta de bambu Fonte: VAN GOGH, V. Rua em Saintes Maries de la Mer. ca. 1888. Caneta de bambu e nanquim sobre papel: 24,3 x 31,7 cm. Museu Metropolitano de arte, Nova Iorque. Devido ao poder de cobertura do nanquim, é preciso ter alguns cuidados para que o desenho não seja danificado pelas mãos sujas de tinta ou por respingos. Para isso, o melhor é ter papel absorvente à mão, como o papel toalha, para limpar as mãos e os instrumentos, além de tirar os excessos das pontas e evitar os respingos. Todo cuidado é pouco com esse poderoso material, já que o contraste entre o branco e o preto é um de seus destaques e, por isso, qualquer pingo ou mancha interferirá na produção final. Na aula de Arte O carvão pode servir de tema para um projeto interdisciplinar, abordando desde a sua extração em minas até sua utilização na indústria e no cotidiano. O próprio artista Van Gogh produziu inúmeros trabalhos com carvão ao mesmo tempo em que convivia com mineiros e escrevia as cartas para seu irmão contando sobre as dificuldades desses trabalhadores: Não faz muito tempo, fiz uma excursão muito interessante: passei 6 horas numa mina. Em uma das minas mais velhas e mais perigosas das redondezas, chamada Marcasse. Esta mina tem uma péssima reputação, graças aos inúmeros acidentes que lá acontecem, seja na descida, seja na subida, seja por causa do ar sufocante ou das explosões, ou dos lençóis de água subterrâneos, ou do desmoronamento de antigas galerias, etc. É um lugar sombrio (VAN GOGH, 1991, p. 16). Artes Visuais: desenho 90 Apresentar algumas obras de Van Gogh e trechos de suas cartas, como os citados aqui, enriquecerá a atividade. Destaque nas obras como o artista trabalhou com as técnicas de desenho e as texturas, como no chão em frente ao estabelecimento, no telhado e no céu, comparando com o desenho a carvão (A casa Zandmennik), em que ele explora mais o material no contraste entre as áreas claras e escuras. Fonte: VAN GOGH, V. Café Au Charbonnage. 1878. Lápis, caneta e tinta sobre papel: 14 cm x 14.2 cm. Museu Van Gogh, Amsterdã. Este pequeno desenho Au charbonnage na verdade não é muito extraordinário, mas a razão pela qual eu o fiz tão maquinalmente é que aqui se vê tanta gente que trabalha nas minas e é um povo bem característico. Esta casinha fica perto do caminho de sirga a beira do rio; é na verdade um pequeno botequim contíguo a uma grande oficina onde os operários vêm comer seu pão e beber um copo de cerveja na hora do rancho (VAN GOGH, 1991, p. 12). Técnicas em escala de cinza 91 Fonte: VAN GOGH, V. A casa Zandmennik. c. 1879/1880. Carvão e grafite sobre papel: 22,8 x 29,4 cm. Galeria Nacional de Arte, Washington. Proponha que cada um desenhe a fachada de uma construção utilizando carvão. Pode ser da própria residência, da escola etc. Oriente sobre as possibilidades de uso da técnica, como texturas, sombreados, contrastes, linhas, manchas, uso dos dedos, esfuminhos, massa de limpa tipos. Grafite e nanquim Uma forma de experimentar as diferenças entre os instrumentos de desenho é produzir amostras de tons, pois além de verificar como fica o traçado, treina-se também a pressão sobre o material. Para isso, solicite que cada um dobre na metade uma folha de papel sulfite, quatro vezes. Cada parte que se formou deve ser preenchida com um tom uniforme de um tipo diferente de grafite (por exemplo: 6B, 2B, H, 2H), sendo que cada fileira deve apresentar nas extremidades maior e menor pressão sobre cada lápis. O resultado deve ser quatro fileiras com quatro tons de cada grafite, variando do mais escuro para o mais claro. Se preferir, em uma das fileiras, em vez de grafite poderá ser utilizado o carvão. Esse exercício pode ter como variante a direção nas linhas, ou seja, preencher o espaço em movimentos diagonais, curvos, horizontais, verticais etc. O importante é perceber que, ao produzir um desenho, devemos primeiro observar onde estão os pontos mais escuro e mais claro, definindo-os. Em seguida, são trabalhados os meios tons. Dessa forma, é possível equilibrar os contrastes da composição. O uso do nanquim exige cuidados maiores para que não aconteçam acidentes, como derramar ou manchar roupas. De qualquer forma, a turma pode manipular os instrumentos e os materiais para conhecê- -los e verificar os efeitos gráficos que o professor pode apresentar. Artes Visuais: desenho 92 Se houver possibilidade de experimentar, proponha a produção de hachuras em uma sequência semelhante à graduação de tons do grafite, mas com linhas mais próximas e afastando-as aos poucos para graduar. Considerações finais Com as possibilidades tonais do branco ao preto podemos produzir ricas composições trabalhando com linhas, manchas e hachuras nessas três tradicionais técnicas de desenho, que podem ser associadas a tantas outras para enriquecer uma composição. Nesse sentido, o trabalho com a escala de tons de cinza pode ser iniciado preenchendo as áreas mais escuras aos poucos, explorando os meios tons em seguida e fazendo os ajustes necessários, mantendo as áreas mais claras na cor do suporte. Essas áreas de maior incidência de luz podem ser destacas com o giz branco no processo de finalização. Experimentar a maior diversidade possível dos materiais das três técnicas apresentadas é outra dica fundamental para aprofundar o conhecimento sobre elas e experimentar maior gama de possibilidades expressivas. Portanto, desenhar com o carvão em diferentes formatos, com toda a variedade de grafites e com diferentes formatos de bico de pena permitirá escolher qual material lhe responderá melhor de acordo com a sua produção. Afinal, quanto mais experiência acumular, tanto o artista quanto o educador em arte obterão melhores êxitos em seus objetivos. Ampliando seus conhecimentos • FABER-CASTELL - Conjunto Grafite Pitt Monocromático. Publicado por FaberCastellOficial, 19 ago. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?time_continue=11&v=HTnikhCFMAc. Acesso em: 24 jul. 2019. O vídeo da empresa fabricante de lápis e outros materiais apresenta um conjunto de lápis grafite para desenho, com graduações diversas, próprias para variadas técnicas de desenho. • ESTÚDIO Saci. Como fazer um esfuminho para desenho. 3 fev. 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gg0G2hLPWzE. Acesso em: 24 jul. 2019. Nesse vídeo, podemos aprender a produzir nosso próprio esfuminho com retalho de papel jornal ou kraft, além de visualizar a posição correta para utilizar esse material no ato de esfumaçar desenhos a carvão, grafite, sépia e outros materiais. https://www.youtube.com/watch?v=Gg0G2hLPWzE Técnicas em escala de cinza 93 Atividades 1. De que formas podemos obter o efeito esfumaçado nos desenhos a carvão e como podemos apagar ou criar áreas de luz? 2. Como os grafites podem ser classificados de acordo com a mistura de argila criada por Nicolas-Jacques Conté? Como essa característica interfere no desenho? 3. Cite algumas das principais características da tinta nanquim. Referências BALLESTAR, V. All about techniques in dry media. EUA: Barron's Educational Series, 2005. ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Pencil drawing. Disponível em: https://www.britannica.com/ art/pencil-drawing. Acesso em: 24 jul. 2019. MAYER, R. Manual do artista: de técnicas e materiais. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PARRAMON, J. M. El gran libro del dibujo. Espanha: Parramon Ediciones, 1993. VAN GOGH, V. Cartasa Theo. Porto alegre: L&PM, 1991. O que gosto muito no desenho é que ele engana e revela suas artimanhas ao mesmo tempo. Ilude existir algo que não existe, mas ao mesmo tempo não oculta a sua existência como um enovelar de gestos. (TIBURI; CHUÍ, 2010) Técnicas policromáticas Na página anterior: gitan100/Shutterstock Técnicas policromáticas 97 Trabalhar com pontos, linhas e planos com o objetivo de criar uma composição atraente, equilibrada, com ritmo e, ainda mais, com cores, é um desafio para qualquer desenhista. Neste capítulo, então, veremos algumas técnicas de desenho que fogem da representação apenas do preto e branco, conhecendo um pouco mais dos materiais que apresentam variedade de cores e texturas capazes de enriquecer e facilitar o trabalho de qualquer desenhista. 6.1 Sépia, sanguínea e giz branco De acordo com Mayer (1996), sépia é um corante castanho escuro preparado a partir das bolsas de tintas de animais cefalópodes, como a lula, o choco e, principalmente, a siba, que liberam sua tinta na água para afastar seus predadores. O pigmento é muito usado para produção de tintas de aquarela e de impressão, mas não é permanente se exposto à luz. O sépia já era utilizado como tinta na Roma antiga, mas o pigmento para desenhar só se tornou conhecido no Renascimento (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2019b), quando passou a ser usado principalmente para produzir aguadas, como a que vemos na Figura 1, a seguir. Fonte: LORRAIN, C. Paisagem Romana. Século XVII. Tinta sépia e aguada: 15,9 x 28,6 cm. Museu Metropolitano de arte, Nova Iorque. Figura 1- Desenho e aguada em sépia Depois que o inventor francês Nicolas-Jacques Conté começou a produzir grafites próprios para desenho, a partir de 1794, outros lápis foram criados, como o sépia e o sanguínea (CONTÉ, 2019). Dessa forma, a tinta sépia podia ser trabalhada também com o lápis, não só com o bico de pena, como era até então. Atualmente, podemos encontrar o lápis ou a barra, que também apresenta algumas variações de tonalidades dependendo do fabricante. Vídeo Artes Visuais: desenho 98 O lápis sanguínea tem uma coloração avermelhada e é formado por uma mina de giz ou argila acrescido de óxido de ferro e pode ser encontrado também em barras (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2019a). Parramon (1993) destaca que Leonardo da Vinci (Figura 2) foi um dos primeiros artistas a desenhar com sanguínea sobre papel colorido. Depois dele, muitos outros adotaram a técnica, como Peter Paul Rubens e Antoine Watteau (Figura 3). Os desenhos em sanguínea muitas vezes são associados ao uso de giz branco ou carvão. Segundo Parramon (1993), o ato de usar giz branco para os realces do desenho remete ao começo do século XV, com a popularização do uso do papel e a novidade do papel colorido. O material do giz branco é extraído de camadas de rochas calcárias de origem orgânica, acrescido de água e goma para adquirir a forma que conhecemos em giz ou lápis para desenho. Veja, na Figura 3, como Watteau trabalhava com sanguínea, carvão e giz branco sobre papel creme. Fonte: WATTEAU, A. Casal sentado. c. 1716. Giz branco e sanguínea sobre papel: 24,1 x 34,9 cm. Museu Hammer (Universidade da Califórnia), Los Angeles. Figura 3 – Sanguínea, carvão e giz A criação dessa famosa fórmula – sanguínea ou carvão sobre papel colorido e realces em giz branco – deu muito certo, visto que continuou a ser utilizada por muito tempo. Fonte: DA VINCI, L. Retrato de um homem. c. 1512. Sanguínea sobre papel: 33,3 cm × 21,6 cm. Biblioteca Reale, Turim. Figura 2 – Retrato em sanguínea Técnicas policromáticas 99 6.2 Lápis de cor O lápis de cor, um material tão comumente utilizado por crianças, tornou-se recentemente de grande interesse por parte também dos adultos, com a moda dos livros de colorir. Segundo Parramon (1993), o lápis de cor constitui-se de uma mina formada por pigmento misturado com cera e protegido pela madeira de cedro. Atualmente, há uma variedade grande de opções disponíveis no mercado, que vão do escolar (mais economicamente acessível) aos profissionais (de valor econômico e qualidade maiores). As linhas profissionais também apresentam grande variedade de preço entre elas. Uma opção é adquirir alguns lápis de cor profissionais de forma individual, selecionando cores básicas de acordo com a própria produção de trabalhos. Dessa maneira, é possível comprar lápis de cor de qualidade e ainda experimentar diferentes marcas. Além deles, as coleções de lápis aquareláveis são boas opções para desenhar, apresentando maior qualidade que os escolares. No entanto, a escolha por um tipo de lápis deve considerar a própria produção e as preferências pessoais. Assim, o importante é experimentar certa variedade para, posteriormente, escolher os que mais se adéquam ao gosto pessoal. A produção do esboço de um desenho com lápis de cor pode ser feita com o próprio lápis colorido, selecionando uma cor mais neutra, como o siena claro ou o azul claro. Conforme as demais cores forem aplicadas, definindo o trabalho, as cores do esboço vão, aos poucos, sendo incorporadas às cores definitivas. Veja, na Figura 4, como as linhas coloridas que definem a composição interagem com as demais cores. Figura 4 - Esboço colorido Ko zh /S hu tt er st oc k Assim como a maioria das técnicas de desenho, a cor de fundo do papel (branco ou colorido) deve ser considerada na elaboração de um desenho com lápis de cor, já que o lápis branco não possui poder de cobertura e opacidade. Na Figura 5, a seguir, o branco do fundo ressalta, contrastando com os traços mais escuros do desenho. Vídeo Artes Visuais: desenho 100 Figura 5 – Fundo branco Pe ar so n Ar t P ho to /S hu tt er st oc k Parramon (1993) destaca a importância de estudar e definir a direção dos traços produzidos com o lápis de cor, já que serão sempre visíveis. Observe, no desenho de Seurat (Figura 6) como o artista deixa à mostra as linhas de composição das figuras e dos claros e escuros. Fonte: SEURAT, G. Soldado esgrima, outro reclinado. 1880. Lápis de cor e grafite sobre papel. Coleção Particular. Figura 6 – Lápis de cor Técnicas policromáticas 101 Podemos verificar a seguir, na Figura 7, a variedade de direção das linhas na água, na vegetação e na margem. A representação do mar, por exemplo, fica mais adequada se feita com traços horizontais, assim como a vegetação fica melhor com traços verticais. Figura 7 – Direção dos traços st as ia _c h/ Sh ut te rs to ck A técnica de desenho em lápis de cor não precisa do uso de fixativos, pois o grafite adere bem ao papel como suporte. Entretanto, deve-se verificar se o lápis de cor será utilizado com outras técnicas: nanquim, aquarela e caneta hidrocor também não precisam ser fixados, mas no caso de carvão, sépia e sanguínea, por exemplo, deve-se utilizar um fixativo. 6.3 Giz pastel O desenho com giz pastel é outra técnica que produz muitos efeitos se esfumaçado com as mãos, com pincel, com algodão ou com o esfuminho. Alguns pastelistas preferem a aparência dos traços produzidos pelo pastel, utilizando-o muitas vezes em hachuras. O pastel seco, uma barrinha que consiste na mistura de pigmento e um pouco de goma para aglutinar, era utilizado com moderação até o período renascentista, geralmente na produção de estudos e esboços. Com a produção de Rosalba Carriera no século XVII e outros artistas posteriores, porém, o pastel seco se tornou um meio de expressão artística reconhecido, principalmente na modernidade, com Edgard Degas, que soube explorar esse material de diversas formas, como pode ser observado na Figura 8 (WHITLUM-COOPER, 2010). Vídeo Artes Visuais: desenho 102 Fonte: DEGAS, E. Dançarina. ca. 1880. Pastel e carvão sobre papel cinza-azulado: 48,9 x 31,8 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 8 – Pastel de Degas Essa técnica é muito valorizada por artistas que a consideram como uma forma de usar o pigmento praticamente puro, já que a quantidade deaglutinante utilizada em sua produção é mínima. Por isso as suas cores são permanentes. Em contrapartida, o fato de possuir pouco aglutinante o torna mais frágil e quebradiço. A sua fixação sobre o suporte se dá por atrito, por isso, o papel mais adequado é aquele que apresenta um pouco de rugosidade (MAYER, 1996). O pastel oleoso, criado no início do século XX, é constituído por uma quantidade maior de aglutinante do que a usada no pastel seco, tornando-o mais resistente e de consistência mais cremosa. A aparência dos desenhos em pastel oleoso difere das feitas em pastel seco, como pode ser visto na Figura 9. Técnicas policromáticas 103 Figura 9 – Pastel oleoso Bo ka sa na /S hu tt er st oc k No século XVIII, o papel azul era o suporte mais comum para trabalhos com pastel, não só pela facilidade de se obter o material, mas também pelo efeito que produzia. De fato, os artistas gostam de explorar papéis coloridos para desenhar com pastel, tirando proveito das cores de fundo, como o desenho de Degas (Figura 8). Ambos os tipos de pastel precisam ser fixados, caso contrário, qualquer atrito pode danificar o desenho. Uma folha de papel manteiga ou seda fixada por trás (para que não fique se arrastando sobre a superfície) pode proteger o trabalho, mas não é um meio completamente eficiente (PARRAMON, 1993). 6.4 Canetas ou marcadores Canetinha hidrocor, hidrográficas, marcadores, marca-texto, ponta porosa e outros nomes identificam uma criação recente, que data de meados do século XX, para uma nova forma de escrever e desenhar. Com ponta de feltro ou fibra, permitem uma variedade de traços e cores que vem sendo explorados por artistas e outros profissionais, como designers e arquitetos. Os formatos diversos das pontas (Figura 10) facilitam o preenchimento de áreas grandes ou pequenas, podendo ser ponta fina (para contornos e detalhes), média ou grossa, além do formato inclinado de alguns marcadores, indicados também para espaços maiores. Portanto, a escolha de cada caneta deve ser feita de acordo com o tamanho do desenho e dos detalhes que serão produzidos (PARRAMON, 1993). Vídeo Artes Visuais: desenho 104 A B An na P ho to gr ap hy / S hu tt er st oc k ci gd em / S hu tt er st oc k C te re kh ov ig or / Sh ut te rs to ck Figura 10 – Pontas fina (A), média (B) e grossa (C) Os marcadores com a ponta inclinada, em forma de cinzel (Figura 11), podem ser utilizados de três formas diferentes: com o canto da ponta, para traços mais finos; com a lateral mais estreita; e inclinados, com a lateral mais larga. Figura 11 – Ponta inclinada An na P ho to gr ap hy /S hu tt er st oc k Técnicas policromáticas 105 Segundo Parramon (1993), para preencher áreas de cor, o ideal é produzir traços, um ao lado do outro, sem sobrepor e com agilidade, pois assim eles vão se mesclando sem deixar muitas marcas. Esse efeito exige um pouco de treino e habilidade. Mas esta é apenas uma das muitas formas de desenhar com canetinhas ou marcadores. Observe na imagem como as linhas também podem ser produzidas de diferentes formas, em hachuras variadas. Figura 12 – Desenho com marcadores KU CO / S hu tt er st oc k As cores podem também ser sobrepostas, produzindo efeitos de mesclas entre elas, desde que se espere a secagem entre as camadas. Sobrepor a mesma cor produz o efeito de escurecimento, com a possibilidade de fazer gradações. Entretanto, ao sobrepor camadas, deve-se ter o cuidado de escolher papéis mais adequados, como os para a técnica de aquarela, já que a tinta das canetas penetra rapidamente no papel. Por isso, o trabalho com essas canetas deve ser rápido e preciso, pois se a tinta se fixa em um local por mais tempo, pode causar manchas (PARRAMON, 1993). Assim como outras técnicas que vimos anteriormente, as partes mais claras do desenho devem ser previamente definidas e preservadas, para serem trabalhadas com cuidado ou ressaltarem a cor de fundo do papel. Veja, na Figura 13, que o branco do papel Artes Visuais: desenho 106 indica as áreas de luz. Outra possibilidade para produzir áreas claras realçadas é o uso de tinta guache branca, que se sobrepõem à tinta das canetas. Figura 13 – Branco como fundo M ar us oi /S hu tt er st oc k Muitos artistas utilizam também o lápis de cor para a finalização desses trabalhos com canetas ou marcadores, pois a aplicação de detalhes com o lápis produz realces delicados e permite acrescentar traços para escurecer e contrastar (PARRAMON, 1993). Algumas marcas lançaram marcadores para porcelana, indicando o uso do forno para finalizar o trabalho. É uma boa oportunidade para experimentar o desenho utilizando outro suporte além do papel. Como a variedade de opções desses materiais disponíveis no comércio é grande, deve-se considerar experimentar algumas marcas próprias para profissionais de desenho, disponíveis nas lojas especializadas. De qualquer forma, para começar, as canetinhas escolares desempenham um papel eficiente. Na aula de Arte Carvão, sépia, sanguínea e giz Para que a turma possa experimentar a fórmula da técnica de desenho que foi amplamente utilizada pelos artistas a partir do século XV, peça que escolham um motivo para desenhar com carvão, sépia ou sanguínea (de acordo com as possibilidades), sobre um papel colorido, como o papel Kraft, por exemplo. Lembre-os de que, ao final, devem acrescentar detalhes em giz branco (pode ser o giz escolar). Apresente um modelo, caso tenham dificuldades na escolha do motivo: uma flor, Técnicas policromáticas 107 um jarro, um bule ou outro objeto simples no qual possam verificar áreas de luz para o uso do giz branco. Canetinhas e marcadores Proponha o treino do traçado com canetinhas e marcadores. Se possível, apresente a variedade de materiais, dos escolares aos profissionais, mostrando a diferença dos traços produzidos. Em seguida, distribua pequenos pedaços de papel (divida um papel A4 em quatro partes, por exemplo), para que cada um desenhe no seu papel uma forma livre, preferencialmente com linhas retas, para facilitar o treino. O desenho deve ser colorido com as canetinhas, com o objetivo de não deixar marcas do traço, ou seja, produzindo linhas lado a lado, sem sobrepor ou deixar espaços entre elas. Esclareça que é um exercício difícil e que, por isso, deve ser repetido para chegarem a resultados melhores, mas o treino já é um começo. O desenho pode ser enriquecido com detalhes no entorno. Ao final da atividade, fixe os desenhos lado a lado em um papel maior, como o Kraft, montando uma colcha de retalhos para expor. Lápis de cor Aproveite a moda dos livros de colorir e proponha que cada um construa seu livro (com poucas páginas, em tamanho pequeno), com ilustrações e pinturas próprias. A produção pode ser simples ou elaborada, com montagem das páginas em papéis baratos ou baseada em uma pesquisa sobre papéis próprios para desenho. O importante é que cada um desenhe suas ilustrações (com nanquim ou canetinha) e depois pinte com lápis de cor. Aproveite para explorar as técnicas de hachuras, a direção dos traços e a relação entre as cores. As folhas podem ser dobradas e coladas em formato de livro, ou podem ser montadas pastas artísticas para acondicioná-las. Técnica mista Depois de experimentar as técnicas de desenho apresentadas neste capítulo, proponha uma produção que envolva técnica mista, escolhendo duas ou mais dessas técnicas para a realização de um trabalho. É importante que experimentem as técnicas previamente para que consigam fazer as escolhas adequadas. Oriente nas escolhas e na forma como serão trabalhadas para que uma não se sobreponha à outra, prejudicando o resultado final. Artes Visuais: desenho 108 Considerações finais Todas as técnicas que vimos neste capítulo nos permitem desenhar colorindo. A modernidade trouxe a variedade de materiais e cores que facilitam esse trabalho, abrindo espaço para que a nossa criatividade invente outrasformas de expressão por meio das linhas coloridas. Essas técnicas podem ser trabalhadas individualmente ou associadas a outras, como fazem alguns artistas que produzem aguadas como fundo para seus desenhos. Como vimos, sempre há uma forma nova de produzir e experimentar materiais novos ou antigos, descobrindo a própria linguagem e a melhor forma de comunicar-se por meio dos traços de um desenho. Ampliando seus conhecimentos • FABER-CASTELL - Lápis de cor Polychromos. Publicado por FaberCastellOficial, 19 ago. 2015. (1 min). Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Rc2x2h0xqtA. Acesso em: 24 jul. 2019. Nesse vídeo, a empresa fabricante de materiais de desenho e escolares apresenta uma de suas coleções profissionais de lápis de cor, destacando suas características, tais como permanência, aderência e capacidade de ser associado a outros materiais. • HOW to draw with markers and colored pencils. Publicado por Drawing & Painting - The Virtual Instructor, 10 fev. 2017. (13 min). Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=G1KhFJ-DT48. Acesso em: 24 jul. 2019. O vídeo mostra o passo a passo detalhado da produção de um desenho, com marcadores e lápis de cor, representando um copo com gelo e bebida. • DESSINER aux 3 crayons de manière picturale - Cours de dessin. Publicado por Cours de Dessin, 3 fev. 2012. (11 min). Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=7JswHygG01o. Acesso em: 24 jul. 2019. Esse vídeo mostra o processo do desenho de observação de uma natureza morta bem simples, a partir de um esboço a carvão, utilizando os lápis branco, sépia e sanguínea. Técnicas policromáticas 109 Atividades 1. Descreva a fórmula de técnicas de desenho que ficou famosa a partir do momento em que Leonardo da Vinci passou a utilizar um giz avermelhado sobre papel de cor clara. 2. De acordo com a maioria das técnicas de desenho, que elemento deve ser preservado e definido previamente com relação ao suporte, na produção de um trabalho? Por quê? 3. Descreva a melhor forma de preencher uma área com marcadores coloridos. Referências CONTÉ à Paris. About. Disponível em: https://www.conteaparis.com/en/about/. Acesso em: 24 jul. 2019. ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Sanguine. Disponível em: https://www.britannica.com/art/ sanguine. Acesso em: 11 jun. 2019a. ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Sepia. Disponível em: https://www.britannica.com/art/sepia- drawing-medium. Acesso em: 11 jun. 2019b. MAYER, R. Manual do artista: de técnicas e materiais. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PARRAMON, J. M. El gran libro del dibujo. Espanha: Parramon Ediciones, 1993. TIBURI, M; CHUÍ, F. Diálogo / desenho. São Paulo: Senac, 2010. WHITLUM-COOPER, F. The Eighteenth-Century Pastel Portrait. In: Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2010. Disponível em: http://www. metmuseum.org/toah/hd/papo/hd_papo.htm. Acesso em: 24 jul. 2019. Crianças trabalham da mesma maneira que os artistas, ninguém conhece o resultado. (HOLM, 2005, p.104) Grafismo infantil e desenho estereotipado Na página anterior: Przemek Klos/Shutterstock Grafismo infantil e desenho estereotipado 113 Segundo o arquiteto Vilanova Artigas (1975), a origem do desenho se encontra nos grafismos produzidos pelo homem do período paleolítico, considerando esta a primeira forma de comunicação expressa, provavelmente antes até da linguagem oral. No entanto, foi somente no período renascentista que o desenho passou a ser reconhecido como linguagem da técnica e da arte. Tanto o termo disegno, que começou a ser usado no Renascimento, ou desenho, conforme a primeira referência em nossa língua na carta de D. João III, no sentido de desígnio, ou ainda dezenhar, no sentido de formar uma ideia, apresentam significados que se complementam: de intenção, propósito, projeto (ARTIGAS, 1975). Esse autor destaca ainda que desenho é linguagem e, portanto, acessível a todos (ARTIGAS, 1975). Complementando essa ideia, Moreira (2005, p. 15-16), afirma que “toda criança desenha” e “desenhando está afirmando a sua capacidade de designar”. Sendo assim, porque paramos de utilizar a linguagem do desenho (com algumas exceções) ao deixar de ser criança? Neste capítulo, abordaremos essa questão e outras que envolvem o processo de desenvolvimento dessa linguagem, como as fases do grafismo e as estereotipias. 7.1 Desenvolvimento do desenho infantil Foi a partir do final do século XIX que surgiu o interesse em estudar o desenvolvimento gráfico infantil, principalmente na área da psicologia, mas logo se estendendo à pedagogia e à sociologia. Com um novo olhar sobre a infância (deixando de ver a criança como um adulto em miniatura), foi possível analisar também de que forma o desenho acompanha as fases de seu desenvolvimento (MEREDIEU, 2006). Outro detalhe importante destacado por Meredieu (2006) é o fato de que, até o final do século XIX, as crianças não tinham acesso fácil a papel e lápis, como temos hoje, pois eram produtos caros. No decorrer dos anos, a popularização desses materiais permitiu um acesso maior das crianças a eles, influenciando diretamente sua maneira de se expressar. A partir daí, artistas como Paul Klee (1879-1940), Joan Miró (1893-1983), Jean Dubuffet (1901-1985) e Pablo Picasso (1881-1973) levam declaradamente para sua produção artística o dinamismo e a instantaneidade dos traços e rabiscos infantis, pesquisando a respeito da expressão gráfica da criança1 (MOREIRA, 2005). De acordo com Moreira (2005, p. 16), a criança “desenha brinquedos, brinca com desenhos” ao riscar a amarelinha no chão, ao construir castelos de areia, ao traçar caminhos com carrinhos de plástico, ao empilhar ou enfileirar brinquedos. Para a criança, riscar e 1 Podemos observar tais características em obras disponíveis nos seguintes links: https://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Paul_Klee,_Ohne_Titel_(Der_Todesengel).jpg; https://www.wikiart.org/pt/pablo-picasso/head-of-a-girl-1950; https://www.wikiart.org/pt/joan-miro/the-gold-of-the-azure. Vídeo Artes Visuais: desenho 114 deixar marcas são brincadeiras de expressão, como desenhar no chão, na parede ou na areia (Figura 1), explorando e experimentando instrumentos e suportes variados. Figura 1 – Desenho na areia G ia co m o Pr at el le si /S hu tt er st oc k O desenho no papel é apenas uma das primeiras formas que a criança descobre para se expressar; é gesto, fala e sua primeira escrita. No desenho, ela pode registrar suas emoções, suas descobertas, suas angústias e suas histórias; é uma forma tão expressiva de linguagem que, quando há comprometimento intelectual, o desenho o revela, mostrando em que fase de grafismo a criança se encontra. Como destaca Derdyk (2015, p. 32), desenhar vai muito além do papel e do lápis, é a linguagem do gesto que estimula outras manifestações, já que enquanto desenha, a criança “canta, dança, conta histórias, teatraliza, imagina, ou até silencia”. Em cada fase de desenvolvimento da criança, o desenho apresenta características específicas, como aponta Moreira (2005, p. 26): “O desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade de falar, marca o desenvolvimento da infância, porém em cada estágio, o desenho assume um caráter próprio”. 7.2 As fases do grafismo infantil Muito ainda se estuda e se especula a respeito do desenvolvimento gráfico infantil. As fases descritas a seguir não seguem rigorosamente as idades sugeridas e nem podem ser limitadas, ou seja, não há como definir que, ao terminar uma fase, já começa outra. As características destacadas são partes de um processo que ocorre lenta e gradativamente. Por isso, Vídeo Grafismo infantil e desenho estereotipado 115 elas devem sempre considerar a criança em todos os seus aspectos e o contexto em que o desenho foi produzido. O objetivo de conhecer esse processo é mostrar para o educador que cada fase de expressão deve ser respeitada, valorizada e incentivada, para que realmente possamos criar indivíduos maiscriativos em qualquer área do saber. Não é objetivo das aulas de artes criar desenhistas, mas sim proporcionar ambientes e situações favoráveis para a expressão da criança, estimulando seu poder criativo. As características destacadas aqui, relacionadas a cada fase de representação gráfica, são comuns a crianças da mesma idade, mesmo que sejam de culturas ou nacionalidades diferentes, e servem de parâmetro para uma observação mais aprofundada a respeito do desenvolvimento infantil. Trata-se de um desenvolvimento que acompanha o progresso da linguagem oral e escrita. Por isso, a criança de três ou quatro anos começa a querer imitar em seus desenhos a escrita do adulto, inventando símbolos e produzindo linhas serradas. Quando começa a aprender a escrever, palavras e desenhos se confundem, característica também explorada por artistas, como Paul Klee (Figura 2) e Miró. Figura 2 – Escrita e desenho Fonte: KLEE, P. Estação L 112. 1923. Aquarela sobre papel. Nesse ponto, vale lembrar que a escrita, iniciada com os hieróglifos, nasceu do desenho (ANDRADE, 1975), firmando que o ato de desenhar é linguagem. 7.2.1 Garatujas É uma das fases mais importantes de expressão, movimento e exploração e, ainda assim, muitas vezes não é valorizada por alguns pais e professores, que reclamam que a criança ainda não sabe desenhar. No entanto, esse é o início da descoberta da linguagem gráfica e caracteriza-se pelos rabiscos, chamados também de garatujas. Essa fase se caracteriza pelas descobertas ao segurar um lápis e deixar marcas no papel, como se o lápis fosse uma continuação do próprio dedo. Assim também como qualquer Artes Visuais: desenho 116 outro instrumento que possa ser explorado para marcar – giz, gravetos na areia, dedos no vidro embaçado, entre outros – em um processo que envolve o corpo todo interagindo com outros materiais (DERDYK, 2015). Figura 3 - Garatujas So rin V id is /S hu tt er st oc k De acordo com Derdyk (2015), as primeiras garatujas podem ser rabiscos aleatórios e desordenados, em várias direções, às vezes saindo do suporte, em gestual amplo ou não. O suporte pode ser utilizado por inteiro ou só em partes, e os rabiscos podem se sobrepor em camadas. Nessa fase, é importante oferecer espaço e material adequado para que a criança possa explorar à vontade. É importante perceber que “a criança rabisca pelo prazer de rabiscar, de gesticular, de se afirmar. O grafismo que daí surge é essencialmente motor, orgânico, biológico, rítmico. Quando o lápis escorrega pelo papel, as linhas surgem. Quando a mão para, as linhas não acontecem. Aparecem, desaparecem” (DERDYK, 2015, p. 63). Aos poucos, as garatujas vão se transformando e começam a surgir os círculos e as espirais, e a criança começa a nomear algumas formas que desenha, como bichos e familiares (MOREIRA, 2005). O limite do suporte começa também a ser respeitado. Cabe ao educador, então, proporcionar todas as possibilidades de movimento nessa fase, permitindo desenhar nas mais variadas posições, pois cada uma favorecerá um resultado diferente da relação desenho e corpo: desenhar em pé (Figura 4), deitado, sentado no chão etc. Os materiais mais adequados para facilitar este processo são os papéis de grande formato, que possam ser presos nas paredes, esticados no chão ou nas mesas, além do giz de cera de estaca. Grafismo infantil e desenho estereotipado 117 Figura 4 – Garatujas na parede Ka ya M e/ Sh ut te rs to ck Permitindo essas variações de experimentação, a criança aprende a explorar os movimentos do próprio corpo relacionados à sua expressão gráfica e aos materiais que utiliza, descobrindo a melhor maneira de manipular instrumentos e de deixar marcas com eles. 7.2.2 Novas formas Por volta dos 4 anos de idade, a criança ainda produz garatujas, mas começam a surgir novas formas e muitas histórias em torno do desenho. Começa também o interesse em escrever igual ao adulto, então muitas crianças desenham linhas serradas, como se fossem palavras, assim como pequenos símbolos repetidos ou sequenciados, geralmente acompanhados de uma expressão oral. Quando se inicia o processo de alfabetização, deve-se estar atento para que o desenho continue sendo uma forma de expressão, sem perder o caráter lúdico. A aquisição da escrita não deve substituir o ato de desenhar. Figura 5 – Primeiros traços figurativos s_ ol eg /S hu tt er st oc k Artes Visuais: desenho 118 Até aproximadamente os 6 anos de idade, a criança desenha o que conhece, não o que está observando. É a sua memória afetiva que seleciona as partes do objeto a ser retratado. Por isso, muitas vezes a representação da figura humana só possui cabeça e pernas (VIGOTSKI, 2014). É neste período que começa efetivamente o perigo da cópia, do desenho estereotipado, que veremos mais adiante. Ao fazer somente desenhos estereotipados, a criança deixa de criar e de estimular sua espontaneidade e criatividade, apenas reproduzindo as fórmulas prontas. Por isso, é importante estimular a criação e a imaginação, sem oferecer modelos para a criança copiar ou pintar. A partir dos 6 anos, os desenhos começam a mostrar o interesse da criança nas medidas e tamanhos do que é representado organizando os elementos. As formas que antes eram mais aleatórias, agora surgem organizadas nas figuras: casas, animais, carros, etc. É comum a representação da figura humana, sua família, seu mundo. Aos poucos, os detalhes vão surgindo nas representações, que se tornam cada vez mais elaboradas. O uso da cor adquire maior importância e, muitas vezes, há a preocupação de representá-la tal qual a realidade. Os desenhos em raio-x ou em transparência também são comuns, pois o importante é representar, não importa o ângulo da visão ou se há algo na frente. Nesse caso, alguns desenhos mostram o tronco do corpo dentro das roupas ou as pernas que estão dentro das calças (VIGOTSKI, 2014). Por volta dos 11 anos, as representações gráficas já podem demonstrar a noção de perspectiva, de luz e sombra e de tridimensionalidade (Figura 6). A partir dessa fase, pode haver uma grande ruptura no interesse de desenhar. st re ka lo va /S hu tt er st oc k Figura 6 – Noção de perspectiva Grafismo infantil e desenho estereotipado 119 Segundo Vigotski (2014), para o adolescente não basta representar a partir da imaginação, é preciso que a proposta artística seja acompanhada da técnica, dos materiais e da orientação específica em desenho. Vigotski (2014) destaca ainda a importância de abordar o desenho a partir de técnicas mais elaboradas, como a gravura, para que o ato de desenhar não remeta diretamente aos desenhos infantis. Portanto, para manter o interesse do adolescente no ato de desenhar, devem ser abordadas as produções profissionais em outras técnicas, como o nanquim, o carvão, entre outras. 7.3 Estereotipia Para entender a importância do termo estereotipia na educação, é preciso saber de onde ele surgiu. De acordo com a definição do dicionário, estereotipia, no que se refere às artes gráficas, apresenta os seguintes significados (ESTEREOTIPIA, 2019): “1 Arte ou processo de reproduzir em chapa ou clichê único, fundido a partir de um molde, páginas que inicialmente foram compostas em caracteres ou tipos móveis. 2 Chapa obtida por esse processo; clichê, estéreo, estereótipo, matriz. 3 Lugar onde se efetua esse tipo de impressão”. Portanto, a estereotipia refere-se a uma forma de impressão muito usada na tiragem de jornais e outras impressões de alta velocidade, a partir de um molde, uma forma. Durante algum tempo da história da educação, os professores aprendiam a reproduzir desenhos de formas fáceis a partir de moldes, para que seus alunos pudessem colorir. Não havia espaço para criação, bastava copiar ou colorir, muitas vezes com as cores já pré- determinadas por números (Figura 7). Por motivos de praticidade, rapidez, exigências, inseguranças para desenhar, entre outros, isso se tornou uma prática comum,ainda que nociva, nas salas da aula (IAVELBERG, 2013). E como afirma Derdyk (2015, p. 108), “todo ensino que se baseia em cópia não é ensino inteligente”. Vídeo Artes Visuais: desenho 120 Figura 7 – Desenho numerado para colorir Vi kt or iia K us te nk o/ Sh ut te rs to ck A partir do princípio da forma e do molde, a palavra estereotipia passou a ser utilizada na educação para designar esses desenhos de formas comuns (casa, barco, nuvem, ilha, sol etc., como na Figura 8), facilmente repetidos pelas crianças. SU N -F LO W ER /S hu tt er st oc k Figura 8 – Desenho estereotipado Grafismo infantil e desenho estereotipado 121 Segundo Iavelberg (2013, p. 7), “o desenho estereotipado, aquele que se repete sem transformações, é fruto de estagnação da criança em uma fórmula que lhe dá segurança. Indica falta de processo criativo e pode surgir na educação infantil”. Portanto, quando a criança reproduz o desenho estereotipado, de formas repetidas, deixa de fazer uso do seu potencial criativo, mantendo-o em repouso e estagnando suas possibilidades de crescer. Devemos nos manter muito atentos quanto a essa questão, pois ainda há uma grande tendência das escolas em reproduzir desenhos prontos para colorir, principalmente por ocasião de datas comemorativas. Os profissionais da arte podem e devem, a partir das fundamentações teóricas (abordadas aqui, inclusive), modificar aos poucos esse cenário. Isso pode ser feito a partir da sugestão de novas práticas, como cada criança produzir seu próprio desenho a respeito dos temas escolares. Para Derdyk (2015, p. 113), “o desenho mobiliza tanto a aquisição técnica e operacional (que se refere ao manejo de instrumentos e materiais) quanto a aquisição intelectual (produto da imaginação)”. Sendo assim, o ato de copiar não explora as possibilidades de desenvolvimento por meio do desenho. A utilização do desenho no ambiente escolar deve servir como expressão criativa e não como um recurso para fins utilitários, para simples exercício de coordenação motora. O ato de desenhar tem sua importância como linguagem expressiva e, por isso, deve ser valorizado como tal, caminhando junto ao desenvolvimento da criatividade e da imaginação. 7.4 Desestereotipização É muito importante que o professor atue de forma atenciosa e sem expor a criança que necessita desprender-se da estereotipia. Jamais fazer críticas negativas ou comentário depreciativo sobre qualquer produção. A conduta adequada é indicar e sugerir novos caminhos e desafios para que, aos poucos, a criança se liberte das formas prontas. Não há fórmulas para sair do vício da estereotipia, até porque cada indivíduo possui particularidades e razões próprias para agir dessa maneira. No entanto, o professor pode tentar diversas opções, a começar por uma abordagem sutil da questão, valorizando o potencial para o desenho e aumentando a autoestima. Sobre a prática do desenho, Iavelberg (2013, p. 7) sugere que “em geral é preciso criar intervenções didáticas, como as de sugerir meios e suportes diferentes, oferecer imagens da arte para a criança trabalhar a partir delas ou vincular seus desenhos às suas experiências”. Apresentar sempre imagens de qualidade deve ser uma prática frequente do professor de artes, explorando obras que contextualizem o conteúdo a ser desenvolvido. A Vídeo Artes Visuais: desenho 122 partir dessas imagens, o professor pode propor uma leitura de acordo com a faixa etária, destacando como o artista desenhou certo objeto e seus contornos, entre outras abordagens. De qualquer forma, é preciso diferenciar as estereotipias do desejo de imitação, pois crianças imitam quase o tempo todo e podem querer imitar o desenho umas das outras. Nesse caso, o professor pode sempre destacar que mesmo que desenhem os mesmos motivos, eles serão diferentes porque cada um tem um jeito especial para desenhar. A imitação pode estimular, mas a cópia oprime. Nesse sentido, a vontade de imitar deve ser utilizada a favor do aprendizado, pois uma criança pode estimular a outra e provocar o avanço de suas potencialidades. Articular grupos para trabalhar em conjunto, valorizando as habilidades de cada um e propondo uma troca de aprendizado, é uma proposta enriquecedora para a turma. Além disso, propor desenhos de observação é uma das opções para fugir das estereotipias e até das imitações, dependendo da faixa etária e da abordagem. A observação de um ponto será sempre diferente de outro. Se as crianças só desenham nuvens estereotipadas, é interessante que a turma possa observar os diferentes formatos das nuvens no céu ou em obras de arte de diferentes estilos para ver como os artistas representaram as nuvens. Dessa forma, amplia-se o repertório de imagens e cria-se a possibilidade de novas formas de representação, a partir das soluções inspiradas em outros artistas. Na aula de Arte Algumas questões devem ser sempre consideradas pelo professor de arte, em benefício de um melhor aproveitamento das aulas: • Todas as aulas de artes podem apresentar uma contextualização histórica (sempre há artistas ou obras de arte que se relacionam com o conteúdo a ser trabalhado), para que a turma possa apreciar e motivar--se para as atividades. Dessa forma, foge- se dos desenhos malfeitos ou estereotipados. Se houver necessidade de apresentar uma figura, verifique a possibilidade de mostrar o modelo em si ou pedir que alguém reproduza seu desenho para mostrar para a turma. • Por uma questão de organização escolar, talvez seja mais adequado orientar que cada um nomeie seu suporte de trabalho antes de iniciar a atividade, para que não ocorram incidentes de perder, caso esqueça-se de nomear depois (o que geralmente acontece). O ideal é escrever nome e data na parte de trás do suporte, para não interferir no espaço da produção nem correr o risco de ser escondido com uma camada de desenho. Essa prática pode se tornar um hábito da aula, de forma que a turma Grafismo infantil e desenho estereotipado 123 automaticamente faça isso antes de começar suas atividades. Para quem ainda não escreve o nome, o suporte já deve chegar às mãos com nome e data. Ao final da produção, quem quiser pode assinar seu trabalho, a partir da orientação de como proceder. Para isso, apresente a assinatura de artistas em suas obras, de forma criativa ou discreta, em um dos cantos do suporte, com o ano. • A produção de um portfólio é um recurso muito rico de aprendizagem, observação do processo e avaliação. O ideal é que cada um construa o seu, de forma criativa. Pode ser uma pasta, uma caixa ou um envelope feito de papel kraft, onde possam ser guardados em sequência os trabalhos produzidos. Se o professor tiver um portfólio próprio, pode apresentá-lo para a turma, de forma que os incentive a guardar também suas produções. Garatujas e outros desenhos O desenho na areia trabalha diversas habilidades, permitindo uma experimentação diferente do papel e lápis, e pode ser realizado em diferentes idades e com abordagens variadas. Bandejas de isopor, caixas, tabuleiros, bacias, pratos descartáveis, lona plástica no chão e outros materiais podem servir para condicionar a areia, caso não seja possível realizar a atividade ao ar livre, conforme figura a seguir. Sy ch ov S er hi i/ Sh ut te rs to ck Lembre-se sempre que desenhar é uma atividade lúdica em todas as idades. Por isso, oriente na exploração da textura, passando a mão, segurando a areia, deixando-a escorrer entre os dedos, fazendo montinhos. Em seguida, passe para a produção de linhas, formas e desenhos, com a mão toda, com um dedo, com vários dedos etc. Como Artes Visuais: desenho 124 o resultado dessa atividade não é permanente, os desenhos produzidos na areia podem ser fotografados para registro. Considerações finais Conhecer o processo de desenvolvimento do grafismo infantil, suas características principais e demais implicações permite estimular a criança e manter a continuidade da suaexpressão criativa, sem rompimentos durante seu crescimento. Um dos maiores desafios para o ensino da arte é a continuidade do interesse pela expressão por meio do desenho, sem que ele se perca ao longo dos anos escolares. O educador em arte deve buscar e registrar a sua pesquisa por soluções que envolvam essa questão, começando com a experimentação do trabalho em arte com adolescentes, visando uma abordagem mais aprofundada a respeito de técnicas e profissões que envolvem a produção artística. Como expõe Vigotski (2014, p. 112), “a formação de uma personalidade criativa, projetada para o futuro, prepara-se através da imaginação criativa materializada no presente”. A escola deve, portanto, ser responsável por estimular a criatividade dessas mentes, e a arte é um caminho eficiente para facilitar esse processo. Ampliando seus conhecimentos • MOÇO, A. O percurso do desenho livre de estereótipos. Nova Escola, 1º mar. 2011. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1051/o-percurso-do- desenho-livre-de-estereotipos. Acesso em: 25 jul. 2019. Essa reportagem explica o que é desenho estereotipado, destacando o porquê de algumas crianças o utilizarem. Sugere ainda uma série de soluções encontradas por uma professora para estimular a turma a criar suas próprias interpretações gráficas. • GURGEL, T. O desenho e o desenvolvimento das crianças. Nova Escola, 1º dez. 2009. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/121/o-desenho-e-o- desenvolvimento-das-criancas. Acesso em: 25 jul. 2019. Nesse artigo sobre a importância do desenho para a infância, são apresentados alguns desenhos infantis acompanhados dos comentários das crianças sobre eles. Grafismo infantil e desenho estereotipado 125 Atividades 1. Explique o que é desenho estereotipado. 2. Que nome se dá às primeiras expressões gráficas produzidas por crianças de aproximadamente 2 anos? Como são caracterizadas essas produções? 3. Que atitudes o professor pode ter para que um aluno deixe de reproduzir desenhos estereotipados? Referências ANDRADE, M. de. Do desenho. In: ANDRADE, M. de. Aspectos das artes plásticas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Martins, 1975. ARTIGAS, V. O desenho. Texto da aula inaugural pronunciada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 1 de março de 1967. Reedição da publicação do Centro de Estudos Brasileiros do Grêmio da FAU-USP, 1975. DERDYK, E. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. Porto Alegre: Zouk, 2015. ESTEREOTIPIA. In: MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2019. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/ busca?r=0&f=0&t=0&palavra=estereotipia. Acesso em: 25 jul. 2019. HOLM, A. M. Fazer e pensar arte. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2005. IAVELBERG, R. Desenho na Educação Infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013. MEREDIEU, F. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006. MOREIRA, A. A. A. O espaço do desenho: a educação do educador. São Paulo: Loyola, 2005. (Coleção Espaço) VIGOTSKI. L. S. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. Ler uma imagem significa dar-lhe o tempo que ela precisa para começar a falar conosco. (SANTAELLA, 2012, p. 178) Leitura de imagens Na página anterior: Adaptado de chuhastock/Stockphoto Leitura de imagens 129 Frequentemente ouvimos a afirmativa de que o mundo está cada vez mais visual. Berger (2006) destaca que, em nenhuma outra sociedade, o apelo visual foi tão grande como na atualidade, com grande carga de mensagens visuais que nos circundam por todos os lados. Se estamos cada vez mais nos tornando maiores consumidores e produtores de imagens, é preciso começar a compreendê-las e saber o que elas querem nos dizer e o que queremos dizer por meio delas. Para que essa comunicação seja efetiva, devemos nos alfabetizar, a fim de poder entender a linguagem das imagens. E como todo processo de alfabetização segue um passo a passo, vamos primeiro entender o que é imagem para, depois, conhecer alguns modos de ver essas imagens. A partir desse processo, iniciaremos a educação do nosso olhar diante das tantas imagens que nos são expostas diariamente. 8.1 O que é imagem? No nosso cotidiano, a todo momento estamos sendo bombardeados por imagens, as quais visualizamos em diferentes meios: outdoors, embalagens, redes sociais, televisão, tablets, livros etc. Recebemos e respondemos mensagens por meio de imagens. Mas o que é uma imagem? O que uma imagem pode nos dizer? Segundo Santaella (2012, p. 11), uma das definições mais antigas de imagem encontra-se no livro VI da obra A república, de Platão. Para esse filósofo, imagens, em primeiro lugar, são as sombras, depois os reflexos que vemos na água ou na superfície de corpos opacos, polidos, brilhantes, e todas as representações desse gênero. Definir imagem não é simples. Podemos procurar o significado da palavra nos dicionários e veremos o quão vastas são suas definições, por abranger diferentes campos (religião, música, ótica, literatura, simbolismo, psicologia etc.). Por isso, vamos nos guiar pela definição de Santaella (2012), que sugere imagem como um campo de observação e seus limites, como uma moldura. Mesmo considerando apenas a questão visual, a autora destaca vários domínios da imagem, que podem ser: 1. Domínio das imagens mentais, imaginadas, oníricas. São as imagens criadas pela liberdade da imaginação. 2. Domínio das imagens diretamente perceptíveis. São as que vemos na nossa realidade. 3. Domínio das imagens como representações visuais. São as representações bidimensionais, tais como desenho (Figura 1), pintura, gravura, fotografia (Figura 2) etc., além das representações cinematográficas, televisivas, computacionais. Vídeo Artes Visuais: desenho 130 Fonte: Atribuído a COROT, C. Gessate na província de Milão. 1834. Lápis em papel de seda branco: 20,7 x 24,8 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. Figura 1 – Representação bidimensional: desenho Além desses domínios, Santaella (2012) destaca que alguns autores ainda consideram o domínio das imagens verbais e o das imagens óticas (espelhos, reflexos etc). Como estamos discutindo a questão da imagem no campo da arte, nos limitaremos às representações visuais. Figura 2 - Representação visual: fotografia Fonte: PERSCHEID, N. O ceifeiro. 1901. Fotografia: 43.2 x 55.8 cm. Staatliche Kunstsammlungen Dresden, Dresden. As imagens podem ser fixas (congeladas) ou em movimento (geradas por uma sequência de imagens em determinado tempo, como no cinema ou em uma animação). A Figura 3, a seguir, mostra a sequência de doze fotos de um cavalo em movimento produzida por E. Muybridge, em 1878, período inicial das pesquisas sobre a fotografia e a Leitura de imagens 131 imagem em movimento. Quando essa sequência é mostrada em animação, mostra o cavalo galopando. Figura 3 – Sequência de fotos de cavalo em movimento Fonte: MUYBRIDGE, E. O cavalo em movimento. 1878. Série de fotografias. De acordo com Santaella (2012, p. 14), “as imagens são chamadas de ‘representações’ porque são criadas e produzidas pelos seres humanos nas sociedades em que vivem”. Berger (2006), por sua vez, destaca que uma imagem é uma visão que foi recriada ou reproduzida para evocar a aparência de algo ausente, visto por um indivíduo (que a recriou), ou seja, a imagem carrega também em si a visão daquele que a produziu. 8.2 Modos de ver O poder do sentido da visão é muito grande e, por ser tão natural, muitas vezes não lembramos que é a visão que nos permite perceber cores, luzes e sombras de forma muito rápida. Ainda assim, apenas utilizar a visão para enxergar uma imagem não significa que estamos nos comunicando com ela, ou seja, não estamos fazendo efetivamente uma leitura para que ela nos transmita uma mensagem. Para que isso aconteça, é preciso passar por um processo de alfabetização visual, pois, como aponta Dondis (2003, p. 137), “ver é um fato natural do organismo humano;a percepção é um processo de capacitação”. Devemos então nos capacitar para perceber as imagens que recebemos e produzimos. Assim como aprendemos a linguagem escrita, devemos aprender a linguagem visual. Da mesma forma que, para aprender a escrever, começamos pela escrita das letras, para depois juntar seus sons e, finalmente, começar a ler uma palavra, na alfabetização visual devemos primeiro conhecer os elementos envolvidos em uma imagem para depois compreender o que mais ela pode nos transmitir como mensagem (DONDIS, 2003). Vídeo Artes Visuais: desenho 132 Segundo Sardelich (2006), a preocupação com o aprendizado de uma linguagem visual decorre do aumento frenético de apelos visuais aos quais estamos expostos diariamente. Desde 1970, o termo leitura de imagens começou a ser usado por profissionais das artes e da comunicação, tendo como inspiração o livro de Rudolf Arnheim, Arte e percepção visual, de 1957, em que o autor identifica elementos visuais de uma composição. Em 1973, a desenhista Donis A. Dondis também escreveu um livro, chamado Sintaxe da linguagem visual, voltado para todos os interessados nas linguagens visuais, não somente artistas e profissionais da área artística. Dondis elenca alguns elementos visuais (assim como Arnheim) que podemos identificar em uma composição: o ponto, a unidade visual mínima, o indicador e marcador de espaço; a linha, o articulador fluido e incansável da forma, seja na soltura vacilante do esboço seja na rigidez de um projeto técnico; a forma, as formas básicas, o círculo, o quadrado, o triângulo e todas as suas infinitas variações, combinações, permutações de planos e dimensões; a direção, o impulso de movimento que incorpora e reflete o caráter das formas básicas, circulares, diagonais, perpendiculares; o tom, a presença ou a ausência de luz, através da qual enxergamos; a cor, a contraparte do tom com o acréscimo do componente cromático, o elemento visual mais expressivo e emocional; a textura, óptica ou tátil, o caráter de superfície dos materiais visuais; a escala ou proporção, a medida e o tamanho relativos; a dimensão e o movimento, ambos implícitos e expressos com a mesma frequência. (DONDIS, 2003, p. 23) Esses elementos influenciam uns aos outros e também a nossa forma de enxergar uma imagem. É a combinação deles que nos transmite sensações diversas, de acordo com a maneira como são trabalhados na imagem. Sobre as possibilidades de manipular ou enxergar os elementos visuais, Dondis (2003) destaca duas técnicas opostas entre si: o contraste e a harmonia, considerando a primeira como a mais dinâmica, mas enfatizando que todas as maneiras devem ser exploradas em busca da melhor forma de transmitir a mensagem desejada (veja o Quadro 1, a seguir). Quadro 1 – Técnica: contraste x harmonia Contraste Harmonia instabilidade equilíbrio assimetria simetria irregularidade regularidade complexidade simplicidade fragmentação unidade profusão economia exagero minimização espontaneidade previsibilidade atividade estase (Continua) Leitura de imagens 133 Contraste Harmonia ousadia sutileza ênfase neutralidade transparência opacidade variação estabilidade distorção exatidão profundidade planura justaposição singularidade acaso sequencialidade agudeza difusão episodicidade repetição Fonte: Dondis, 2003, p. 24. A partir da observação de uma imagem, dos elementos visuais básicos (ponto, linha, cor etc.) nela representados e da forma como eles se dispõem (de acordo com as técnicas descritas em contraste ou harmonia), dá-se início à alfabetização visual. Aos poucos, será possível compreender os códigos dessa linguagem, descobrindo as influências que a imagem exerce sobre nós, pois, como aponta Berger (2006), todos os elementos se apresentam de uma vez para nós, e precisamos de tempo para perceber cada um. 8.3 Educando o olhar Como toda forma de leitura, quanto mais praticarmos, mais estaremos aptos a perceber as mensagens transmitidas pelas imagens sobre as quais lançamos nosso olhar. Esse exercício, que envolve ver e ler, consiste em conhecer os elementos de uma composição e perceber a relação entre eles, elaborando a mensagem da obra. Como estudiosos e educadores em arte, nossa tarefa é aprofundar os conhecimentos teóricos que nos permitirão ler de forma cada vez mais adequada. Entretanto, como acontece em toda interpretação de texto, nossa bagagem pessoal de conhecimentos culturais, históricos, sociais, entre outros influencia a forma como observamos e recebemos as mensagens (BERGER, 2006). Para educar o olhar para a leitura de imagens, sugerimos um roteiro para facilitar especialmente o início desse processo, até que se torne natural, para que a leitura seja fluida e a interpretação ocorra mais facilmente. O primeiro passo rumo a uma adequada leitura visual é a contemplação apenas. Como destaca a citação no início deste capítulo, precisamos dar o tempo necessário para a imagem se comunicar conosco. Esse momento pede o silêncio e a concentração para aguçar nossos sentidos e permitir a comunicação, deixando apenas os olhos Vídeo Artes Visuais: desenho 134 passearem pela imagem. Portanto, faça o exercício de contemplar, por alguns minutos, a obra apresentada na Figura 4, a seguir. Figura 4 – Leitura da imagem1 Após a contemplação inicial, podemos começar a utilizar outras informações sobre a imagem para desenvolver o diálogo com ela. O primeiro questionamento que se pode fazer é se cabe classificar em algum gênero de representação, como retrato, paisagem, representação histórica, natureza morta etc. A identificação do motivo principal representado e demais elementos é o que define o gênero. Entretanto, a imagem pode apresentar uma representação abstrata, que já a situa como produzida a partir do século XX, respondendo à questão que veremos a seguir. Mas, antes de continuar, que gênero você vê representado na figura? O período histórico em que a imagem foi produzida é outra questão a ser respondida pela observação. Com base na resposta, é possível organizar o pensamento nesse período e 1 Fonte da imagem: KLEE, P. Máquina de tuitar. Paul 1922. Guache, tinta e aquarela sobre papel: 63,8 x 48,1 cm. Museu de Arte Moderna (MoMA), Nova Iorque. Leitura de imagens 135 resgatar o que cada um possui de conhecimento a respeito, para saber se é uma produção contemporânea, antiga, rupestre etc., situando-a em seu contexto. Quando pensamos no período em que uma imagem foi produzida, podemos nos lembrar dos principais fatos históricos ocorridos no país e no mundo, incluindo as principais descobertas e o modo de viver de cada época. Mais especificamente, aproveitamos para destacar o período artístico e os principais artistas desse momento. Então, agora responda: em que período histórico a imagem anterior pode ter sido produzida? Que movimento artístico representa? Se você não consegue perceber apenas com a observação, passe para a próxima questão, pois ela pode ajudar a definir o período. As técnicas e os materiais utilizados na imagem dizem muito sobre o período de sua produção, pois os recursos foram surgindo e evoluindo com o passar dos anos. O lápis, por exemplo, só começou a ser utilizado como técnica de desenho por volta do século XVII; a fotografia, por sua vez, é uma criação do século XIX, e a história da gravura está ligada ao surgimento da imprensa. Dessa forma, identificar técnicas e materiais situa a produção da imagem em um período histórico específico. Claro que, muitas vezes, só observando não conseguimos definir exatamente o que foi utilizado para produzir uma obra, mas, se for possível, a legenda fornece muitas informações. Ainda assim, antes de recorrer à legenda, o melhor seria conversar apenas com a imagem, sem interferências. É só depois desse momento inicial de conhecimento que devemos buscar outras informações. Você consegue, apenas observando, definir a técnica utilizada na produção da imagem anterior? A partir dos conteúdos já estudadosa respeito dos elementos visuais de uma composição, podemos tentar identificar cada um deles na imagem e as relações que estabelecem entre si. Depois de respondidas as questões anteriores, podemos acrescentar alguns pontos principais sobre a imagem apresentada. A contemplação dessa obra pode causar certo desconforto para uns e sonoridade para outros, remetendo ao canto do pássaro cuco (já sabendo que o autor é suíço, região típica desse pássaro). Isso porque a imagem representa uma engrenagem, como as de um relógio, um relógio-cuco. Essas figuras também podem ser comparadas a marionetes de uma máquina, dando um caráter criativo e divertido para a cena (KLEE, 2011). O objetivo da apreciação e do passeio do olhar é justamente evocar percepções particulares a partir das experiências pessoais. Nesse ponto, concentra-se todo o objetivo de quem produz uma imagem: causar sensações no espectador. Faz parte do alfabetismo visual estar aberto a essa experiência. Artes Visuais: desenho 136 Na imagem, podemos identificar algumas figuras sugerindo pássaros, mas, como não é uma representação figurativa formal, situamos como uma produção a partir do século XX, mais precisamente do início do século, durante as vanguardas artísticas, no período entre as guerras. Esse é o período também de grande atuação da escola de design Bauhaus, da qual o autor da obra, Paul Klee, foi professor. O desenho foi produzido a partir da técnica de impressão, como se pode perceber pelas manchas de mesma cor da tinta dos traços. O fundo é uma aguada em violeta ao redor e azul no centro. Os traços formam figuras simples, com a representação de um plano retangular na parte inferior, como se fosse a base da engrenagem. O foco está no desenho de pássaros empoleirados em um fio ligado a uma manivela (caixa de música), com bicos abertos a gorjear. Suas formas, porém, só se assemelham a pássaros pelo bico e não pelo resto do corpo. O segundo pássaro à direita, por exemplo, é representado por uma espiral. O desenho estático parece que produzirá som, energia e movimento (KLEE, 2011). O tuitar refere-se aos pássaros, enquanto a máquina é representada pela manivela, sugerindo a fusão do natural com o mundo industrial. Klee representava, em seus trabalhos, características musicais, teatrais e infantis, com grande habilidade técnica no desenho e no uso da cor. Para a interpretação da obra de Klee, baseamo-nos na própria percepção do que a imagem transmite de sensação (portanto, particular) e unimos os conhecimentos a respeito dos elementos formais e das técnicas, dos conteúdos históricos e das críticas de arte elaboradas por profissionais de instituições reconhecidas. Dessa forma, podemos dizer que utilizamos diversas ferramentas para conhecer melhor não só uma imagem, mas também aquele que a produziu. Na aula de Arte Para iniciar um processo de aprendizado da alfabetização visual, é possível propor a leitura de uma imagem e explorar essa possibilidade. Pode-se, também, abordar alguns aspectos de forma mais fragmentada, para que cada um dos alunos perceba esses elementos individualmente. Para isso, você pode apresentar diferentes imagens embaralhadas (sem as informações anexas, como legendas), produzidas em períodos variados, e solicitar que tentem organizá-las em uma ordem cronológica. Converse a respeito do raciocínio que fizeram para justificar suas escolhas e acrescente outras informações para enriquecer o conteúdo. A partir das mesmas imagens (ou outras), solicite que classifiquem em gêneros de representação (retrato, paisagem, representação Leitura de imagens 137 histórica, natureza morta etc.) cada uma das produções, justificando suas escolhas. Como continuidade, a turma deve verificar quais imagens são figurativas ou abstratas. Em seguida, acrescente, aos poucos, outros elementos visuais que possam ser identificados: pontos, linhas, formas geométricas, formas orgânicas, classificação de cores, texturas óptica ou tátil, ritmo, simetria e assimetria, luz e sombra etc. Cada um desses conceitos deve ter sido estudado previamente, para que, nesse momento, possam ser explorados na prática. Dessa forma, a turma pode perceber como iniciar uma leitura de imagem por meio dos elementos formais. Selecione uma imagem para que todos possam fazer a leitura desde o momento de contemplação. Destaque a importância dessa etapa enquanto interpretação pessoal. Solicite que escrevam individualmente suas interpretações, utilizando todo o conhecimento formal e informal de cada um. Lembre-se de que toda interpretação é pessoal, mesmo tendo como base o conhecimento de elementos formais. Para que a atividade se torne mais rica, após a escrita individual, promova uma discussão sobre a análise, incentivando que cada um contribua verbalmente. Conclua a atividade acrescentando outras informações para enriquecer a discussão. Considerações finais Em determinado momento de seu livro, Dondis questiona: “Quantos de nós veem?” (DONDIS, 2003, p. 5). Estendendo essa questão para uma reflexão mais pessoal: será que estamos realmente vendo as imagens ao nosso redor? Com base no conteúdo apresentado neste capítulo, conscientes da necessidade de criar um hábito de leitura de imagens para realmente aprender a ver e a ler, devemos ter sempre em mente todos os aspectos que envolvem a produção de uma imagem. Dessa forma, estaremos nos comunicando com as imagens, percebendo muito do que ela tem para nos dizer. Ampliando seus conhecimentos • Coleção Mestres das Artes no Brasil. Editora Moderna. Disponível em: https:// www.moderna.com.br/main.jsp?lumPageId=4028818B2E3AAEB2012E49C C E C E 9 2 E 5 8 & Id C o l e c a o C at a l o g o = 9 F 5 5 D 0 0 2 0 A DA 4 4 4 1 A A 6 5 D 1 AA12B1DBAA. Acesso em: 26 jul. 2019. Artes Visuais: desenho 138 Essa coleção reúne diversos livros, apropriados para o uso escolar, sobre a história e a produção de artistas que desenvolveram grande parte de seus trabalhos no Brasil, como Tarsila do Amaral, Volpi, Di Cavalcanti, entre outros. No link indicado, é possível acessar um material pedagógico para professores, em formato PDF, com propostas de leitura de imagens. • COMO FAZER análise visual (formal) na história da arte. Publicado por Smarthistory, 18 set. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=sM2MOyonDsY&t=67s. Acesso em: 26 jul. 2019. Esse vídeo apresenta uma análise dos elementos visuais formais da obra Madonna do prado, de Giovanni Bellini, destacando-os na imagem de forma bem didática e visualmente atrativa. Caso não apareça a legenda, basta selecionar a opção legenda: português. Atividades 1. Explique o que podemos chamar de imagem. 2. O que é alfabetismo visual? 3. De acordo com seus conhecimentos gerais e específicos, observe atentamente a imagem a seguir e descreva a leitura que você fez dela. Fonte: JORDAENS, J. Estudo de uma jovem garota bebendo em um copo. ca. 1640-45. Giz preto, vermelho e branco em papel castanho claro: 18,6 x 15 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque. https://www.youtube.com/watch?v=sM2MOyonDsY&t=67s https://www.youtube.com/watch?v=sM2MOyonDsY&t=67s Leitura de imagens 139 Referências BERGER, J. Modos de ver. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2006. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. KLEE, Twittering Machine. Publicado por Smarthistory, 8 out. 2011. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=M7yd8F3eay4. Acesso em: 26 jul. 2019. SANTAELLA, L. Leitura de imagens. São Paulo: Melhoramentos, 2012. SARDELICH, M. E. Leitura de imagens, cultura visual e prática educativa. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 128, p. 451-472, maio/ago. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/ v36n128a09.pdf. Acesso em: 26 jul. 2019. http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a09.pdf http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a09.pdf Gabarito 1. Introdução ao estudo do desenho 1. Pode ser classificada como uma paisagem,que é a modalidade em que se representa uma cena da natureza ou um ambiente que pode ser rural, urbano ou marinho. 2. a) Abstrata, pois não apresenta figuras e objetos reconhecíveis da nossa realidade. b) Figurativa, pois representa uma imagem com elementos reconhecíveis na realidade, como figuras humanas e casas. 3. Para a modalidade de desenho de modelo vivo é que se faz importante o desenho da figura humana a partir da observação e do estudo de uma pessoa, considerando as áreas de tensão da musculatura de acordo com a pose a ser retratada. 2. Fundamentos do desenho 1. O desenho bidimensional apresenta apenas comprimento e largura, sem profundidade, e é constituído por pontos, linhas e/ou planos sobre uma superfície. O desenho tridimensional, por sua vez, considera três principais dimensões: comprimento, largura e profundidade. Utiliza-se do volume e da perspectiva para a sua representação. 2. O ponto, a linha e o plano. O ponto é considerado o elemento primário e pode ser uma marca que possui contornos e dimensões relativas. A linha é uma sequência de pontos, o elemento secundário, produto do ponto ou o ponto em movimento. O plano é formado pelo encontro de linhas que se fecham; tem comprimento e largura, mas não tem espessura; tem posição e direção, mas não tem profundidade. 3. Por meio de linhas, pontos ou texturas, trabalhando a sensação de volume. As áreas mais claras podem ser reservadas e destacar apenas a cor de fundo do papel em desenhos monocromáticos. 3. Outros conceitos sobre desenho 1. O ritmo é gerado pela direção sugerida pelos elementos visuais de um desenho figurativo ou abstrato. Podemos obter o ritmo por meio de elementos paralelos, rotacionados (em torno de um centro) ou contrastados (como linhas grossas e finas, claro e escuro etc.). 142 Artes Visuais: desenho 2. Equilíbrio é distribuir os pontos de tensão em uma composição, tornando-a agradável ao espectador. As cores, os contrastes e as formas devem ser distribuídos de forma que seus pesos sejam contrabalançados simétrica ou assimetricamente. Se o equilíbrio da composição for simétrico, identificaremos a repetição de elementos ao dividi-la em um eixo imaginário. Se for assimétrico, os elementos contrabalançarão seus pesos, mesmo sendo diferentes. 3. As texturas podem ser obtidas por meio de hachuras, ou seja, marcas gráficas produzidas em qualquer técnica de desenho, formando-se basicamente do traçado repetido de linhas horizontais, verticais, diagonais, mistas ou curvas. O espaçamento entre as linhas produz efeitos de luz e sombra. 4. Papel como suporte 1. Placa de argila: material usado pelos babilônios para a escrita cuneiforme. As marcas na argila eram feitas com objetos em formato de cunha. Tábula: placa de madeira coberta com uma camada de cera na qual se podia “escrever” com uma ferramenta pontiaguda de um lado e com formato de espátula do outro, o que permitia corrigir os erros na cera. Placas de metal: utilizadas para gravar, além de ossos de baleia, peles de animais, conchas e cascos de tartaruga. Papiro: espécie de papel produzido com o talo da planta de mesmo nome, fatiado em lâminas, que, em seguida, eram organizadas e sobrepostas. 2. As fibras vegetais devem ser batidas com água para saturarem e se separarem completamente. Em seguida, a polpa que resulta dessa mistura é filtrada em uma tela para formar uma folha de fibra emaranhada. Depois, deve ser prensada para espremer uma grande proporção de água. Por fim, o papel pode ser pendurado em varal para secar, para que o restante da água evapore. 3. Resistência: capacidade do papel de suportar a manipulação e o uso sem se alterar ou rasgar. Gramatura: peso do papel; quanto mais alta gramatura, mais pesado. Superfície: aparência do papel; que pode ser rústico, acetinado, brilhante, texturizado, rugoso, semirrugoso etc. Gabarito 143 5. Técnicas em escala de cinza 1. Para obter o efeito esfumaçado, podemos utilizar as mãos (os dedos ou a lateral da palma da mão), um pedaço de algodão, um trapo macio ou o esfuminho, e esfregar suavemente sobre a superfície desenhada, fazendo a graduação desejada. Para apagar, podemos usar borracha plástica ou a massa de limpa tipos, que é a opção mais indicada. 2. Os grafites são graduados em uma sequência que combina números e letras: mais duros (H) ou mais macios (B). Grafites mais macios, como o 8B, produzirão linhas mais expressivas e mais escuras, enquanto grafites como o 6H farão linhas mais finas e muito claras. 3. O pigmento negro de fumo possui grande capacidade de cobertura e permanência, além de não poder ser removido depois de aplicado no suporte. 6. Técnicas policromáticas 1. A partir do século XV, os artistas começaram a explorar os desenhos produzidos em carvão ou sanguínea sobre papéis coloridos, destacando os realces das figuras com giz branco. 2. Ao planejar um desenho, deve-se definir e preservar as áreas mais claras e de realce, para que a cor de fundo do papel se destaque. Como trabalhamos com tons escuros, claros e intermediários, os mais claros são definidos pela cor de fundo do papel. 3. Para pintar com canetinhas ou marcadores coloridos, o melhor jeito é produzir linhas lado a lado, sem sobrepor nem deixar espaço entre elas, para que se mesclem sem deixar muitas marcas. 7. Grafismo infantil e desenho estereotipado 1. São desenhos de formas comuns (casa, barco, nuvem, ilha, sol etc.), facilmente repetidos pelas crianças por motivos de insegurança ao desenhar, exigências de adultos, entre outros. 2. Esse tipo de expressão é denominado garatuja e se caracteriza por rabiscos aleatórios e desordenados, em várias direções, às vezes saindo do suporte, em gestual amplo ou não. O suporte pode ser utilizado por inteiro ou só em partes, e os rabiscos podem se sobrepor em camadas. 3. Valorizar o potencial do aluno para desenhar, aumentar sua autoestima, sugerir novas técnicas de desenho, suportes diferentes, apresentar obras de arte para aumentar seu repertório de imagens, entre outras. 144 Artes Visuais: desenho 8. Leitura de imagens 1. A palavra imagem possui significado amplo em variadas áreas do conhecimento. Em artes visuais, podemos considerar imagem como um campo de observação e seus limites, como as representações visuais bidimensionais (desenho, pintura, gravura, fotografia etc.) e as representações cinematográficas, televisivas e computacionais, por exemplo. 2. É o processo de aprendizagem da linguagem visual, de forma que possamos conhecer os elementos básicos que compõem uma imagem e as relações que eles estabelecem e exercem sobre nós. A partir disso, podemos observar e compreender as mensagens que uma imagem transmite. 3. Pelo aspecto da conservação do papel como suporte, do penteado e das vestimentas, pode-se dizer que é um desenho antigo, do gênero retrato. A técnica utilizada remete à conhecida combinação de giz branco e preto com sanguínea sobre papel colorido. O desenho é mais detalhado e trabalhado na figura da menina e na mão apoiada em seu ombro. O giz branco esfumaçado e em traços define as áreas de luz, a qual incide da esquerda para a direita. As mãos e alguns detalhes do rosto são produzidos por giz sanguíneo. O contorno e as áreas escuras são produzidos com linhas e hachuras em giz preto, variando a pressão e a espessura, com algumas linhas mais grossas. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6478-6 9 7 8 8 5 3 8 7 6 4 7 8 6 Código Logístico 58552 Vania Maria Andrade Artes VisuaisArtes Visuais DesenhoDesenho VAN IA M ARIA AN DR ADE ARTES VISUAIS DESEN HO artes_visuais_pintura_58549-a artes_visuais_pintura_58549-b artes_visuais_pintura_58549-c artes_visuais_pintura_58549-d artes_visuais_pintura_58549-e artes_visuais_pintura_58549-f