Prévia do material em texto
Todos os Direitos Reservados. Copyright © 1995 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Segunda edição - Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2020. Autor: Myer Pearlman Capa: Fábio Longo Conversão para ebook: Cumbuca Studio CDD: 220 - Bíblia e-ISBN: 978-65-86146-00-4 As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário. Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: https://www.cpad.com.br SAC — Serviço de Atendimento ao Cliente: 0800-021-7373 Casa Publicadora das Assembleias de Deus Av. Brasil, 34.401 - Bangu, Rio de Janeiro - RJ CEP: 21.852-002 2a edição - 2020 Índice Capa Folha de Rosto Créditos Índice 1. Jesus, Filho de Deus e Criador 2. Os Primeiros Discípulos 3. O Primeiro Milagre de Cristo 4. Jesus e Nicodemos 5. Jesus e a Mulher Samaritana 6. O Paralítico do Tanque de Betesda 7. Jesus, o Juiz que Há de Vir 8. Jesus, o Pão da Vida 9. Jesus na Festa dos Tabernáculos 10. Jesus, o Libertador 11. O Cego de Nascença 12. Jesus, o Bom Pastor 13. A Ressurreição de Lázaro 14. Jesus é Ungido por Maria 15. Jesus, o Rei dos Reis 16. Jesus, o Servo 17. Jesus nos Dá o Consolador 18. Jesus É a Videira 19. Jesus, o Intercessor 20. A Crucificação 21. Jesus, o Ressurreto 22. Jesus Dissipa as Dúvidas 23. Jesus Aparece a Sete Discípulos na Galiléia Landmarks Capa Folha de Rosto Página de Créditos Sumário Início 1 Jesus, Filho de Deus e Criador Texto: João 1.1-14 Introdução Em João 20.31, o evangelista declara o seu propósito, que é oferecer uma série de evidências que comprovem a natureza e a missão divinas de Jesus. Os primeiros 18 versículos do livro são um prefácio em que anuncia o seu tema: “Como o Filho de Deus foi manifestado ao mundo”. Este prefácio apresenta as três grandes idéias que percorrem o evangelho inteiro: 1. A revelação do Verbo, v. 1-4. 2. A rejeição do Verbo, v. 5-11. 3. A aceitação do Verbo, v. 12-14. I – A Revelação do Verbo (Jo 1.1-4) 1. Seu relacionamento com Deus. “No princípio era o Verbo”. Esta expressão nos leva de volta a Gênesis 1.1, onde se lê: “No princípio criou Deus os céus e a terra.” João nos informa que, na época da criação, o Verbo já existia: “E o Verbo estava com Deus”, existia em relacionamento com Deus, o que sugere a eterna comunhão entre o Pai e o Filho. “E o Verbo era Deus” não significa que o Verbo é o Pai, porque o Pai e o Filho, sendo um quanto à sua natureza, são, porém, distintos quanto às suas personalidades. O Verbo é da mesma natureza do Pai, ou seja, divino. A palavra do homem é o modo de ele se exprimir, de se comunicar com outras pessoas. Pela sua palavra, faz conhecidos seus pensamentos e sentimentos; pela sua palavra, dá ordens e efetua a sua vontade. A palavra que ele fala transmite o impacto do seu pensamento e caráter. Um homem pode ser conhecido de modo completo pela sua palavra, e até um cego pode conhecê-lo perfeitamente assim. Ver a pessoa não daria muitas informações quanto à sua personalidade a alguém que não a tivesse ouvido falar. A palavra da pessoa é seu caráter recebendo expressão. Da mesma forma, a “Palavra de Deus” (ou “Verbo de Deus”, expressão que a tradução bíblica em português emprega quando se trata de uma referência direta a Jesus Cristo na sua vida terrena) é sua maneira de exprimir sua inteligência, vontade e poder. Cristo é aquele Verbo, porque Deus revelou sua atividade, vontade e propósito através dele, e porque é por meio dele que Deus entra em contato com o mundo. Nós nos exprimimos por meio de palavras; o Deus eterno se exprime através de seu Filho, que é “a expressa imagem da sua pessoa” (Hb 1.3). Cristo é o Verbo de Deus porque revela Deus, demonstrando-o pessoalmente. Ele não somente traz a mensagem de Deus - Ele é, pessoalmente, a mensagem de Deus. Deus se revelara mediante a palavra dos profetas, e através de sonhos, visões e manifestações temporárias. Os homens, porém, ansiavam por uma resposta ainda mais compreensível à sua pergunta: Como é Deus? Como resposta a esta pergunta, ocorreu o evento mais estupendo da história do mundo: “E o Verbo se fez carne” (Jo 1.14). O eterno Verbo de Deus tomou sobre si a natureza humana e se fez homem, a fim de revelar o Deus eterno através de uma personalidade humana (Hb 1.1,2). Assim sendo, diante da pergunta “Como é Deus?”, o cristão responde: Deus é como Cristo, porque Cristo é o Verbo - a expressão do conceito que o próprio Deus faz de si mesmo. 2. Seu relacionamento com a criação. “Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez”. “Ele estava no princípio com Deus”, ou seja, já na época em que o Universo estava para ser criado (cf. Hb 1.2; Cl 1.16; 1 Co 8.6). A quem falou Deus em Gênesis 1.26? 3. Seu relacionamento com os homens. “Nele estava a vida”. Ele dá vida a todos os organismos vivos, e guia todas as operações da natureza. O Pai é fonte original da vida; e toda a vida está reservada nEle, como numa cisterna de armazenamento. O universo de coisas vivas veio a existir por meio do Verbo, e é sustentado pelo seu poder. A cura do paralítico (Jo 5.1-9) e a ressurreição de Lázaro são ilustrações do poder do Verbo. “E a vida era a luz dos homens”. Toda a luz que já veio aos homens mediante a consciência, a razão ou a profecia, foi irradiada pelo Verbo de Deus, mesmo antes dele entrar no mundo. II – A Rejeição do Verbo (Jo 1.5-11) 1. Rejeitado como a luz dos homens. “E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” A luz era derivada do Verbo, e pela capacidade recebida da parte dEle podiam reconhecer o que era útil à sua natureza espiritual. Mesmo assim, fecharam os olhos à Fonte da luz, como o olho doentio que rejeita a luz natural, embora aquela fosse a vida deles. A queda foi um obstáculo, na história da humanidade, ao entendimento da Palavra de Deus, porque envolveu o mundo em trevas morais e espirituais, de tal modo que os homens, criados por Deus, não podiam mais entender as instruções de seu Criador, tendo sido obscure- cidas as suas mentes pelo efeito do pecado e da ignorância. O pensamento básico do trecho é interrompido pelos versículos 6-8, que enfatizam a posição de João Batista como testemunha e refletor da luz, e não como Messias. Alguns dos seus discípulos se apegaram tanto a ele que, a despeito da advertência contida no testemunho que deu de si mesmo em João 3.25-30, teimaram em sustentar ser João Batista o Messias, e, posteriormente, formaram a seita dos mandeus, da qual existem ainda seguidores no Oriente. Voltando ao pensamento básico: “Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu”. Os homens tinham tão pouco entendimento da origem do seu ser, aprenderam tão pouco acerca da razão da sua existência, que não reconheceram seu Criador quando Ele surgiu no meio deles. A civilização romana registrou seu nascimento, lançou-o no cadastro de pessoas físicas para finalidades de impostos, mas não tomou o mínimo conhecimento dEle como sendo o próprio Deus revelado em seu meio. 2. Rejeitado como Messias de Israel. “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam”. Jesus ensinou esta verdade na parábola dos lavradores maus (Mt 21.3343). Que tragédia! A nação que aguardava a vinda do Messias, orando ardentemente por este acontecimento, cantando e profetizando acerca da sua vinda, não quis recebê-lo quando chegou! (Cf Is 53.2,3; Lc 19.14; At 7.51,52). III – A Aceitação do Verbo (Jo 1.12-14) 1. O dom da filiação. “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber: aos que crêem no seu nome”. Estes vieram a ser filhos de Deus, não por serem descendentes de Abraão (“não nasceram do sangue”), nem por geração natural (“nem da vontade da carne”), nem pelos seus próprios esforços (“nem da vontade do varão”). Sua adoção na família divina foi um dom gratuito e sobrenaturalda parte de Deus, mediante uma nova vida implantada neles pelo Espírito Santo, como será explicado adiante na entrevista de Jesus com Nicodemos, no capítulo 3. 2. A visão da glória. “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”. Literalmente: “E o Verbo foi feito carne, e ta- bernáculo entre nós”. O Filho de Deus habitou num taber- náculo (“tenda”) entre nós, o tabernáculo sendo seu próprio corpo (cf. Jo 2.19; 2 Co 5.1,4; 2 Pe 1.13,14). Assim como a glória de Deus habitava no Tabernáculo antigo, assim também, quando Cristo nasceu neste mundo, sua divina natureza habitava no seu corpo como num templo. “E vimos a sua glória” (caráter divino), não meramente a glória externa revelada na transfiguração (2Pe 1.16,17), mas, também, o esplendor do seu divino caráter. Não era uma glória refletida, como a glória de um santo, e sim a “glória do unigênito do Pai”. Um filho participa da mesma natureza do pai; Cristo, como Filho de Deus, tem a própria natureza de Deus. Este divino caráter estava “cheio de graça e de verdade”. A graça é o favor divino, o amor inabalável de Deus, a misericórdia divina, e a verdade não somente é a fala leal, sincera e veraz, como também a conduta à altura. Por qual ato, ou meio, o Filho de Deus veio a ser Filho do homem? Qual milagre poderia trazer ao mundo “o segundo homem”, que é o Senhor do Céu (1 Co 15.47)? A resposta é que o Filho de Deus entrou no mundo, como Filho do homem, por meio da concepção no ventre de Maria mediante o Espírito Santo, independentemente de pai humano. No fato do nascimento virginal baseia-se a doutrina da encarnação (Jo 1.14). IV – Ensinamentos Práticos 1. Cristo, a nossa Vida. “Nele estava a vida”. Cristo é a verdadeira fonte de vida espiritual. “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10.10). Para esta finalidade o Filho de Deus tornou-se Filho do homem: a fim de que os filhos dos homens possam ser feitos filhos de Deus. “Quem tem o Filho, tem a vida”. Esta vida de Cristo em nós precisa tomar a primazia; enquanto subjugamos pela Fonte a vida do próprio-eu, sustentamos a vida de Cristo em nós; quanto mais alimentamos em nossa vida a de Cristo, a vida do próprio-eu vai passando fome. Miguelângelo, o grande escultor, dizia das lascas de mármore que iam caindo em grandes quantidades no chão do seu estúdio: “Enquanto o mármore vai se desgastando, a estátua vai crescendo.” Enquanto nós, mediante a abnegação, tiramos lascas da nossa velha natureza, a vida de Cristo se torna manifesta em nossos corpos mortais. Cristo, para ilustrar esta verdade, fez alusão à prática da poda: “Toda vara em mim que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto” (Jo 15.2). O objetivo da poda é canalizar a vida de partes inúteis para partes úteis. A parte da planta que antes monopolizava o vigor da planta sem dar resultados, de repente é cortada, a fim de que a seiva vital passe de modo ativo às partes frutíferas. A abnegação é um tipo de poda espiritual mediante a qual as energias antes malbaratadas em atividades pecaminosas ou sem proveito são postas a serviço da vida espiritual. Enquanto conservarmos nosso contato com Cristo, que é a nossa vida, temos a vida abundante. Se deliberadamen- te nos separamos dele, perdemos esta vida. A árvore não se afasta da folha; é a folha que cai da árvore. Cristo não abandona ninguém; são os homens que o abandonam. Como nutrir a vida divina que há em nós? Pela leitura da Palavra, pela oração, observando diligentemente todos os meios da graça. 2. Cristo, nossa Luz. “Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo o homem que vem ao mundo” (Jo 1.9). Por que Jesus é comparado à luz? 2.1. A luz épura. Brilha nos lugares mais imundos sem perder sua pureza. Cristo foi chamado “o amigo dos pecadores”, sem que a mínima mancha de pecado lhe tenha maculado o caráter. A luz brilhou nas trevas, sem nunca por elas ser vencida, obscurecida. Longe de afastá-lo dos pecadores, sua pureza fez com que sentisse simpatia por eles. Os verdadeiros homens de Deus sempre demonstram ternura pelas pessoas que caíram em erros. 2.2. A luz é meiga. A luz pode tocar numa teia de aranha sem fazer tremer um único fio. Cristo sempre demonstrava meiguice ao tocar vidas quebradas, para sarar e não para esmagar (cf. Mt 12.20). Todos os verdadeiros cristãos são pessoas meigas, pacíficas (Tg 3.17). Muitas vezes o conceito de poder se confunde com o da violência; a mei- guice, porém, é um poder construtivo. 2.3. A luz revela. Quão grande é o alívio para o viajante tateando na noite escura, quando rompe a aurora! Quão grande a alegria para o peregrino nas sendas desta vida quando a luz da revelação divina esclarece os problemas da vida! “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8.12). 3. “O homem, este desconhecido”. Foi este o título que o cirurgião e cientista Dr. Alexis Carrel, de renome mundial, deu a um livro seu que teve enorme aceitação. Nele, indica que as dificuldades pelas quais a humanidade passa são devidas ao fato de que o homem, sábio quando se trata de invenções, é proporcionalmente ignorante quanto à natureza do seu próprio ser. Há algum tempo, um notável biólogo fez uma declaração semelhante. Expressou o receio de que a nossa civilização esteja caminhando para a ruína porque o homem, com tantos conhecimentos quanto ao emprego dos objetos materiais, ainda permanece sendo um “mistério biológico”. A razão por que o homem não conhece a si mesmo é não conhecer o seu Criador. Assim como João escreveu: “Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu” (Jo 1.10). Jesus “sabia o que havia no homem” (Jo 2.25). Sabe, também, o que é melhor para o homem. Seu jugo é suave porque, diferentemente do jugo do pecado, se adapta à alma. 4. Deus manifestado na carne. Narra-se a história de um culto hindu, que, passeando despreocupadamente, foi olhar de perto um formigueiro. Quando se abaixou, sua sombra assustou as formigas e elas correram em todas as direções. Tendo uma natureza simpática, o hindu pensou consigo mesmo: “Gostaria de poder conversar com estas pequenas criaturas, para dizer-lhes que não quero lhes fazer nenhum mal”. Mais uma vez, aproximou-se delas, e elas, como da primeira vez, se amedrontaram. Quando ele recuou um pouco, recomeçaram as atividades do formigueiro. Sua mente, como que brincava com o incidente: “Gostaria de poder falar àquelas criaturinhas”, voltou a pensar. Então ocorreu-lhe o pensamento: “Não poderia falar com elas mesmo se possuíssem inteligência; ainda que possuíssem uma língua, e que eu pudesse aprender tal língua, não conseguiria me comunicar com elas, porque os meus pensamentos não são os pensamentos delas. Meus termos de expressão não seriam compreensíveis a elas.” Sua imaginação continuou trabalhando: “Se eu pudesse vir a ser uma formiga como elas, e ainda reter minha própria personalidade e consciência, então, vivendo entre elas, conseguiria comunicar-me, e elas entenderiam pelo menos alguma coisa dos meus pensamentos”. O seguinte pensamento raiou- lhe de súbito: “É exatamente isto que estes ensinadores cristãos querem nos dizer: que Deus se fez homem a fim de revelar-se a nós e salvar-nos”. E, assim, sob a influência da própria ilustração que ele mesmo viu, o hindu veio a aceitar a fé cristã. A encarnação é um mistério que desafia a lógica. Para nossa fé, porém, basta sabermos que Deus se revelou por meio de Cristo, a fim de abrir-nos o caminho da salvação. 2 Os Primeiros Discípulos Texto: João 1.35-42 Introdução O apóstolo João declara o propósito de escrever seu evangelho: “Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31). João transmite-nos todo o volume de testemunho que o convenceu, e a outros da sua geração, quanto à divindade de Cristo, e tem confiança de que outros, igualmente, serão inspirados com a mesma convicção. O apóstolo apresenta três séries de testemunhos: 1) Os milagres de Cristo,que chama de “sinais”, porque demonstram a divindade de quem os opera. Quantos milagres operados antes da crucificação João registra no seu livro? 2) As asseverações de Jesus quanto à sua natureza e missão. Note quantas vezes João registra as reivindicações de Jesus, que começam com as palavras “eu sou”. 3) João registra os testemunhos de outras pessoas - de João Batista, dos primeiros discípulos e daqueles que receberam a cura da parte de Jesus. Este trecho é um exemplo da terceira série de evidências. Citam-se aqui os testemunhos de João Batista e André, irmão de Pedro. Quando Jesus emergiu da vida particular para entrar no ministério público, não tinha nenhum adepto ou seguidor. Deus, porém, enviara um profeta para preparar o caminho diante dele - João Batista, para “preparar ao Senhor um povo bem disposto” (Lc 1.17). Foi no meio dos convertidos de João Batista que Jesus recebeu seus primeiros discípulos. Nosso trecho bíblico conta como três desses discípulos (inclusive o discípulo não mencionado pelo nome) deixaram a escola preparatória de João Batista para se tornarem estudantes da escola superior de Jesus. I – Uma Declaração Que Chama a Atenção (Jo 1.35,36) “No dia seguinte João estava outra vez ali, e dois dos seus discípulos [André e João]; e, vendo passar a Jesus, disse: Eis aqui o Cordeiro de Deus”. Estudemos o significado desta proclamação, examinando as palavras, uma por uma. 1. “EIS aqui o Cordeiro de Deus”. Literalmente, “veja”. O evangelista apela ao pecador que veja o Crucificado e, contemplando-o, lamente os pecados que causaram sua morte. 2. “ Eis O Cordeiro de Deus”. Os sacrifícios de animais não operavam a perfeita redenção, haja vista que sempre tinham de ser repetidos. Nenhum sacerdote de Israel, cansado por causa do serviço ao redor do altar, poderia voltar para casa, dizendo: “Minha esposa, finalmente ofereci o sacrifício final; o povo está completamente perdoado e purificado”. No entanto, qualquer um dentre os sacerdotes que obedeciam à fé (At 6.7) poderia ter dito isso, porque o Cordeiro perfeito, do qual os demais eram apenas símbolos, já fora oferecido (cf. Hb 10.11,12). 3. “Eis o CORDEIRO de Deus”. O cordeiro era um animal sacrifical; João, portanto, identificava Jesus com o Sacrifício enviado da parte de Deus, “que tira o pecado do mundo”. Leia Isaías 53, que é um ponto alto na doutrina do sacrifício, por profetizar que o próprio Messias em pessoa haveria de se tornar a expiação pela raça humana. Compare com Atos 8.32-35. Talvez João também se referisse ao cordeiro da Páscoa (cf.1 Co 5.7). No início do período da Lei, há o cordeiro da Páscoa, cuja aceitação por parte da nação de Israel redimiu-a do meio da nação gentia; quase no fim do período da Lei, há outro Cordeiro, rejeitado pelos israelitas - e, por causa deste pecado, foram espalhados entre os gentios. 4. “Eis o Cordeiro de DEUS”. Uma das mais marcantes diferenças entre a fé cristã e o paganismo é que os adoradores pagãos trazem sacrifícios na tentativa de se reconciliarem com os seus deuses, enquanto a mensagem do Evangelho declara que o próprio Deus enviou um sacrifício em nosso favor a fim de nos reconciliar consigo (Rm 8.32; 2 Co 5.19). Deus trouxe a nós o sacrifício que nos coloca mais perto de Deus, e até o Antigo Testamento apresenta a expiação como sendo a dádiva da graça divina: “Porque a alma da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas” (Lv 17.11). II – Uma Apresentação Inesquecível (Jo 1.37-39) 1. Os discípulos que procuram. “E os dois discípulos ouviram-no dizer isto, e seguiram a Jesus.” A congregação de João começou a deixá-lo; ele, no entanto, não sentiu ciúmes porque, afinal, foi justamente esta obra de apontar às pessoas o Messias que viera fazer: “É necessário que ele cresça e que eu diminua” (cf. Jo 3.25-30). O fiel obreiro cristão conduz as pessoas a Cristo, e não a si mesmo. 2. A pergunta perscrutadora. “E Jesus, voltando-se e vendo que eles o seguiam, disse-lhes: Que buscais?” O Senhor não deixa que ninguém o siga em vão; mostrará o seu rosto àqueles que o seguem em sinceridade. Note que as palavras “que buscais?” são um gracioso convite aos que o procuram, para que abram o seu coração a Ele. Ele a todos pergunta: “Que buscais?” Estão procurando verdade, poder, perdão, amor, paz, vitória, esperança, forças? Ele pode nos oferecer tudo quanto buscamos e de que necessitamos. Além disso, a pergunta é um desafio, no sentido de ver se estamos procurando as coisas certas, porque ele procura discípulos sinceros e que entendam o que estão fazendo. 3. A pergunta tímida. “E eles disseram-lhe: Rabi (que, traduzido quer dizer, Mestre), onde moras?” Apesar de se sentirem um pouco acanhados na sua presença, os jovens ficaram tão impressionados em seu primeiro contato com Jesus que desejavam saber mais acerca dele; queriam saber o seu endereço, visando a uma visita mais prolongada. Lição: não devemos nos limitar a uma olhada passageira em Cristo; devemos saber onde Ele habita, para que nos receba como hóspedes. 4. O convite gracioso. “E ele lhes disse: Vinde, e vede.” Este convite é a melhor resposta aos que duvidam e aos interessados - é o apelo à experiência. Podemos dar às pessoas uma excelente receita culinária, e fazer grande esforço de descrever quão delicioso é certo prato, mas nada se compara com levar o próprio ouvinte a experimentar a comida por si mesmo. “Provai, e vede que o Senhor é bom” (Sl 34.8) III – Uma Entrevista Que Transforma a Vida (Jo 1.39) “Foram, e viram onde morava, e ficaram com ele aquele dia”. O escritor inspirado não nos conta os detalhes daquela inesquecível visita; sabemos, no entanto, que o contato com o radiante Mestre contribuiu com algo de vital à vida de André. Nunca mais foi o mesmo depois daquela entrevista. “Senti um calor estranho no meu coração”, disse João Wesley, descrevendo seu primeiro contato vivo com Cristo, e certamente André sentiu-se assim durante a sua festa espiritual com o Mestre. Quem aceitar o convite de Jesus (“Venha ver”) receberá outro convite (“Venha cear”). O primeiro é para os que ainda não são do seu rebanho; o segundo é para os que já entraram no seu aprisco. IV – Uma Grande Descoberta (Jo 1.40) André saiu daquela casa transbordando com uma poderosa convicção e, enlevado pela descoberta que tanto o emocionara, foi correndo falar com o seu irmão Pedro, anunciando as novas que fariam palpitar o coração de qualquer verdadeiro israelita: “Achamos o Messias”. Muitos judeus podem dizer, até hoje: “Cremos na vinda do Messias, oramos e ansiamos por aquele acontecimento”, mas nenhum judeu que não crê em Jesus pode dizer, juntamente com André: “Achamos o Messias”. Note que André veio a ser testemunha de Cristo no dia da sua conversão. As coisas maravilhosas que Cristo sussurra nos ouvidos do homem, em segredo, ficam ardendo no seu íntimo até que ele conte aos outros. V – Um Serviço de Amor (Jo 1.42) André não se restringiu a contar as novas: queria que seu irmão as experimentasse por si mesmo. Lemos, portanto: “E levou-o a Jesus” - o serviço mais gentil que uma pessoa pode fazer a outra. Não é necessário que alguém seja grande pregador ou gênio espiritual para assim fazer. André começou o trabalho em seu próprio lar: “Este achou primeiro a seu irmão”. O melhor preparo a um missionário é começar em casa; se não conseguimos levar outras pessoas a Cristo em nossa própria terra, como o faremos em outras terras? Quando o endemoninhado liberto por Jesus quis seguir viagem com Ele, o Mestre respondeu: “Vai para tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor te fez, e como teve misericórdia de ti” (Mc 5.19). VI – Uma Recepção Graciosa (Jo 1.42) “E, olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, filho de Jonas; tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro).” Cefas, em hebraico, quer dizer “pedra” ou “rocha”. O que Cristo quis dizer com isto? 1. Na Bíblia, a mudança de nome freqüentemente significava mudança da natureza da pessoa, da sua situaçãoou experiência (Gn 32.28). Este encontro com Jesus se constituiu em ponto crítico na vida de Pedro - a hora em que ele passou a ser de Cristo. Dan Crawford conta acerca do valor que os congoleses dão a nomes: “O homem que se transforma muda também de nome. Um jovem perto de mim recebeu um aumento salarial, e tomou dinheiro adiantado para comprar um nome. Para ele, o nome era um patrimônio tão valioso como um imóvel, pertencendo-lhe como se fosse seu cachorro ou sua arma. O jovem queria comprá-lo solenemente, à vista. Naturalmente que possuía nome, mas achava seu nome de nascimento por demais infantil: não é verdade que para dado por conjectura, e sem o consentimento dele? Não é verdade que o nome deve ser um legítimo reflexo do caráter da pessoa?... Não é de se estranhar, portanto, que quando você diz ao africano que no céu teremos uma nova natureza, este responde: ‘Devemos, portanto, receber um nome novo”’ (ver Ap 2.17). 2. A mudança de nome foi, neste caso, uma promessa de poder transformador. Talvez Pedro pensasse, consigo mesmo, na presença do Mestre: “Como poderei eu, homem de caráter fraco e instável, ser digno de entrar no reino do Messias?” (cf. Lc 5.7,8). O Senhor, percebendo os temores íntimos de Pedro, queria dizer: “Sei que o homem chamado Simão é conhecidamente impulsivo, impetuoso e instável. Tenha, porém, bom ânimo. Assim como sei quem é você, assim também sei o que você será. Venha a mim assim como você é, e eu o farei uma pedra firme no meu Reino. Como sinal desta promessa, seu nome será Cefas.” O Senhor sempre é o mesmo: recebe-nos em nossa fraqueza, sabendo que poderá nos tornar fortes. 3. O novo nome foi sinal da autoridade de Cristo exercida sobre Pedro, assim como um rei pode alterar o nome de alguém que levou cativo (cf. Dn 1.7). Daquele momento em diante, Pedro ficou pertencendo a Cristo e, com todo amor, chamava-o de Mestre. VII – Ensinamentos Práticos 1. A maior necessidade do homem. Sacrifícios, altares e templos em todas as terras e época testificam esta verdade: os homens sempre sentiram o fato de as coisas andarem erradas no seu relacionamento com o poder superior, e que a apresentação de um sacrifício com derramamento de sangue é necessária para retificar a situação. Cada pessoa que honestamente examinar o seu próprio coração sentir-se-á constrangida a dizer “Amém!” à declaração bíblica: “Pois todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23). Muitos remédios têm sido oferecidos para curar a falta de harmonia que há na alma humana; João Batista, porém, apontou o remédio divino: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” 2. Uma pergunta perscrutadora. “Que buscais?” Esta pergunta sugere duas lições. 1) A necessidade de termos nítida consciência de qual é o nosso objetivo na vida. Muitas pessoas são levadas à deriva pela vida, impulsionadas pelas circunstâncias; sabem quais as suas necessidades imediatas; não podem, porém, apontar um objetivo supremo para atingir, nem mencionar um grande propósito que controle a sua vida. Jesus, para despertar nas pessoas o reconhecimento de quão fútil é a vida que vão levam, pergunta-lhes: “Que buscais?” 2) A pergunta desafia as pessoas a se tornarem discípulos sérios. Marcos Dods escreve: “Cristo deseja ser seguido com toda a seriedade. Tantos o seguem porque uma multidão está indo atrás dele, levando outras pessoas consigo; tantos o seguem porque está na moda, sem possuírem opinião própria; muitos o seguem como por experiência, e vão ficando para trás quando surge a primeira dificuldade; muitos seguem com idéias errôneas quanto àquilo que esperam da parte dEle... Cristo não manda ninguém embora simplesmente pela sua lentidão em entender quem é Ele e o que Ele tem feito pelos pecadores. Com esta pergunta, no entanto, nos faz entender que aquela atração vaga e misteriosa que, qual ímã escondido, atrai a ele as pessoas, deve ser trocada por uma compreensão nítida quanto ao que nós mesmos esperamos receber dEle para suprir as nossas necessidades. Ele não rejeitará pessoa alguma que responda, com sinceridade: “Buscamos a Deus, buscamos a santidade, buscamos serviço contigo, buscamos a ti.” 3. “Vinde, e vede”. É um desafio aos que duvidam e questionam. Certo cristão aceitou o desafio de um não-crente para debater com ele em público. Depois do discurso do não-crente, o cristão, sem falar uma palavra, tirou uma laranja do bolso, descascou-a, comeu-a e depois perguntou: “Bem, como estava a laranja?” “Como vou saber?”, retrucou o não-crente. “Nem sequer provei dela”. Respondeu o crente: “Como o senhor pode conhecer o Cristianismo quando não o experimentou?” Um interessado pode ouvir e ler acerca de Cristo; o melhor caminho, no entanto, é chegar diretamente a Ele para experimentar seu poder. Para se explicar aos índios da floresta tropical o que é o gelo, mais valeria um pedaço para examinarem do que uma hora de preleções sobre o assunto. 4. Testemunho de Cristo. O testemunho de André sugere três lições: 1) “Este achou primeiro a seu irmão”. Quanto mais estreitos os laços de parentesco entre quem testemunha e quem ouve, mais enfático será o testemunho. Há mais força de convicção entre os que se conhecem intimamente do que na mensagem falada em público. Quando alguém encontra Cristo de forma tão real que sua alegria é tão óbvia como quando encontra um excelente emprego ou vaga universitária, seu testemunho não deixará de convencer aos que o conhecem. 2) O testemunho pessoal é prova da convicção pessoal; quando alguém tem profunda convicção, não pode ficar tran- qüilo até compartilhá-la com outra pessoa. 3) O testemunho pessoal faz parte do plano de Deus para a evan- gelização do mundo. No século que se seguiu à era apostólica, não houve notícia de “grandes” evangelistas e missionários; não há registro de campanhas evangelísticas abrangendo cidades inteiras. A Igreja, no entanto, cresceu com ritmo veloz. A explicação é que cada cristão considerou ser dever e privilégio testemunhar de Cristo. O escravo testemunhava perante seu dono; o operário, ao seu companheiro; o vendedor, aos seus fregueses; o filho, aos pais. Os pastores, evangelistas e missionários se destacam na liderança da obra de ganhar almas para Cristo, mas não podem ficar sem a colaboração dos membros das suas congregações. 3 O Primeiro Milagre de Cristo Texto: João 2.1-11 Introdução O milagre da transformação da água em vinho ilustra o propósito do Evangelho de João, a saber: despertar a fé na divindade de Cristo e em Cristo, como o Messias. João nos conta como este milagre o convenceu, juntamente com os demais discípulos, da natureza divina de Cristo (2.11), e registra o incidente para que a nossa fé também possa ser despertada e aumentada. I - A Feliz Ocasião (Jo 2.1,2) “E, ao terceiro dia (do incidente em 1.51), fizeram-se umas bodas em Caná da Galiléia, e estava ali a mãe de Jesus. E foi também convidado Jesus e os seus discípulos (ver capítulo 1) para as bodas.” A presença do nosso Senhor no casamento sugere as seguintes lições: 1. Jesus aprova a vida social. Jesus não era um religioso sombrio com rosto desagradável que se esquivava do contato com as pessoas. Comia juntamente com fariseus e publicanos com sociabilidade imparcial. Não consta ter recusado a hospitalidade de quem quer que seja, a ponto de os formalistas levantarem a acusação de ser ele “glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores”. Não era verdadeira a acusação, mas pelo menos ressaltou a verdade de que Cristo não aborrecia o convívio de grupos sociais, e que gostava de estar com pessoas. Procurava a companhia das pessoas a fim de espalhar a sua influência e doutrina, e para deixar que as pessoas o conhecessem e, por meio dele, à graça de Deus. O Senhor Jesus acreditava em “separação” tão profundamente como os próprios fariseus (que formavam o partido “da separação”); mas, enquanto estes se afastavam dos pecadores e continuavam a dar guarida ao pecado no coração (Mt 23.25-28), Jesus se conservava separado do pecado e dava as boas-vindas aospecadores, a fim de salvá-los. Noutras palavras, ele estava interiormente separado dos pecadores, enquanto mantinha com eles contato exterior. Devemos seguir seu exemplo nesta matéria. Somos o sal da terra, mas, a fim de sermos eficazes, precisamos entrar em contato com aquilo que precisa ser salgado; para sermos pescadores dos homens, devemos ir para onde estão os peixes; para sermos luz do mundo, devemos aparecer e brilhar. 2. Cristo aprova o casamento. Nenhum relacionamento humano tipifica um mistério espiritual tão profundo (ver Jo 3.29; Mt 9.15; 22.1-14; 25.10; Ap 19.7; 22.17; 2 Co 11.2). É digno, portanto, da mais elevada honra. Cristo previu, também, que surgiriam na igreja aqueles que menosprezariam o casamento (1 Tm 4.3), ou que não perceberiam toda a dignidade e honra da família cristã. Lição prática: a presença de Cristo é essencial ao casamento feliz. 3. Cristo aprova a alegria inocente. Embora nosso Senhor fosse homem de dores, carregando, lá no íntimo, o fardo do pecado e da tristeza do mundo inteiro, parece que era o lado alegre da sua natureza que ele apresentava às pessoas. Seu nascimento foi anunciado como boas-novas de grande alegria. Uma das suas exortações favoritas era: “Tende bom ânimo”; a palavra “alegria” ocupava um lugar de honra no seu vocabulário. Não há dúvida de que Ele dirigia os pensamentos dos homens às realidades solenes da vida, mas, ao mesmo tempo, oferecia-lhes gozo inefável e cheio de glória. Uma ilustração do Reino dos Céus que Ele freqüentemente citava era a de um banquete de casamento, e quando os discípulos de João queriam saber por que os de Jesus não jejuavam, empregou a mesma ilustração: “Então chegaram ao pé dele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam? E disse-lhes Jesus: Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias, porém, virão em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão” (Mt 9.14,15). II – A Falta Embaraçosa (Jo 2.3-5) “E, faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm vinho.” O esgotamento do suprimento de vinho pode ter surgido por três razões: o número inesperado dos discípulos de Cristo, o prolongamento da festa por sete dias, segundo o costume ou as dificuldades financeiras do noivo e da noiva. 1. A sugestão ansiosa. Maria, decerto, tem íntima conexão com a família que celebrava o casamento, como se percebe do seu conhecimento da falta de vinho e das ordens que deu aos serventes. A falta de vinho em tal ocasião seria uma desonra para o hospedeiro e para o casamento que estava sendo festejado. Assim, Maria sussurrou, ansiosamente, a informação: “Não têm vinho”. Lembrando-se das declarações proféticas feitas acerca da grandeza do seu Filho (Lc 1.30-35), ela acreditava ter ele poderes suficientes para suprir a necessidade e tirar o hospedeiro do embaraço. Maria, vendo o seu Filho cercado pelos seus discípulos, sente a esperança secreta que nutria em silêncio durante tantos anos irromper em ardor flamejante, e volta-se a ele, demonstrando uma bela fé em seu poder para ajudar, mesmo na pequena necessidade do momento. Será que ela já presenciara alguma manifestação do seu poder miraculoso? Leia o versículo 11. 2. A firme ressalva. “Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? ainda não é chegada a minha hora”. Tal linguagem não dá a entender nenhuma falta de respeito porque a palavra “mulher”, equivalente a “senhora”, foi a mesma que Jesus dirigiu a ela nos momentos finais de sua vida terrestre: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19.26). Era um termo de respeito que se empregava até quando se dirigia a uma rainha. Mesmo assim, a linguagem dá a entender uma mudança de relacionamento entre Jesus e Maria. Ela já não era “mãe”, e sim “mulher”. O período de sujeição a Maria chegou ao fim. Ele agora é o Messias, o Servo do Senhor, e seu relacionamento é o de Messias e discípulo (cf. At 1.14). Jesus, por assim dizer, indicava: “É verdade que o relacionamento natural entre nós é o de mãe e filho; lembre-se, porém, de que a minha vida é vivida na esfera de um relacionamento mais alto (cf. Lc 2.48,49). Como Filho de Deus, devo doravante agir e trabalhar segundo o tempo e a maneira que meu Pai manda. O tempo e a maneira do meu ministério dependem de considerações mais altas do que as de carne e sangue” (cf. Mt 12.46-50). Muitas vezes acontece que uma mãe chega ao reconhecimento, talvez doloroso, de que quem foi seu “menino” entrou numa esfera de vida mais ampla, além de influência e controle, da qual ela não pode participar. 3. A humilde aquiescência. Maria rapidamente entendeu a situação e aceitou-a com doçura e humildade; em seguida, disse aos serventes: “Fazei tudo quanto ele vos disser”. Sua fé lançou mão daquela pequena centelha de esperança - “ainda não” (v. 4) - e fê-la transformar-se em chama viva. Com firme confiança, apesar da suave chamada de atenção recebida, Maria deixou tudo nas mãos de Jesus. Nós também devemos nos submeter a Ele, confiando que atenderá às nossas petições, e isto como e quando lhe convier. III – O Suprimento Milagroso (João 2.6-10) “E estavam ali postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus (para lavarem-se cerimonialmente) e em cada uma cabiam dois ou três almudes (ou metretas, medida correspondente a 38 litros). Disse-lhes Jesus: Enchei d’água essas talhas. E encheram-nas totalmente.” 1. A realidade. As circunstâncias do milagre dissipam qualquer dúvida quanto à sua realidade: as talhas eram especificamente para água, não havendo a possibilidade de se sugerir a presença de sedimentos no fundo que emprestassem o gosto de vinho à água; sua presença ali era normal, e não premeditada, de acordo com o costume dos judeus de lavagem (Mt 15.2; Mc 7.2-4; Lc 11.38); a quantidade era enorme, muito mais do que se poderia ter trazido secretamente; as talhas estavam vazias, e os empregados sabiam que foi com água que passaram a enchê-las. 2. O mistério. O processo pelo qual a água foi transformada em vinho era divino; nenhuma palavra foi escrita sobre o método da operação do milagre, nem sequer se menciona que o milagre foi operado; simplesmente nos é informado o que aconteceu antes e depois do milagre. Jesus não enunciou qualquer palavra de ordem, nem empregou qualquer meio: bastava o silencioso exercício da sua vontade para que a matéria se transformasse segundo o seu beneplácito. A operação do poder criador do Senhor Jesus foi feita mediante sua simples vontade íntima. 3. A admiração. “E, logo que o mestre-sala provou a água feita vinho [não sabendo donde viera, se bem que o sabiam os serventes que tinham tirado a água], chamou o mestre-sala ao esposo, e disse-lhe: Todo homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho”. O mes- tre-sala, dirigindo o andamento da festa, não aludia a qualquer excesso da parte das pessoas presentes naquela festa específica, porque Jesus não teria abençoado com sua presença qualquer bebedice. Simplesmente faz alusão ao costume normal, mediante o qual os hóspedes, depois de uma suficiência de vinho superior, já não poderiam discernir a inferioridade do vinho oferecido no fim da festa. IV – O Propósito Superior (Jo 2.11) O propósito imediato de Jesus em operar o milagre era libertar um jovem casal do embaraço e da vergonha. O versículo 11 sugere o propósito superior do milagre: a revelação da glória de Cristo. “Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele”. Foi esta a primeira demonstração do poder milagroso de Jesus, revelando a sua natureza divina. Irromperam-se agora, visivelmente, a divina natureza e a glória que antes se escondiam sob o véu de carne, e os discípulos viram “a sua glória, como a glória do unigênito do Pai” (1.14). O milagre revelou a operação do poder criador, cuja origem somente poderia ter sido de Deus. 1. Aumentou-se a fé dos discípulos. “E os seus discípulos creram nele”. Játinham crido; senão, não seriam discípulos (1.50). Agora, porém, sua fé ficou mais profunda e mais forte. Acreditavam em Jesus, porém agora mais do que nunca. Nossa fé é aumentada (Lc 17.5) ao ver o Senhor operando em poder milagroso. V – Ensinamentos Práticos 1. Poder através da obediência. Quando Jesus mandou os serventes encherem as talhas d’água e levarem-nas ate o mestre-sala para suprir a falta de vinho, estes teriam motivos justos para se recusar a fazê-lo, ou para exigir alguma explicação ou garantia de que Jesus enfrentaria as conseqüências. Obedeceram assim mesmo, e sua fé obediente fez com que se tornassem colaboradores de um milagre; ficaram sabendo que nenhuma ordem de Cristo é inútil ou sem propósito. Nós também temos que passar por experiências semelhantes para aprendermos a mesma lição. A Palavra de Deus ordena que façamos coisas aparentemente desarrazoadas e além das nossas possibilidades. Por exemplo, temos de ser santos, embora saibamos que assim como o leopardo não pode mudar suas manchas, não podemos, por nós mesmos, purificar a nossa alma. Quase temos vontade de dizer: Como pode a substância da natureza humana, que é como a água, ser transformada em vinho digno de ser derramado como oferta no altar de Deus? Nosso papel é obedecer sem questionar ou exigir explicações. Os servos tiraram a água, levaram-na ao mes- tre-sala, e o Senhor fez o resto. Assim como a vontade de Cristo permeou a água, até imbuí-la de novas qualidades, também é sua vontade permear a nossa alma, conformando-a ao seu propósito. “Fazei tudo quanto ele vos disser” - é este o segredo da operação de milagres. Faça-o, embora possa dar a impressão de estar gastando em vão as suas energias, ou vir ser objeto de escárnio. Faça-o, embora você não tenha em si mesmo a capacidade de realizar o seu propósito. Faça-o totalmente, como se fosse você o único obreiro, como se Deus não viesse suprir as suas faltas, de modo que qualquer falha da sua parte fosse fatal à obra. Não fique esperando que Deus o faça, porque é em você e através de você que Ele faz a sua obra entre os homens. Não podemos fazer a obra de Deus, e não é plano de Deus fazer a parte que destinou a nós. Excelente lema para o cristão encontra-se nestas palavras: “Fazei tudo quanto ele vos disser!” 2. A santificação da vida diária. É significativo que Cristo revelasse a glória do seu poder criador num banquete de casamento, ocasião festiva vinculada a um relacionamento humano comum. Assim ficamos sabendo que Ele não veio esmagar os sentimentos humanos: veio elevá-los ao compartilhar deles; não veio destruir relações humanas: veio enobrecê-las mediante a sua presença; não veio acabar com os afazeres e convívios da vida coletiva: veio purificá-los; não veio abolir inocentes alegrias e recreios: veio santificá-los segundo os princípios do Reino de Deus. Não podemos dividir nossas atividades em duas classes: a “espiritual” e a “secular”. Cada esfera da vida pode e deve ser consagrada a Cristo. Se houver qualquer atividade ou aspecto da nossa vida sobre a qual não possamos invocar a sua bênção (Cl 3.17), tal atividade ou é totalmente errada, ou contém elementos que precisam de ser removidos. Já convidamos nosso Senhor para nossa próxima reunião de amigos? Ou será que a sua presença estragaria nossos planos? 3. O melhor ainda está por vir. Chegaremos um dia a falar ao Mestre aquilo que o mestre-sala falou ao noivo: “Guardaste até agora o bom vinho” (cf. Pv 4.18). Por mais cheios de gozo espiritual que tenham sido os anos passados de experiência cristã, o melhor ainda está no porvir. Jesus guarda seu melhor vinho até ao fim; muitas almas tristes e desiludidas vão sempre descobrindo que o mundo faz exatamente o oposto, seduzindo as pessoas para que sejam escravas do mundo, vítimas do mundo, mediante promessas deslumbrantes e deleites de curta duração que, mais cedo ou mais tarde, perdem seu brilho traiçoeiro e se tornam insossos - e muitas vezes bem amargos! “Até no riso terá dor o coração, e o fim da alegria é tristeza” (Pv 14.13). A coisa mais melancólica do mundo é a velhice e vivida longe de Deus, e uma das coisas mais belas, o calmo pôr-do-sol que tantas vezes glorifica uma vida piedosa que foi repleta de coisas feitas para Jesus, e de provações suportadas com paciência, como tendo sido enviadas por Ele... Em tal carreira, o fim é melhor do que o começo. E quando a vida chegar ao fim, e passarmos à nossa morada celestial, esta mesma palavra brotará de nossos lábios, com surpresa e gratidão, quando descobrirmos que tudo é muitíssimo melhor do que o melhor em nossa imaginação: “Guardaste até agora o bom vinho”. 4. A transformação de coisas comuns. O mesmo Cristo que transformou a água em vinho vermelho e cintilante pode transformar as coisasda vida em bênçãos gloriosas. Ele pode transformar a água da alegria terrestre no vinho da bem- aventurança celestial. Ele pode transformar a água amarga da tristeza no vinho de alegria. Pode lançar mão de uma série de circunstâncias da vida que nos perturbam, transformando-as em brilhantes oportunidades. Os deveres que cabem a nós, dia após dia, nos parecem cansativos e monótonos? Levemo-los a Jesus, e Ele os transfigurará mediante a sua presença. Onde está Jesus, ali há alegria. 4 Jesus e Nicodemos Texto: João 3.1-21 Esboço e Exposição Um dos propósitos que guiaram o escritor do quarto evangelho foi o de registrar as impressões que o Senhor Jesus deixou nas pessoas com quem teve contato. Em nosso segundo estudo, vimos como Jesus impressionou seus discípulos com sua natureza e missão divinas; no terceiro estudo, examinamos o milagre que os convenceu do seu poder criador. A conclusão do segundo capítulo, no entanto, refere-se a outro tipo de impressão que produziu um tipo de fé de Cristo não julgava satisfatório: “E, estando ele em Jerusalém pela Páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no seu nome. Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia” (Jo 2.23,24). Por que o Senhor não encorajava a fé desse homens de Jerusalém? Viu que eles não o entendiam; reconheceu o mundanismo nos seus corações e propósitos, e não permitiu que entrassem na mesma intimidade que já estabelecera com os cinco galileus de coração singelo. Os judeus de Jerusalém estavam dispostos a ficar de acordo com qualquer pessoa que demonstrasse a probabilidade de trazer honra à sua nação, e sua crença nEle era o crédito que os homens dão a um estadista cuja política apóiam. Se nosso Senhor tivesse encorajado tais homens, mais tarde teriam se decepcionado com Ele; foi melhor, portanto, que os tivesse recebido de modo um pouco mais frio, dando-lhes uma pausa para meditação. Realmente, os próprios milagres de Jesus estavam sendo um embaraço por atraírem o tipo errado de pessoas - os homens superficiais e mundanos (cf. Jo 4.48; 6.14-27,66). Na pessoa de Nicodemos temos um exemplo de fé imperfeita, pois o discipulado que produziu era secreto (cf. Jo 19.38). Mesmo assim, esta fé da parte de Nicodemos é uma resposta antiga à objeção que os judeus dos nossos dias levantam: “Se Jesus foi realmente o Messias, como é que nenhum dos nossos estudiosos e sábios teve o bom senso suficiente para perceber este fato?” A resposta está no Evangelho de João, no relatório da entrevista de Cristo com Nicodemos e na declaração: “Apesar de tudo, até muitos dos principais creram nele, mas não o confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da sinagoga” (Jo 12.42). I – Contato Pessoal: o Pesquisador Distinto (Jo 3.1,2) “E havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus.” 1. Um líder religioso. Nicodemos era um fariseu, membro da fraternidade religiosa organizada sob juramento solene para observar escrupulosamente a lei e as tradições dos antigos. Era membro do “partido ortodoxo” entre os judeus. Era um “principal”, um membro do Sinédrio, da corte eclesiástica do mundo judaico. Foi esta corte que condenou Jesus à morte, e da qual Saulo de Tarso era, mui provavelmente, membro.2. Um inquiridor secreto. “Este foi ter de noite com Jesus”. Fala-se da covardia de Nicodemos em vir à noite. Devemos, no entanto, dar valor ao fato de ele ter procurado a Jesus, mesmo daquele modo. Mais tarde, foi ele quem tomou sobre si a defesa de Jesus perante o Sinédrio (Jo 7.50,51) e ajudou a enterrar o seu corpo (Jo 19.39). Em ambos os trechos, João volta a se referir ao fato de Nicodemos ter vindo a Jesus, da primeira vez, à noite. Mostra, assim, que Nicodemos estava ficando mais firme na fé, chegando a demonstrar mais devoção do que os próprios discípulos que fugiram, quando veio ajudar a sepultar o corpo de Cristo. 3. Um inquiridor representativo. “Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele”. O plural “sabemos” permite-nos imaginar que talvez vários líderes religiosos, impressionados com os ensinamentos de Jesus e querendo saber mais acerca dEle sem, no entanto, criar uma sensação pública nem tomar partido publicamente, tivessem nomeado Nicodemos para ser uma “comissão de inquérito” de um só membro, de modo sigiloso (cf. Jo 12.42). 4. Uma alma necessitada. As palavras iniciais de Nicodemos revelam várias emoções lutando no seu íntimo, e a declaração repentina de Jesus (v. 3), longe de ser uma mudança de assunto, foi uma resposta - não às palavras, mas sim ao coração de Nicodemos. Tais palavras revelam: 1) Fome espiritual: canseira com os cultos da sinagoga, sem vida espiritual, aos quais freqüentava sem achar satisfação para a sua fome. Sente que a glória se afastou de Israel; que há falta de visão; que o povo perece e que, por menos que Nicodemos saiba sobre Jesus, seus ensinos lhe penetraram o coração, e ele acha que os milagres de Jesus comprovam ser Ele Mestre vindo da parte de Deus. 2) Falta de profunda de convicção. Nicodemos sente sua necessidade, mas procura um mestre, mais do que um Salvador. À semelhança da mulher samaritana, quer a água da vida (Jo 4.15), mas precisa igualmente ficar sabendo que é um pecador e que necessita ser purificado e transformado (Jo 4.1618). 3) Certa complacência quanto à sua própria pessoa, como se dissesse a Jesus: “Creio que foste enviado para restaurar o reino a Israel, e vim oferecer conselhos quanto ao plano de ação e sugerir certas operações”. Provavelmente considerava que ser israelita e filho de Abraão eram qualificações suficientes para ser considerado membro do Reino de Deus. II – Explicação: o Novo Nascimento (Jo 3.3-10) 1. O fato do novo nascimento. “Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Jesus explica que Nicodemos não pode filiar- se ao grupo dEle assim como uma pessoa filia-se a uma organização qualquer. Ser discípulo de Jesus depende do tipo de vida que se leva. A causa de Cristo é a do Reino de Deus, onde não se pode entrar sem passar por uma transformação espiritual. O Reino de Deus era bem diferente daquilo que Nicodemos imaginava, e o modo de estabelecê-lo e de chamar pessoas a serem seus cidadãos também Jesus salientou a necessidade mais profunda e universal do homem: uma mudança radical e completa da totalidade da natureza e do caráter. A natureza total do homem foi torcida pelo pecado, em decorrência da queda, e esta perversão se reflete na sua conduta individual e nos seus vários relacionamentos. Antes de poder viver uma vida que agrade a Deus, sua natureza precisa passar por uma mudança tão radical que é nada menos do que um segundo nascimento. O homem não pode efetuar semelhante mudança por si mesmo. A transformação deve vir de cima. “Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” Nicodemos tem razão ao tirar a conclusão de que é necessário um milagre para alguém entrar no Reino de Deus, mas não entende como isso se faz. Pensava, decerto: “Sou um homem com muitos anos de vida, com hábitos de pensar e viver bem arraigados em mim, bem como muitas ligações sociais e costumes e idéias antigos que nossos antepassados nos legaram. O nascimento tal como tu falas é tão impossível quanto o nascimento físico de um homem de idade, tão prepóstero quanto seria a idéia de entrar segunda vez no ventre da mãe para nascer de novo. A natureza humana não pode ser mudada desta forma. Jeremias, afinal, declarou: ‘Pode acaso o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas?’ Se é esta a tua exigência para que se possa entrar no teu Reino, quem poderá ser considerado candidato aceitável?” 2. Os meios do novo nascimento. “Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.” Nascer da água significa passar por uma profunda experiência de purificação (cf. Ef 5.26). Nascer do Espírito significa passar por uma profunda experiência de receber a vida divina. A alma humana precisa ser lavada de toda impureza e vivificada pela vida celestial, antes de estar pronta para o Céu. Deus nos salvou: 1) pela “lavagem da regeneração e 2) da renovação do Espírito Santo” (Tt 3.5). O ensino era novo e, ao mesmo tempo, antigo. “Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. Nicodemos respondeu, e disse-lhe: Como pode ser isso? Jesus respondeu, e disse-lhe: Tu és mestre de Israel, e não sabes isto?” (v. 7,9,10). Jesus queria dizer: “Como você fica surpreso, como se eu pregasse alguma estranha doutrina? Certamente, como ensinador da Lei e dos Profetas, deve ter lido da promessa de Deus anunciada por Ezequiel: ‘Então espalharei água pura sobre vós, e ficareis purificados... porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos’, (Ez 36.25-27). Você sabe muito bem que, embora Israel se tenha jactado de ser o povo de Deus, filhos de Abraão, os membros da nação são impuros e, portanto, indignos do Reino de Deus. O profeta declara que os israelitas, antes de poderem entrar no Reino de Deus, precisam ‘nascer da água’ e ‘nascer do Espírito’, precisam ser purificados e receber vida nova. O que é verdade no que diz respeito a Israel, é verdade para você, individualmente. Você deve nascer de novo”. 3. A razão do novo nascimento. Jesus não procurou explicar o como do novo nascimento; explicou o porquê: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.” A carne e o Espírito pertencem a campos diferentes, e um não pode produzir o outro. A natureza humana pode gerar mais natureza humana, mas é somente o Espírito Santo que pode produzir uma natureza espiritual. A natureza humana nada poderá produzir além de natureza humana, e nenhuma criatura pode se erguer acima da natureza que lhe é própria. A vida espiritual não pode ser transmitida de pai para filho através da procriação natural; é transmitida da parte de Deus para os homens mediante o novo nascimento espiritual. A natureza humana não pode se erguer acima daquilo que ela é. Cada criatura tem certa natureza conforme sua espécie, determinada por sua descendência. Esta natureza que o animal recebe dos pais determina, logo de início, as capacidades e a esfera da vida dele. A toupeira não pode levantar majestoso vôo na direção do sol como se fosse águia, e a ave que sai do ovo da águia não pode escavar debaixo da terra como faz a toupeira. Nenhum curso de treinamento poderá fazer com que a tartaruga corra tão velozmente quanto a corça, nem com que a corça tenha a força do leão. Nenhum animal poderá agir de forma superior a sua própria natureza. O mesmo princípio aplica-se ao homem. O destino supremo do homem é viver com Deus para sempre; a natureza humana, no entanto, não possui em si as condições necessárias para viver no Reino celestial; assim sendo, a vida celestial tem de ser trazida do Céu para transformar a vida humana na terra, preparando-a para o Reino de Deus. 4. O mistério do novo nascimento. Embora o como do novo nascimento esteja além do alcance do raciocínio humano, este mistério não precisa ser motivo detropeço para Nicodemos: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Noutras palavras, o movimento do vento é algo muito real para nós, mas é misterioso e além de nosso controle; assim também é a atuação do Espírito sobre a natureza humana. Primeiro, o novo nascimento é misterioso quanto à sua origem: “não sabes donde vem”; e, em segundo lugar, há mistério quanto à sua consumação: “não sabes... para onde vai”. Assim sendo, João escreve: “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser” (1 Jo 3.2). Mesmo assim, a atuação do Espírito é real: “Ouves a sua voz” (cf. At 2.3,4; 1 Co 12.7; Gl 5.22,23). III – Confirmação: a Base do Novo Nascimento (Jo 3.11-15) Duas perguntas devem ter naturalmente ocorrido a Nicodemos: Como Jesus sabe destas coisas? O que Ele faz para levar as pessoas a experimentarem o novo nascimento? 1. A experiência espiritual de Cristo. “Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o que vimos; e não aceitais o nosso testemunho” (o plural “nós” talvez indique a presença de alguns discípulos). Jesus, concebido mediante o Espírito Santo, batizado no Espírito, cheio do poder do Espírito, continuamente movido pelo Espírito, podia falar com autoridade em matéria de Espírito. Que pena que tantos que professam ser seus seguidores tenham dogmatizado o assunto sem desfrutar das operações do Espírito em seu íntimo! “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” Jesus explica a Nicodemos que, se ele se preocupa apenas com a forma e a matéria do novo nascimento, só poderia conversar sobre coisas terrestres porque, embora o nascimento espiritual venha de cima, ocorre na terra e faz parte dos fatos da vida. A explicação do “como” deste assunto tem a ver com os eternos propósitos de Deus (coisas celestiais), e Nicodemos não está pronto para tais ensinos, porque ainda não aceitou o fato da necessidade do novo nascimento (coisas terrenas). 2. A origem celestial de Cristo. “Ora ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu”. Cristo tinha estado no Céu antes de sua missão na terra, podendo, portanto, falar acerca de coisas celestiais a partir de uma experiência pessoal. Embora “o Filho do homem, que está no céu”, estivesse na terra, seu lar real sempre foi o Céu, e são celestiais sua origem e natureza. 3. A obra expiatória de Cristo. Jesus já tratara de um erro fundamental de Nicodemos e dos seus companheiros: imaginavam que, pela sua conexão natural com o o povo escolhido, teriam de se filiar ao Reino de Deus; o Senhor Jesus, no entanto, declarou que devem entrar no Reino mediante o novo nascimento. Agora dissipa o segundo erro: Nicodemos acreditava que o Messias, na sua vinda, seria “levantado” ou exaltado num trono, para salvar Israel da total derrota política. Jesus, no entanto, ensinou que, em primeiro lugar, o Messias teria que ser levantado de modo bem diferente: “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” O Messias teria de ser levantado numa cruz para salvar a nação do perecimento espiritual. Qual a conexão entre a crucificação do Filho do homem e a regeneração dos filhos dos homens? Quando Deus criou o homem e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, transmitiu a este não somente a vida mental e física, como também o Espírito Santo. Adão foi criado perfeito, e certamente deve ter recebido o Espírito Santo, pois sem ele a personalidade humana é incompleta diante de Deus. Quando pecaram nossos primeiros pais, iniciou-se a morte espiritual e deixou de habitar neles o Espírito Santo. Quando, portanto, veio o Redentor, sua missão era restaurar à humanidade a presença do Espírito. “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro. Para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito” (Gl 3.13,14). Cristo morreu na cruz a fim de remover o obstáculo que não permitia que a vida humana recebesse a presença de Deus. Este obstáculo era o pecado. V – Ensinamentos Práticos 1. Pregando o novo nascimento. Segue-se um esboço de como se pode aplicar, de modo prático, a doutrina do novo nascimento. 1.1. Uma vez que você reconhece a seriedade e a degradação dos seus pecados e o poder que exercem sobre você, sua situação de impotência dos seus pecados, e que lhe aguarda a eternidade no inferno, se você morrer no seu atual estado de pecado; 1.2. E quando, com genuíno arrependimento, você aceita a expiação mediante o sangue de Jesus Cristo como sua única esperança, recebendo Cristo de modo permanente e sem reserva, como seu Salvador e Senhor, que pagou a penalidade dos seus pecados, sofrendo em seu lugar; 1.3. Então ocorre dentro de você um tríplice milagre: 1) Você é purificado de todos os seus pecados; liberto do poder deles sobre você; revestido da justiça de Cristo. Você recebe esperança, paz, gozo e um novo propósito na vida - o de viver e trabalhar para ele, comissionado para ser seu embaixador e testemunha por onde quer que você vá, de tal modo que sua vida se torna útil, necessária e cheia de esperança. Você recebe forças para vencer o “velho homem” no seu íntimo, para viver a vida cristã e crescer na graça. Por suas próprias forças, você fracassaria, mas, mediante este milagre, pode ter absoluta certeza de que, enquanto ele precisar de você nesta terra, ele o preservará, sustentará, fortalecerá, guiará e protegerá. 2) Jesus Cristo vive em você, de modo real e literal. 3) Você é regenerado. Na realidade, torna-se nova criatura. Literalmente, nasceu de novo para entrar no Reino de Cristo. Você se torna santo, um filho de Deus, membro da igreja verdadeira. 1.4. Como resultado deste tríplice milagre, você é salvo, de modo literal e definitivo. Você tem a vida eterna, e pertence ao Senhor. Agora, poderá começar a viver a vida cristã - a vida “oculta juntamente com Cristo” - em Deus. 2. Cristianismo, a religião do novo nascimento. Nas religiões pagãs, declara-se universalmente que o caráter humano é imutável. Embora tais religiões determinem penitências e rituais que oferecem ao homem a esperança de compensar os seus pecados, não existe nenhuma promessa de haver vida e graça para transformar a sua natureza. Somente a religião de Jesus Cristo toma a natureza decaída do homem, regenerando-a mediante a vida de Deus, que passa a habitar nele porque o seu Fundador é Pessoa divina e viva, que salva totalmente os que por Ele chegam a Deus. Não há analogia entre a religião cristã e, o budismo e o maometismo, no sentido de dizer: “Quem tem Buda tem a vida”. Os líderes destas religiões podem exortar à moralidade, estimular, impressionar, ensinar e orientar, mas nada de novo é acrescentado à alma de quem professa suas doutrinas, que são desenvolvidas pelo homem natural e moral. O Cristianismo é tudo isso mais a divina Pessoa. A missão do Senhor Jesus pode ser resumida na breve proposição: Jesus Cristo veio ao mundo romper o poderio do pecado e introduzir na raça humana uma nova fonte de vida espiritual (cf. Gn 2.7; 1 Co 15.45; Jo 20.22; Ef 2.1). E isto nos leva a pensar na missão dominante dos discípulos de Jesus - fazer com que homens pecaminosos sejam transformados pelo poder de Deus. 5 Jesus e a Mulher Samaritana Texto: João 4.4-30 Introdução Jesus deixou Jerusalém porque seus milagres estavam atraindo as pessoas do tipo errado - espectadores curiosos que tinham do Reino um conceito errado. Foi, portanto, para os distritos rurais, onde o povo tinha mais simplicidade e seriedade de coração. Ali ganhou muitos, que se converteram a Ele e aceitaram o batismo. Mais uma vez, porém, seu próprio sucesso fez periclitar o propósito do seu ministério. Os fariseus, ouvindoa notícia de que grandes multidões acorriam ao seu batismo, ficaram com inveja e alimentaram uma discussão entre os discípulos de Jesus e os de João Batista (cf. Jo 3.25; 4.1,2). Jesus, desejando evitar uma contenda com os fariseus, deixou a Judéia. Não havia finalidade em que ele se revelasse como Messias diante dos fariseus, porque, com suas mentes cheias de idéias preconcebidas, teriam entendido os seus ensinos de maneira errada. Era diante de pessoas de mente sincera e coração faminto como a mulher samaritana que Jesus se sentia livre para revelar-se, em vez de entrar em controvérsias teológicas com os fariseus. Este trecho, bem como o que estudamos no capítulo anterior, são exemplos dos ensinamentos de Cristo sobre o poder regenerador do Espírito Santo. No capítulo anterior, ouvimos Jesus instruindo Nicodemos com respeito ao novo nascimento; agora, estudaremos a sua entrevista com uma mulher samaritana. Ele era um membro da sociedade que desfrutava de grande respeito; ela, uma mulher proscrita. Ela, era um homem da mais severa moralidade; ela, uma mulher vivendo no pecado. Ele era um culto ensinador de Israel; ela, uma analfabeta das classes inferiores. Ambos têm a mesma necessidade - a transformação espiritual para entrar no Reino de Deus. Este trecho descreve os passos mediante os quais o supremo Conquistador de almas conseguiu a conversão da mulher samaritana. I – Conseguindo a Atenção (Jo 4.5-9) “Foi pois a uma cidade, de Samaria, chamada Sicar, junto da herdade que Jacó tinha dado a seu filho José. E estava ali a fonte de Jacó. Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se assim junto da fonte. Era isto quase a hora sexta”. Esta menção do cansaço de Jesus é a evidência de que, quando compartilhou da natureza humana, o fez com toda seriedade: realmente tomou sobre si nossa natureza, e experimentou todas as limitações e fraquezas a que a carne humana está sujeita (menos as que são fruto direto do nosso pecado). “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28) foi dito por aquEle que sabia como é a dor de músculos cansados e latejantes. “Veio uma mulher de Samaria tirar água; disse-lhe Jesus: Dá-me de beber”. O propósito do Senhor era levar a mulher necessitada à água espiritual que satisfaz a sede da alma; assim, fez seu primeiro contato com ela ao pedir água. Ele de que tomar a iniciativa, porque a mulher, de si mesma, não teria falado com Ele primeiro. Existiam quatro barreiras que impediriam semelhante conversação, e que o Senhor primeiramente teria de romper. 1) A barreira do sexo. Os próprios discípulos ficaram atônitos ao ver Cristo agir contrariamente às bem conhecidas atitudes de sua época, falando assim a uma mulher em público (v. 27). Geralmente, os preconceitos dos rabinos proibiam que as mulheres recebessem educação superior. 2) A barreira da nacionalidade. Não havia comunicação entre os judeus e os samaritanos. 3) A barreira do caráter moral. A mulher samaritana sabia que nenhum rabino judeu chegaria perto de uma pecadora como ela. 4) A barreira da ignorância. No decurso da conversação, foram rompidas todas as barreiras. A mulher recebeu novos horizontes para a sua vida, seu caráter foi transformado, e sua alma, iluminada. Note a habilidade do Senhor em abrir caminho para esta conversação. Pediu um favor da parte dela, fazendo-a sentir- se, por um momento, em condições de superioridade. Mediante um apelo à simpatia da mulher, criou ambiente apropriado para conversar sobre assuntos espirituais. Foi uma grande surpresa para a mulher quando a pessoa junto à fonte - que ela reconheceu como sendo um judeu - , fez um pedido a uma mulher samaritana de sua condição. “Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou samaritana? (porque os judeus não se comunicam com os samaritanos)”. Embora Jesus, como Messias, viesse da tribo de Judá, nunca se chamou “Filho de Israel”; sempre é chamado de “Filho do homem”, da humanidade inteira. Não havia lugar em sua mente e em seu coração para o preconceito. II – Despertando o Interesse (Jo 4.10-14) 1. O desafio surpreendente. A mulher samaritana aproveitou para se rir um pouco daquele judeu que, segundo pensava, fora forçado a mostrar franqueza e amabilidade por causa da intensa sede que sentia, e de não ter condições de conseguir água. Surpreendeu-se, no entanto, por Ele não se mostrar embaraçado; pelo contrário, suas palavras é que a deixaram intrigada: “Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.” “Se tu conheceras”. Há pessoas que não percebem quantos poderes e oportunidades jazem escondidos ao nosso redor. Por não reconhecermos quantas bênçãos se nos oferecem, perdemos milhares delas! “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento” (Os 4.6). A mulher samaritana estava falando face a face com aquEle que satisfaria a todos os seus anseios de paz e de vida - e não o sabia. Há muitas pessoas que passam pela vida bem perto daquilo que poderia revolucionar sua existência, e ficam alheias à verdadeira bem- aventurança por falta de saber e de considerar. Em dois assuntos, especificamente, faltava conhecimento à mulher. 1.1. Não conhecia o dom de Deus, aquilo que Deus queria graciosamente dar a ela. A pobre mulher nem esperava bênçãos da parte de Deus. Desiludida, esgotada, sem caráter, sem alegria, praticava a enfadonha rotina dos serviços diários. Ouvira falar sobre Deus, mas nem sequer sonhava que Ele estivesse disposto a entrar na sua vida, fazendo com que sua existência valesse a pena. A água “viva” é a que flui ou que jorra de uma fonte - a água em movimento, em contraste com a água parada (cf. Gn 26.19; Zc 14.8). Simboliza a vida divina que flui mediante o contato com Deus (Jr 2.13; Ap 7.17; 21.6; 22.1). Assim como a água natural satisfaz a sede física, o Espírito Santo satisfaz a alma que anseia por Deus (cf. Sl 42.1,2). 1.2. A mulher não conhecia a identidade daquele que disse: “Dá-me de beber”. A vinda do Messias era a esperança dos samaritanos, e não somente dos judeus, e ambas as nações tiraram encorajamento e forças desta promessa: suportavam os males do presente, sustentados pela visão do futuro, que se centralizava ao redor da Pessoa do Messias. Agora, o Messias estava falando com esta mulher sem que ela o percebesse. Muitos são os que têm familiaridade com as palavras de Jesus, ouvindo-as como se escutassem uma canção. Não são transformados, porém, porque não se apercebem realmente de que as palavras que ouvem não são as de um mestre humano, e sim as do próprio Filho de Deus. Oxalá soubessem quem é o que lhes fala! 2. A pergunta feita com surpresa. Refutando a sugestão de ela ser ignorante quanto ao dom de Deus, a mulher responde: “Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água da vida?” A resposta a esta pergunta se encontra nos versículos 13 e 14. Quanto a ser acusada de ignorância sobre a Pessoa que fala com ela, a mulher responde: “És tu maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, bebendo ele próprio dele, e os seus filhos, e o seu gado?” Os versículos 25 e 26 respondem à objeção da mulher. Como Nicodemos, objeta: “Como pode suceder isto?” Quando se trata das coisas de Deus, os que possuem boa educação não têm vantagem sobre os iletrados. Todos, igualmente, precisam do “Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus” (1 Co 2.12). 3. A comparação que ilumina. Jesus lança mão de uma comparação para esclarecer o significado das suas palavras: “Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte d’água que salte para a vida eterna”. A água natural é mencionada aqui como símbolo das fontes de prazer que há aqui na terra, e que só proporcionam satisfação momentânea. A totalidade da vida humana se compõe de desejos intermitentes que recebem apenas parcial satisfação: anseios e saciedade,enfado e novos desejos fortes se seguem num círculo vicioso. Realmente, nunca houve verdadeira satisfação para os desejos humanos; a alma humana nunca se aquieta, senão em Deus. As fontes da terra podem oferecer satisfação temporária, mas é somente depois de o homem ter achado a Deus que ele pode declarar ter satisfação completa e eterna. Jesus ensina à mulher que a água no poço de Jacó jaz sem vida ou movimento nas profundidades, enquanto a água celestial que ele oferece, embora fique nas profundezas da personalidade humana, não fica parada ali; vem brotando à superfície, revelando sua presença aos outros, fluindo com mais e mais força até que, na vida do porvir, o indivíduo recebe a plenitude desta bênção. A fonte fica no indivíduo. O prazer do mundano depende das coisas externas; a Fonte da satisfação do cristão está dentro dele, independe das circunstâncias. A vida eterna, no Evangelho de João, é vinculada à fé em Jesus (Jo 3); provém da ação de comer da sua carne e beber do seu sangue (Jo 6); é dádiva direta da parte dEle (Jo 10; 17). Neste capítulo, é considerada como resultado da vida do Espírito no homem, o fruto da vida espiritual, que é diferente da vida humana em qualidade, permanência e maturidade. III – A Consciência da Necessidade (Jo 4.15-18) 1. O pedido urgente. “Disse-lhe a mulher: Senhor, dá- me dessa água, para que eu não mais tenha sede, e não venha aqui tirá-la.” A mulher ainda não havia percebido o âmago do ensino de Jesus. Nem sequer sonhava que Ele, falando sobre “água”, queria dizer algo diferente daquilo que ela carregava no seu cântaro. Ela ainda não percebera nada além dos seus desejos físicos e de suas necessidades diárias. Começou a sentir a convicção de que aquele estranho talvez a pudesse livrar da sua vida exaustiva de ter de caminhar até o poço com seu cântaro pesado. Seria um alívio ter a água bem à mão! Embora não tivesse compreendido o inteiro significado do dom prometido, entendeu, pelo menos, que se lhe oferecia uma grande vantagem - e seu desejo foi despertado. 2. Uma declaração perscrutadora. Agora, Jesus leva a mulher a dar um passo adiante, despertando seu sentimento de necessidade espiritual. Faz com que ela se recorde de sua vergonhosa vida de pecados para que, esquecendo- se da água do poço de Jacó, tenha sede daquilo que a aliviaria da sua vergonha e miséria. “Disse-lhe Jesus: Vai, chama o teu marido, e vem cá. A mulher respondeu, e disse: Não tenho marido; porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade”. Jesus trata do assunto do pecado a fim de que a mulher veja a causa da sua infelicidade. A nova vida deve começar com base na veracidade e na honestidade. O passado tem que ser enfrentado, por mais desagradável que seja, e o lixo da vida anterior deve ser varrido para longe. IV – Cristo Revela a Si Mesmo (Jo 4.19-29) 1. A expressão de perplexidade. A mulher, atônita diante do discernimento de Jesus, exclama: “Senhor, vejo que és profeta”, e passa a levantar um problema religioso, da controvérsia entre os samaritanos e judeus: “Nossos pais adoravam neste monte [Gerizim] e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar.” A pergunta surgiu não somente do desejo de desviar o problema do pecado dela para o campo de generalidades teológicas, como também de um real desejo de saber como procurar comunhão com Deus e se erguer acima da sua baixa situação moral. Aproveitou a presença de um profeta para esclarecer suas dúvidas. Jesus, em resposta, mostrou que a verdadeira adoração é matéria de atitudes certas, e não do lugar certo; não se trata de onde, e sim de como. 2. Cristo revelado. Cheia de alegria pelas verdades que ouve, a mulher se lembra do que se lhe contou acerca de um grande Mestre que haveria de vir, enviado da parte de Deus: “Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier, nos anunciará tudo. Jesus disse-lhe: Eu o sou, eu que falo contigo”. Jesus não podia se revelar abertamente aos fariseus porque estes não percebiam as próprias carências espirituais. No entanto, sempre estava disposto a se fazer conhecido a todos aqueles que sentissem necessidade dEle (cf. Mt 11.25-27). Cristo sempre se revela àqueles que amam a sua vinda. Foi assim que revelou-se aos primeiros discípulos (Jo 1), e a Nicodemos (Jo 3.13; 9.35-38). 3. Começa o serviço cristão. A mulher imediatamente tornou-se missionária do Profeta e Messias que acabara de descobrir. “Deixou pois a mulher o seu cântaro” - mostrando que, na alegria de descobrir a Água Viva, esquecera-se da sua procura pela água natural _ “e foi à cidade, e disse àqueles homens: Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito; porventura não é este o Cristo?” (cf. Jo 1.41). Nada mais natural do que alguém que recebeu a Água Viva para beber levar outros à mesma Fonte. V – Ensinamentos Práticos 1. Fontes escondidas. A mulher samaritana não sabia que falava ao Messias, e que a poucos passos dela estava a Fonte de Água Viva; mas sua ignorância não alterava a realidade dos fatos. As águas do Rio Amazonas entram oceano adentro com tanta força que ainda há água doce a grande distância da praia. Certo navio não tinha mais água potável a bordo, e os tripulantes, longe da terra firme, fizeram sinal a outro navio, pedindo água. Demoraram muito tempo para acreditarem na resposta: “Desçam os baldes no oceano, porque é de água doce”. Finalmente experimentaram fazer isto e descobriram que realmente estavam cercados por água doce. Nós também estamos cercados em todos os lados por Deus, sustentados por Ele e vivendo nEle, e tantas vezes não tomamos conhecimento deste fato, deixando de lançar nossos baldes para recebermos a plenitude da sua graça. O Senhor Jesus abriu os olhos da mulher samaritana para que ela enxergasse a fonte das águas vivas, e fará o mesmo por nós. No cansaço, Ele nos mostrará uma fonte de refrigério; na tristeza, uma fonte de consolação; na enfermidade, uma fonte de cura; no desencorajamento, uma fonte de esperança (cf. Gn 21.1619; Ex 17.1-6; Nm 20.9-11; Is 43.19). 2. Sede da alma. “Qualquer que beber desta água tornará a ter sede”. Se nos colocássemos de vigia numa esquina, examinando o rosto de cada um dos inúmeros transeuntes, veríamos escrito nos semblantes da maioria desassossego, descontentamento insatisfação. A maioria das pessoas segundo parece, sofre a dor das ânsias não satisfeitas. Procurando a satisfação que seus corações tanto reclamam, uns vão ao cinema, outros procuram as drogas, outros procuram se esquecer dos problemas mediante vários tipos de atividades febris. Se realmente soubessem ler seu próprio coração, diriam, juntamente com o salmista: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42.2). O Espírito Santo é a Água Viva que satisfaz a alma, e Jesus Cristo veio a este mundo para nos levar “para as fontes das águas da vida” (Ap 7.17). 3. O Espírito que habita em nós. Spurgeon escreveu: “O poder do Espírito Santo que habita em nós é superior a todos os reveses, como um rio que não pode ser forçado a ficar debaixo da terra, por mais que procuremos represá-lo... Quando o Senhor dá de beber a nossas almas, das fontes que brotam da grande profundidade do seu próprio amor eterno, quando nos dá a bênção de possuirmos em nosso íntimo um princípio vital de graça, nosso ermo se regozija, e desabrocha em flores como a roseira, e o deserto ao nosso redor não pode murchar o nosso crescimento verdejante; nossa alma fica sendo um oásis, mesmo quando tudo ao nosso redor é secura infrutífera. 6 O Paralítico do Tanque de Betesda Texto: João 5.1-14 Introdução Como já notamos num estudo anterior, João chama os milagres de Cristo de “sinais” porque são indicadores da divindade do Senhor. Sete deles (antes da crucificação) são selecionados pelo evangelista: a transformação da água em vinho; a cura do filho de um oficial do rei; a cura do paralítico; a multiplicação dos pães para alimentar a multidão; Jesus andando sobre o mar; a cura do cego; e a ressurreição de Lázaro. Este nosso estudo tratado terceiro destes milagres, que nos oferece as seguintes lições acerca de Cristo: Ele é o doador da vida, e, como o paralítico ouviu a voz de Cristo e foi restaurado, assim, no fim dos tempos, os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e viverão (Jo 5.25). I - O Sinal (Jo 5.1-9) 1. A cena que entristece o coração. “Ora, em Jerusalém há, próximo à porta das ovelhas, um tanque, chamado em hebreu Betesda, o qual tem cinco alpendres. Nestes jazia uma multidão de enfermos; cegos, mancos e ressicados, esperando o movimento das águas. Porquanto um anjo descia em certo tempo ao tanque, e agitava a água, e o primeiro que ali descia, depois do movimento da água, sarava de qualquer enfermidade que tivesse”. Trata-se de uma fonte intermitente, que possuía - ou cria-se que possuía - poderes de cura, ao redor da qual alguma pessoa benevolente edificara cinco pórticos para servirem de abrigo à multidão de enfermos que aguardava o movimento da água. A multidão ao redor do tanque faz lembrar que o mundo está cheio de pessoas que sofrem das mais variadas enfermidades, sendo, porém, todas elas doentes; simboliza o mundo que se aglomera, com uma ansiedade que é quase desespero, ao redor de qualquer coisa que prometa solução, por mais vaga que seja, no sentido de ajudar e de curar. 2. A pergunta que desperta a esperança. Num dia de festa religiosa, Jesus se encaminhou para este “hospital natural”. Assim como o olhar experiente do cirurgião rapidamente seleciona o pior caso na sala de espera da sua clínica, Jesus logo fixou seus olhos em “um homem que, havia trinta e oito anos, se achava enfermo”. Era um aleijado, provavelmente um paralítico. Passara todo esse tempo esperando, ouvindo a conversa monótona dos outros enfermos, descrevendo detalhes dos seus sofrimentos que ninguém mais queria ouvir. Jesus, chegando a este homem, aborda-o com a pergunta emocionante: “Queres ficar são?” A pergunta parece estranha porque, após trinta e oito anos de sofrimento e espera, nada mais natural do que pensar que era a única coisa que o homem desejava. A pergunta, no entanto, tinha várias razões para ser feita: 2.1. Para despertar a esperança. O coitado esperara tanto tempo e sofrera tantas decepções, que a esperança mirrara dentro dele, assim como era mirrado o seu corpo. Era necessário, portanto, que Jesus despertasse nele novas esperanças, ajudando-o a ter a fé necessária para receber a cura. 2.2. Para despertar a fé. Cristo não era como certos milagreiros que operam suas maravilhas mediante um preço, sem levar em conta a atitude ou condição moral da pessoa. Quando possível, Jesus exigia que a pessoa a ser curada tivesse fé. O propósito principal de Jesus em curar o corpo era transformar a alma, porque mesmo quando vivia na terra era o Salvador e, como tal, requeria a fé como elo espiritual que vinculasse o paciente à sua Pessoa. Note como a cura neste caso foi acompanhada por uma advertência ao homem, que deixasse de levar a vida de pecado que fora a causa de sua aflição (v. 14). 2.3. Para testar a sinceridade do desejo. Quando Jesus perguntou ao paralítico se queria ser curado, a pergunta era sincera e real porque existem enfermos que não desejam ser curados. Os médicos se oferecem para curar gratuitamente as feridas do mendigo, como ato de caridade, e são rejeitadas as suas ofertas; mesmo o enfermo que não usa sua enfermidade como fonte de renda, mediante a mendicância, tende a tirar vantagem da simpatia e indulgência dos amigos, a ponto de o caráter ficar tão fraco, que ele começa esquivar-se do trabalho. Há, portanto, muitos que, por uma ou outra razão, preferem ter saúde fraca. A pergunta de Cristo significava: “Você está disposto a ser restaurado a uma condição que o capacitará a assumir as tarefas e responsabilidades da vida?” 3. O mandamento que dá vida. Enquanto o homem responde, relembrando os anos de sofrimento e o fato de não ter escolhido aquela situação, as palavras de Jesus soam nos seus ouvidos: “Levanta-te, toma a tua cama, e anda”. À primeira vista, pode-se imaginar ser uma zombaria mandar um paralítico levantar-se e andar; devemos, no entanto, levar em conta que quem falou estas palavras tinha poder para curar o homem, e que o homem tinha fé em quem falou com ele. O homem creu, e manifestou a sua fé mediante um ato de obediência a um mandamento que parecia impossível cumprir. Se Deus nos mandasse passar através de um muro de pedra, nossa obediência fiel nos levaria a traspassá-lo como se fosse uma folha de papel de seda, sempre na condição de termos a certeza de que a ordem partiu de Deus! A fé é crer e obedecer em tudo o que diz respeito àquilo que sabemos ser a Palavra de Deus. O paralítico obedeceu e “logo aquele homem ficou são; e tomou a sua cama, e partiu”. A fé é o elo entre a incapacidade humana e a onipotência divina. II - A Seqüela (Jo 5.10,11) 1. A condenação. Os milagres de Jesus eram sinais, mas nem sempre estes sinais foram entendidos. Ele alimentou as multidões e sentia-se decepcionado porque poucos perceberam ser Ele o Pão enviado do céu para nutrir as almas humanas (Jo 6). Curou o cego, demonstrando assim ser a Luz do Mundo, mas os fariseus hostis queriam apagar aquela Luz (Jo 9). Ressuscitou Lázaro dentre os mortos, mostrando ser a Ressurreição e a Vida, e este milagre provocou no Sinédrio o desejo de matar o Autor da Vida. Na ocasião aqui estudada, Jesus operou um milagre que demonstrou ser Ele o que opera a vontade divina em restaurar a vida e a saúde, e os judeus queriam matá-lo por operar uma cura no sábado! (v. 16). “E aquele dia era sábado. Então os judeus disseram àquele que tinha curado: É sábado, não te é lícito levar a cama”. Estes judeus tinham apoio nas Escrituras, nas palavras de Jeremias: “Guardai as vossas almas, e não tragais cargas no dia de sábado” (Jr 17.21). Naturalmente, a proibição dizia respeito a cargas que faziam parte de empreendimentos comerciais, mas os judeus, no seu exagerado literalismo, levaram o mandamento ao extremo. 2. A vindicação. O homem lançou a responsabilidade sobre Jesus, e respondeu: “Aquele que me curou, ele próprio disse: Toma a tua cama, e anda.” Noutras palavras: “Foi aquele que me deu as minhas forças o mesmo que me mandou como empregá-las.” Que lógica magnífica! Na sua simplicidade, o homem acabou enunciando uma regra do discipulado cristão: aquEle que nos sarou e salvou tem o direito de dirigir a nossa vida. Se Cristo é a fonte da nossa vida, é também a fonte da nossa lei. Ensinamentos Práticos 1. Consolação no vale de lágrimas. Betesda, com os seus pavilhões cheios de enfermos de toda espécie, onde ecoam os suspiros e gemidos de dor e desespero, é um exemplo deste vale de lágrimas em que vivemos. No meio da vida, somos cercados pela morte; no meio da segurança, podemos ser atingidos pela calamidade; no meio da fartura, podemos ser apanhados pela miséria. “Mas o homem nasce para o trabalho, como as faíscas das brasas se levantam para voar” (Jó 5.7). Um provérbio de origem sérvia diz, com acerto: “Quem quisesse chorar todos os males do mundo logo ficaria sem olhos”. Neste quadro triste, no entanto, brilha um raio de luz: há alguém passando no meio dos doentes, perguntando a cada um: “Queres ser curado?” Deus enviou Cristo a este mundo para sarar nossos pecados e enfermidades, e para nos mostrar o caminho de libertação, de vida e de paz! Assim como o anjo agitava as águas para lhes dar poder para curar, também o Filho de Deus oferece a fonte que foi aberta para a casa de Davi para remover o pecado e a impureza (Zc 13.1). Estas águas se moviam somente em certos momentos, mas a expiação de Cristo está disponível todo o tempo. Quanto às águas agitadas pelo anjo, somente a pessoa que chegou primeiro teve a boa fortuna; na expi- ação de Cristo, porém, o mundo inteiro está convidado a entrar de uma só vez. 2. A voz que transforma. O paralítico freqüentava o tanque de Betesda havia muitos anos, e viu muitas pessoas receberem a cura enquanto ele permanecia tão doente como no dia em que chegou pela primeira vez. Esta situaçãoé típica de milhares de pessoas que freqüentam as igrejas sem receberem bênçãos: ainda estão tão fracas espiritualmente como no dia em que começaram a ir à igreja. Na teoria, crêem no poder da graça divina; na prática, não têm fé em Deus suficiente para receberem milagres de transformação que fariam delas obreiros fortes e vigorosos na causa de Deus. Este milagre demonstra que há caminho mais curto para a saúde do que a mera freqüência às cerimônias da igreja. É a voz de Cristo que precisam ouvir. Muitos têm esperado por muito tempo ao lado da fonte chamada Batismo no Espírito Santo. Vêem as águas se agitarem e outras pessoas entrarem para receberem a bênção, enquanto outros se sentem secos e sem poder. Depois, certo dia, ouvem a voz do próprio Filho de Deus e são imediatamente libertados daquela interminável espera! O que importa na vida cristã é ouvir a voz do Filho de Deus. Temos ouvido a sua voz ultimamente? 3. A chamada à benevolência. “Senhor, não tenho homem algum que, quando a água é agitada, me meta no tanque; mas, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.” “Não tenho ninguém” - estas palavras exprimem quanta solidão e egoísmo existem no mundo. De todos aqueles já curados por meio daquela fonte, não sobrou nenhum que emprestasse ao seu antigo companheiro de dores um pouco da sua força recém-adquirida, para colocá-lo na água na hora certa. Quão triste seria este mundo se não existisse ninguém que sentisse prazer em ajudar ao próximo! O egoísmo faz com que o mundo seja um lugar muito pequeno, um cantinho muito frio, infrutífero e escuro. Não há dúvida de que este mundo é lugar de egoísmo, mas ainda há boa quantidade de genuína bondade entre os homens. Jesus Cristo veio ao mundo para lançar o saneamento que é o amor nas águas amargas do egoísmo, sendo que “andou fazendo bem, e curando a todos os oprimidos do diabo” (At 10.38). Os seguidores de Jesus seguem o seu exemplo, e têm compaixão do homem sozinho e abandonado que não tem ninguém para ajudá-lo a chegar às águas que o saram. “Quando te converteres, fortalece os teus irmãos”. Quem já foi curado por Cristo se preocupará em cuidar para que outras pessoas se dirijam à mesma fonte de bênçãos; não havendo esta vontade, é porque lhe falta a energia sobrenatural que aquece e comove o coração com o divinal amor que tem longo alcance. 4. “Queres ficar são?” É surpreendente o número de pessoas que não se interessam em obter saúde, por falta de desejo de assumir as responsabilidades que a vida acarreta. Existem muitos cristãos, também, que estão dispostos a permanecer espiritualmente paralíticos porque recuam diante do serviço cristão árduo que se requer dos seguidores de Cristo. Muitos há que não querem ser feitos espiritualmente sãos, porque se esquivam das obrigações da vida cristã; outros hesitam em buscar uma experiência mais profunda por medo de surgirem, juntamente com ela, novas exigências morais. Outros, ainda, não aceitam para si a consagração total, receando que o Senhor os mande para o campo missionário. “Queres ficar são?” é uma pergunta que nos perscruta, e que significa: “Queres ser capacitado para o que há de mais puro e nobre na vida?” O Mestre continua falando ao nosso coração: “Queres ser santificado?” “Queres ser espiritualmente forte?” “Queres ser plenamente consagrado?” O que é que nos impede de responder com um eterno “sim”? 5. Quando Deus manda, ele capacita. O homem junto ao tanque era totalmente incapacitado. Porém, quando Jesus disse: “Levanta-te, toma a tua cama, e anda”, ele obedeceu e andou. A explicação é que ele tinha fé em Jesus, e o ponto de vista que a fé adota é que, por mais difícil ou mesmo impossível que seja a tarefa, o Senhor nos capacitará a cumprir sua vontade. Quando procuramos fazer aquilo que sabemos com certeza ser a vontade do Mestre, descobrimos que nossa capacidade está à altura deste desejo, e que nossas forças bastam para o cumprimento do dever. “Dá o que tu determinas, e manda o que tu desejas”, disse um antigo pensador cristão. Obedeça a Cristo, e você achará forças suficientes para isso. Creia que Ele tem poder para lhe dar vida nova, e você a receberá. Mas não hesite, não questione, não protele. 6. “Toma a tua cama”. Talvez o paralítico curado possa ter pensado: “Agora me sinto bem, mas não sei por quanto tempo vou me sentir assim; seria melhor deixar o leito aqui, caso venha a precisar dele mais tarde”. Seja como for, tal pensamento foi rapidamente expulso mediante a ordem: “Toma a tua cama”, que significa que o homem não deveria prevenir-se contra uma possível recaída! O Senhor, para dar mais força e clareza a esta instrução, disse- lhe, mais tarde, ao encontrá-lo no templo: “Eis que já estás são; não peques mais, para que não te suceda alguma coisa pior”. Muitas pessoas ficam afastadas da graça e da misericórdia de Deus porque não vão se afastando da cena das suas antigas derrotas e enfermidades. Em vez de avançarem, ficam olhando para trás, prevendo fracassos e tomando as respectivas providências, e isto por falta de confiança total no poder de Cristo. Na vida cristã, fazer os preparativos para o fracasso é convidar o fracasso. “Não tenhais cuidado da carne” (Rm 13.14). Há aqueles que se levantam do seu leito de fraqueza espiritual, avançam alguns passos na vida cristã, e então voltam para preparar a sua cama no meio da vida diária normal do mundo. Já levamos para longe o nosso leito de dores? 7. O nosso Redentor é o nosso Soberano. Quando os judeus protestaram que não era lícito àquele homem carregar seu leito no sábado, ele respondeu: “Aquele que me curou, ele próprio disse: Toma a tua cama, e anda.” Quem nos salvou e nos deu vida e força tem autoridade para nos dizer como empregar a vida que veio da parte dele. Tem absoluta autoridade de fazer o que deseja com os nossos poderes espirituais restaurados, pois que foi Ele quem no- los concedeu. Seu domínio decorre de seus benefícios; é nosso Rei porque é nosso Salvador. Rege aqueles que redimiu. Quando o cristão recebe as críticas dos mundanos por ser tão consciencioso, por recusar-se a participar das coisas do mundo e por agir de modo contrário às tradições e aos costumes da sociedade, sua defesa deve ser: “Aquele que me curou, ele próprio disse”. Para o cristão, a palavra de Cristo é o argumento único e conclusivo. 7 Jesus, o Juiz que Há de Vir Texto: João 5.19-47 Introdução No capítulo cinco, temos um sinal (v. 1-14) e um sermão (v. 19-47) que se explicam e ilustram mutuamente. O milagre registrado na primeira parte do capítulo mostra dois aspectos de Cristo: primeiro, como Doador da Vida. O homem que fora paralítico ouve a voz do Filho de Deus e recebe a vida (v. 25). Segundo, como Juiz. O homem curado fica diante do Juiz, e recebe a absolvição: “Eis que já estás são; não peques mais, para que não te suceda alguma coisa pior”. Quando os judeus objetavam que Jesus tinha violado o sábado ao curar o paralítico, ele pregou um sermão explicando o significado do milagre e asseverando a sua autoridade para operá-lo. I – As Bases da Autoridade de Cristo (Jo 5.15-20) Quando o homem que fora paralítico soube quem o curara, contou o fato às autoridades dos judeus, que, por sua vez, queriam prender Jesus sob a acusação de ter violado o sábado. Na sua defesa, Jesus levanta os seguintes argumentos: 1. Sua unidade com o Pai. “E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”. Noutras palavras: Deus trabalha no sábado, sustentando o Universo, comunicando vida, abençoando os homens, respondendo às orações. Perguntou um zombador, em conversa com um rabino judeu: “Por que Deus não guarda o sábado?” Respondeu o rabino: “Não é permitido que um homem se locomova dentro do seu próprio lar? O lar de Deus é o universo inteiro, de alto a baixo. Deus não precisa do sábado; é uma bênção que ele concede às suas criaturas, para a felicidade delas”. É esta superioridade sobre o sábado que Jesus também considerou privilégio seu. Sua atividade é tão necessária para o mundo como a de Deus Pai; realmente, ao efetuara cura no sábado, estava meramente agindo em nome do Pai. Os judeus entenderam, corretamente, que Jesus estava declarando sua própria divindade mediante tal resposta. Se estivesse simplesmente argumentando que, já que Deus trabalha no sábado, ele também, como judeu piedoso, podia trabalhar no sábado, sua defesa teria sido absurda. A declaração da sua própria deidade, no entanto, deu conteúdo real à sua defesa. Jesus declarou, portanto, que a cura do paralítico era uma obra do Pai, e que os judeus, ao acusá-lo da quebra do sábado, estavam realmente fazendo a acusação contra o Pai. 2. Sua comunhão com o Pai. “Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir fazer o Pai; porque tudo quanto ele faz, o Filho faz igualmente”. Cristo vivia em tão perfeita harmonia com o Pai que lhe era impossível operar qualquer milagre por sua própria iniciativa, ou do seu próprio desejo. Ele estava tão acostumado a submeter-se ao propósito divino que estava fora de cogitação a idéia de Ele entender mal a vontade de Deus ou se opor a ela. O Filho nada pode fazer de si mesmo, não por lhe faltar poder, e sim porque lhe falta o desejo de agir independentemente de Deus. A sua expressão é semelhante à de um homem consciencioso que, quando alguém insiste com ele para que faça algo errado, responde: “Não posso fazê-lo”. Poderia, se desejasse, mas seu caráter reto e justo lhe proíbe tal coisa. A atitude filial de Cristo é correspondida pelo amor do Pai: “Porque o Pai ama o Filho, e mostra-lhe tudo o que faz”. O Filho tem sido um espectador contínuo das obras do Pai nos corações e vidas dos homens. Estava tão profundamente enfronhado nos conselhos do Pai que sabia ins- tintivamente qual era a vontade do Pai em todos os casos. Assim, uma só olhada na direção do homem paralítico bastava para convencê-lo de que era da vontade do Pai a realização da cura, apesar de ser no dia de sábado. II – O Alcance da Autoridade de Cristo (Jo 5.21-30) “E ele lhe mostrará maiores obras do que estas, para que vos maravilheis”. A nova vida comunicada ao paralítico era um sinal que indicava o poder de Jesus para comunicar a vida eterna a quem ele quisesse. A vida física assim transmitida apontava para sua capacidade de transmitir a vida espiritual também. As “obras maiores” de Cristo se manifestam em duas esferas: 1. Na vivificação dos mortos. Dois tipos de ressurreição se mencionam nestes versículos - a espiritual e a física. O pecado causa a morte espiritual, bem como a morte física; Cristo, Salvador dos pecadores, dá a vida eterna à alma (v. 24) e a imortalidade na ressurreição (v. 25). Os versículos 21 a 25 aplicam-se à ressurreição física e à espiritual. O Filho de Deus exerce estas prerrogativas porque “assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo”. 2. No exercício do julgamento.“E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo”. Isto inclui o julgamento que os homens pronunciam contra si mesmos quando rejeitam a Cristo, bem como o juízo que será realizado no dia final. O propósito desta atribuição é “para que todos honrem o Filho, como honram o Pai”. Quando consideramos as declarações de Cristo acerca de si mesmo, não podemos fugir do mistério da Trindade. Dizer que o Filho deve ser honrado como o Pai, é dizer que o Filho e o Pai são um, com os mesmos poderes e honras, muito embora Jesus, nos dias em que viveu na terra, estivesse sujeito ao Pai de acordo com o plano divino. Há aqueles que pensam da seguinte forma: sou um homem, com as fraquezas humanas, passando por uma vida cheia de dificuldades. Deus, lá no Céu, é perfeito e livre de qualquer tentação. Como poderia Ele simpatizar com meu ponto de vista? A resposta de Cristo é: “E deu-lhe o poder de exercer o juízo, porque é o Filho do homem”. Noutras palavras: no dia do juízo os homens comparecerão diante de quem já viveu na natureza deles, experimentou as tristezas deles, enfrentou as tentações deles, e que sabe por experiência o que é a vida humana. “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma”, por causa do perfeito vínculo de comunhão entre Jesus e o Pai. Desejando que haja a mesma comunhão entre ele mesmo e os seus discípulos, Jesus disse: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Talvez alguns dos ouvintes se queixassem, dizendo que Cristo era muito severo ou dogmático ao julgar as pessoas, assim como há aqueles que levantam a objeção de serem as palavras de Jesus em Mateus 23 muito duras para aquEle que veio salvar, e não condenar. A resposta de Cristo foi e continua sendo: “Como ouço, assim julgo; e o meu juízo é justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou”. Cristo se refere às suas declarações de aprovação e de condenação, definindo o que é certo e o que é errado. Tinha, por exemplo, autoridade para dizer: “Estão perdoados os teus pecados”; “A tua fé te salvou”; “Melhor seria para tal homem não ter nascido”; “Vinde a mim”; “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno”. Estes e outros julgamentos pronunciados, no que diz respeito aos fariseus, aos hipócritas, a Pilatos e Herodes, a Jerusalém, ao mundo, aos demônios, são expressões da vontade do Pai, e não de ressentimento pessoal. São a verdadeira e infalível expressão da vontade divina. III – Ensinamentos Práticos 1. A divindade de Cristo. No trecho aqui estudado, temos um exemplo das tremendas asseverações feitas por Cristo com respeito a si mesmo, declarações que somente Deus pode fazer com razão. No entanto, as afirmações foram tão singelas e naturais como, por exemplo, quando Paulo dizia: “Eu sou judeu”. Para chegar-se à conclusão de que Cristo é divino, basta reconhecer duas coisas: primeiro, que Jesus não era um homem mau. Segundo, que Jesus não era louco. Se alegasse sua própria divindade, enquanto soubesse não ser Deus, não poderia ser um homem bom; se falsamente imaginasse ser Deus, sem que isso correspondesse à realidade, não poderia ser um homem mentalmente são. Posto que nenhuma pessoa séria pode duvidar da perfeição do caráter de Jesus, nem da superioridade da sua sanidade, não nos resta outra conclusão senão a de que ele era o que declarava ser - o Filho de Deus, no sentido especial e reservado da palavra. 2. O atual juízo de Cristo. No plano da salvação, há íntima relação entre o presente e o futuro. A plenitude da vida eterna é a possessão que receberemos no futuro, embora comece aqui e agora. Aquele que crê em Cristo “tem a vida eterna”. A condenação final ainda aguarda os pecadores não arrependidos, mas começa aqui e agora. No entanto, agora, a ira de Deus permanece sobre o descrente (Jo 3.36). Esta verdade foi ilustrada na vida terrestre de nosso Senhor. Toda pessoa que apareceu na sua presença foi julgada - ou recebeu aprovação, ou foi condenada. Lemos que os fariseus, cheios de suspeita, queriam submeter Jesus ao escrutínio; mas, na realidade, eles é que foram submetidos ao julgamento. Lemos que Jesus foi levado perante Herodes, mas, na realidade, tratava-se de Herodes comparecendo perante Jesus! (Lc 23.8-11). Jesus foi levado a Pilatos, mas, na realidade, Pilatos é que foi julgado por Jesus. Lemos sobre o processo de Jesus perante o Sinédrio, mas, realmente, julgava-se a autoridade moral do Sinédrio. Em todos os casos, foram invertidos os papéis, porque é Ele agora o Exaltado, e eles, os condenados. Na presença de Jesus, portanto, os homens são julgados de acordo com a sua atitude para com Ele. E Ele ainda é a pedra de toque das nossas vidas. Certo visitante altivo e crítico estava examinando uma coletânea de obras-primas de pintura numa galeria de arte. “Não vejo nada de especial nesses quadros”, disse, com ar de desprezo. O curador respondeu, tranqüilamente: “Senhor, aqui não está em causa a qualidade dos quadros, e sim a dos observadores”. Os críticos procuram submeter o caráter divino ao microscópio, mas são realmente eles o objeto de escrutínio. Uma boa pergunta a dirigir a um cético seria: “O que você pensa de Cristo?” Mas a pergunta maisimportante é: “O que Cristo pensa de você?” 3. “Vindo, depois disso, o juízo” (Hb 9.27). Lemos em João 3.17: “Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”. Em João 5.22, lemos: “E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo”. Não há nenhuma contradição aqui. É da vontade de Deus que todos sejam salvos, e Jesus provou a morte em prol de todos os homens. Quando, porém, os homens rejeitam a cura do pecado, têm de sofrer a sua penalidade; quando zombam da oferta da misericórdia divina, não há escape da condenação divina. Pessoas há, hoje, que duvidam do juízo vindouro tanto quanto os homens da época de Noé, mas nem por isso deixou de vir o dilúvio, nem deixará de vir o dia do juízo final. 4. “Da morte para a vida” (v. 24). Assim como um cadáver pode ser cercado por flores e enlutados, sem com eles ter o mínimo contato, assim também uma alma morta pode ter coisas espirituais ao seu alcance, sem, porém, tomar a mínima consciência da sua presença. “Mas a que vive em deleites, vivendo está morta” (1Tm 5.6). “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados” (Ef 2.1). Assim como um mineral está morto no que diz respeito ao reino vegetal, também o homem não convertido está morto com respeito ao Reino de Deus. Cristo veio possibilitar a transição do homem da morte para a vida: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna” (Jo 3.36). É esta verdade que faz a distinção entre o Cristianismo e todas as demais religiões. É o homem mental e moral mais a pessoa de Cristo; é a nova vida transmitida ao homem espiritual, uma qualidade bem diferente do que qualquer outra coisa existente no mundo (cf. Jo 14.20-23; 15.5; 1 Co 6.15; 2 Co 13.5; Gl 2.20). Cristo é a fonte da nossa vida. Nenhum homem espiritual alega, em hipótese alguma, que a sua espiritualidade é dele mesmo. “E vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Quando alguém verdadeira e sinceramente se volta do pecado para Cristo, passa da morte para a vida. 5. A certeza da vida eterna. Na data desta tradução, noticia-se a morte de um russo que viveu 168 anos. É um período muito grande de tempo, em que houve profundas modificações em todas as nações da terra, mas não passa de alguns poucos segundos em comparação à vida eterna, que é o presente recebido por todos os que têm fé em Cristo. Muitos rejeitam a vida eterna, não por não crerem que ela seja boa, mas porque a acham boa demais para ser verdadeira. Outros gostariam que fosse verdadeira, mas não têm base sólida para fundamentar as suas esperanças. Roberto E. Ingersoll, destacado inimigo da Bíblia e do Cristianismo, na ocasião do enterro do seu irmão, fez um discurso declarando não existir nada que apóie o conceito da vida além-túmulo. Depois, disse: “Aquele que aqui jaz confundiu a aproximação da morte com a volta da saúde, e sussurrou, com seu derradeiro alento: ‘Já sarei’. Oxalá possamos crer, a despeito das dúvidas e dogmas, das lágrimas e temores, que sejam verdadeiras estas preciosas palavras, no que diz respeito a todos os incontáveis mortos”. Este desejo de ter alguma esperança, da parte de quem rejeitou as Escrituras, é a sólida segurança de quem conhece a Cristo: “Porque eu vivo, e vós vivereis” (Jo 14.19). 6. O coração sem nuvens. “O meu juízo é justo porque não procuro a minha própria vontade, e sim a daquele que me enviou”. Com estas palavras, Jesus revelou a inexistência de motivos errados em seus julgamentos. Tudo quanto dizia e fazia era isento da influência do egoísmo que distorce todas as coisas. Assim como a poluição do ar vai obscurecendo a nossa vista ao derredor, também o egoísmo, o medo e a ambição formam uma nuvem que obscurece o raciocínio e perverte o juízo. Não havendo qualquer defeito ou lesão específica, sempre terão sanidade mental as pessoas que têm pureza de coração. Feliz o homem que nega-se a si mesmo e que pode dizer: “Não busco a minha própria vontade, mas a vontade do Pai que me enviou”. Tal consagração desanuviará nosso discernimento e julgamento e alimentará o espírito (Jo 4.34), iluminando o entendimento (Jo 7.17) e dando descanso ao coração (Mt 11.29). 8 Jesus, o Pão da Vida Texto: João 6 Introdução A leitura completa do sexto capítulo de João nos ajudará a colocar o sermão de Jesus (v. 26-37), que receberá nossa atenção especial neste estudo, no seu exato contexto. O capítulo registra muitas coisas grandiosas: 1. Um grande milagre. Depois de os apóstolos voltarem da sua breve viagem evangelística, Jesus os levou para o ermo, a fim de passarem juntos uns breves períodos de descanso e comunhão espiritual. Não havia, no entanto, nenhum descanso para os cansados; seus movimentos foram observados, e o povo acorreu ao lugar onde desembarcaram, correndo pela praia ao redor do mar da Galiléia, como se temesse que eles escapassem. Havia ao todo cinco mil homens. Cerca de 15 mil pessoas, contando-se também as mulheres e as crianças. E aquEle que revelou seu poder criador, transformando a água em vinho, exerceu este mesmo poder, alimentando aquela multidão com uns poucos pães e peixes. 2. O grande entusiasmo. Até esta altura, a popularidade do Senhor tinha crescido com velocidade sempre maior. Depois de o povo ver este milagre, seu entusiasmo ficou até febril. Chegaram à conclusão de que Ele, ao repetir o milagre da alimentação sobrenatural de Israel no deserto, revelou-se como o Messias. Saudaram-no como Rei, e se prontificaram a escoltá-lo a Jerusalém para sua coroação, esperando que Ele expulsasse os romanos da Palestina e exaltasse Israel acima das nações. 3. A grande tempestade. Jesus imediatamente reconheceu o incidente como sendo mais uma artimanha da parte de Satanás, para tentá-lo a tomar o trono sem aceitar a cruz. Rapidamente mandou embora a multidão, ordenou aos discípulos que se afastassem num barco e depois subiu a uma montanha para orar. Nesse ínterim, levantou-se uma tempestade que impedia os discípulos de remar e ameaçava virar o barco. A tempestade prenunciava a experiência que estava para lhes sobrevir. Dentro em breve, rajadas de impopularidade soprariam contra o Mestre e seu grupo, ameaçando sossobrar-lhes a fé. Logo teriam de resistir aos ventos e às ondas, para não serem levados em debandada à ruína, pelo furacão da apostasia. No entanto, o Mestre não se esquecera dos discípulos; seu olhar vigiava o barco, e, no momento da necessidade, interveio em prol deles. Jesus nunca se descuida dos seus fiéis, quando estão passando pelas águas de tribulação. 4. Um grande sermão. Cristo estava no auge da popularidade, era o “homem do momento”. Certamente, segundo o pensamento popular, quem tinha poderes para alimentar milagrosamente cinco mil pessoas seria ideal para restaurar a prosperidade da nação e oferecer ao povo tudo quanto necessitava. Satanás conhecia muito bem os sentimentos do povo quando sugeriu que Jesus lançasse mão de seus poderes para transformar pedras em pão. Naquela ocasião, como também no incidente aqui registrado, Jesus declarou que o homem não obterá mediante a comida natural a sua verdadeira vida, que é espiritual (Mt 4.3,4; Jo 6.27). O Senhor não queria que alguém o seguisse sem ter o conceito correto quanto à sua pessoa; todos deviam saber com certeza que tipo de Messias era Ele. Em vista disto, pregou um sermão muito claro para estabelecer qual era a sua posição. Não veio como Messias político para dar nova vida à política da nação, e sim como Messias espiritual, para oferecer vida espiritual ao seu povo. Quando Jesus alimentou o povo com pão físico, demonstrava, simbolicamente, seu desejo de alimentá-lo com o Pão espiritual que produz a vida eterna. 5. A grande triagem. A mensagem que Cristo pregou foi um golpe mortal contra a sua popularidade; deliberadamente, destruiu o apoio de uma grande parte da população: “Desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele” (6.66). Seus ensinamentos estavam além do alcance deles, e suas ações não se harmonizavam com a idéia que tinhamde como deveria se comportar o Messias. Muitas pessoas pensavam: “Se é assim o Messias, não queremos saber dele”. Isto não se constituiu em surpresa para o Senhor: afinal de contas, planejara semelhante crise deliberadamente, porque, apesar dos seus anseios pela salvação de todos os homens, desejando que todos chegassem a Ele para receber a vida, não aceitaria pessoa alguma que não se consagrasse ao Senhor. Procurava aqueles que lhe eram dados por Deus (6.37), ensinados por Deus (6.45) e trazidos por Deus (6.44), sabendo que somente os tais permaneceriam na sua Palavra. 6. Uma grande prova de fé. O Mestre estava sendo abandonado por muitos seguidores decepcionados. Será que os apóstolos também seriam levados pela onda de apostasia? Jesus coloca diante deles a questão: “Quereis vós também retirar-vos?” Três âncoras seguravam os discípulos, firmes, durante esta tempestade de apostasia: primeiro, sua sinceridade real - verdadeiramente queriam o melhor que Deus tinha para eles; segundo, a consideração das alternativas - “Para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna”; terceiro, sua convicção de que Jesus era tudo o que dizia ser - “E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho de Deus”. I – Jesus Corrige um Conceito Falso (Jo 6.26-29) Veja os versículos 22-25. A multidão alimentada permaneceu no local durante toda a noite. Logo de manhã, percebeu, surpresa, que Jesus tinha ido embora. Logo chegou uma flotilha de barcos (talvez para vender mantimentos) e, embarcando neles, foram procurar Jesus. Achando- o finalmente, perguntaram: “Rabi, quando chegaste aqui?”, querendo saber como viajara tal distância em tão pequeno espaço de tempo. Tinham visto Jesus subir sozinho o monte, enquanto os discípulos partiram sem Ele. Não compreenderam como Ele poderia ter atravessado o mar, pois nenhum barco ficara disponível depois da partida dos discípulos. Imaginavam que, por certo, o operador do milagre dos pães fizera a travessia de modo milagroso, sem, porém, terem tomado conhecimento do fato de Ele ter andado por sobre o mar. 1. Condenação. “Jesus respondeu-lhes, e disse: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes”. Estes homens, em vez de perceberem no milagre um sinal da divindade de Cristo, encararam-no simplesmente como uma maneira de receberem alimentos para seu corpo físico. Souberam ver os pães no sinal, e não o sinal nos pães. Seguiam a Jesus visando propósitos mundanos e motivos egoístas. Jesus conhecia o coração humano, não se deixando iludir com o entusiasmo popular. Percebia as suas aspirações sem espiritualidade, comparáveis às atitudes daqueles que desejam o milagre da cura divina sem almejarem a salvação da alma. Os versículos 26 e 27 servem como comentário do texto: “Não só de pão viverá o homem”. Precisa de pão, mas precisa também de outras coisas; é-lhe necessário ter víveres, como também ter visão. Se o homem fosse apenas corpo, bastar-lhe-ia o pão; sendo também alma, ele precisa de Deus. 2. Exortação. “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou”. Os ouvintes tinham corrido uma distância tão grande por causa da comida que perece e que, portanto, não pode produzir a imortalidade; deveriam ter mostrado igual interesse em procurar a comida que nutre a alma para a vida eterna. Jesus não quer dizer que não se deve trabalhar para ganhar a vida, inclusive a comida diária, mas não quer que as coisas naturais sejam o alvo principal do homem. Assim como existe uma fonte de água que jorra para a vida eterna (Jo 4.14), assim também existe uma comida que, ao ser assimilada, transmite à alma a vida divinal. Sabemos que Cristo nos oferece tal comida, porquanto “o Pai, Deus, o selou”. Este selo é o sinal da aprovação daquilo que é genuíno, e da exclusão daquilo que é errado. Através do milagre da multiplicação dos pães, Deus dá seu carimbo de aprovação que comprova ser Jesus o Doador do Pão da Vida. A descida do Espírito Santo, a voz do céu e a operação de poderosos milagres eram evidências que provavam que o Pai dedicara Cristo para ser Salvador do mundo. 3. Interrogação. “Disseram-lhe, pois: Que faremos, para executarmos as obras de Deus?” (Ou seja, obras aprovadas por Deus, e que nos aproximam de Deus.) A pergunta surgia com naturalidade entre os judeus, cujo conceito da salvação era que a escrupulosa observância de um currículo inteiro de deveres, cerimônias e outras obras lhes daria o direito a ela. Mesmo assim, a pergunta demonstrava algum interesse na questão, e queriam esforçar-se neste sentido. Semelhante pergunta vem irrompendo do fundo do coração de todos aqueles que, tendo começado com uma atitude de total indiferença, já fizeram algum progresso na direção de procurarem uma vida santa que agrade a Deus. 4. Explicação. “Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou”. A fé é a obra de Deus porque é Deus quem a exige e aprova. Sem fé, é impossível agradar-lhe. Note que Jesus disse que crer é “a obra” - e não uma das obras - de Deus. A fé é aquela única obra de onde procedem todas as demais obras genuínas. E a própria fé não é mérito nosso; é dom de Deus. A fé é a mais sublime qualidade de obra, porque por ela o homem se entrega a Deus, e não há nada mais nobre para um ser livre fazer do que dar- se a si mesmo. Tiago ressalta que “a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma” (Tg 2.20). Paulo ressalta que as obras, sem a fé, estão mortas (Rm 3.20; cf. Hb 3.20). São verdadeiras ambas as proposições. A fé viva produzirá obras vivas; e obras vivas, aceitáveis diante de Deus, devem proceder de uma fé que realmente vive. Disse Martinho Lutero: “Ficar confiando na Palavra de Deus, de tal forma que o coração não fique aterrorizado diante do pecado e da morte, mas, pelo contrário, confie e creia em Deus, é algo mais severo e difícil do que todas as exigências das ordens monásticas.” Note que o supremo objeto da fé é Jesus Cristo, o Filho de Deus. O judeu ortodoxo afirma que, enquanto agrada a Deus, não tem necessidade de Cristo. Como, no entanto, poderá agradar a Deus se rejeita o seu Mensageiro? (cf. Dt 18.18,19). II – Jesus Desperta o Verdadeiro Desejo (Jo 6.30-34) 1. Um desafio. “Disseram-lhe pois: Que sinal pois fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do céu” (cf. Ex 16.4; Sl 78.24). Queriam provas da parte de Jesus quanto à veracidade das suas palavras e à certeza de que valeria a pena eles se entregarem totalmente a ele. Os judeus, através de toda a sua história, sempre tiveram a tendência de procurar um sinal sobrenatural, desejando alguma irresistível prova que despertaria neles a fé invencível, assim como o grego sempre procurava o raciocínio irrefutável (1 Co 1.22). Embora tivessem visto a multiplicação dos pães, queriam um sinal ainda mais espetacular, menosprezando o milagre operado por Jesus e dando a entender que, se Jesus quisesse que eles o seguissem como sendo maior do que Moisés, teria de fazer algo comparável ao milagre de alimentar uma nação inteira durante 40 anos, considerado o maior milagre da história dos judeus, o qual o Messias deveria repetir. 2. Uma correção. “Disse-lhes pois Jesus: Na verdade, na verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu. Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.” Jesus faz as seguintes ressalvas: 1) Não foi Moisés quem lhes deu pão do Céu - dom de Deus, e não de Moisés. 2) O maná não era pão celestial, pois que sustentava apenas o corpo, e não a alma. O verdadeiro pão celestial é o Salvador, que desceu do céu para a terra, para salvar as almas humanas (Jo 3.16). O maná era apenas um outro tipo de pão: como o maná, desce do Céu; diferentemente do maná, dá a vida - não a uma nação, e sim ao mundo inteiro; nãopor poucos anos de vida humana, e sim pela eternidade (v. 49,50). 3. Uma oração. Esta declaração, como a que a mulher samaritana ouviu (Jo 4.15), despertou o desejo nos corações dos ouvintes, que exclamaram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. Queriam este pão, de quantidade ilimitada, que é fonte de vida, alimento da vida eterna, que satisfaz toda a fome, abolindo toda a pobreza e vencendo o temor da morte. III – Jesus Oferece a Verdadeira Vida (Jo 6.35) “E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome; e quem crê em mim nunca terá sede.” Jesus descreve sua obra de salvação mediante a expressão figurada de Pão celestial entrando no mundo para alimentar almas humanas, dando-lhes a vida eterna. 1. A descida do Pão celestial. “E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome ”. Jesus ensina aqui a doutrina da encarnação: que o eterno Filho de Deus assumiu a natureza humana a fim de viver entre os homens. O Filho de Deus se tornou Filho do homem, a fim de que os filhos dos homens pudessem ser feitos filhos de Deus (cf. Jo 1.12-14). 2. O Pão celestial é partido. O pão tem de ser partido quando alguém o come. O Filho de Deus Encarnado tem de oferecer sua vida em sacrifício antes de os homens verdadeiramente se alimentarem dele. O Verbo de Deus, que se fez carne e foi crucificado na carne, é a vida do mundo. Na Ceia do Senhor, comemoramos aquele ato mediante o qual foi quebrado o corpo de Cristo para, assim, dar vida ao mundo. 3. A eficácia do Pão. Cristo é o Pão da vida porque veio do céu trazer ao mundo uma nova fonte de vida; o pão, ao sustentar a vida, cumpre sua finalidade, e o que há de especial neste Pão é que sustenta a vida eterna. Os que comem do Pão da vida perdem o pavor da morte. 4. A apropriação do Pão. O pão só pode sustentar a nossa vida física quando o comemos; Cristo nos dá a vida eterna quando cremos nele. “Aquele que vem a mim não terá fome; e quem crê em mim nunca terá sede”. “Comer a carne do Filho do homem e beber o seu sangue” (v. 53) é crer na eficácia da sua morte expiatória. 5. A ascensão do Pão da Vida. Veja o versículo 62. O Pão que desceu do céu deve subir de volta para lá, para ser, em escala muito maior, o Pão da vida eterna; Jesus derrama sobre todas as almas famintas no ermo espiritual, que é o nosso mundo, o maná celestial para alimentar a todos. IV – Jesus Censura a Descrença (Jo 6.36,37) 1. A acusação. “Mas já vos disse que também vós me vistes, e contudo não credes” (cf. v. 26). A multiplicação dos pães era milagre suficiente para satisfazer a exigência de um sinal da parte dEle; mesmo assim, recusaram-se a crer. A situação é que viram sem perceber. O pecado e o preconceito cegaram os olhos deles, distorcendo seu discernimento. 2. A certeza. “Todo o que o Pai me dá virá a mim”. Todos os que se chegam a Cristo, aceitando-o como Mestre, fazem-no porque o Espírito Santo os atraiu a ele, e, assim sendo, foram-lhe “dados” por Deus. Todos os que realmente estão sendo guiados pelo Espírito de Deus for- çosamente terão que aceitar a Cristo como seu único Salvador: se estes homens não estavam chegando a Ele é porque havia algum empecilho nas suas vidas que os impedia se entregarem a Deus (Jo 5.38; 6.44,45; 8.42,47). 3. A promessa. “E o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora”. O Pai e o Filho trabalham em conjunto na salvação das almas: o Pai as atrai, e o Filho as recebe. Note que estas palavras também dão a entender que Cristo tem poder para excluir da sua comunhão e do seu Reino (Mt 8.12; 22.13). No entanto, não rejeitará pessoa alguma cujo coração tenha sido comovido ao arrependimento pela atração do Espírito de Deus. V – Ensinamentos Práticos 1. O dom e o Doador. Os judeus estavam procurando as dádivas, ou seja, os pães, mas as palavras dirigidas a eles por Jesus revelam que não procuravam o Doador. Nós também cometemos semelhante erro? Procuramos a bênção, ou aquele que abençoa? Procuramos o dom, ou o Doador do Espírito? Procuramos a cura, ou aquEle que cura? Procuramos uma coisa, ou a pessoa? Oxalá que possamos procurar Cristo por amor a Ele mesmo. 2. A suprema busca da vida. “Trabalhai, não pela comida que perece...”. Há milhares de anos, Isaías, profetizando acerca da tentação que o luxo e a magnificência de Babilônia viriam a ser para os exilados, fez a seguinte advertência: “Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? e o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer?” (Is 55.1,2). Aqui se levanta a eterna questão: em prol de que deve viver o homem? Qual deve ser o alvo dos seus mais sublimes esforços? Uma vez que o homem é destinado para a eternidade, logo, a atividade mais sublime da sua vida tem de ser a busca daquilo que é celestial e eterno. Nada menos do que isto satisfará completamente a sua alma. Infelizmente, existem muitos cometendo o mesmo erro do rico fazendeiro que considerou seu corpo como se fosse a alma, dizendo: “Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos”. O epitáfio que Deus lhe preparou dizia: “Louco”! Como cristãos, devemos renovar a nossa consagração e freqüentemente perguntar a nós mesmos se estamos vivendo à altura daquilo que Jesus ordenou em Mateus 6.33. 3. Satisfeitos, porém famintos. No deserto central da Austrália há uma planta estranha chamada nardoo, que tem folhas parecidas com as do trevo. Dois ingleses, Burke e Willis, fazendo pesquisas na região, seguiram o exemplo dos nativos quando lhes faltou comida, comendo as raízes e as folhas daquela planta. Parecia saciar-lhes a fome, enchendo-os com a sensação de bem-estar e satisfação. Não sentiam mais fome, mas, mesmo assim, começaram a surgir os efeitos da inanição. Seus corpos foram ficando debilitados e suas forças foram diminuindo até que pouco mais energia tinham do que um recém-nascido. Finalmente, um morreu, e o outro foi resgatado no último instante, o que ilustra os resultados fatais da tentativa de alimentar a alma com coisas mundanas! Com que se alimenta o homem não convertido? Em Oséias, apascenta o vento (Os 12.1); em Provérbios, se apascenta de estultícia (Pv 15.14); em Lucas 15, quer se fartar das alfarrobas; e, em Isaías 44.20, se apascenta de cinza. A tais pessoas Cristo se oferece como o Pão da Vida. 4. Nossa religião nos satisfaz? A festa espiritual que recebemos na igreja deve nos satisfazer a alma, transformando-nos de tal maneira que outras pessoas também queiram participar das bênçãos. “Provai e vede que o Senhor é bom” (Sl 34.8). Chegue-se a Ele com seu coração faminto. Ele o alimentará, e você sairá satisfeito. 5. A obra de Deus. Quando os judeus perguntaram o que deveriam fazer para agradar a Deus, Jesus disse que deveriam crer. Eles perguntaram sobre as obras; Jesus indicou a única obra - confiar. Isto simplifica a religião. Se a salvação depender das obras, quem poderá saber que já fez o suficiente? Por outro lado, a pessoa sabe muito bem quando está confiando em Cristo. Esta fé, sendo genuína, produzirá por si mesma as necessárias obras. O homem é mais importante do que a obra; a motivação é mais importante do que a ação; o caráter é mais profundo do que a conduta. Temos de estar certos antes de fazer o certo; e, para ficarmos certos com Deus, temos de entregar a Ele o nosso coração: “Visto que com o coração se crê para a justiça” (Rm 10.10). O Cristianismo é, fundamentalmente, o relacionamento pessoal com Deus, possibilitado por Cristo e transformado em realidade mediante a fé. 6. O significado da predestinação. As palavras: “Todo o que o Pai me dá virá a mim” significam que Deus destinou para a salvação não este ou aquele indivíduo, e sim todo aquele que crê no seu Filho. Isto poderia incluir todas as pessoas, no mundo inteiro, pois Deus quer que seja assim: todos os que crêem, são salvos. Portanto, Deus elege não os indivíduos, e sim os meios, de maneira que todos os que lançam mão dos meios oferecidos por Deus são salvos. Deus predestinou todo aquele que quiser aceitar, e a própria aceitação é dom de Deus (Ef 2.8). 9 Jesusna Festa dos Tabernáculos Texto: João 7.1-53 Introdução No capítulo nove, João descreveu a crise na Galiléia, mostrando como a pregação simples e declarada de Cristo fez uma triagem entre os discípulos. No capítulo sete, João procede à descrição do sentimento para com Jesus existente em Jerusalém, onde as nuvens de descrença se amontoaram até desencadearem uma tempestade de violência e ultraje. Este capítulo nos ajuda a atingir o ponto de vista certo, mediante a demonstração das várias estimativas que se faziam da obra e da pessoa de Jesus, bem como das opiniões que se podiam ouvir com respeito a Ele em toda a Jerusalém. O propósito de João é mostrar como Jesus se revelou de todas as maneiras apropriadas para que a fé fosse despertada naqueles homens, e o resultado foi que alguns creram e outros não. Dê uma rápida olhada na narrativa do Evangelho para perceber como o apóstolo, inspirado, registra os resultados dos milagres de Cristo, bem como dos seus discursos. Os primeiros versículos deste capítulo nos mostram a impressão que Jesus originalmente causava aos seus próprios familiares. I - O Desafio Carnal (Jo 7.2-10) 1. O desafio. Veja os versículos 3 e 4. Os irmãos de Cristo, que deveriam ter sido os primeiros a entender o seu caráter, demoraram a crer nEle. Souberam apenas ficar irritados pelas diferenças que havia entre Jesus e eles. Ao mesmo tempo, pensavam eles, se porventura fossem verdadeiras as reivindicações dEle, seria agradável a situação de irmãos do Messias. Desta forma, sentem preocupação em obter um pronunciamento oficial sobre o caso, querendo que Jesus fosse diretamente à autoridade central, em Jerusalém, em vez de fazer um trabalho local na Galiléia, que tão poucos resultados demonstrou. Não conseguiram aceitar a idéia de o irmão deles ser o Rei tão esperado, mas, tendo em vista os relatos fidedignos acerca de tudo quanto fizera de extraordinário, sentiram que havia nEle algo de misterioso, e queriam pôr fim ao suspense, persuadindo-o a ir a Jerusalém. Para tanto, zombavam dele, dizendo que quem realmente acha merecer a atenção do grande público deve ir com os discípulos aos lugares onde as grandes multidões possam publicamente aclamá-lo. “Porque nem mesmo os seus irmãos criam nele” foi o triste comentário de João, admissão esta que testifica a sinceridade dos escritores dos Evangelhos. Quando é que finalmente chegaram a crer? (cf. At 1.14; 1 Co 9.5; Gl 1.19). Medite neste fato profundo e significativo: os próprios familiares de Jesus, criados com Ele, que o viram na plenitude da sua humanidade, e inicialmente não criam nEle, só depois chegaram a adorá-lo, reconhecendo-o como Senhor e Mestre. Qual é a explicação desta mudança? Veja Atos 2.32,33. 2. A resposta. Jesus deu a entender o seguinte: “O tempo não está pronto para a minha entrada em Jerusalém como Messias. Tal ato daria vazão à hostilidade dos líderes que me matariam antes da hora planejada. Vocês podem subir, porque estão em perfeito acordo com o espírito, alvo e padrões da época. Vocês estão tão enfronhados com o mundo, que podem falar o que quiserem e quando quiserem. Vocês não estão indo contra nenhum dos conceitos mundanos, não estão derrubando nenhum ídolo. Eu, porém, preciso suportar a hostilidade e a antipatia que são o quinhão de qualquer profeta que desmascare a maldade e a hipocrisia de sua época. Vão, e participem das cerimônias do templo. Cheguem a Tempo para fazer os tabernáculos. Vocês, afinal, não têm nenhuma mensagem a pregar contra a corrupção do santíssimo culto ou a hipocrisia do ritual”. “E, havendo-lhes dito isto, ficou na Galiléia. Mas, quando seus irmãos já tinham subido à festa, então subiu ele também, não manifestamente, mas como em oculto”. Jesus não fez a “subida” ou viagem oficial com o grupo de peregrinos da Galiléia; foi para lá de modo tranqüilo, abençoando os leprosos, consolando almas e ensinando aos espiritualmente ignorantes. Chegou com atraso deliberado e não apareceu no templo até que a festa já havia começado, quando, então, com a autoridade e destemor de um profeta, surgiu de repente e começou a ensinar. Seus ensinamentos tratavam da sua própria missão e a atitude dos judeus para com ela (Jo 7.14-36). II - O Convite Espiritual (Jo 7.37-39) 1. A ocasião. O convite do nosso Senhor é ainda mais marcante quando o examinamos à luz de um dos atos mais marcantes da Festa dos Tabernáculos, a saber, quando a água era tirada do tanque de Siloé com uma bacia de ouro e levada em procissão para o Templo, onde era derramada ao som das trombetas tocando em triunfo e das exclamações de “Aleluia!” da parte dos assistentes. O regozijo nesta altura da cerimônia era tão grande que os judeus tinham um ditado: “Quem não sentiu júbilo no momento de ser derramada a água tirada do tanque de Siloé, nunca na sua vida sentiu júbilo”. O derramamento da água tinha um significado tríplice: 1) Reconhecimento e agradecimento pelas bênçãos divinas reveladas nas chuvas da sementeira e da colheita. 2) Comemoração do milagroso suprimento de água que os israelitas receberam no deserto. 3) Era o símbolo profético do futuro derramamento do Espírito sobre o povo de Deus, que, segundo os israelitas espirituais, seria o cumprimento das palavras cantadas pelos sacerdotes enquanto tiravam a água do tanque: “E vós com alegria tirareis águas das fontes da salvação” (Is 12.3). No último dia da festa, a bacia voltara vazia, comemorando-se assim a entrada de Israel numa terra de fontes de água; provavelmente foi àquela altura que “Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba” (v. 37). Enquanto o Senhor falava tais palavras, por certo deve ter olhado entre a multidão os rostos de israelitas sinceros que, pelo seu semblante, revelavam ter uma sede espiritual que não fora dessedentada. Israelitas havia, com seriedade de pensamento, que reconheciam que no Templo, apesar de todo o seu esplendor e do aparatoso equipamento para os sacrifícios, não havia fonte para aliviar-lhes a sede - falta esta simbolizada pelo fato de os sacerdotes terem de sair do Templo a fim de trazer a água. Queriam saber quando se cumpririam as palavras dos profetas, tais como: “Sairá uma fonte da casa do Senhor” (Jl 3.18); e que um grande e profundo rio sairia debaixo do limiar do templo (Ez 47.1-5). Decepcionados com a mera forma exterior, tinham sede da realidade. Qual não deve ter sido o efeito sobre eles da voz autoritária que, como em resposta aos seus desejos não pronunciados, exclamou: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios d’água viva correrão do seu ventre” (v. 37,38). 2. O convite. Jesus, neste convite, demonstrou ser ele o verdadeiro Templo de Deus, e o Espírito Santo que dEle procede, a fonte da vida eterna. O próprio Jesus é o Siloé espiritual (Jo 9.7), o Enviado de Deus, e convida a todos quantos quiserem a se aproximar dEle para tirar água viva. Os que assim fazem não somente recebem o suficiente para sua própria sede, como também ficam sendo uma fonte de vida para seu próximo; não somente a água dada por Cristo se torna neles fonte que jorra para a vida eterna, como também transforma as pessoas em rochas de onde brotam águas vivas para o refrigério dos outros (cf. Is 55.1; 43.1920; Jr 2.13; Jo 4.10; 1 Co 10.4,21; Ef 5.18). Com esta ilustração, Jesus declara ser aquEle que satisfaz a todos os anseios da alma que deseja a vida, o gozo, a paz, o poder, a sabedoria e a comunhão com Deus. Cristo revela seu poder para suprir cada aspiração, cada desejo piedoso, cada necessidade espiritual de nossa complexa natureza humana. Esta declaração corajosa da parte de Jesus, oferecendo-se como a adequada solução a todos os problemas humanos e a satisfação a toda sede dos homens, tem sido testada e comprovada como verídica através das experiências de 20 séculos de história humana. Hoje, pelo mundo inteiro, há inúmeras pessoas que podem testificar que Cristo é verdadeiro, e que supre totalmente todos os anseios da alma. 3. A promessa. “Quem crê em mim, comodiz a Escritura (o consenso dos ensinos bíblicos contidos em trechos, tais como: Salmo 78.16; 105.41; Zacarias 14.8 e Isaías 43.19,20), rios d’água viva correrão do seu ventre.” Quem confia em Cristo se torna semelhante àquEle em quem confia. Quem recorre àquela Fonte, recebe, mediante o Divino Espírito da parte de Cristo, a vida no seu íntimo, que se transforma em “fonte que jorra para a vida eterna”. Provérbios 14.14 diz que o homem de bem se satisfaz com seu próprio proceder, mas isto acontece somente quando ele tem Cristo no seu coração, quando, então, pode dizer: “E vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim”. Todo aquele que recebe de Cristo o Espírito Santo fica sendo, por sua vez, e de modo limitado, uma fonte de vida espiritual, trazendo refrigério a outras almas sedentas. 4. A explicação. “E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glo- rificado.” (cf. Jo 16.7; Lc 24.49; At 1.4,5). Já que a Bíblia registra que o Espírito Santo veio sobre Moisés, Davi e os profetas, e que João Batista foi cheio do Espírito Santo já no ventre materno, examinemos as palavras “o Espírito Santo ainda não fora dado”. Assim como o Filho de Deus existiu no céu e se manifestava na terra de certas maneiras antes de nascer na manjedoura, e, quando da encarnação, entrou no mundo de modo novo e diferente para travar novas relações com a raça humana, com seu novo nome - Jesus -, também o Espírito Santo estava operando no mundo, inspirando muitas pessoas, antes do dia de Pentecostes, antes de vir ao mundo de modo novo e diferente após a ascensão de Jesus, com seu novo aspecto de Espírito do Cristo vivo - o Espírito que se revela em conexão com aquEle que sofreu, morreu, ressuscitou e subiu de volta ao Céu. Assim, Ele também recebeu um novo nome - “o Consolador”, o “Espírito de Cristo”. Da mesma forma, torna-se claro o significado da declaração de João quando consideramos que se ressalta a palavra “dado”. Antes da ressurreição de Cristo, o Espírito Santo Jesus na Festa dos Tabernáculos 91 ainda não era dado para ser perpétua possessão do indivíduo. Na época da Antigo Testamento, o Espírito era, por assim dizer, “emprestado” por Deus a membros do seu povo, mediante operações intermitentes; vinha sobre as pessoas para equipá-las para alguma tarefa específica, deixando-as em seguida, ou voltando a visitá-las em outras ocasiões necessárias. Depois do dia de Pentecostes, porém, Cristo derramou o Espírito Santo como dádiva permanente para ser possuída e desfrutada: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre” (Jo 14.16). III – Ensinamentos Práticos 1. Irmãos, mas não crentes. “Porque nem mesmo seus irmãos criam nele”. À primeira vista, parece surpreendente não terem os próprios familiares de Cristo lhe oferecido sua fé; decerto que foi motivo de tristeza para o Senhor, e um mistério para seus discípulos. O registro deste fato doloroso, no entanto, poderá dar alguma consolação àqueles que têm parentes não salvos que fazem com que sua vida cristã em casa seja muito difícil. O próprio Jesus suportou dúvidas, mal- entendidos e talvez oposição da parte dos seus entes queridos no próprio lar: “Um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4.15). Mesmo assim, nosso Senhor colocou a vontade de Deus em primeiro lugar na sua vida (Mt 12.47-50) e, mais tarde, seus irmãos vieram a ser discípulos muito fiéis. 2. Há tempo para tudo. “Ainda não é chegado o meu tempo”. A vida do Mestre sempre era dirigida pela vontade do Pai, de tal forma que sempre fazia a coisa certa, da maneira certa e no tempo certo. Uma coisa certa pode tornar-se errada, quando feita no tempo errado. Às vezes erramos devido à nossa pressa; às vezes a falha está em nosso atraso. Nada havia de errado na tentativa dos israelitas de entrar em Canaã (Nm 14.40-45), porém a tentativa foi feita tarde demais e resultou em fracasso (Nm 14.1-10). Nada havia de errado quando as virgens néscias bateram na porta pedindo entrada (Mt 25.11), só que chegaram tarde demais. Nada mais recomendável do que anunciar que Cristo é o Messias e contar sobre a sua transfiguração; mas, se os discípulos tivessem feito assim antes da ressurreição, o resultado poderia ter sido desastroso (Mt 16.20; 17.9). Ficaria fora da programação de Cristo. O fracasso de muitos empreendimentos pode ser explicado pelas palavras: “Não reconheceste a oportunidade” (Lc 19.44). 3. Uma tarefa ingrata. “Mas ele [o mundo] me aborrece a mim, porquanto dele testifico que as suas obras são más”. É uma experiência familiar a de que os que consistentemente contam a verdade acerca dos pecados das pessoas são mal recebidos e até encontram ódio e violência. A consciência ferida quer ferir o mensageiro. Quando os pecadores são levados a odiarem a si mesmos, podem começar a odiar o pregador. Quando a Palavra de Deus revela quão ridículo é o mundano, ele, por sua vez, procurará fazer com que seja considerado ridículo o próprio Cristianismo. O pregador que fala com clareza não será o pregador mais popular, mas a culpa não será dele: “Ai de vós quando todos os homens de vós disserem bem, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas” (Lc 6.26). Se a verdade dói, também cura; porém deve ser dita com amor (Ef 4.15), e não com maldade, irritação ou mau humor. “De graça lhe darei da fonte da água da vida” (Ap 21.6); “Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba”. O convite tinha os seguintes aspectos: 3.1. Foi oferecido com grande fervor. É comum o caso de alguém que se afoga gritar com angústia, enquanto os que querem ajudá-lo estão calmos e quietos. Aqui, a situação é bem diferente: é o Libertador quem clama, enquanto os que dEle precisam não se manifestam. Agem como se tivessem tudo, e Ele, como se passasse necessidades. Jesus clamou, exprimindo o forte desejo da sua alma: dar a redenção. Ele tem mais disposição para perdoar do que o pecador para receber o perdão. Quando a Divindade estende as mãos para implorar à humanidade, é para salvá-la da terrível condenação; grande será a ruína daqueles que desprezam semelhante apelo (Pv 1.24-28). 3.2. É universal. “Se alguém tem sede”. “Alguém” pode ser um ateu, um cético, um idólatra, um descrente; pode ser alguém que está abatido porque estão esgotadas as suas cisternas; pode ser alguém que se desiludiu com as fontes às quais recorria; pode ser um proscrito da sociedade, proibido de se aproximar dos bebedouros dos homens, ou um desviado que deixou a fonte das águas vivas - o convite de Jesus é dirigido a todos: “Venha a mim”. 3.3. É uma pessoa que chama, e não uma cerimônia. Depois de cumprido o ritual, Jesus chama a atenção para a sua própria pessoa: “Venha a mim”. Aos pagãos, com seus sacrifícios; aos ritualistas, cumprindo sua rotina de cerimônias; aos ascetas, procurando merecer a salvação mediante flagelos dolorosos e prolongados jejuns, Jesus diz: “Venha a mim”. Quem tem sede deve ir pessoalmente a Cristo; não basta ir à igreja, às suas ordenanças, às reuniões para oração e louvor. É preciso ir mais à frente, mais para o alto, para entrar em comunhão pessoal com o Cristo. Isto porque, sem Ele, tudo o mais na religião cristã não tem valor algum. A mão humana pode tirar a pedra do túmulo, revelando a presença do defunto, mas somente Jesus pode dizer: “Saia e viva”. É diretamente com Cristo que teremos de nos haver. 4. É um convite à ação. “Venha”, não para olhar a água, nem analisar a água, nem admirar a água, nem conversar acerca da água, nem para criticar a água - mas para beber! Muitos ouvem falar acerca de Cristo, lêem a respeito de Cristo, mas não chegam a Cristo. Quando o Senhor Jesus falou da água viva fluindo do interior dos crentes, queria dizer que não somente os crentes deveriam receber a bênção, como também teriam de se transformar em bênção para outras pessoas. A plenitude e abundância do Espírito Santo se revelam na pessoa quando ela transborda uma quantidadesuficiente para levar refri- gério a outras pessoas. A Fonte sempre está fluindo. Será que nós sempre estamos sentindo sede e bebendo? Se não, a verdade é que, além de furtar-nos a nós mesmos, estamos privando nosso próximo das bênçãos que receberia por nosso intermédio. 10 Jesus, o Libertador Texto: João 8.31-59 Introdução O incidente da mulher surpreendida em adultério (Jo 8.1-11) parece ilustrar de maneira comovente o tema do trecho agora estudado, ou seja, a liberdade espiritual. Os líderes religiosos, orgulhando-se da sua liberdade como filhos de Abraão, trazem a Jesus uma mulher que consideram completamente escravizada pelo pecado. Quando, porém, Jesus lhes ensina uma lição, retiram-se do cenário, presos pelas correntes de uma consciência culpada, enquanto a mulher fica ali, transbordando de felicidade na liberdade que Cristo lhe concedeu. Semelhantemente, o presente trecho (Jo 8.31-59) começa com o quadro de um grupo de judeus que se consideravam livres, mas que logo revelam- se escravos do pecado. A conversação registrada nos versículos 31-59 revela as diferenças essenciais entre os que queriam se apegar à Antiga Aliança, e Cristo, que veio cumpri-la. Enfatizavam o lado histórico da religião; Jesus exalta o lado espiritual. Apelam aos privilégios externos da religião; Jesus ressalta as qualificações morais. Dão muito valor à liberdade política; Cristo oferece a liberdade espiritual. Quando estes semicrentes descobrem que Jesus exige uma completa transformação do seu coração, o rompimento com o judaísmo ortodoxo e a fé pessoal nEle como Filho eterno de Deus, o sentimento deles para com Jesus setransforma-se em ódio violento. Jesus, para corrigir o ponto de vista errôneo deste grupo, ensina-lhes lições - sobre o verdadeiro discipulado, a verdadeira liberdade e o verdadeiro caráter. I – O Verdadeiro Discipulado (Jo 8.31,32) “Jesus dizia pois aos judeus que criam nele”. Estas pessoas reconheceram a veracidade das declarações de Jesus quanto a ser Ele o Messias, mas interpretavam suas promessas segundo os preconceitos nacionalistas. Jesus, desejando aprofundar e purificar a fé dos seus ouvintes, disse: “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos. E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” Jesus já lhes dissera que morreriam nos seus pecados se não tivessem fé nEle (v. 24). Agora, explica-lhes que se não permanecerem firmemente na sua Palavra, nos seus ensinos, não poderão escapar da escravidão que para Ele está bem patente, mesmo que eles não a reconheçam. Somente a verdade pode libertar a mente da ignorância, do preconceito e dos maus hábitos. Quando a Luz do mundo brilha nos lugares tenebrosos do coração, não apenas são reveladas as correntes que amarram a alma; tais correntes são rompidas pela mesma luz. Ver o pecado conforme ele realmente é, pode ser o suficiente para que o pecador fique com nojo dele. As palavras de Jesus ofenderam estes seus ouvintes, porque ele deu a entender: 1) que teriam de consertar suas vidas se quisessem permanecer na doutrina dEle, enquanto consideravam-se impecáveis em sua conduta; 2) que eram ignorantes quanto às verdades da salvação, enquanto imaginavam dominá-las totalmente; 3) que não tinham liberdade religiosa, porque estavam supersticiosamente presos à letra da Lei mosaica. II – A Verdadeira Liberdade (Jo 8.33-36) Os orgulhosos judeus replicaram: “Somos descendência de Abraão”. Orgulhavam-se desta descendência, como se sua certidão de nascimento fosse passaporte para o Céu (cf. Mt 3.9). Certa lenda judaica descreve Abraão sentado junto ao portão do inferno para impedir que qualquer judeu desgarrado pudesse chegar até lá, e o livro de orações da sinagoga declara: “A totalidade de Israel tem um quinhão no mundo do porvir.” Protestaram que nunca estiveram escravizados a ninguém: “Como dizes tu: Sereis livres?” Os judeus, no entanto, já tinham sido subjugados pelos egípcios, babilônios, sírios, e naquele momento histórico estavam sob o domínio de Roma. O que queriam dizer é que, mesmo com seu país subjugado por nações gentílicas, nunca aceitaram tal situação, recusando-se a curvar seu espírito diante delas. Os judeus sempre se sentiram superiores aos seus opressores. Respondendo a esta jactância nacionalista, Jesus afirma o verdadeiro significado da liberdade: “Todo aquele que comete pecado é servo do pecado”. Atos pecaminosos revelam que quem os comete está sob o jugo do pecado. Cada pecado fabrica mais um grilhão para a alma; os pecadores são escravos. O pecado, e não Roma, era o verdadeiro inimigo de Israel. Nos versículos 35 e 36, Jesus explica aos judeus que um escravo, diferentemente de um filho, não faz parte da família, podendo ser vendido à vontade. Seus ouvintes, escravos do pecado e da letra morta da Lei, não eram verdadeiros membros do Reino do Messias, e dele seriam expulsos. Somente o Filho de Deus pode lhes dar a liberdade, transformando-os em membros da família divina. Então, passariam a ser verdadeiramente livres. Paulo ensina a mesma lição com respeito a Ismael e Isaque. Aquele, nascido de forma natural, tipifica os que se amarram à letra e às cerimônias da Lei mosaica; Isaque, nascido de forma milagrosa, tipifica o povo espiritual que recebeu da parte de Cristo a libertação do pecado e do formalismo (Gl 4.21-31). III - O Verdadeiro Caráter (Jo 8.37-44, 56-59) Neste trecho, é como se Jesus estivesse dizendo: “Vocês se jactam da sua descendência de Abraão, sem levar em consideração que a descendência física não traz consigo a semelhança espiritual. Somente os que agem como Abraão são a sua descendência espiritual, enquanto sua atitude para comigo e com meus ensinos demonstra que vocês não têm o mesmo espírito que tinha o seu ancestral. Pelo contrário, vocês expressam aquele espírito de ódio à verdade e de violência que é próprio do diabo” (cf. Jo 8.44; Gn 3.3-7; Tg 4.1-7; 1 Pe 5.8; Ap 2.10; 9.11; 12.9; 13.6-8; 20.7-9; 2 Pe 2.4; Jd 6; 2 Ts 2.9-11; 2 Co 11.3,13-15). Desenvolvendo estas verdades, Jesus disse: “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se” (cf. Gn 12.1-3; Gl 3.7-9; Hb 11.13,39). Se os judeus não gostavam que Jesus se exaltasse acima de Abraão, teriam de reconhecer, mesmo assim, que Abraão olhava para Jesus como sendo o cumprimento de todas as promessas divinas, enquanto eles, alegando serem fiéis descendentes de Abraão, pensavam honrar a este em detrimento de Jesus. Os judeus, tomando as palavras de Jesus no sentido literal, disseram-lhe: “Ainda não tens cinqüenta anos, e viste Abraão?” Entre os judeus, ninguém era considerado maduro - com capacidade intelectual e discernimento - antes de atingir a idade de cinqüenta anos. “Ainda não tens cinqüenta anos” é o modo oriental de dizer: “Você ainda é jovem”. “Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou”. A expressão “Eu sou” significa uma existência que ultrapassa o tempo, e nesta declaração Jesus declarou ter a mesma divindade do grande “Eu Sou”, o Senhor, cujo nome significava “aquele que existe eternamente”. Os judeus teriam saudado com júbilo a notícia de ser Jesus o Messias, mas sua pretensão à deidade deixou-os dispostos a apedrejá-lo por blasfêmia. No entanto, sua hora ainda não chegara, e a fúria deles nada podia fazer; diante da sua majestosa presença, os guardas do templo recuaram, envergonhados. IV – Ensinamentos Práticos 1. A perseverança, um teste do discipulado. A perseverança é o segredo de vencer qualquer dificuldade, e o segredo da perseverança é permanecer naquilo que se faz. “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos”. A constância é um profundo teste de caráter. Abraão, Davi, Pedro e outros santos podem ser culpados de fracassos; no entanto, levantaram- se após sua queda e continuaram a seguir ao Senhor. Muitos deslizes na vida cristã se devem ao fato de os convertidos não prosseguirem na consagração, afastando-se mais e mais da beira do poço de onde foram retirados por Jesus. Avançaré a melhor garantia contra as recaídas. 2. A liberdade encara com coragem os fatos. “Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém”. Estes judeus eram cegos demais para verem a escravidão e a necessidade espiritual em que jaziam. Quanto a isso, assemelhavam- se à maioria das pessoas; cada pessoa tem o amor-próprio que tende a torná-la cega diante de suas próprias fraquezas. Al Capone tinha fama de criminoso implacável, mas sua própria análise de si mesmo era: “Dediquei os melhores anos da minha vida oferecendo às pessoas os prazeres mais alegres, ajudando-as a se divertirem”. Poucos criminosos nas prisões se consideram pessoas más. O desejo se justificarem de se justificar é enorme! Por que tantas pessoas não têm a mínima consciência da sua escravidão ao pecado? Pode ser que nunca tenham compreendido o que é desfrutar da liberdade espiritual, ou que tanto tempo tenha passado desde a época em que se sentiam mais limpas de consciência, que a escravidão já lhes pareça algo natural; podem também sentir, lá no fundo do coração, uma falta de disposição para enfrentar as responsabilidades que a liberdade acarreta consigo. Narra-se a história de certo santo que andava pela Itália, pregando e curando os cegos, aleijados e mudos. Certo dia, o povo de uma aldeia viu dois coxos fugindo apressadamente. Quando alguém lhes perguntou qual o motivo de tal pressa, responderam: “O santo vai passar nesta aldeia, e dizem que ele tem poder para curar os coxos. Se ele nos curasse, o que seria do nosso meio de vida?” Tempo houve na vida do Filho Pródigo em que ele teria repudiado com ressentimento a mínima sugestão de ser um escravo; afinal de contas, não tinha saído de casa para ganhar a liberdade? Mas, certo dia, caiu em si e percebeu sua verdadeira situação. Foi este o começo da sua libertação. Quando alguém se dispõe a enfrentar a verdade acerca de si mesmo, a verdade o libertará. 3. A declaração de independência do cristão. “Se pois o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. Muitas nações fazem comemorações anuais da libertação de alguma tirania externa, como o nosso Sete de Setembro, mas o Novo Testamento vai mais fundo, ao declarar que a pessoa que peca é escrava do pecado. Esta verdade se percebe facilmente no caso dos pecados mais grosseiros da carne, pois por eles a alma fica presa em grilhões de aço até nunca mais desejar a liberdade. Até os antigos gregos, sem a Bíblia, reconheciam esta verdade, a qual exprimiram na lenda de Circe. Esta, após atrair os homens mediante seus encantos, para desfrutarem dos prazeres que oferecia, transformava-os em porcos e lobos. Qualquer pecado, no entanto, tem este poder de escravizar, especialmente os menos visíveis e mais profundos, a saber, os pecados secretos da alma. Compare Paulo, o apóstolo, com o imperador Nero. Qual deles era verdadeiramente livre: o apóstolo na prisão, com sua alma livre dos grilhões do pecado, ou o imperador no seu trono, escravo das suas paixões? Com toda a sua liberdade, o imperador nunca foi um homem livre; com todas as suas prisões, o apóstolo nunca foi realmente um prisioneiro. Para todos nós, deixou registrada a seguinte declaração de independência: “Estai pois firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a meter-vos debaixo do jugo da servidão” (Gl 5.1). A liberdade é a prerrogativa de todo aquele que pertence a Deus. O que foi escrito com respeito a Israel é verdadeiro com respeito a cada crente: “Assim diz o Senhor: Israel é meu filho, meu primogênito. E eu te tenho dito: Deixa ir o meu filho, para que me sirva” (Êx 4.22,23). Estamos desfrutando desta liberdade, ou continuamos a carregar fardos, quando temos direito a viajar na condução celestial? 4. A graça não é hereditária. Certo pastor protestante na Itália, cansado de ouvir os membros da sua congregação ufanarem-se das glórias dos seus antepassados, disse finalmente: “Vocês são como batatas: a melhor parte de vocês está debaixo da terra”. Era esta a situação dos judeus mencionados neste trecho bíblico: queriam aquecer-se no calor irradiado pelo seu pai Abraão, sem levar em conta que ser um filho de Abraão incluía a responsabilidade de viver como ele. Deviam ter levado em conta que Ismael também era filho de Abraão, sem, porém, fazer parte do povo escolhido. A estirpe moral vale mais diante de Deus do que a estirpe natural. Muitas pessoas se jactam do seu parentesco, sem se lembrarem que é o caráter que revela quem são os filhos de Deus, irmãos de Cristo. Você demonstra os traços e as feições de qual família? (cf. 1 Jo 3.10). 11 O Cego de Nascença Texto: João 9 Introdução Chegamos agora ao sexto “sinal” descrito pelo Evangelho de João - a cura do cego de nascença. A interpretação do sinal é declarada pelo Senhor: “Eu sou a luz do mundo”. Aquele que abriu os olhos ao homem que sofria de cegueira física pode também abrir os olhos aos que são espiritualmente cegos. O mesmo Cristo que abriu os olhos deste homem para que contemplasse o sol, mais tarde concedeu-lhe visão espiritual para ver a “Luz do mundo” (9.35-38). I – A Preparação Para o Sinal (Jo 9.1-5) 1. O doloroso quadro. “E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença”. Obviamente, era um bem conhecido mendigo que havia muito proclamava a todos que era cego de nascença (v. 8). Ficava ali, como que um símbolo da nação a que Jesus ministrava e da raça humana em geral, cuja cegueira é patente aos olhos de Jesus, e que nem sequer pode ser iluminada, revelando quão profundos foram os danos feitos à humanidade. Evocava de Jesus o seu poder curador. A cegueira física faz pensar nas outras formas de cegueira que há no mundo: a vaidade esconde defeitos e fraquezas radicais; o orgulho faz o pecador cego às suas próprias transgressões; a cegueira temporária quanto a enormes pecados é um dos sintomas de uma transgressão grosseira, como fora a de Davi, e todos sabem quão cego e surdo é o preconceito. 2. A pergunta dos curiosos. “E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” Os discípulos, vendo um caso tão digno de dó, imediatamente começaram a pensar o que poderia ter causado tamanha desgraça, e, sabendo que há uma conexão nas Escrituras entre o pecado e a calamidade, chegaram à conclusão apressada de que a aflição deste homem fora causada por algum pecado específico cometido por ele ou pelos seus pais. Não há dúvida quanto ao vínculo que há entre a prática do mal e o sofrimento; é verdade, também, que os filhos muitas vezes sofrem por causa dos pecados dos pais. Não ocorre sempre, porém, o caso de doenças e calamidades serem conseqüências imediatas de algum pecado específico. Freqüentemente, os grandes pecadores passam pela vida com um mínimo de sofrimentos, enquanto os grandes santos sofrem mais. Jó sofreu a perda dos filhos, das propriedades e da sua própria saúde - no entanto, segundo o testemunho do próprio Deus com respeito a ele, era homem de conduta inculpável. A sua experiência nos deixa entender que o sofrimento nem sempre é o resultado do pecado: pode até ser enviado por Deus para nos refinar, testar a fé e ensinar algumas das mais profundas lições da vida. Note que os discípulos cometeram dois erros: 1) O erro intelectual de atribuir este caso de sofrimento a algum pecado específico. 2) O erro prático de levantar o debate O Cego de Nascença 111 teológico, em vez de terem compaixão do homem. Quantas vezes falamos quando deveríamos ajudar! 3. A resposta com autoridade. “Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus.” A cegueira deste homem não era resultado de algum pecado específico; bastava aos discípulos saberem que a sua aflição serviria de oportunidade para a manifestação da operação milagrosa de Deus. Eles não precisavam indagar por que Deus permitiu tanto sofrimento: mais importante seria testemunhar como Deus transformaria o mal em bem. Em poucos instantes, não somente estariam abertos os olhos físicos deste homem, como também,pelos olhos da alma, ele estaria contemplando o Filho de Deus. Os sofredores não devem ser alvo de debate teológico; devem ser considerados objetos merecedores da benevolência cristã. 4. A declaração solene. “Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.” Aqui, o “dia” é a parte da vida do homem em que ele está capacitado para o serviço; a “noite” se refere à morte, que põe fim à obra do homem na terra. Devemos fazer o bem sempre que surge uma oportunidade. Embora Cristo tivesse diante dele, além da cruz e da sepultura, toda uma eternidade para que derramasse bênçãos sobre o mundo, tinha os dias contados para o trabalho específico que realizaria enquanto vivesse na terra. Nós, labutando sob as limitações da mortalidade, devemos reconhecer, na brevidade da vida, mais um motivo para o serviço dedicado e contínuo. “Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”. O ministério de Cristo aqui no mundo chegaria ao fim. Ele procurava, portanto, todas as oportunidades de brilhar visivelmente entre os homens, deixando-os ver Deus . II – A Operação do Sinal (Jo 9.6,7) 1. Uma ajuda à fé. O cego, com a capacidade de escutar própria dos cegos, deve ter prestado atenção a esta conversação acerca de Jesus, de tal modo que a fé nasceu no seu coração. E o Senhor passou a fortalecer esta fé inicial: “Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego”. Certamente que o barro assim umedecido não foi aplicado como remédio para curar um cego de nascença. Então por que foi aplicado? O ser humano tem corpo e alma, e o Senhor, para operar na alma, às vezes lança mão de meios que operam através dos sentidos físicos (cf. Is 38.21; Mc 7.33). É por esta mesma razão que devemos ungir com óleo os doentes quando por eles oramos (Tg 5.14), ou impor-lhes as mãos. O Senhor, ao ordenar o batismo e a Ceia do Senhor, faz uso de meios materiais para aprofundar as impressões espirituais. Os meios externos nenhum poder têm em si mesmos: são como que escadas para nos ajudar a ter mais fé e subir ao Cristo vivo. 2. Um teste da fé. “E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o Enviado)”. O milagre não ficou completo no mesmo instante. O paciente ainda tinha que ir lavar-se no tanque de Siloé. João nos informa o significado do nome “Siloé”, por ver em Jesus o Enviado de Deus, a quem devemos recorrer em todas as necessidades. O homem foi mandado ao tanque para testar: 2.1. Sua obediência. Ouvira a voz de Jesus, e sentira seu toque; mas a luz não lhe chegou até que obedecesse aos mandamentos de Jesus. 2.2. Sua fé. Talvez duvidasse que este tanque, que conhecia desde seus dias de menino, pudesse possuir poderes tão maravilhosos; decerto pensaria que as pessoas zombariam dele se fosse para lá, como se isto o curasse. Da mesma forma, os que conheciam a Jesus desde sua infância, tinham dificuldade em ver nEle o Enviado de Deus: “Conhecemos este homem, de onde ele é. “Não é este o filho do carpinteiro? Como, pois, agora diz: Desci do céu?” Os judeus o conheciam como menino, e tinham dificuldade em reconhecer a divindade que se escondera sob a forma tranqüila e meiga de um jovem. Desta mesma maneira, seus pais desprezavam “as águas de Siloé que correm brandamente” (Is 8.6) porque não havia estrondos e inundações para impressioná-los. 2.3. Sua perseverança. Imagine o homem, os olhos cobertos de lodo, tateando em meio à zombaria do poviléu, para chegar ao tanque. Estava, porém, independente da opinião dos homens, e não cuidava da zombaria. Leia os versículos 24-33 para perceber quão firmemente tomou posição diante dos fariseus que queriam intimidá-lo. 3. O galardão da fé. Diferentemente de Naamã 2 Rs 5.11,13), este homem não desprezava os meios simples determinados por Jesus. Obedeceu imediatamente: “Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo”. É um exemplo de cura que Jesus operou à distância. III – O Resultado do Sinal (Jo 9.8-11) 1. Comoção. “Então os vizinhos, e aqueles que dantes tinham visto que era cego, diziam: Não é este aquele que estava assentado e mendigava? Uns diziam: É este. E outros: Parece-se com ele. Ele dizia: Sou eu”. O verdadeiro convertido sempre despertará a emoção e a curiosidade dos que o conheciam antes; se sua profissão de Cristo não o transformou, de modo tão facilmente notado por todos, decerto ainda falta muita coisa. 2. O interrogatório. “Diziam-lhe pois: Como se te abriram os olhos? Ele respondeu, e disse: O homem, chamado Jesus, fez lodo, e untou-me os olhos, e disse-me: Vai ao tanque de Siloé, e lava-te. Então fui, e lavei-me, e vi”. Note quão direta e singela foi esta resposta. Aquele homem passou por uma experiência real e definida, e sabia do que falava porque estava no meio do acontecido! Muitas coisas havia que não sabia - teologia, astronomia, história e de outras ciências - e, por enquanto, pouca coisa sabia acerca de Jesus. Mesmo assim, face aos eclesiásticos que queriam intimidá-lo, soube testificar: “Uma coisa sei, e é que, havendo eu sido cego, agora vejo”. Estava com os fatos! 3. A perseguição. Disseram os fariseus: “Dá glória a Deus; nós sabemos que esse homem é pecador”. O conhecimento deles era ignorância; a luz deles era escuridão. Jactavam-se de possuírem iluminação espiritual, quando na realidade eram espiritualmente cegos. A primeira parte do capítulo narra como foram abertos os olhos de quem bem sabia que era cego; a parte final mostra como se cerravam mais e mais os olhos daqueles que pensavam que possuíam discernimento (v. 39-41). Os cegos não podem ver, mas, às vezes, os que têm olhos nem querem olhar. É melhor reconhecer nossos defeitos e receber de Jesus a solução do que encobri-los e ficar sem a bênção. O homem foi excomungado, ou seja, expulso da comunhão da sinagoga. Rejeitado pelos judeus, foi recebido por Cristo. IV – Ensinamentos Práticos 1. A compaixão vale mais do que a especulação. Jesus mostrou que debater a origem do sofrimento é menos importante do que sua remoção. O mal existe no mundo e se constitui em problema teológico; para os seguidores de Cristo, no entanto, deve ser sua oportunidade de realizar as obras de Deus que destroem as obras do diabo. A presença do mal, do pecado e do sofrimento no mundo nos conclama à dedicação da nossa vocação: seja qual for a sua origem, deve despertar em nós o melhor que possamos oferecer ao O Cego de Nascença 115 sofredor - simpatia, dedicação, ternura, compaixão, perdão. Uns poucos momentos de genuína simpatia valem mais do que um dia de debate filosófico acerca do mistério do sofrimento. Um testemunho pessoal sobre o poder de Deus para perdoar o pecado e curar a aflição vale muito mais do que qualquer debate acerca da origem e da natureza do pecado. 2. O limite humano é nossa oportunidade. “Convém que eu faça as obras daquele que me enviou” (Jo 9.4). Esta deve ser nossa atitude quando surge alguém que precisa da nossa ajuda. Fazemos as obras de Deus quando, com a sua ajuda, evangelizamos os pobres, proclamamos a libertação aos cativos e a restauração da vista aos cegos, e colocamos em liberdade os oprimidos (Lc 4.18). Tomando pela mão, com toda a sinceridade, os que estão em situação difícil, poderemos, enquanto os ajudamos, levá-los a ter gratos pensamentos para com Deus; e, mesmo não conseguindo tal resultado, podemos saber que não há melhor maneira de fazê-los pensar em Deus, porque foi este o método de Cristo, que, sem dar explicações detalhadas das suas obras de misericórdia, deixava-as falar por si mesmas, de tal modo que o povo glorificava a Deus. Demonstrando a plenitude do amor cristão, podemos inspirar pessoas a crerem no amor de Deus. Boa pergunta para examinarmos a nós mesmos em qualquer situação seria: estou realizando as obras de Deus? 3. “Remindo o tempo” (Ef 5.16). “A noite vem, quando ninguém pode trabalhar”. Famoso moralista inglês mandou gravar no mostrador do seu relógio de pulso as palavras “a noite vem”, a fim de que, cada vez que olhasse para saber as horas, se lembrassede como era limitado o tempo de vida; já que a morte pode terminar de modo súbito com as nossas atividades, importa fazer tudo que pudermos de real valor. “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem indústria, nem ciência, nem sabedoria alguma” (Ec 9.10). Quando amigos do piedoso missionário João G. Paton insistiam com ele para que diminuísse seus extenuantes trabalhos, este respondeu: “Vocês dizem que trabalho demais, mas não me sobra muito mais vida para servir a Jesus. Gostaria de conseguir forças para, a cada dia, fazer três vezes mais da sua obra, mediante a fé na sua promessa quanto às forças necessárias: ‘E eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos’’’. Uma boa oração para nós seria a seguinte: “Ó Deus, dá- me um trabalho teu até o fim da minha vida, e dá-me vida até completar este trabalho’’’. 4. Conhecimento através da obediência. O cego foi curado mediante a fé em Cristo, e tal fé foi demonstrada pela sua obediência. Sabia pouco acerca de Cristo, e quase nada acerca da religião e de coisas espirituais, mas ouvira as palavras de Cristo e recebera a sua ordem; e, agindo à altura, estava em condições de receber mais. Note quão rápida e sistematicamente cresceu o seu conhecimento de Cristo: “O homem, chamado Jesus” (v. 11); “é profeta” (v. 17); “é de Deus” (v. 33); “é o Filho de Deus” (v. 35-37). Este incidente contém uma mensagem para todos os que tateiam nas trevas, cercados por problemas teológicos e dúvidas religiosas. Existem tantas coisas que não sabem, mas o segredo é aceitar e seguir o que sabem e entendem, e assim receberão mais luzes. Não nos será revelada mais luz se deixarmos de andar na luz que já recebemos. 5. A certeza da experiência. Temos aqui um exemplo de quem recebeu uma experiência, e que muito bem o sabe. Quando a pessoa sabe, e sabe que sabe, é a certeza que possui. Primeiro, quando os vizinhos levantaram perguntas quanto à sua identidade, o cego curado respondeu: “Sou eu”. Sabia muito bem a condição anterior em que vivera tanto tempo, como cego incurável. Segundo, tinha plena certeza da mudança que sobreviera à sua vida: “Havendo eu sido cego, agora vejo”. Terceiro, tinha certeza de que quem operou um milagre era de Deus: “Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença”. Quarta certeza: “Preciso aceitá-lo como meu Senhor”. As certezas deste homem podem também ser as nossas certezas. Justino Mártir, filósofo cristão do segundo século, foi lançado no cárcere pelo seu destemido testemunho de Cristo, quando um ministro do imperador perguntou-lhe, ironizando: “Tu imaginas que após ter sido decepada a tua cabeça, irás diretamente ao Céu?” Justino replicou: “Se eu imagino isso? Eu o sei!” Todos os que receberam a experiência do poder transformador de Cristo podem dizer: “Eu sei em quem tenho crido”. 12 Jesus, o Bom Pastor Texto: João 10 Introdução A cura do cego, descrita no capítulo anterior, serve como pano de fundo ao discurso de Jesus registrado aqui. Os líderes religiosos já haviam determinado que qualquer pessoa que confessasse ser Jesus o Messias fosse excomungada, expulsa da sinagoga (Jo 9.22). Quando o cego curado persistiu na sua lealdade a Jesus, “expulsaram-no” (9.34). Existiam vários graus de excomunhão; a forma mais severa, chamada quérem, fazia com que o excomungado fosse contado como virtualmente morto: não tinha licença de estudar com outras pessoas, e ninguém devia lhe oferecer convívio - nem sequer indicar-lhe a direção a seguir quando viajava. Embora lhe fosse permitido comprar os mantimentos para a sobrevivência, proibia-se que outras pessoas comessem ou bebessem com ele. O cego curado fizera a escolha certa, embora possa ter sentido pesar por ser rejeitado pelos líderes religiosos, repudiado por todos que o viam passando pela rua e sem o direito ao convívio com homens bons, o que o ajudaria em sua nova vida. O Mestre, no entanto, não o deixou desamparado. Quando os falsos pastores o colocaram fora do aprisco deles, Jesus, o Bom Pastor, procurou-o para abrigá-lo no seu aprisco. Fechou-se a porta da sinagoga; abriu-se a porta do reino dos céus. É em face a tal situação que Jesus declara: “Eu sou a porta das ovelhas... Eu sou o bom Pastor”. O próprio Messias, o Pastor de Israel, ofereceu acesso à segurança e ao gozo espiritual, cancelando a sentença injusta dos falsos dominadores do rebanho, que nenhuma autoridade tinham para admitir ou demitir pessoas na vida espiritual e na verdadeira comunhão. Jesus é a suprema autoridade em assuntos espirituais, e quem nEle crê está livre da tirania de falsos líderes religiosos. Jesus, revelando tais verdades, aplica a si mesmo duas expressões figuradas: Ele é a porta do aprisco das ovelhas e o Pastor das ovelhas. Trataremos das duas figuras individualmente. I – A Porta do Aprisco das Ovelhas 1. A porta ao ministério. “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta do curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre”. Jesus sempre usava como ilustrações assuntos que seus ouvintes pudessem entender. 1.1. A ilustração. A cena pertence à vida diária da Palestina. À noite, as ovelhas são levadas para o aprisco, um abrigo com altos muros e portão bem protegido com ferro- lhos, onde descansam sob a vigilância de um porteiro. De manhã, cada pastor chega e é admitido pelo porteiro mediante um sinal combinado; então, cada um chama suas próprias ovelhas. As ovelhas seguem-no ao reconhecer a sua voz; não reconhecem a voz de um estranho, e o próprio porteiro não admitiria um estranho. Deste modo, qualquer falso pastor, querendo furtar as ovelhas, teria de pular o muro. 1.2. A interpretação. O Senhor indica as características da liderança espiritual: há modos lícitos e ilícitos de se obter acesso às pessoas e assumir autoridade sobre elas. Há o caminho certo, divino, para entrar no ministério cristão, e há o caminho errado e humano. Quem quiser ministrar às almas dos homens deve passar por Cristo, a Porta, sendo vocacionado e enviado por ele, comovido pelo seu espírito de compaixão. É através dele que os pastores assistentes têm acesso ao rebanho. O ministério de Paulo deu frutos porque ele entrou pela Porta, mediante a chamada de Cristo; por outro lado, os filhos de Ceva “tentaram invocar o nome de Jesus” sem serem servos de Cristo, e fracassaram (At 19.13- 16). Jesus chama de ladrão e salteador o pastor falso que entra no ministério por motivos egoístas - não para fazer o bem às ovelhas, e sim para tirar vantagens delas, visando seus próprios propósitos (Mt 7.15; At 20.29,30). O Senhor dá a entender que muitos queriam assumir a condição de pastor diante do rebanho de Deus sem ter vocação na alma. Eles insistiam nos seus próprios privilégios e direitos, pensavam que as estreitas tradições que representavam eram os mandamentos de Deus, afligiam as almas famintas e angustiadas com suas próprias interpretações da Palavra de Deus e demonstravam, de modo geral, não possuir acesso algum aos corações humanos. As palavras de Jesus se referem imediatamente aos líderes religiosos dos seus dias, que excomungaram um pobre cego pela sua corajosa lealdade àquEle que lhe abrira os olhos, mas suas advertências devem ser aplicadas aos eclesiásticos tirânicos de todos os tempos e lugares. Ninguém pode cuidar do seu próximo como verdadeiro pastor se não possuir real simpatia por ele. “Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não os ouviram” (v. 8). Certamente não há aqui nenhuma palavra contra os profetas e outros homens de Deus que vieram ao povo antes de Cristo. Jesus se refere, em primeiro lugar, aos falsos profetas e falsos messias que arrogavam direitos que pertencem somente a Cristo; em segundo lugar, refere-se a líderes religiosos sedentos pelo poder, que alegam ter o domínio sobre as almas humanas que só a Cristopode pertencer; em terceiro lugar, há alusão aos sacerdotes e fariseus dos seus dias, que usurpavam o direito de expulsar do aprisco os que reconhecessem ser Jesus o Cristo. Isto foi por causa do seu santo zelo e da sua paixão pelas almas? Não. Segundo o próprio Cristo, foi por ciúmes da sua própria autoridade e prestígio (cf. Mt 23.1-33; Jo 11.47-53; 12.10,11). Quem é representado pela figura do “porteiro”? Talvez seja o Espírito Santo, supervisionando a obra de vocacionar homens para o ministério cristão (cf. Jo 16.14; At 20.28; 13.2). 2. A porta para a salvação. “Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se- á, e entrará, e sairá, e achará pastagens” (cf. Jo 14.6). O cego curado deve ter pensado: “Graças a Deus! Os anciãos da sinagoga nenhum dano me podem fazer; não podem admitir ou excluir ninguém do Reino de Deus. Porém este personagem, tão compassivo, tão semelhante a Deus, tão poderoso - Ele é a Porta.” Note as três bênçãos que decorrem do ato de passar pela Porta para desfrutar da viva comunhão com Cristo: 2.1. A segurança. “Salvar-se-á”. No contexto da vida na terra, “salvo” significa seguro, são, protegido por Cristo e em Cristo, até que nossa comunhão com Ele, além dos limites da morte, se revele na forma de salvação eterna. Pela sua contínua proteção, “o Senhor me livrará de toda a má obra, e guardar-me-á para o seu reino celestial” (2 Tm 4.18). 2. A liberdade. “Entrar e sair” é frase freqüentemente empregada para expressar o livre uso da moradia por parte de quem habita no seu lar. O crente que entra em comunhão com Deus, recebendo a salvação, não “entra e sai” com respeito àquele relacionamento, e sim, como filho de Deus, desfruta da familiaridade da comunhão com Deus. 3. O sustento. “Achará pastagens”. Acham-se em Cristo todas as coisas de que a alma necessita para seu crescimento espiritual. A idéia de “pastagens” pode ser aplicada também aos “meios da graça” - a oração, a Palavra, a comunhão com o povo de Deus nos cultos públicos. II – Cristo, o Pastor das Ovelhas O relacionamento das almas com Cristo é comparado ao da ovelha com o pastor. Tal ilustração é corriqueira nas Escrituras (Sl 23; 80.1; Is 40.11; Ez 34; Mq 5.4; Zc 13.7; Hb 13.20; 1 Pe 2.25). A ilustração fala muitas coisas ao nosso coração, especialmente quando levamos em conta certas semelhanças entre as ovelhas e os homens. Os homens tendem a seguir um líder; facilmente se extraviam (espiritualmente); precisam de proteção; necessitam de sustento. Notemos o que o Pastor faz em prol das suas ovelhas. 1. Conduz suas ovelhas. “E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz” (v. 4). Como disse Davi: “ Guia-me mansamente a águas tranqüilas... guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome” (Sl 23.2,3). 1.1. Ele guia e conduz mediante o seu exemplo. Esta a mais sublime forma de liderança (Jo 13.15; 1 Pe 2.21; 1 Jo 2.6). 1.2. Diferentemente dos falsos pastores que buscam a popularidade, Ele conduz as ovelhas, vai adiante delas, e não as segue. O falso pastor dá às ovelhas o que elas querem; o verdadeiro pastor dá-lhes aquilo de que necessitam Arão era um verdadeiro sacerdote, mas caiu em grave erro quando seguiu as vontades do povo (Êx 32.1-5). 1.3. Conduz, e não impele. Uma das características do Messias é sua ternura e mansidão (Is 40.11; cf. 1Pe 5.2). 2. Conhece suas ovelhas. “As ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelos nomes às suas ovelhas... e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos” (v. 3,4,5). Como disse Davi: “O Senhor é o meu pastor”. 2.1. As almas sequiosas imediatamente reconhecem seu Pastor (1 Pe 2.25). Certo hindu que confessou a Cristo como Salvador, logo ao ouvir o primeiro sermão, disse que havia quatro anos estava procurando a vida eterna: “Minha vida estava repleta de imperfeições e pecados. Minha consciência de culpa me sobrecarregava. Durante dias e noites eu derramava lágrimas amargas. Finalmente, numa agonia de desespero, lancei-me ao chão e clamei ao Poder que me deu a existência, pedindo que enviasse alguém para me salvar. Clamei por misericórdia e confessei o meu pecado. Naquele instante, deixei tudo por conta daquele Poder. Muitas vezes tenho imaginado como seria aquEle que o Poder Sublime enviaria a mim. Reconheci-o, portanto, imediatamente, ao ouvir o sermão. Faz alguns anos que já estava confiando em Jesus, sem, porém, saber por qual nome deveria chamá-lo”. O homem ouviu a voz do Pastor através do sermão, reconhecendo-o imediatamente. 2.2. Ele nos conhece pelo nome (Is 43.1; 45.3; 49.1; Ap 3.5; Ap 2.17). Temístocles gabava-se de conhecer os nomes dos vinte mil cidadãos de Atenas. O Pastor Divino conhece os nomes dos seus milhões de ovelhas, bem como cada aspecto de suas personalidades. Várias pessoas na Bíblia tiveram a íntima experiência de serem chamadas pelo nome em conversa com o Senhor: Abraão, Moisés, Saulo de Tarso, Ananias (At 9) e Pedro, Maria (Jo 20) e Samuel, entre outras. 2.3. As ovelhas o conhecem e o seguem. Viajantes no Oriente Próximo têm comprovado muitas vezes que nenhum disfarce de roupas, voz, gestos, de saber os nomes das ovelhas, faz com que as ovelhas se confundam quanto ao seu verdadeiro pastor. Naquelas regiões, há profundos laços de simpatia, afeição e reconhecimento entre o pastor e suas ovelhas; o pastor reconhece cada uma das ovelhas, que parecem idênticas ao olhar do estranho, e elas, apesar da sua pouca inteligência, reconhecem o pastor. 3. Ele dá vida às ovelhas. “O ladrão não vem senão a roubar, a matar e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”. O Senhor ainda tem em mente o falso pastor, o ladrão das almas - o homem que, sem real amor pela causa, se estabelece como líder religioso baseado no seu próprio egoísmo, o homem que não deseja que as ovelhas tenham livre acesso ao Reino dos Céus (Mt 23.13). No sentido mais amplo, a palavra “ladrão” pode representar Satanás, o inimigo das nossas almas, que quer nos despojar da nossa paz e alegria, e dar o golpe derradeiro em nossa vida espiritual. Em contraste com a obra dos falsos pastores, Jesus declara: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”. Jesus oferece a plenitude da vida. O melhor comentário acerca destas palavras encontra-se no Salmo 23, o Salmo do Bom Pastor. Não fomos vocacionados para viver uma vida de fraqueza e incapacidade; e sim para que tenhamos a vida abundante, a vida vitoriosa. Muitas pessoas simplesmente existem; Cristo quer que vivam. 4. O Pastor morre pelas ovelhas. “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a vida pelas ovelhas.” Jesus assim se destaca do mercenário (v. 12), que pensa ser o pastorado uma profissão, como a de porqueiro, vinhateiro, pedreiro, advogado, médico ou negociante. O mercenário não se preocupa com as ovelhas; procura apenas salário. Sua disposição não é ver o quanto pode dar de si às ovelhas, e sim o quanto pode arrancar delas. É natural que fuja quando se aproxima o perigo, porque o motivo dominante no seu trabalho é a autopreservação. Em contraste com tal atitude, o objetivo do verdadeiro pastor é procurar para suas ovelhas uma vida mais abundante. Na Palestina, a devoção dos pastores às suas ovelhas muitas vezes tem levado alguns deles a morrer na luta contra feras ou salteadores. O Senhor Jesus considera a raça humana necessitada como rebanho seu (Mt 9.36), fazendo pelas suas ovelhas o supremo sacrifício. Não somente morreu em prol delas, como também ressuscitou para lhes dar a vida (Hb 13.20) - voltou para o Céu com a intenção de levá-las consigo. Removeu a peçonha da taça da morte, para transformá-la em simples soporífico visando o despertar saudável, de modo que seus seguidores possam dizer, como Davi: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo”. II - Ensinamentos Práticos 1. “Eu sou a porta”. O cego curado foi expulso da igreja oficial, mas sua excomunhão o promoveu,porque passou da sinagoga para o Salvador. Podiam excluí-lo de uma instituição, mas não do Céu. “Eu sou a porta”, disse Jesus. Muitas pessoas piedosas e tementes a Deus têm sido excluídas das igrejas durante a história da cristandade, e isto não é de se estranhar, porque o próprio Senhor tem sido excluído de tantas delas! Veja Apocalipse 3.20. Certas igrejas, como a de Laodicéia, que deixam Cristo fora da porta, são mais clubes religiosos do que igrejas de Cristo, e há mais vantagem espiritual em ficar fora delas. Ao longo dos séculos, a igreja mundana tem excomungado e destruído a muitos, denunciando-os como “hereges”, por terem deixado a consciência, iluminada pela Palavra de Deus, ser o árbitro das suas vidas. Líderes eclesiásticos, pensando possuir as “chaves do reino do Céu”, imaginam que podem excluir pessoas do céu. Não podem, no entanto, separar de Cristo estas nobres almas, nem afastá-las daquele que é “santo, o que é verdadeiro, o que tem a chave de Davi; o que abre, e ninguém fecha; e fecha, e ninguém abre” (Ap 3.7). O Senhor Jesus se opõe a qualquer forma de exclusão injusta: repreendeu os discípulos quando queriam afastar as crianças dos seus ternos cuidados e quando queriam excluir um obreiro desconhecido do privilégio do serviço (Lc 9.49,50). 2. Profissionalismo religioso. Por que os fariseus excomungaram o cego curado por sua lealdade a Cristo? Seja qual tenha sido a explicação deles, Jesus mostrou, no seu discurso, que o motivo real foi o profissionalismo. Os líderes religiosos haviam caído no erro que prende os potentados eclesiásticos, a saber, que o povo existe em prol deles, e não eles para servir ao povo. Quando, portanto, o cego curado não se dobrou diante das vontades deles, quando não aceitou suas opiniões, quando refutou os seus argumentos, então deram vazão à sua ira, com ultrajes e exclusão de privilégios religiosos. O profissionalismo surge quando o pastor usa sua posição e as pessoas como trampolim para sua autopromoção, realização profissional em posição e salário. Passa a ser o “mercenário” que vive às custas das pessoas, e não em prol delas. Não entra no ministério através da porta que é Cristo; força caminhos por meios humanos. O obreiro cristão é dominado pelos únicos motivos aceitáveis: amor a Cristo e paixão pelas almas. 3. Ovelhas doentes são logradas. Pastores no Oriente dizem que em caso de doença as ovelhas podem ser induzidas a seguir um falso pastor. O mesmo se pode dizer da vida espiritual. Embora seja possível crentes sinceros serem levados a seguir um falso mestre disfarçado em manto de piedade e fidelidade à sã doutrina, é geralmente quando as pessoas ficam longe da comunhão com Deus e espiritualmente frias que se tornam presas fáceis de falsas seitas e invencionices religiosas (cf. 1 Tm 1.5,6; 2 Tm 3.5,6). Paulo deseja ardentemente que cada crente seja edificado: “Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo. Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (Ef 4.13,14). 4. As ovelhas ouvem a sua voz. Estas palavras sugerem o teste do discipulado; a palavra “ouvir” significa ter atenção e obediência. Se somos ovelhas de Cristo, obedecemos e seguimos a Ele. Se somos ovelhas de Cristo, o Pastor nos procurará e chamará mesmo quando andamos desgarrados e desobedientes. Às vezes Ele nos acha em situações vergonhosas: dias passados sem oração, com coração endurecido, pensamentos cínicos, pecando por comissão ou por omissão. Quantas vezes a sua voz já nos despertou para uma renovação espiritual, em vida e obediência! 5. Comunhão e serviço. “Entrará, e sairá”. Há dois lados na vida espiritual. Para termos um ministério bem equilibrado, precisamos “entrar” em momentos de profunda comunhão com Deus e “sair” para nossa obra cristã entre nossos semelhantes. Existe a tendência aos extremos: alguns “entram”, mas não “saem” em serviço ativo; outros sempre estão “saindo” em atividades enérgicas, mas não “entram” para receberem a renovação das forças e inspiração. O Senhor Jesus é nosso exemplo quanto a isto: antes do raiar do sol, estava a sós, em comunhão com Deus; durante as horas úteis do restante do dia, servia aos homens. 6. A vida mais abundante. Como cristãos, possuímos a vida; será, porém, que já possuímos toda a sua plenitude e abundância? Temos a verdadeira alegria de viver? Estamos tendo sucesso em nos sobrepujar às provações? Estamos servindo ao Senhor segundo o nosso próprio e fraco modo, ou na força do seu poder? Cristo nos oferece a vida mais abundante. Podemos assumir os deveres da nossa vocação em Cristo, sabendo que Ele não nos lançará em rosto as nossas fraquezas, porque prometeu: “Recebereis poder”. 13 A Ressurreição de Lazaro Texto: João 11 Introdução A série de milagres de Cristo, realizados antes da crucificação e registrados no Evangelho de João, chega ao seu ponto alto com o sétimo milagre - o da ressurreição de Lázaro. Coroa os demais milagres de modo triste, e de modo alegre. É o milagre culminante, no sentido triste. Os dez capítulos anteriores indicam de que maneira Jesus se revelou aos judeus, de todos os modos diferentes que pudessem inspirar a verdadeira fé, e narram como cada nova revelação só servia para enchê-los de amargura e dureza, até que a hostilidade deles chegasse a um ponto desesperador. Jesus se manifestou como Doador da vida, mas não queriam chegar a Ele a fim de receberem esta vida; Jesus declarou-lhes ser o Pão da Vida, mas não tinham apetite por comida espiritual; Jesus proclamou ser a Luz do mundo, mas eles preferiram andar nas trevas; Jesus disse que era o Bom Pastor; eles, porém, não queriam ouvir a sua voz nem ser guiados por Ele. Agora, finalmente, comprova ser Ressurreição e a Vida, e planejam condená-lo à morte. Crime dos crimes: mataram o Autor da vida! (At 3.15). A ressurreição de Lázaro é o milagre culminante, no sentido alegre: é o sinal externamente visível de que o Cristo de Deus já venceu a morte e a sepultura. Depois da operação deste milagre, bem podemos exclamar: “Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (1 Co 15.55). I - Jesus e o Sofrimento (Jo 11.1-16) 1. O recado. “Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas”. Foi este o recado que Marta e Maria enviaram para seu Mestre e amigo, enquanto Ele estava na região além do Jordão. 2. O atraso. “Ouvindo pois que estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde estava”. Parece estranho este deliberado atraso, em vez da pressa para chegar ao lado do leito de dores daquele a quem amava. Imagine os sentimentos das irmãs enquanto as longas horas foram se passando sem que Jesus aparecesse, enquanto a vida do irmão estava regredindo. Talvez tenham ficado sujeitas à tentação de levantar a dúvida: “Será que ele realmente se importa?” O Senhor, porém, tinha um propósito específico nesta demora: o poder e a glória de Deus estavam para ser revelados mediante a ressurreição de um homem que morrera havia quatro dias. Foi atraso apenas segundo as aparências humanas; segundo o horário planejado por Deus, Jesus chegou na hora combinada. 3. O apelo. Quando, depois de dois dias, o Senhor anunciou seu propósito de ir para a Judéia, os discípulos fizeram-lhe um apelo no sentido de que evitasse colocar em risco a sua vida. A resposta de Jesus dá a entender o seguinte: “O tempo determinado para o exercício do meu ministério não se esgotou; portanto, estarei seguro na Judéia, e vocês também; esgotado este prazo, então correrei perigo de morte” (v. 9,10). 4. A notificação. Jesus proclamou seu propósito de ressuscitar Lázaro da morte. “Lázaro está morto; e folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse, para que acrediteis”. O leitor também está alegre porque Jesus não estava ali quando Lázaro morreu? Por quê? II - Jesus e os Que Sofrem (Jo 11.17-28) Jesus, chegando ali, encontrou a seguinte situação: Lázarojá estava na sepultura, e Maria e Marta estavam enlutadas na casa de amigas. Quando chegou a elas a notícia de que Jesus se aproximava, “ouvindo pois Marta que Jesus vinha, saiu- lhe ao encontro; Maria, porém, ficou assentada em casa” (v. 20). 1. A delicada censura. “Disse pois Marta a Jesus: Senhor, se tu estiveras aqui, meu irmão não teria morrido” (v. 21). Provavelmente, havia no íntimo de Marta uma luta entre a confiança e a dúvida. A resposta de Jesus, ao receber a notícia da enfermidade de Lázaro, fora: “Esta enfermidade não é para morte, mas para a glória de Deus; para que o Filho de Deus seja glorificado por ela” (v. 4). Agora, porém, o irmão dela estava morto. Como harmonizar a promessa de Jesus com as condições reais? Marta viu sua fé submetida a três provas. A primeira: a ausência de Jesus. Todos poderiam ter faltado, mas a presença dEle ao lado do irmão era indispensável. A segunda: a demora de Jesus. Esperava-se que ele comparecesse juntamente com o mensageiro que fora procurá-lo; Ele, porém, adiou a viagem. A terceira: a perda do ente querido. O irmão estava morto, mas poderia estar com vida se Jesus estivesse presente. A noite era escura, sem nenhuma luz a não ser a da futura ressurreição, que parecia tão perdida na distância. Ela não tinha percebido quão perto estava a Ressurreição! 2. A gloriosa promessa. “Disse-lhe Jesus: Teu irmão há de ressuscitar” (v. 23). Jesus se referia ao milagre que estava para operar; Marta, no entanto, não compreendeu, e replicou: “Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia”. Então declarou Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá”. Marta acreditava que Jesus poderia ter sido a Ressurreição (v. 21), e que, no fim do mundo, seria a Ressurreição. O Senhor Jesus Cristo, em virtude da sua natureza divina, diz: Eu sou. Não é tarde demais para ressuscitar Lázaro, nem é cedo demais para a ressurreição; hoje mesmo, Eu sou a ressurreição deste irmão (cf. Hb 13.8). Note que “a ressurreição e a vida” representam causa e efeito: Jesus é a ressurreição porque é a vida. É a vida que produz a ressurreição. Jesus é a ressurreição; segue-se, portanto, que “quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”. Os que morrem no Senhor continuam a viver, a despeito da desintegração do corpo, e passarão a ter um corpo espiritual (Fp 1.23; 2 Co 5.1-6; 1 Ts 4.13,14). Jesus é a vida; segue-se, portanto, que “todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá”. Os crentes em Cristo nunca morrem no sentido comum do conceito da morte; para eles, a morte não é o fim; é o passar de um estado de vida para um estado mais sublime. Não há nenhum instante de interrupção da sua vida de fé e de comunhão com Deus; o crente adormece no que diz respeito a esta vida e, neste mesmo instante, já está despertado na vida eterna, além do túmulo. 3. O testemunho da fé. “Crês tu isto?” pergunta Jesus. Marta crê que Jesus é o Senhor da vida e da morte? A sua fé nas verdades divinas da ressurreição e da vida eterna após a morte está centralizada na pessoa de Cristo? Marta respondeu: “Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo”. Note que Marta estava aprendendo a crer - não tanto em fatos, mas sim na pessoa de Jesus Cristo. Quem tem o próprio Cristo, possui todas as coisas que Ele oferece; quem tem o próprio Doador, recebe todas as dádivas. Marta se sentia satisfeita e plena de certeza ao ouvir as graciosas palavras do Mestre, e o testemunho que deu de sua fé completou-lhe a paz e alegria: “E, dito isto, partiu” (v. 28). Tão logo chegou em casa, chamou sua irmã, Maria. Sentia fogo celestial na alma, e sua taça de alegria transbordava. Por isso sentiu forte desejo de compartilhar com alguém a sua felicidade. A genuína fé em Cristo é comunicativa (cf. Jo 1.36-42; 4.28-30). “Partiu, e chamou em segredo (havia outras pessoas na casa) a Maria, sua irmã, dizendo: O Mestre está cá, e te chama”. Aquele recado é o que a igreja de Cristo transmite a todos os que estão vivendo no meio do pecado, da tristeza ou das trevas espirituais: “O Mestre está cá, e te chama” (cf. Mc 10.49). III - Jesus e a Morte (Jo 11.38-44) 1. A emoção. Enquanto Jesus contemplava a profunda tristeza de Maria e dos amigos enlutados, duas emoções lhe perturbavam o espírito. A primeira, uma mistura de tristeza e simpatia: “Jesus chorou” (v. 35). A segunda era uma mistura de indignação e perturbação: Jesus “moveu-se muito em espírito, e perturbou-se” (v. 33,38). Aqui, a palavra “moveu-se” contém o significado de “indignar-se”, segundo o grego bíblico original. Sua indignação se dirigia contra a origem da morte, da doença e do sofrimento - contra o próprio pecado. Contemplava os horrores da morte como salário do pecado, as angústias do mundo, das quais tinha diante de si uma pequena amostra. Pensava em todos os enlutados do mundo. Sim, estava para enxugar as lágrimas das pessoas ali presentes. Estava para lhes oferecer alegria em lugar de tristeza, mas isto não alterava a situação de modo permanente: Lázaro ressurgiria, mas voltaria a provar a amargura da morte. As lágrimas voltariam a correr - e quantos choram sem ter o Salvador por perto para enxugá- las, ainda que só uma vez? Jesus sentiu assim grande indignação contra o causador de todos estes males e quis imediatamente entrar na luta contra o diabo e seus poderes nefastos revelados na desgraça humana. Começa a saquear os despojos do maligno, como prova de que chegou o mais forte (Mt 12.29). As lágrimas de Jesus revelam sua compaixão pelas nossas aflições, e sua comoção revela indignação contra o pecado, que causa todas as desgraças. 2. A ordem. “Jesus pois, movendo-se outra vez muito em si mesmo, veio ao sepulcro; e era uma caverna, e tinha uma pedra posta sobre ela. Disse Jesus: Tirai a pedra” (v. 38,39). Jesus muito facilmente poderia ter mandado Lázaro passar direto pela porta de pedra, mas não fará aquilo que podemos fazer por nós mesmos; é nosso privilégio cooperar com Cristo em sua obra; é nosso exercício para nosso crescimento espiritual; é nossa oportunidade de ter mais íntima comunhão com Ele. 3. A ressalva. “Marta, irmã do defunto, disse-lhe: Senhor, já cheira mal, porque é já de quatro dias” (v. 39). Conhecendo a rápida decomposição dos cadáveres em países quentes, Marta estremece ao pensar como estaria o corpo do seu irmão; não podia crer que Jesus já tinha tomado sobre si o zelo pelo cadáver no túmulo, protegendo- o da corrupção. Jesus põe fim a tal descrença com a suave censura: “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” (v. 4,25,26). Logo passou a demonstrar que tinha poderes para destruir o poder da morte, tirando-lhe o aguilhão, proclamando que a morte é um inimigo derrotado. Note-se que a admoestação de Jesus era: “Se creres, verás”, o exato oposto do ditado popular: “É preciso ver para crer.” 4. A oração. “E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse: Pai, graças te dou, por me haveres ouvido. Eu bem sei que sempre me ouves, mas eu disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que tu me enviaste” (v. 41,42). Esta não era uma petição, e sim ação de graças pela petição respondida. Jesus, na sua inabalável certeza, já agradece o milagre, como se este já tivesse sido operado (cf. 1 Jo 5.14). A oração proferida em público deu aos presentes a oportunidade de averiguar se Jesus seria um impostor a ser rejeitado ou o Messias a ser aceito e adorado (cf. v. 45; 1 Rs 18.36,37). 5. O milagre. “E, tendo dito isto, clamou com grande voz: Lázaro, sai para fora”. Era a voz da Divindade chamando coisas que não são, como se já existissem (cf. Jo 5.28,29; 1 Co 15.51,52; 1 Ts 4.16). A voz do Senhor, re- verberando pelo túmulo, profetiza que um dia a voz do Criador há de ser ouvida ecoando no meio de todo o reinado da morte. “E o defunto saiu, tendo as mãos e os pés ligados com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhe Jesus: Desligai-o, e deixai-o ir” (v. 44). Lázaro conseguiu sair do seu túmulo, mas não das mortalhas - tipificandocertos novos convertidos que foram alvos da poderosa atuação do Espírito de Deus, sem, porém, ter entrado na plenitude do gozo da liberdade cristã. O Senhor, após despertar tais pessoas da morte espiritual, envia-as ao pastor da igreja, com a ordem: “Desata-os”. Quais são os laços que os prendem, quais as ataduras? A ignorância, que devemos esclarecer; a tristeza, que devemos consolar; as dúvidas, que devemos dissipar; os maus hábitos, que devem ser desarraigados. Se todos os crentes que têm coisas amarrando a sua vida fossem libertos das suas mortalhas, o mundo inteiro se despertaria de súbito para prestar atenção. Você é um crente amarrado? Aquele que nos libertou da morte pode também libertar do pecado e da frieza espiritual. IV – Ensinamentos Práticos 1. Cristo vale mais do que o credo. Quando Jesus declarou: “Teu irmão há de ressuscitar”, Marta recitou, de modo muito triste, um artigo do credo judaico: “Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia”. O único alívio que sentia era uma esperança para o futuro distante, baseada numa doutrina. Jesus, no entanto, fez com que ela desviasse sua atenção do artigo do credo para fixá-la nEle: “Eu sou a ressurreição e a vida”, o que nos faz entender que o Cristianismo consiste mais em confiar numa Pessoa divina do que assentir a proposições teológicas. Não há proveito em procurar assenhorear-se da teologia sem primeiro aceitar Cristo como Senhor. Podemos crer numa doutrina sem entregar nossa vida a ela em plena confiança; podemos entendê-la sem que ela nos transforme o coração; como Marta, podemos crer na ressurreição sem ter verdadeira fé naquEle que é a Ressurreição e a Vida. 2. Viveremos, porque Ele vive. “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”. Com tais palavras, Jesus assegurou a Marta e Maria que seu irmão não tinha realmente perecido, que estava seguro. O mesmo Jesus que tivera doce comunhão com Lázaro durante a vida, e que tem poder sobre a morte, não toleraria que a morte destruísse o doce e espiritual convívio cristão. Existem muitos argumentos formais que comprovam a doutrina da imortalidade; o que, porém, nos dá mais certeza do que a fria lógica é sabermos que estamos em profunda comunhão com Deus e com Cristo. Imaginemos o servo de Cristo que andou com Ele durante muitos anos de fervorosa comunhão espiritual, chegando finalmente ao seu leito de morte. Como seria possível que Cristo de repente declarasse rompidos os laços de amor? Muito pelo contrário: os que estão “em Cristo” (1 Ts 4.14-17) não podem ser separados dEle, nem pela vida, nem pela morte (Rm 8.38). É impossível a idéia de que quem desfrutou da presença de Cristo neste mundo tão alheio às coisas espirituais possa ser separado dEle na gloriosa eternidade, que o amor de Deus que nos sustenta no tempo possa ser cancelado na eternidade. Se alguém pertence a Cristo, tudo quanto é dEle será operante também na sua vida: se Cristo é a Ressurreição e a Vida, esta realidade será transmitida ao crente. Estamos vinculados a Jesus Cristo mediante o Espírito, a vida eterna já raiou em nossa alma, e estamos caminhando para a vida eterna, no Céu. 3. As lágrimas de Jesus. “Jesus chorou”. Consideraremos: 3.1. A causa das lágrimas de Jesus. Tais lágrimas fazem parte da humanidade de Jesus. Apesar de ser Filho de Deus, Ele sofreu todas as aflições dos homens, embora sem a prática do pecado. “E o Verbo se fez carne”. Sua humanidade não era fictícia; participou realmente da nossa natureza. As lágrimas brotaram de real compaixão, foram a resposta do coração de Jesus ao apelo da tristeza. Suas lágrimas também foram causadas pela tristeza - tristeza pelos danos causados pelo pecado e pela morte. Na criação, viu que tudo quanto fizera era muito bom; como, portanto, o bom se transformou em maldade? “Um inimigo fez isso” (Mt 13.28). 3.2. A natureza das lágrimas de Cristo. Jesus chorou com calma, e não com amarga e desesperada angústia. Podemos chorar nossos entes queridos, sem, porém, dar vazão ao desespero que é característica dos pagãos. Jesus chorou de modo reservado: deu clara vazão à simpatia, sem participar de lamentações ostensivas. Jesus chorou sem sentir que seria algo vergonhoso. Podia ter escondido as lágrimas e a tristeza, mas não é da sua doutrina reprimir a personalidade humana, estrangulando os sentimentos de amor e compaixão. O estoicismo, que esconde a ternura, pertence ao orgulho carnal; e a insensibilidade ao sofrimento não faz parte do heroísmo. 3.3. As lições tiradas das lágrimas de Jesus. São uma amostra da eterna natureza de Cristo, da sua compaixão, graça e misericórdia, que continua derramando sobre nós (Hb 4.15,16). São nosso exemplo. As lágrimas de Jesus nos ensinam a demostrar simpatia aos corações tristes, oferecendo o nosso consolo; nosso amor é nada comparado ao do Filho de Deus, mas não deixa de ajudar maravilhosamente. 4. Crer é ver. “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” A vida microscópica existe invisível ao olho humano, e o mesmo se dá com incontáveis estrelas. Usando o microscópio e o telescópio, podemos contemplar esses aspectos do Universo, e ninguém ousaria negar sua existência por não ter ao alcance tais instrumentos. As eternas coisas de Deus, no entanto, precisam ser examinadas através da lente da visão espiritual chamada fé. Como, pois, os homens do mundo, que alegam só aceitar o testemunho dos “fatos averiguáveis”, ousam negar a existência das coisas espirituais, quando nunca experimentaram os instrumentos da fé? Querendo entender mais de Deus, devemos rogar a Ele: “Senhor, aumenta-nos a fé!” 14 Jesus é Ungido por Maria Texto: João 12.1-9; Mateus 26.13 Introdução Depois da ressurreição de Lázaro, parecia que todos os habitantes de Betânia e de Jerusalém chegariam a crer no Senhor Jesus, e muitos creram mesmo. Outros, porém, foram levar relatório aos fariseus, e estes convocaram um concí- lio que determinou matar Jesus. O que o Mestre dissera com respeito a um outro Lázaro certamente se aplica à situação retratada aqui: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite” (Lc 16.31). Jesus, no entanto, tinha muitos amigos entre o povo de Betânia, e eles lhe ofereceram uma ceia, talvez de gratidão e solidariedade. Naquela ceia, Marta, tipicamente dentro do seu papel, servia, enquanto Maria, caracteristicamente, estava aos pés de Jesus (cf. Lc 10.38-42). E Lázaro, embora não tenha falado nada durante o incidente, estava presente e com vida, testemunha visível do poder e virtudes de Jesus. I - O Ato de Devoção (Jo 12.1-3) 1. A realização do ato. Enquanto Marta está ocupada com o assunto de que melhor entende, servindo os pratos, Maria, quieta e retraída, medita sobre como ela também pode expressar sua devoção ao Mestre. “Então Maria, tomando um arratel de ungüento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do ungüento”. O ato de ungir a cabeça era uma forma de homenagem a pessoas ilustres que se praticava muito no Oriente. Aqui, no entanto, havia aspectos que, à primeira vista, pareciam exagerados. O valor do perfume era muito elevado. A natureza do frasco: feito de precioso alabastro (um tipo de mármore), o gargalo tinha que ser quebrado para liberar o seu precioso conteúdo, que então tinha que ser usado de uma só vez. O modo da unção: ungir os pés, além da cabeça, ia muito além das mais altas exigências da hospitalidade; além disto, soltou os cabelos (considerado um ato impróprio para uma mulher judia fazer em público), enxugando com eles os pés de Jesus (facilmente acessíveis a ela enquanto ficava em pé atrás dele, pois tomava-se as refeições reclinando- se em divãs). 2. A natureza do ato. O ato de Maria não era uma ostentação, não era vaidade para chamar a atenção para si mesma; era o transbordar de dedicação ao Mestre, prestes a ser removido para longe dela, pela morte. Maria, desta forma, demonstrou as seguintes emoções: 2.1. Afeiçãobaseada não em sentimentalismo efusivo, e sim decorrente do maravilhoso toque dos ensinos de Jesus nas cordas de seu coração. Os discípulos também tinham sentido aquele toque maravilhoso quando disseram: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” (6.68). 2.2. Gratidão. Agradecia todos os bondosos atos de Jesus, inclusive a ressurreição de Lázaro, e queria demonstrar sua gratidão de maneira inconfundível. 2.3. Inteira consagração. Longe de procurar contar umas poucas gotas com sovina restrição, derramou a totalidade do conteúdo do frasco - todo o precioso perfume. Foi sua maneira de simbolizar a totalidade da sua alma a derramar-se diante de Cristo em inteira consagração. 2.4. A renúncia das posses. Por mais valioso que fosse o perfume, Maria considerava que nada poderia ser bom demais para seu Senhor. II - A Crítica Vil (Jo 12.4-6) O egoísmo mal-humorado e sinistro de Judas forma um pano de fundo escuro para o brilho da pureza do ato de Maria. A bondade sempre provoca o mal a se revelar; atos de dedicação sempre despertaram críticas dos sábios e dos que procuram os bens deste mundo. A crítica de Judas era: 1. Aparentemente razoável. “Então um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu este ungüento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Mateus e Marcos mencionam que esta objeção surgiu da parte dos discípulos. João, porém, esclarece quem deu origem ao murmúrio deles. À primeira vista, parece haver alguma lógica. Jesus vivia na terra sem ter bens, e talvez alguém pudesse dizer que necessitaria de um lar para morar e do valor em dinheiro do perfume, e que demonstrações como aquela eram reservadas exclusivamente para príncipes e pessoas da mais destacada importância, não sendo cabíveis no caso de quem era tão humilde de atitudes e aparência. Além disso, reinava grande pobreza em toda a Palestina. 2. Fundamentalmente insincera. A insinceridade da objeção é explicada por João e pelas palavras que Jesus falou em defesa de Maria. O único “pobre” com que se preocupava Judas era ele mesmo! A maior parte dos críticos que resmungam quando se gasta dinheiro na construção de templos e em campanhas de reavivamento, pouca coisa fazem em prol dos pobres, às custas deles mesmos. “Ora ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão, e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava.” O mesmo homem que tinha obje- ções contra o mau emprego de 300 moedas estava para vender Jesus por apenas 30. Judas revelou sua irritação. Decerto pensava ser tesoureiro rico e poderoso no reino messiânico, e ficou amargurado quando Jesus rejeitou a possibilidade de ser coroado rei após o milagre da multiplicação dos pães. Sentiu que seria melhor salvar a sua situação diante das autoridades e ainda tirar um pequeno lucro. Tais pensamentos fizeram com que Judas se irritasse com o “desperdício” de dinheiro que poderia ter passado para o bolso dele, e deram ao diabo oportunidade de manipulá-lo. III - A Vigorosa Defesa (Jo 12.7,8) Maria não foi deixada à mercê de um desalmado traidor e dos discípulos sem discernimento. O Mestre tomou a palavra: 1. Repreendeu os críticos. “Deixai-a”. Não era a primeira vez que Maria se tornava alvo de críticas, Marta se queixava do desperdício de tempo de Maria (Lc 10.38- 42). Agora, Judas a acusava de desperdiçar dinheiro. Os que querem seguir fielmente ao Senhor não devem se sentir surpresos quando se tornam alvos de críticas, porque “o homem vê o exterior; porém o Senhor, o coração”. 2. Elogiou o ato. “Ela fez-me boa obra” (Mc 14.6). Cristo viu a preciosidade do ato, e não a do perfume; viu o incomparável preço de uma vida consagrada; viu o espírito de quem ofereceu a homenagem. 3. Explicou o propósito. “Antecipou-se a ungir o meu corpo para a sepultura” (Mc 14.8). Maria, com discernimento espiritual, sentia que seria esta a última oportunidade de se prestar homenagem ao Senhor durante a sua vida na terra, revestido de carne mortal. Jesus, em sua resposta, deixou transparecer que só ela chegou em tempo de lhe oferecer o carinho final, o que outros não conseguiriam fazer (Lc 23.56; 24.3). 4. Reformulou a sugestão. “Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes”. A sugestão era boa, e os discípulos ainda teriam muitas oportunidades para fazer o bem aos pobres, não devendo se esquivar deste mister; naquele momento, porém, estavam se esgotando as oportunidades de dar algo ao Filho do homem, antes da crucificação. Maria corria menos perigo de se esquecer dos pobres do que os discípulos; quem demonstra amor e carinho com o Senhor não deixará de ser generoso para com o seu próximo. IV – O Glorioso Galardão (Mt 26.13) “Em verdade vos digo que, onde quer que este evangelho for pregado, em todo o mundo, também será referido o que ela fez, para memória sua”. Maria, no cumprimento daquele gesto de amor, nem de longe sonhava que haveria de receber o galardão da fama universal por toda a história humana. Não tinha a mínima intenção de ser retribuída. Estava apenas pensando no Senhor. Ele, porém, não deixa nenhum gesto de bondade passar sem a devida recompensa (Mt 10.42). Por que o registro do ato de dedicação e altruísmo da parte de Maria tinha que acompanhar a pregação do Evangelho em todo o mundo? Porque é um exemplo do espírito que é a essência do Evangelho - o espírito de abnegação, altruísmo, dedicação. Há também alguma semelhança entre o espírito do ato de Maria e o que levou Jesus a morrer na cruz. 1. Semelhança de motivo. Assim como o mais puro amor levou Maria a derramar o perfume, assim também o amor divino levou Jesus a derramar sua vida em sacrifício na cruz. 2. Semelhança de abnegação. O valor do perfume é ressaltado por três evangelistas; era o equivalente ao salário de um ano, uma soma vultosa em si mesma e uma despesa enorme para Maria. Não foi à toa que Jesus disse: “Esta fez o que podia” (Mc 14.8). Compreendia e dava valor à abnegação dela, porque Ele também fez o que pôde, derramando tudo quanto era e tinha para remir a humanidade. Esvaziou-se a si mesmo; fez-se pobre; tornou-se em todos os aspectos semelhante aos filhos dos homens a fim de redimi-los. 3. Semelhança de magnificência. O que os discípulos consideravam desperdício, era a grande e generosa magnificência do amor. Cristo não mediu seu sangue em gotas na proporção do número de pessoas que aceitariam seu sacrifício, nem limitou o alcance da salvação obtida na cruz; ofereceu uma expiação suficiente para dar cobertura aos pecados do mundo inteiro. O Evangelho proclama seu ato de amor ao morrer pelos pecadores, é a boa-nova para o mundo inteiro. Assim como o perfume de Maria, não medido em gotas, expandia-se pelo ambiente inteiro, Jesus quis que o suave aroma do seu sacrifício fosse espalhado por todas as nações, produzindo uma atmosfera de salvação. V – Ensinamentos Práticos 1. A crítica e a consagração cristã. As críticas provocadas pelo ato de devoção de Maria nos ensinam que todos aqueles que se consagram plenamente ao Senhor e vivem à altura dessa dedicação podem saber que os conhecidos, sem discernimento espiritual, lhes perguntarão: “Por que tanto desperdício?” Ninguém fala em desperdício quando se arriscam vidas e se gastam fábulas em viagens espaciais. Quando, porém, pessoas dedicam e dão suas vidas pela causa de Cristo, há fortes clamores de indignação contra tal “desperdício”. Qualquer pessoa que já fez algo de especial para o Senhor, que tenha lhe custado tempo, dinheiro ou esforço penoso, pode testificar que houve quem protestasse. Não sigamos a religião de Judas. Se nossa ação tem a aprovação do Mestre, não nos importa o que o mundo disser. 2. Homenagem póstuma. Alguns discípulos foram ungir Jesus depois da sua morte. Jesus defendeu a ação de Maria explicando que ela queria ungi-lo enquanto Ele ainda estivesse com vida, a fim de que pudesse tirar alento do gesto. Devemos mostrar nosso apreço aos nossos entes queridos enquanto estão com vida,precisando da nossa afeição e apreciação. As flores enviadas depois da morte não poderão encobrir nossos remorsos por não termos mostrado o nosso carinho quando a pessoa estava em condições de recebê-lo. 3. Originalidade no amor. Judas, seguido pelos demais discípulos, só conhecia uma maneira de aplicar dinheiro na prática do bem. Maria, com a originalidade do verdadeiro amor, achou nova maneira de honrar o Mestre. O amor sempre descobre novas maneiras de servir; o amor que o general Booth sentia levou-o a descobrir meios de atingir os favelados em nome de Cristo; o amor que Wesley sentia levou-o a penetrar com avivamento espiritual nas classes operárias da Inglaterra; como Maria, não deixaram de ser alvos de críticas. O povo de Deus precisa de mais originalidade e sinceridade em pregar, contribuir e ajudar em todos os aspectos da obra de Cristo. E isto será alcançado, não com mais treinamento, mais oportunidades e cérebro, e sim com mais coração. Quando o amor de Deus é derramado ricamente sobre a igreja, esta começa a transbordar com bênçãos espirituais que atingem muitas pessoas em derredor. 4. Procurando as oportunidades. A oportunidade perdida dificilmente volta. Os discípulos se queixaram do que pensavam ser desperdício de Maria, quando realmente a oportunidade de homenagear Jesus estava chegando ao fim - enquanto a de ajudar aos pobres, que eles achavam mais importante, estaria no meio deles dia após dia, por toda a sua vida. Maria, portanto, aproveitou a oportunidade sem igual, e recebeu um galardão sem igual. As oportunidades diferem quanto ao seu valor e à sua importância. Sábio é quem consegue interpretar seu valor relativo, rapidamente escolhendo aquela que nem sempre se nos oferece. Algumas oportunidades se oferecem a cada dia; outras aparecem uma única vez na vida, e desaparecem para sempre. O rei Saul tinha a oportunidade de oferecer sacrifícios diante de Deus dia após dia, mas somente uma única oportunidade se lhe ofereceu para deixar de oferecer sacrifícios, para obedecer à Palavra de Deus. Perdeu a oportunidade, fazendo o que poderia ter feito em qualquer outra ocasião (1 Sm 13.8-14). Há coisas que podem ser feitas a qualquer hora; outras têm de ser feitas agora ou nunca. As atividades que temos a oportunidade de fazer a cada dia não devem nos impedir de desenvolver alguma coisa especial, quando surge a oportunidade que nunca mais voltará. 15 Jesus, o Rei dos Reis Texto: João 12.12-19 Introdução O capítulo doze é o ponto crítico do Evangelho de João. Os primeiros onze capítulos narram como Jesus se revelou aos homens de todas as maneiras, para lhes despertar a fé. Essas manifestações levaram muitas pessoas a terem fé nEle; outras, porém, ficaram endurecidas e hostis. O milagre supremo — a ressurreição de Lázaro — deu novos impulsos à popularidade de Jesus entre os habitantes de Jerusalém, mas também levou os líderes dos judeus a tomar a resolução de matá-lo. Três incidentes registrados no capítulo doze ilustram esta culminação de amor e de hostilidade: 1) A história de Maria ungindo Jesus demonstra que havia um grupo de discípulos a cujos corações Jesus era muito querido, e que perpetuariam a sua memória e obra. A própria presença de Lázaro, cuja ressurreição aprofundou a lealdade dos discípulos, também levou ao ponto culminante a inimizade dos líderes judaicos (Jo 12.1-11). 2) A história da entrada triunfante demonstra a impressão que Jesus causara em grande parte do povo judeu, além de revelar o desalento que isto causou aos fariseus (Jo 12.12-19). 3) No terceiro incidente, a influência de Jesus é ilustrada pelo pedido dos gregos que queriam vê-lo (Jo 12.20-26). I - O Programa do Rei 1. A necessária proclamação. Embora a primeira vinda de Jesus, dentro do plano divino da salvação, fosse em humilhação e sofrimento, mesmo assim ele era Rei, e Rei para todos os que o aceitam como tal. Era necessário que publicamente proclamasse sua soberania, para dar aos judeus a oportunidade de aceitá-lo. Não podiam ter a desculpa de não saber ser Ele o Messias e Filho de Deus. 2. A mudança de programa. Antes do momento aqui descrito, Jesus ainda não tinha proclamado à nação em geral sua própria soberania. Pelo contrário, até se afastara quando as multidões queriam forçá-lo a aceitar o trono, e, depois de Pedro confessá-lo como Messias, proibiu seus discípulos de pregar publicamente ser Ele o Rei de Israel tão esperado (Mt 16.20). Por quê? É que o povo tinha um conceito errôneo da natureza do seu Reino. A pública proclamação de Cristo como Messias teria dado origem a uma revolta contra Roma, que terminaria na matança de boa parte do povo judeu. Agora, porém, já não havia mais perigo de tumulto, porque Cristo chegara ao fim do seu ministério, e, já por esta altura, tanto os judeus como os romanos sabiam que Ele não era nenhum líder de revolta, e sim de um reino espiritual (Jo 18.33-37). 3. O plano divino. Talvez pareça estranho, mas a verdade é que Jesus tomou esse passo visando apressar a sua própria morte. Sabia que sua entrada espetacular na Cidade Santa e a subseqüente purificação do Templo aguçaria a hostilidade dos líderes judaicos até o ponto do assassinato. Uma pessoa que assim fizesse seria considerada desprevenida e insensata; no caso de Cristo, porém, entendemos a sua conduta à luz do fato de ter Ele vindo ao mundo a fim de morrer pelos homens; que sua morte já fora planejada antes da sua vinda ao mundo; que Ele mesmo já profetizara o fato e a necessidade da sua morte; que estava cumprindo um programa definido e planejado em toda a sua cronologia lá no Céu. Havia a “hora certa” da sua morte, segundo a cronologia divina (Jo 13.1). Sabendo que a hora estava próxima, o Senhor Jesus agiu à altura, de acordo com as instruções de Deus e as profecias registradas. 4. O último apelo. A entrada triunfal pode ser considerada o último apelo de Jesus. Era a última manifestação visando despertar a fé, e, tendo sido rejeitadas as demais pela nação como um todo, esta foi a derradeira tentativa de conquistar os corações obstinados. Mesmo sabendo por divina presciência que haveria rejeição, Ele não deixou de fazer tudo quanto lhe era possível. Desejando de todo coração salvar quantos pudesse, Jesus foi até as últimas nas suas tentativas de levar os homens ao arrependimento. II - A Entrada do Rei (Jo 12.12-16) João nos informa que a entrada triunfante realmente começou em Jerusalém, e que foi resultado direto do entusiasmo despertado pela ressurreição de Lázaro. Pessoas vinham em grande número de Jerusalém a Betânia para ver o homem que Jesus ressuscitara dentre os mortos. Depois elas, juntamente com outras pessoas que estiveram em Betânia e que presenciaram o milagre, voltaram a Jerusalém e espalharam a notícia de que Jesus estaria chegando no dia seguinte, vindo de Betânia, e assim foi organizada a procissão de boas-vindas. A multidão demonstrou seu reconhecimento à soberania de Jesus, primeiramente ao abanar ramos de palmeiras — símbolo de vitória e regozijo — e também ao cantar: “Hosana! Bendito o rei de Israel que vem em nome do Senhor”. Jesus nada fez para refrear o entusiasmo popular, sabendo serem corretas as suas manifestações. Ao mesmo tempo, sabia que não se podia fiar em demonstrações populares, que sempre são levadas a extremos, reunindo pessoas que gritam e aclamam sem saber do que se trata. Ele bem sabia que muitos havia naquela multidão que, decepcionados quanto à sua esperança de libertação política do jugo de Roma, clamariam mais tarde: “Crucifica-o!” É por isso que chorou à vista de Jerusalém, sabendo que seus habitantes rejeitariam a oferta da salvação (Lc 19.41-44). “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém; eis que o teu Rei virá a ti, justo e Salvador, pobre, e montado sobre um jumento, sobre um asninho, filho de jumenta” (Zc 9.9). O profeta queria dizer que o Rei não dominaria seus súditos de modo tirânico e cruel. Ele é “humilde”, ou seja, livre da arrogante asseveração de prepotência e orgulhosa jactância, comum ao discursodos tiranos. Os judeus deveriam ter sabido que, ao ver um rei se proclamar e chegar a eles do modo descrito acima, deveriam aceitá-lo. Só queriam saber de um rei temporal, no entanto, e desprezavam os aspectos das profecias que tratavam dos sofrimentos do Messias. Cristo não entrou em Jerusalém cavalgando um cavalo (símbolo de um reino beligerante), e sim um jumento (símbolo de um líder pacífico). Contraste-se à entrada triunfal dos generais romanos; atrás deles sempre havia uma esteira de sangue e de terras e lares destruídos, de opressão e extorsão. Atrás da entrada triunfal de Cristo havia todo um histórico de restauração de almas, de consolação a corações quebrantados, de cura a sofredores. Sua entrada era condizente com sua obra de humilde dedicação e abnegação. III - O Triunfo do Rei (Jo 12.17-26) João registra o efeito da entrada triunfal teve sobre vários grupos de pessoas. 1. Sobre os discípulos. “Os seus discípulos, porém, não entenderam isto no princípio; mas, quando Jesus foi glori- ficado, então se lembraram de que isto estava escrito dele, e que isto lhe fizeram”. Os discípulos estavam tão envolvidos com os eventos, que não tinham a perspectiva necessária para aquilatá-los em seu contexto total. Depois da ascensão, no entanto, já estavam em condições de olhar no conjunto todos os eventos passados e perceber como cada aspecto da entrada triunfal se enquadrara perfeitamente no programa profetizado desde a Antiguidade. E regozijaram- se ao saber que também haviam tido alguma participação naquele programa. 2. Sobre as multidões. Leia os versículos 17 e 18. As testemunhas da ressurreição de Lázaro começaram a testificar às multidões, contando o que Jesus fizera, e estas logo foram entusiasticamente ao seu encontro. Nota-se que foi João quem contou o papel desempenhado pela ressurreição nestes eventos. Decerto, antes de escrito este Evangelho, Lázaro já havia morrido, estando fora do alcance da vingança dos judeus, pois certamente lembrariam seu papel vital nos eventos. 3. Sobre os fariseus (v. 19). Os fariseus se dilaceravam em raiva e desespero. Fracassaram todas as suas tentativas de desacreditar a influência de Jesus sobre o povo, e agora só lhes restava o desígnio sem escrúpulos dos principais sacerdotes (Jo 11.47-53). 4. Sobre os gentios. A entrada de Jesus montado num jumento era uma declaração de que o seu domínio não dependia de conquistas, e sim de mansidão. No incidente que se segue, ensina que sua soberania sobre os homens baseia-se no seu auto-sacrifício, e que seus súditos devem palmilhar o mesmo caminho para atingir a glória. “Ora havia alguns gregos, entre os que tinham subido a adorar no dia da festa” (v. 20). Provavelmente eram convertidos ao judaísmo; escolheram Filipe para esta abordagem por ser ele de Decápolis, de civilização grega, tendo um nome tipicamente grego. “Estes, pois, dirigiram-se a Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e rogaram- lhe: Senhor, queríamos ver a Jesus” (v. 21). Filipe consultou André, conterrâneo seu, talvez por hesitar quanto à atitude de Jesus diante de tal pedido sem precedentes da parte de gentios (cf. Mt 15.21-23). E realmente o que Jesus disse foi mesmo algo diferente do que Filipe poderia ter imaginado. André pode não ter sido um estudioso brilhante ou um grande pregador, mas sabia levar pessoas a Cristo (cf. Jo 1.40,41; 6.8,9). Assim como a declaração de fé do centurião abriu diante de Jesus a vista das multidões de gentios que haveriam de crer nEle (Mt 8.10,11), também o pedido dos gregos era como uma janela estreita através da qual Jesus via miríades de gentios chegando com o pedido: “Senhor, queríamos ver a Jesus”. Neste grupo de interessados sinceros, viu Ele as primícias de uma grande colheita. Com a chegada dos gregos, Jesus disse: “É chegada a hora em que o Filho do homem há de ser glorificado.” Ou seja, aproximava-se a hora em que, por meio da cruz, atrairia a si todos os homens (v. 32), quando sua morte dolorosa e humilhante fosse seguida pela gloriosa ressurreição. O que parecia ser uma vergonhosa derrota era realmente a vitória sobre os poderes do mal. Os fariseus tinham se queixado: “Eis aí vai o mundo após ele”. Realmente, conforme João registra, a obra de Cristo estava se estendendo até limites nem imaginados por eles. Nações distantes começavam a perguntar por aquele que os fariseus rejeitavam. A esta altura, esses gentios decerto se constituiriam em encorajamento para o Mestre. Os fariseus, os saduceus, a ignorância, a inconstância, a covardia e a indiferença rejeitavam-no. E agora estes gregos, sem convite ou combinação prévia, imploram o privilégio de serem apresentados a Ele. Seria como uma fonte de água cristalina no caminho de um viajante num deserto de areia quente. A visita dos gregos traz à mente do Mestre a plena lembrança do preço que teria de pagar pela salvação do mundo (v. 24). Assim como um grão de trigo precisa ser desfeito na terra antes de produzir fruto, também o Filho do homem precisa morrer e ser sepultado antes de as almas crescerem, amadurecem e serem ceifadas. A vida divina em Jesus foi liberada em proveito dos pecadores mediante a sua morte. Semelhantemente, os seguidores do Senhor, para serem frutíferos os seus esforços em prol da conversão do mundo, não devem se apegar à sua própria vida (v. 25; cf. Mt 16.21-28). A comunhão com Cristo inclui “a comunhão com seus sofrimentos” (cf. 1 Pe 2.21-25; 4.1; Cl 1.24). Leia o versículo 26. Ser discípulo de Jesus significa seguir a Jesus, e segui-lo significa andar pelo caminho da cruz. Este caminho, no entanto, leva à glória. Os que carregam sua cruz receberão a coroa. Ensinamentos Práticos 1. Uma visita real. Há dezenove séculos, a cidade de Jerusalém recebeu a visita do Rei dos reis. Enquanto Jesus foi atravessando as ruas, encontrou-se com várias categorias de pessoas, representando o povo todo — os discípulos que ficaram com Ele até o Calvário; os discípulos que lhe deram vivas, mas que depois o abandonaram; a multidão que saudava: “Hosana!” e, depois, “Crucifica- o!”; no Templo, havia pessoas dedicadas a negócios que não mereceri- am a aprovação de Jesus; e os oponentes, procurando levantar controvérsias. Enquanto Jesus anda em triunfo por este mundo, no meio de que classe de pessoas Ele nos achará? 2. O fracasso dos ímpios. “Vede que nada aproveitais! Eis aí vai o mundo após ele”. Há uma profecia inconsciente escondida nestas palavras, assim como ocorre na inscrição de Pilatos e no conselho de Caifás (Jo 11.51). A verdade expressa nas palavras dos fariseus pode muito bem ter sido dirigida a perseguidores e descrentes de todos os tempos. Antes do reavivamento wesleyano, muitos homens cultos anunciavam a morte do Cristianismo, descrevendo- o como uma religião do passado. O reavivamento, no entanto, despertou a Igreja da sua frieza mortal, derrotando as vãs esperanças dos ímpios. Voltaire predisse, certa vez, que a Bíblia logo cairia em descrédito; hoje, porém, no mesmo lugar onde os escritos deste filósofo eram impressos, grandes quantidades de Bíblias estão sendo produzidas. Antes da segunda vinda do Senhor, podemos ter a certeza de que os ímpios farão um ataque violento contra Cristo e sua religião, e, depois de tudo, ouvirão uma voz dizendo: “Vede que nada aproveitais! Eis aí vai o mundo após ele”. 3. Morrendo para si mesmo e vivendo para Deus. Durante a sua vida na terra, o Filho de Deus exerceu influência espiritual de grande alcance porque era poderoso em palavras e obras. Mas isto não foi nada comparado ‘a extensão do seu Reino a partir da sua morte e ressurreição. Os resultados da sua obra surgiram não tanto do seu fazer, e sim do morrer. Talvez não tenhamos a oportunidade de selar o nosso testemunho com o nosso sangue; mesmo assim, há o morrer para o pecado, o próprio-eu e o mundo, que é essencial à fruição espiritual. Pensar em morrer talvez não seja agradável, mas devemos também pensar na recompensa. 3.1. A morte é o caminho da glorificação. Foi assim na carreira de Jesus. Carregou a cruz antes de vestira coroa. É verdade que o Filho de Deus sempre era glorioso, mas, ao aceitar a natureza humana para sofrer a morte expiatória, recebeu nova glória diante dos olhos de todos, no Céu e na terra. Em certo sentido, temos de morrer a cada dia, a fim de que a beleza e o poder de Cristo sejam revelados em nós. Respeitamos aqueles que fizeram grandes coisas na causa de Deus, e às vezes desejamos saber o segredo do seu poder. Lendo suas biografias, ficamos sabendo que a explicação da sua exemplar vida com Cristo foi atingida mediante o morrer para si mesmo (cf. 2 Co 4.10-12). 3.2. A morte é a cura da solidão. O grão de trigo, se não morrer, “fica ele só”. Há pessoas que se queixam da solidão, e atribuem o fato a várias causas. Em muitos casos é devido ao fato de terem elas vivido para si mesmas, e não para seu próximo. Não se semeou na sepultura da abnegação diária. 3.3. A morte é o caminho para a fruição. “Mas se morrer, dá muito fruto”. A fruição na vida espiritual vem como resultado do negar-se a si mesmo. Se queremos salvar aos outros, não devemos procurar salvar-nos a nós mesmos. Se queremos fazer o precioso perfume de Cristo espalhar-se pelo mundo, devemos aceitar o papel de vasos quebrados. Os galhos mais frutíferos são aqueles dos quais foram retirados os brotos desnecessários pela mão firme do podador, para que a seiva se acumulasse nas gemas vegetativas que depois produziriam frutos. 3.4. A morte é a porta para a vida. “Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo aborrece a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna.” A vida não é errada, não é pecado; mas o apego à vida pode se constituir em pecado. É um desperdício, uma perda, dedicar nosso amor só a esta vida, porque ela se perde; cada pessoa tem certa quantidade de tempo, energia, saúde, e somente a parte dedicada às coisas espirituais tem valor eterno; preservar a vida terrestre, a troco de negar ideais eternos, de nada vale; nosso amor não deve ser desviado das coisas eternas para a vida terrestre. 4. O dever e o destino. No versículo 26, Cristo dá um resumo facilmente assimilável do dever e destino da vida. 4.1. O dever da vida. “Se alguém me serve, siga-me”. Não há dúvida na mente de ninguém quanto a seguir Cristo no sentido de praticar as virtudes que Ele ensinou. Aqui, porém, Cristo tem em vista o segui-lo pelo caminho da cruz. O essencial no discipulado é negar-se a si mesmo em total consagração a Deus, e em prol do seu próximo. A cruz é a expiação pelos nossos pecados e exemplo para nossas vidas. Não pregamos um Evangelho completo se não incluímos ambos os aspectos. Como, porém, a frágil natureza humana atingirá as alturas para onde o Filho de Deus quer nos levar? Jesus disse: “Siga-me”. O poder de obedecer à lei de Cristo provém de amá-lo. Cristo nos ajuda a fazer aquilo que nos mandou fazer. “Se alguém me serve”. O Senhor se refere à oração e ao culto? Refere-se aos atos de benevolência para com os que têm necessidades espirituais ou materiais? Estas coisas estão incluídas, porém mais profundo e fundamental é conformar nosso caráter ao dEle. Enquanto crescermos segundo a sua semelhança, não faltaremos em nenhum ato de culto ou benevolência. 4.2. O destino da vida. “Onde eu estiver, ali estará também o meu servo”. Quem segue a Cristo, mais tarde passará a ficar para sempre com Ele; quem anda no mesmo caminho, chegará ao mesmo destino. Cristo é a recompensa por todas as tristezas, todos os esforços, todas as dores, toda a nossa vida de peregrinos (Fp 1.21,23). 16 Jesus, o Servo Texto: João 13.1-20 Introdução Leia Filipenses 2.1-11. Havia algumas pequenas dis- sensões na igreja de Filipos. Alguns dos seus membros estavam fazendo as coisas por inveja e porfia, por discórdia, insinceramente. Faltava-lhes uma atitude mental humilde, pois não estavam sabendo considerar “os outros superiores a si mesmo”. Para corrigir esta condição, Paulo colocou diante deles o exemplo de Jesus, que “sendo em forma de Deus não teve por usurpação o ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo”. As palavras de Paulo são o comentário inspirado do incidente descrito no texto em pauta. Estamos vendo Jesus, Senhor e Mestre, fazendo com condescendência a tarefa mais servil, dando assim exemplo de serviço humilde e amoroso a todos os seus seguidores, em todos os séculos. Ao narrar este incidente, o apóstolo João está dizendo a cada um de nós: “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. I - Preparando-se para a Ação (Jo 13.1,2) 1. A ocasião. 1) “Ora, antes da festa da páscoa”. Logo a seguir, milhares de cordeiros estariam sendo sacrificados, em comemoração ao dia em que a aspersão do sangue nas vergas e nas ombreiras das portas redimiu o povo de Deus do castigo que caiu sobre o Egito - uma noite que marcou a sua redenção e o começo da sua existência como nação. Foi uma ocasião apropriada para o sacrifício do Cordeiro de Deus que tais sacrifícios profetizavam. 2) “Sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai”. A leitura dos Evangelhos nos leva a perceber que a vida do Senhor foi regulada de acordo com um programa divino, de tal modo que muitas vezes a ira dos seus inimigos nada podia contra ele, porque “ainda não era chegada a sua hora” (Jo 7.30; cf. Jo 2.4; Lc 22.14). 3) “E, acabada a ceia”. A lavagem dos pés, um dever comum da hospitalidade naqueles tempos, era feita no início das refeições. Por causa do grande calor, usavam-se sandálias abertas, e a poeira das estradas sujava os pés dos viajantes. Quando a pessoa chegava de visita, o hospedeiro mandava um escravo remover as sandálias do visitante, lavando-lhe os pés, eliminando assim a sensação desagradável da poeira quente. 2. A negra traição. “Tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o traísse”. Cristo sabia disto, mas, mesmo assim, não o denunciou aos outros. sua única arma era o amor. Na pessoa de Judas, a expressão máxima do ódio do mundo vem contra Ele, e sua resposta é a bondade. Lava os pés de Judas juntamente com os dos outros discípulos, e, no jardim, quando Jesus recebe dele o beijo traiçoeiro, o chama de “amigo”. Cristo tem compaixão pelo miserável traidor que vendeu, não a Ele, e sim a sua própria alma! Neste contexto, o relato da traição serve como pano de fundo para o inefável amor de Cristo. 3. O amor constante. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”. Se já existiu um homem no mundo com justos motivos para preocupar- se com seus próprios assuntos, este era o Senhor Jesus. A sombra negra da traição, da fuga dos discípulos, da condenação e da crucificação eram um peso para a sua alma; ele, porém, preocupava-se apenas com o bem-estar dos seus discípulos. Desconsiderava seus próprios fardos a fim de encorajar os discípulos e prepará-los para as provações dos próximos dias. 4. O pano de fundo desalentador. A atitude dos apóstolos nesta ocasião ajuda a ressaltar e explicar a ação de Cristo em lavar os pés dos seus seguidores, assim como o veludo preto dá realce à beleza de um brilhante. Por que ninguém tinha se oferecido para fazer este trabalho? Lucas nos informa que, justamente na época da Última Ceia, “houve também entre eles contenda, sobre qual deles parecia ser o maior” (Lc 22.24). Se qualquer um deles se tivesse oferecido para lavar os pés dos demais, teria se colocado na posição de servidor dos outros — exatamente o oposto do que cada um deles queria! Estavam procurando um servo — e acharam! (cf. Jo 13.4,5; Mc 10.45). O Senhor viu que seus mais íntimos seguidores não estavam em condições de participar da Santa Ceia e de escutar suas últimas palavras solenes antes de ser levado para a cruz; o espírito de cada um deles estava cheio de vis ambições e ciúmes. Algo de drástico devia ser feito para limpar seus corações tão manchados. É aí que passa a lavar-lhes os pés. II - A Ação Levada a Efeito (Jo 13.4-11) 1. A condescendência de Cristo. “Levantou-se da ceia, tirou os vestidos, e, tomando uma toalha, cingiu-se.Depois deitou água numa bacia, e passou a lavar os pés aos discípulos, e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cin- gido”. O Senhor levou a efeito esta tarefa servil em plena consciência da sua majestade divina — “Sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas, e que ele havia saído de Deus e ia para Deus”. Este incidente exemplifica a obra redentora de Cristo. Tirou a vestimenta, assim como já se despojara da sua glória celestial; sua condescendência em lavar os pés aos discípulos é uma ilustração da humilhação de si mesmo a fim de purificar os homens pecadores; a ação de tomar as vestes de novo representa a sua volta à sua glória celestial. 2. A surpresa de Pedro. Pedro ficou olhando boquiaberto enquanto seu Senhor e Mestre abaixava-se para lavar- lhe os pés sujos. Finalmente, recuando os seus pés, conseguiu exclamar: “Senhor, tu lavas-me os pés a mim?” Estas palavras demonstram a reverência dos discípulos para com o Mestre. Não podiam suportar a idéia da troca da posição entre Mestre e servo. Foi um choque para eles — e era o que Jesus queria, pois pretendia ensinar-lhes uma lição inesquecível. 3. A explicação de Cristo. “O que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois.” A hesitação de Pedro foi tratada como a de João Batista: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?”, disse o Batista. “Mas Jesus lhe respondeu: Deixa por enquanto, porque assim nos convém cumprir toda a justiça” (Mt 3.14,15). Jesus dará as explicações depois; o importante é deixá-lo fazer a sua obra. 4. A presunção de Pedro. Com típica impulsividade, Pedro exclamou, sem pensar: “Nunca me lavarás os pés” (cf. Mt 16.22). Esta expressão de obstinação, orgulho e justiça própria era um duplo golpe contra Cristo: 1) Era contrária ao espírito da obra expiadora de Cristo. Pedro não queria saber de nada que não estivesse à altura da dignidade pessoal de Cristo; se, porém, achava que Jesus não devia se abaixar para limpar-lhe os pés, teria também de achar que Jesus não devia passar pela ignomínia da cruz para limpar-lhe a alma. 2) Era contrária ao senhorio de Cristo: Cristo não pode ser Senhor, se seu discípulo ousa dizer-lhe: “Tu nunca farás assim”. O requisito primário do discípulo é a entrega de si mesmo ao seu Mestre. Na prática, Pedro dizia ao seu Senhor: “Seja feita não a tua vontade, mas a minha”. 5. A advertência de Cristo. “Se eu te não lavar, não tens parte comigo”. Os que não querem se entregar ao Mestre em atitude de amorosa obediência não podem pertencer à companhia dos seus. Pedro não poderia participar da Última Ceia antes de passar por aquela experiência que lhe ensinaria a humildade. 6. Pedro se entrega. “Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça”. Pedro, alarmado com esta ameaça de exclusão, vai rapidamente ao outro extremo e, com a mesma impulsividade de antes, oferece-se para uma lavagem inteira, como se dissesse: “Se o discipulado depende da lavagem, podes me lavar o quanto quiseres”. Pedro, com suas emoções e impulsividade, sempre deixava sua língua colocá-lo em situações difíceis. Se tivesse sabido ficar quieto, deixando Cristo levar a sua obra adiante, sem interferências e sugestões suas, feitas como se tivesse sabedoria superior, a situação teria sido bem melhor. A Pedro faltava ainda a lição de meiguice e humildade; havia, no entanto, por detrás da impulsividade de Pedro, fer- vente amor pelo seu Mestre — e Jesus bem sabia disto. 7. Cristo tranqüiliza os discípulos. “Aquele que já está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo. Ora vós estais limpos, mas não todos.” 7.1. A ilustração. Quem saísse de casa para visitar alguém, tendo se banhado e vestido da melhor maneira possível, sujaria os pés pelo caminho, mas, ao chegar à casa do hospedeiro, somente precisaria lavar os pés, e não de um banho completo. 7.2. A explicação. Jesus sabia que seus discípulos estavam espiritualmente limpos mediante seu ministério (Jo 15.3) e que, nos seus corações, amavam-no. No entanto, a ambição apegara-se a eles pelo caminho, e Cristo, tomando a bacia e a toalha, estava mais interessado em limpar os sentimentos de orgulho, que estragariam a espiritualidade da reunião de despedida, do que em lavar os pés. Não se recusava a comer com os que não se lavavam devidamente (Mt 15.1,2), mas não podia aceitar cear no meio dos discípulos enquanto estes olhavam com ódio uns para os outros, recusando-se a conversar e demonstrando de todos os modos possíveis maldade e amargura de espírito. A lavagem dos pés redundou na lavagem dos corações; o grupo de homens orgulhosos e ressentidos voltou a ser a companhia de discípulos humildes e amorosos. É assim que o Espírito de Cristo continua operando nos corações humanos! 7.3. A aplicação. Pessoas salvas (“limpas”) podem colher várias formas de imundícias do mundo por onde vão passando; portanto, precisam da lavagem diária dos pés, ou seja, precisam do perdão de Cristo pelas atitudes e ações mundanas que praticam no ambiente do maligno. Quando Cristo fez a ressalva: “Nem todos estais limpos”, era porque Judas, por mais limpos que seus pés estivessem após a lavagem, não tinha deixado Cristo limpar seu coração. III - O Significado da Ação (Jo 13.12-17) 1. Devemos considerar sua ação. “Depois que lhes lavou os pés, e tomou os seus vestidos, e se assentou outra vez à mesa, disse-lhes: Entendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou”. Com estas palavras Jesus prepara o caminho para inculcar o sentido espiritual da lição prática que acabara de dar; faz os discípulos cônscios de que sua ação não fora um esquecimento da dignidade da sua posição, e sim uma demonstração real da sua natureza de Filho de Deus e Salvador. 2. Devemos seguir o seu exemplo. “Ora se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. Na verdade, na verdade vos digo que não é o servo maior do que seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou”. Com estas palavras Jesus tira as desculpas de qualquer discípulo que imagina ser importante demais para fazer qualquer humilde serviço. Se o Senhor e Mestre deixou de lado sua posição de dignidade e honra para servir humildemente, qual servo que poderá recusar-se a tomar a mesma atitude? Assim como ele disse a Pedro: “Se eu te não lavar, não tens parte comigo”, também queria que os discípulos entendessem que, recusando-se a lavar os pés uns aos outros, recusando-se a servir uns aos outros em amor, não teriam parte com ele. Lavar os pés aos irmãos significa servi-los em humildade e amor (cf. At 20.35; Rm 12.10; 15.1-3; 1 Co 9.22; Gl 5.13; 6.1,2). Jesus quer dizer que devemos estar dispostos, como nosso Mestre, a deixar de lado os nossos direitos e privilégios e nossa preocupação com as honras que queremos receber dos outros, e, vestindo a humildade e o amor, trabalhar para tirar nosso próximo do lamaçal de infortúnios em que o pecado o mergulhou. Pedro, nas suas Epístolas, faz freqüentes alusões a algumas das suas experiências narradas nos Evangelhos. Por exemplo, compare 1 Pedro 5.8 com Lucas 22.31,32 e 1 Pedro 5.2 com João 21.15-17. É muito provável que Pedro tivesse em mente o incidente da lavagem dos pés quando escreveu aos cristãos: “Semelhantemente vós, mancebos, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (1 Pe 5.5). No grego original, a palavra traduzida por “cingir” provém de um termo que descreve o avental usado pelos escravos em serviço, de modo que se pode interpretar assim a expressão: “Vistam o avental da humildade para servir uns aos outros”. Foi exatamente isto que o Senhor Jesus fez quando lavou os pés aos discípulos. 3. O galardão de quem segue o seu exemplo. “Se sabeis estas coisas, bem- aventurados sois se as fizerdes” (v. 17). Uma coisa é ficar emocionado com a história do evangelho,ser tomado de admiração pelo exemplo consistente de Cristo e pela sublimidade dos seus ensinos; outra coisa, e bem mais difícil, é sair no meio do mundo ímpio e materialista e fazer tudo quanto aprendemos de Jesus. A maioria das pessoas sabe mais do que realmente põe em prática; devemos, portanto, transformar nossa admiração por Cristo em imitação de Cristo. A verdade brilha mais quando é vivida do que quando apenas formulada em palavras. Somente à medida que vivemos a verdade é que podemos transformá-la em realidade para nós mesmos e para os outros. IV - Ensinamentos Práticos 1. Respeitando Cristo como Senhor. Pedro, ao exclamar: “Nunca me lavarás os pés”, estava fazendo do seu próprio raciocínio e consciência a regra suprema da sua conduta, violando assim o princípio de obediência que requer que a vontade do Senhor, uma vez conhecida a nós, seja suprema em nossas vidas, quer compreendamos sua razão de ser e seus motivos justos, quer não. O princípio da disciplina militar - “Obedeçam às ordens e façam as perguntas depois” - também pode ser aplicado à vida cristã. Há muitas coisas nos ensinos de Cristo que parecem, à primeira vista, contrárias à razão e impossíveis de ser praticadas. Se fôssemos tomar a atitude de Pedro, diríamos a Cristo que Ele não deveria ensinar doutrinas tão místicas ou fixar padrões de conduta tão idealistas. Quando Pedro recebeu, em época posterior, uma ordem divina que, segundo lhe parecia, contrariava a Lei de Moisés, respondeu: “De modo nenhum, Senhor” (At 10.14), sem perceber que a expressão “de modo nenhum” não condiz com a palavra “Senhor”. Cristo é nosso Senhor exatamente até onde lhe obedecemos implicitamente; desobedecer- lhe é deixar de considerá-lo Senhor. Não devemos temer: se obedecermos às suas ordens, Ele tomará a responsabilidade pelos resultados, e nós não perderemos o galardão. 2. A humilhação de Cristo - pedra de tropeço para muitos. Assim como Pedro achava que a exaltada posição de Cristo não condizia com o humilde serviço de lavar os pés, há muitas pessoas que acham inaceitável Deus ter chegado a nós na Pessoa de seu Filho para sofrer humilhação, rejeição e morte a fim de salvar a raça humana. Tal conduta, pensam, não condiz com a majestade divina. A resposta para tais é a mesma que Pedro recebeu: “Se eu te não lavar, não tens parte comigo”. Se não aceitamos a obra expiatória de Cristo, que inclui sua humilhação, seus sofrimentos e a sua morte, não há nenhuma lavagem de regeneração para nossa salvação. 3. A purificação é essencial à comunhão. “Se eu te não lavar, não tens parte comigo”. Somente ao reconhecer que precisamos ser purificados, e ao permitir que Ele nos purifique, é que conseguimos ter comunhão com Cristo e uns com os outros: “Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 Jo 1.7). Quem quiser sentar-se à mesa com Cristo precisa ser limpo. Como os discípulos, entra no cenáculo com a poeira do mundo, mas deve permitir que Jesus purifique a sua alma de toda mancha. 4. O gracioso julgamento de Cristo. “Vós estais limpos”, disse Cristo a um grupo de homens imperfeitos, que momentos antes tinham sobre si a imundícia da ambição e dos motivos indignos, e que continuavam com as manchas das imperfeições. Cristo não confunde as manchas momentâneas com a habitual impureza, nem a mancha parcial com a impureza total. Entende a diferença entre a verdadeira apostasia e um sentimento passageiro que por uns momentos perturba a comunhão. Não sentencia que caímos da sua graça porque cometemos um pecado, expulsando-nos da sua presença. Não! conhecendo o nosso coração, e reconhecendo que fomos completamente limpos pela regeneração, leva-nos a entender que os nossos pés — que representam o nosso caminhar diário — precisam ser lavados. O que mais tarde aconteceu a Pedro, que tornou necessário que Cristo lhe lavasse os pés, de modo espiritual? (cf. Mt 26.69-75). 17 Jesus nos Dá o Consolador Texto: João 14 Introdução No fim da Última Ceia, Jesus disse aos discípulos que a hora da sua partida estava próxima, que estava para ir a um lugar que, por enquanto, estaria fora do alcance deles. Tristeza e desespero tomaram seus corações, enquanto imaginavam quão indefesos e solitários ficariam sem Ele. Nos capítulos 14 a 16, vemos Jesus, o Médico das almas, receitando a cura para sua condição desoladora. A cura para os corações perturbados é receitada em João 14.1-3. A cura para a sensação de desamparo e solidão é definida nos seus ensinos a respeito do Consolador, que nos demonstra a vida de Jesus e que é a força que empresta capacidade à nossa vida. I - O Ajudador Vindouro (Jo 14.16,17) Os discípulos temem ser abandonados com a ausência de Cristo; temem ficar sem condições para enfrentar o mundo, mas ele os tranqüiliza com a promessa da vinda do Espírito, para ficar com eles durante a sua ausência. 1. O Espírito e o Pai. “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador”. A palavra original traduzida por “rogar” dá a entender a apresentação de um desejo ou pedido de igual para igual; a palavra denota o sentido de aproximação e presença, e descreve a obra mediadora de Cristo na presença do Pai. Sugerem-se, incidentalmente, três lições: 1) A divindade de Cristo. Pede a Deus, em termos de condição de igualdade, que o Espírito Santo seja doado à humanidade. 2) A Trindade. Trata-se aqui das três Pessoas Divinas: Cristo roga ao Pai, e Ele envia o Consolador Divino. 3) O Espírito é uma dádiva, ou doação: “Ele vos dará”. O Espírito é oferecido como dom, e não como privilégio que pode ser merecido por meio de obras ou méritos. A obediente fé é a mão vazia estendida que aceita o presente. 2. O Espírito e Cristo. O Espírito é chamado de “Consolador” que, no original, tem o seguinte significado: “alguém chamado para ficar ao lado de uma pessoa para ajudá-la de qualquer modo, mormente em processos civis e penais”. O Espírito, portanto, vem como Ajudador e Advogado, preenchendo as necessidades dos apóstolos, que se sentiam fracos e indefesos ao pensar na partida de Cristo. É chamado de “outro” Consolador porque seria, de modo invisível e espiritual, aquilo que Cristo tinha sido para eles de modo visível e literal durante três anos e meio de convívio. Hoje, o Espírito é para os crentes o que Jesus de Nazaré era para os apóstolos. 3. O Espírito e os discípulos. Qual o relacionamento do Espírito com os discípulos? 1) Permaneceria para sempre com eles, em contraste com a breve vida de Cristo na terra, entre eles. 2) “Vós o conheceis, porque ele habita convosco”. A preposição “com” tem o sentido de comunhão. Os discípulos, mediante o contato pessoal com Cristo e o recebimento do poder milagroso (Mt 10.1), conheciam as manifestações do Espírito Santo. A partir do dia de Pentecostes, o Espírito habitava neles em toda a sua plenitude, de um modo que nunca haviam experimentado. “E estará em vós” (cf. Jo 7.39). O Espírito de Cristo não podia estar neles enquanto estivesse em pessoa com eles. Foi por isso que Jesus disse: “Convém que eu vá” (16.7), muito embora enquanto Cristo, cheio do Espírito, podia-se dizer que o Espírito também estava vivendo “com eles”. 4. O Espírito e o mundo. Os nomes dados ao Espírito revelam os seus vários ofícios. Por exemplo, quando é chamado de Espírito “Santo”, há especial referência à sua obra santificadora; quando é chamado o Espírito “de Deus”, refere-se ao fato de ter vindo da parte de Deus; quando é chamado o “Consolador”, pensamos no seu papel de Representante de Cristo. No versículo 17, é chamado o “Espírito da verdade”, ou seja, aquele que nos ensina a verdade acerca de Deus. Ele está pronto a ensinar a todos. No caso daqueles que deliberadamente fecham os olhos e endurecem os seus corações, aplicam-se as palavras: “que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece”. Homens mundanos, que consideram as coisas visíveis a única realidade, não discernem nem entendem as operações do Espírito (cf. 1 Co 2.14). II - O SenhorPresente (Jo 14.18-24) 1. A promessa da manifestação espiritual. 1.1. A volta espiritual. “Não vos deixarei órfãos”. Nos seus discursos de despedida, o Senhor trata os discípulos como um pai trata seus filhinhos (Jo 13.33). Vendo seus rostos tristes (Jo 16.6), promete-lhes que não ficarão sem os seus cuidados paternais. Tranqüiliza-os, dizendo: “Voltarei para vós”. Neste contexto, as palavras de Cristo referem-se principalmente à sua manifestação espiritual entre eles e à comunhão através do Consolador (cf. v. 21). 1.2. A visão espiritual: “Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis”; o primeiro cumprimento destas palavras deu-se quando Jesus apareceu aos discípulos, depois da ressurreição (At 10.41), e o cumprimento mais profundo refere-se à revelação de Jesus aos seus em manifestação espiritual (cf. Gl 1.16). 1.3. A vida espiritual. “Porque eu vivo, e vós vivereis”. Mediante a manifestação do Espírito Santo, terão plena certeza de que Ele vive no Céu, e esta certeza lhes servirá de garantia de que, agora e para todo o sempre, gozarão a vida eterna. A certeza da imortalidade não provém de argumentos abstratos, e sim do contato vital com o Espírito de Cristo. O especialista em lógica pode dizer: “Minha conclusão é a de que certamente deve existir a vida futura”; mas aquele que tem o Espírito pode dizer: “Tenho a verdadeira sensação da vida eterna”. 1.4. O conhecimento espiritual. “Naquele dia conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós”. Os discípulos tinham sentido dificuldade para entender as referências quanto ao relacionamento de Cristo com o Pai, e ao relacionamento deles com Cristo; depois da vinda do Espírito da Verdade, no entanto, compreenderiam tudo, como se vê no testemunho nítido de Pedro, no Dia de Pen- tecostes (At 2.33,36), dia que Jesus profetizara com a seguinte expressão: “Naquele dia”. O derramamento do Espírito foi como um grande holofote que iluminou com clareza meridiana o terreno que tinha estado escuro aos olhos. 2. A condição prévia de tal manifestação espiritual. 2.1. A declaração. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele”. À medida que os discípulos demonstram seu amor por meio da obediência, Cristo revela-se a eles, no íntimo da sua consciência (cf. Ap 3.20). 2.2. A pergunta. “Disse-lhe Judas (não o Iscariotes): Senhor, donde vem que te hás de manifestar a nós, e não ao mundo?” Judas, como os demais, demorou a entender o sentido espiritual das palavras de Cristo. Sabia que Jesus era o Messias, e que profecias anunciavam que ele viria de modo visível aos homens, mas não entendia a revelação de Jesus a apenas algumas poucas pessoas. 2.3. A resposta. “Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada. Quem me não ama não guarda as minhas palavras; ora, a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai que me enviou”. Judas não conseguia entender que o Mestre estava falando de uma manifestação espiritual, e não da sua imediata manifestação pessoal e física. Somente as pessoas que ficassem “em harmonia” com Ele, mediante a obediência, estariam em condições de receber tal manifestação. Desta forma, o mundo em geral seria excluído (cf. v. 17). III – O Ensinador Divino (Jo 14.25,26) Cristo poderia ter dado mais explicações, mas os discípulos não estavam espiritualmente em condições de entender tudo quanto Jesus queria ensinar-lhes no pouco tempo que ainda sobrava. Para explicações adicionais, fez referência ao Ensinador que estava por vir — o Espírito Santo, que daria um testemunho inspirado das palavras de Jesus: “Tenho-vos dito isto, estando convosco. Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas [o que levou à escrita das Epístolas], e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito [o que levou à escrita dos Evangelhos]”. IV – A Paz Que Permanece (Jo 14.27,28) 1. A bênção prometida. “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: não vo-la dou como o mundo a dá”. A paz é a íntima segurança da alma, baseada na reconciliação com Deus. Cristo já obteve para nós esta paz. Note que Ele disse: “minha paz”. Apesar das tristezas, tentações e perseguições que enfrentou neste mundo, para o nosso eterno bem, Ele sempre levava consigo a sua própria paz. Nossa experiência neste mundo pode ser assim, também. 2. A bênção dada. Foi deixada como herança de Cristo na sua partida, no seu último testamento, assinado e selado com o seu próprio sangue. É uma dádiva, e não algo como o salário do nosso trabalho, fruto do nosso esforço. Desfrutamos dessa herança à medida que a aceitamos pela fé. 3. A bênção comparada. “Não vo-la dou como o mundo a dá”. A saudação comum daqueles dias era: “Paz seja contigo”. O Senhor, no entanto, realmente estava dando a paz, e não apenas a desejando para alguém. Era a paz que o mundo não pode entender nem oferecer, pois a única paz que o mundo conhece é a que se vincula à prosperidade financeira, que qualquer reviravolta pode destruir. A paz de Deus, entretanto, independe de circunstâncias exteriores; conserva o coração livre das preocupações mesmo em meio às dificuldades. 4. A bênção aplicada. Essas últimas palavras talvez tenham feito com que os discípulos mostrassem tristeza, pensando na separação; então, o Senhor disse: “Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize. Ouvistes que eu vos disse: Vou, e volto para vós. Se me amásseis, certamente exultaríeis por ter dito: Vou para o Pai; porque o Pai é maior do que eu”. Estas palavras não diminuem a verdade sobre divindade de Cristo; realmente a ensinam, porque nenhum homem teria a necessidade de declarar que o Deus Onipotente é maior do que ele. Por exemplo, um filho adulto pode ser considerado igual a seu pai, sendo participante da mesma natureza; da mesma forma, Cristo é igual ao Pai por participar da perfeita natureza divina. No entanto, por ser Filho, ocupava uma posição de subordinação enquanto vivia na terra (cf. 1 Co 15.28). O propósito prático das palavras de Jesus era oferecer aos discípulos a certeza de que a partida de Cristo redundaria na extensão da sua obra redentora, porque, no Céu, Ele participaria da onipotência do Pai. V – Ensinamentos Práticos 1. O Cristo Vivo. Pessoas há que reconhecem perfeito o caráter de Cristo, admiram a moralidade ensinada por Ele e desejam seguir os seus passos. Algumas, no entanto, têm dificuldade em crer no Cristo realmente vivo aqui e agora, pronto a socorrê-las espiritualmente. Aceitam-no como Ensinador, como aquEle que mostra o caminho para Deus; precisam, no entanto, aceitá-lo como Salvador, como aquEle que lhes dá as forças necessárias para trilhar aquele caminho. Para ser verdadeiramente salvo, o homem deve achar a conexão entre si mesmo e Deus. Sem dúvida, o formalismo que impera em muitas partes da cristandade tem levado muitos a duvidarem do real poder do Cristianismo. As igrejas precisam de um poderoso batismo de força espiritual que fará com que Cristo seja recebido como viva realidade nas almas humanas. Então, as igrejas voltarão a ter o fulgor perdido do Cristianismo. 2. Experimentando a divindade de Cristo. Muitas obras teológicas têm sido escritas para comprovar a divindade de Cristo, e estas têm certa utilidade; mas, apesar de tudo, é a experiência cristã que melhor nos ensina a doutrina cristã. O relacionamento que existe entre o Cristo e o Pai é algo de que podemos tomar consciência: “Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós”. Um pregador simples, morador de uma zona rural, compareceu diante da comissão de ordenação, e perguntaram- lhe: “Como sabes que Cristo é divino?” Respondeu ele: “Que dúvida! Ele me salvou a alma!” E a resposta valeu tanto quanto a melhor definição que um teólogo poderia dar. O que Cristo faz é a melhor indicação de quem Ele é. 3. A amorosa obediência é o caminho da experiência espiritual.“Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada”. Esta foi a resposta à pergunta de Judas, que queria saber como Jesus podia ser visível aos seus discípulos, sem ser visível ao mundo em geral. Jesus estaria presente espiritualmente após a sua ressurreição, mas somente o magnetismo de um coração amoroso poderia atrair tal presença. Quando se trata de ver e entender a Cristo, um ato de amorosa obediência vale mais do que muitas horas de especulação e considerações filosóficas: “Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo” (Jo 7.17). 4. “Que o mundo não pode receber”. O mundo pode receber e dar valor a muitas coisas boas — na natureza, na arte, na literatura, na conduta humana —, mas, mesmo assim, não reconhece o Espírito Santo. Jesus explica de duas maneiras esta conduta estranha: 4.1. “Porque não o vê”. Esta é a principal objeção do homem natural aos ensinos acerca do Espírito Santo. “Não posso ver o Espírito Santo”, diz. O vento, porém, apesar de não ter corpo sólido e de ser invisível, não deixa de ser real. “É verdade”, responde o interlocutor, “mas podemos sentir o vento, ver seus movimentos nas folhas e escutá-lo assobiando entre as árvores”. Exatamente da mesma maneira a presença do Espírito Santo é reconhecida quando faz vibrar os corações dos homens (Gl 5.22,23). Quando a Sra. Catherina Booth-Clibborn fazia reuniões evangelísticas em Paris, um francês cético aproximou-se dela e disse: “Indique qual é o fruto que a natureza e a educação não podem produzir, e eu crerei”. A evangelista citou as palavras de Lucas 6.27-29: “Amai a vossos inimigos, fazei o bem aos que vos aborrecem. Bendizei os que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra”. O francês, com uma mesura de cortesia, disse: “A senhora tem razão; tais coisas não existem na natureza humana.” 4.2. “Nem o conhece”. O homem do mundo não passou por qualquer experiência com o Espírito Santo e, portanto, nada conhece dEle. É um desperdício de palavras procurar descrever a música a um surdo, sem que ele possa ouvi-la por si mesmo, e nunca poderemos explicar as cores a uma pessoa cega de nascença. Para conhecer e dar valor a coisas espirituais, faz-se necessária uma mudança de coração (1 Co 2.14). 5. Para a obra espiritual, precisamos de poder espiritual. Quando D. L. Moody fazia reuniões em Birmingham, Inglaterra, certo líder denominacional ficou espantado com os tremendos resultados, e disse a Moody que a obra certamente procedia de Deus, porque nenhuma relação havia entre a capacidade pessoal de Moody e a obra realizada. Foi esta uma prova da realidade do Ajudador prometido por Cristo. Se procurarmos produzir resultados naturais, bastarão as forças que o mundo fornece; se desejarmos resultados espirituais, nada poderemos fazer sem o Espírito Santo. Há bem mais de um século, o missionário Roberto Morrison embarcou no navio que o levaria à China, a fim de iniciar uma tarefa que, para muitos, parecia desesperadora. “Você imagina”, disse-lhe o capitão do navio, “que vai converter a China?” “Não”, respondeu Morrison, “mas creio que Deus o fará”. Assim falou quem se sentiu incapacitado sem o Ajudador! Qualquer pessoa, juntamente com a presença do Espírito Santo, pode ser um obreiro espiritual! 18 Jesus É a Videira Texto: João 15 Introdução Cristo e seus discípulos haviam acabado de participar da Ceia. Ele anunciara que era mister a sua partida, e prometeu que enviaria o Consolador para ser a invisível representação da sua presença. As expressões de incompreensão e tristeza nos rostos dos discípulos levaram Cristo a dar-lhes a mais simples ilustração da promessa do Consolador e da sua contínua presença entre eles, removendo o temor da total separação com as palavras: “Eu sou a videira, vós as varas”. A ilustração também serviu para ensinar-lhes que seu sucesso como obreiros cristãos dependia de sua união com Ele. I - A Natureza da Comunhão com Cristo (Jo 15.1-3) A comunhão com Cristo, em toda a sua abrangência, é explicada pelas três seguintes ilustrações: 1) A Videira, 2) o Agricultor e 3) os ramos. 1. A Videira: Cristo. “Eu sou a videira verdadeira”. O que o Senhor tinha em mente ao dizer estas palavras? Talvez pensasse nas vinhas do monte das Oliveiras e na quantidade de galhos podados que ali se queimavam; ou na videira de ouro, símbolo de Israel, que ornamentava um dos portões do templo; ou, ainda, talvez meditasse sobre o produto da videira, o vinho, que naquela Ceia veio a ser símbolo da sua morte sacrifical. Por que Jesus afirmou ser a “videira verdadeira”? Foi porque as coisas boas desta terra não passam de sombras das realidades eternas. O pão natural que alimenta o corpo não passa de um imperfeito símbolo de Cristo, o verdadeiro Pão que alimenta a alma. A água natural, que satisfaz a sede do corpo, é apenas uma leve sugestão de Cristo, a Água Viva, que satisfaz a sede da alma. O Senhor, dizendo ser a Videira verdadeira, ensinou que, assim como a videira natural é a fonte de vida e fruição para seus ramos, também era Ele a verdadeira fonte da vida frutífera dos seus seguidores. 2. O Agricultor: Deus Pai. “Meu Pai é o lavrador”. Nestas palavras, Deus é descrito como sendo Dono e Cultivador da vinha, com o exercício das seguintes funções: 1) Ele plantou a videira, ou seja, foi Ele quem enviou seu Filho a este mundo para ser fonte de vida. 2) Ele corta os ramos infrutíferos: “Toda a vara, em mim, que não dá fruto, a tira”. Assim como se remove os ramos inúteis, também são removidos os cristãos professos que não têm vida espiritual. Foi este o juízo divino pronunciado contra a nação de Israel (Lc 13.6-10; Rm 11.17-21). Judas Iscariotes é exemplo destacado de alguém que foi cortado do convívio com Cristo (At 1.16-20). A aplicação se vê em 1 Coríntios 5.1-5; 11.29,30; 1 Timóteo 1.20; Mateus 18.34,35; 25.24-30; e 2 Pedro 1.8-10 (cf. Rm 8.9; Gl 5.22,23). 3) Ele limpa (poda) o ramo frutífero: “E limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto”. Poderí- amos supor que os ramos frutíferos ficariam livres da severidade, por serem motivos de satisfação para o Agricultor. No entanto, assim como videiras boas são podadas sem hesitação, a fim de concentrarem a seiva nos cachos, também os filhos de Deus muitas vezes recebem severas disciplinas a fim de se tornarem mais eficazes na obra cristã. Mediante a aplicação da disciplina, o Pai remove da alma humana os empecilhos à vida e ao crescimento — as ambições desta vida, a traiçoeira influência das riquezas, as concupiscências da carne e as paixões da alma (Hb 12.611). 4) Neste ponto, Cristo tranqüiliza seus discípulos: “Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado”. Tinham seguido os seus ensinos, estavam em comunhão com Ele (Jo 13.8-11). 3. Os ramos. “Vós sois os ramos”. Os discípulos são os meios através dos quais o próprio Cristo produz o seu fruto neste mundo, sendo para Ele o que os ramos são para a videira. Sua obra pessoal tinha sido treiná-los e, por assim dizer, transmitir-lhes a seiva da divina vida e verdade, e a parte que lhes cabia era transformar a seiva em uvas. O Pai enviara o Filho ao mundo a fim de dar vida, e o Filho já a transmitira aos seus discípulos; agora, na sua ausência, a obra deles seria ceder ao Espírito e produzir fruto. Esta união de Cristo com seus discípulos é espiritual, a união da vida divina com a vida humana; é real e vital, não sendo um assunto de meramente se afiliar a alguma organização; é mútua, porque devemos consentir em aceitar a união com ele; é muito estreita, não podendo haver união mais estreita do que a união entre a videira e seus ramos. II - A Importância da Comunhão com Cristo (Jo 15.4,6) “Estai em mim, e eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim nem vós, se não estiverdes em mim”. Naquele momento, os discípulos estavam em estreito contato com Cristo, mas deviam permanecer sempreassim para cumprir a sua obra espiritual no mundo. 1. A razão. “Quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto” (v. 5). O fruto é a propagação do Evangelho e a conquista de almas. Inclui-se a santidade pessoal (Gl 5.22,23), que é um dos meios de produzir frutos, conservar e desenvolver a obra de Deus. Dar fruto, ou seja, produzir reais resultados espirituais, é o propósito da religião de Cristo e, portanto, o teste prático da sinceridade e capacidade espiritual dos que dizem ser seus discípulos. Quando o “fazer” quer tomar o lugar do “crer”, é errado e mau; quando, porém, é o efeito da fé em ação, é bom e precioso. Qual a prova real da qualidade de uma árvore frutífera? É o fruto que produz. “Porque sem mim nada podeis fazer”. Indiretamente, estas palavras ensinam a divindade de Cristo, o Onipotente. Diretamente, ensinam que, fora do contato com Cristo, não temos vida, apoio, inspiração ou resultado espirituais e verdadeiros no ministério cristão. 2. A advertência. “Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem”. Tal é a penalidade de afastar-se de Cristo. É uma lei que se percebe em toda a natureza — que a faculdade que não é exercitada fica paralisada, atrofiada. Conservamos as nossas faculdades ao empregá-las, e, deixando de exercê-las, perdemo-las. Note quão gradual e progressivo é este processo: falta de fruto, secar, ser lançado fora, ser apanhado, ser queimado. O que simboliza o queimar neste versículo? Refere-se aos ensinos de Mateus 18.34,35 e 25.30, e Lucas 12.45,46? Ou explica-se nas seguinte passagens bíblicas - 1 Coríntios 3.12-15; 5.4,5; 11.29-32; Hebreus 12.5-11; Lucas 12.47,48? Seja qual for a conclusão, não pode haver dúvida quanto às graves conseqüências de se ficar de fora de comunhão com Cristo. III – Os Resultados da Comunhão com Cristo (Jo 15.5,7,8) 1. Quanto aos discípulos. 1) Os que permanecem em Cristo dão fruto genuíno e abundante. A vida de Cristo na alma do crente produz resultados marcantes e reais. 2) Sucesso na oração. “Se vós estiverdes em mim [conservando a comunhão com Cristo], e as minhas palavras estiverem em vós [se os ensinamentos de Cristo controlam nossos pensamentos e idéias até se transformarem em nossa orientação e inspiração], pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito”. Unidos com Cristo, pedimos em nome dele, ou seja, de acordo com a sua vontade, e conforme os melhores interesses do seu Reino e do nosso bem espiritual. 3) O discipulado completo. “E assim sereis meus discípulos”. Discípulos, não meramente em palavras, mas na realidade. 2. Quanto ao Pai. “Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto”. O agricultor é respeitado, e sente-se satisfeito quando a lavoura dá bons frutos. Quando os crentes vivem e colaboram como devem, são testemunhas vivas da realidade e do poder de Deus e de Cristo. O que acontece quando os crentes fracassam? Veja 2 Samuel 12.14. IV – O Padrão da Comunhão (Jo 15.9,10) 1. O padrão do amor. “Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor”. É como se Jesus dissesse: “Vocês observaram como o Pai tem ficado comigo durante meu ministério na terra, e como seu amor me tem acompanhado desde o Céu até à terra. Assim também é grande e terno o meu amor por vocês. Vivam de modo que nada venha impedir a continuação deste derramamento de amor celestial em suas vidas”. 2. O padrão da obediência. “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor”. A obediência é o segredo de permanecer no amor de Cristo. O Senhor nunca incumbiu os discípulos de qualquer dever que Ele mesmo não se dispusesse a cumprir. Portanto, aponta para o exemplo da sua própria obediência aos mandamentos do Pai. V – Os Frutos da Comunhão com Cristo Certas coisas decorrem da comunhão com Cristo: 1. A plenitude da alegria. No versículo 11 explica-se o duplo motivo dos ensinos de Cristo quanto à frutificação: 1) “Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós”. A continuação do júbilo cristão no coração do crente depende de uma vida frutífera. Mesmo naquela hora, Cristo sentia júbilo por seus discípulos, embora espiritualmente imaturos, assim como o agricultor se sente satisfeito com os cachos de uvas quando ainda são pequenos, verdes e sem valor comestível, vendo neles a promessa das uvas maduras. Cristo transmite sua alegria aos discípulos: a alegria da comunhão com Deus, da perfeita obediência, do perfeito amor, da abnegação e da dedicação. 2) “E o vosso gozo seja completo”. A perfeita alegria é dada àquele que frutifica para Cristo. É o servo fiel que ouvirá as palavras: “Entra no gozo do teu Senhor”. 2. O mandamento do amor. “O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”. O Senhor quer ensinar a seus discípulos que permanecer no amor uns dos outros é quase tão necessário ao seu bem espiritual como o fato de cada um deles permanecer nEle pela fé. As divisões, partidarismos e ciúmes teriam efeitos fatais na sua obra. O padrão: “assim como eu vos amei”. Cristo amou seus discípulos com amor forte, terno, paciente, perseverante e sacrifical, ao ponto assim descrito: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos”. 3. A amizade de Cristo. “Vós sereis meus amigos”. Segundo a Lei, o relacionamento entre Deus e seu povo era o de senhor para com os seus servos. O Senhor Jesus passou a estabelecer um novo relacionamento, que acrescenta divinal dignidade àqueles que trabalham por Ele: “Se fizerdes o que eu vos mando”. Geralmente o senhor dá ordem aos servos, e não aos amigos; Cristo, porém, não pode ser despojado da sua autoridade: Ele é nosso Amigo, e também o nosso Rei. O resultado da amizade: “Já não vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer”. A intimidade da conversação é sinal da amizade. Cristo tinha revelado seu coração aos discípulos, contando-lhes algumas das coisas mais profundas dos planos divinos (cf. Ex 33.11). 4. O conhecimento da eleição divina. “Não me escolhestes a mim, mas eu vos escolhi a vós”. A eleição refere-se ao fato de ser escolhido por Deus. Cristo chamou seus discípulos de amigos, mas longe estava de colocá-los em pé de igualdade com Ele. Suas palavras aqui mostram que sua posição de amigos não decorre de qualquer merecimento da parte deles, e sim dos graciosos propósitos de Cristo. Tudo quanto são e serão, devem-no ao seu Senhor. Note os propósitos da eleição: “E vos nomeei, para que vades”. Foi seu plano que fossem pregar o Evangelho, saindo por toda parte (Mt 28.19,20). “E deis fruto”, o que se refere principalmente a ganhar almas e aos efeitos do seu ministério. “E o vosso fruto permaneça”. Seu ministério deve produzir resultados permanentes. Por exemplo, a conversão de D. L. Moody foi o fruto permanente de certo jovem pregador que estava achando acanhados os frutos do seu ministério. O Peregrino foi o fruto das meditações de John Bunyan enquanto estava encarcerado pela sua fé, fruto este que tem perdurado até agora, e que decerto será apreciado enquanto existirem cristãos neste mundo. “A fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo- lo conceda”. Os crentes podem ter a certeza de que tudo quanto precisam para produzir frutos espirituais está ao seu alcance mediante a oração. Pedir em nome de Cristo significa pedir de acordo com a sua vontade, dependendo da sua intercessão em nosso favor, e em prol dos mais altos interesses do seu Reino. VI – Ensinamentos Práticos 1. Somos a vinha de Deus. Em cada etapa do crescimento, e a cada estação do ano, o viticultor tem algo a fazer com suas videiras. E qual o seu propósito? Tudo é feito na esperança de virem os frutos. Não havendo frutos, seu interesse entra em colapso, e todos os cuidados se transformam em desperdício de tempo. Na realidade, os ramos vazios podem até ser motivo paraos vizinhos zombarem do viticultor. Deus é como o viticultor. Não criou o mundo e os homens como vão passatempo. Criou-nos a fim de que venhamos a produzir caráter e atos de seu agrado. É este o fruto que justifica o trabalho e cuidados que Ele dedicou a nós. Caso contrário, a decepção de Deus será a que se expressa em Isaías 5.4: “Que mais se podia fazer à minha vinha, que eu lhe não tenha feito? e como, esperando eu que desse uvas, veio a produzir uvas bravas?” Nossas vidas e ações estão dando ao nosso Criador os frutos que Ele merece, depois de tudo o que fez por nós? 2. “Porque nenhum de nós vive para si” (Rm 14.7). Os crentes, comparados aos ramos da videira, não somente dependem de Cristo, como também uns dos outros. Devemos aceitar nossa situação de ramos porque não podemos nos separar e formar nossas próprias raízes. O braço cortado fora do corpo, o ramo cortado fora da videira — é assim o homem que quer viver para si mesmo. Será deixado em frio isolamento. Nossa vida só pode ser vivida plenamente quando reconhecemos que fazemos parte de um todo, e que não existimos na terra para levar adiante os nossos próprios planos nem para acumular bens para nós mesmos, mas para promover causas que beneficiem a todos e agradem a Deus. 3. Limpos pela palavra. Veja João 15.3 e Salmo 119.9. Os ensinamentos administrados aos apóstolos, quando Cristo repreendia seus erros, corrigia as suas falhas e purificava os seus motivos, tinham poder para santificá-los. Nós também podemos sentir o poder santificador da Palavra. Por exemplo, estamos perturbados, com preocupações e temores? Então, um “banho” em Mateus 6.19-34 nos fará bem. Estamos carregados com descrença e dúvidas? Devemos, então, tomar um bom “banho” em Hebreus 11, para nos sentirmos cheios de fé e esperança. Certo homem leu 1 Coríntios 13 uma vez por semana durante três meses, e isso transformou-lhe a vida. É um dos muitos exemplos de quão real e prática é a experiência expressa nas palavras: “Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado”. 4. Condições para produzir fruto. Fomos, por natureza, ramos de uma videira degenerada; pela regeneração, fomos separados do antigo tronco e enxertados na Videira verdadeira. Mesmo assim, precisamos dos contínuos cuidados do Agricultor, por causa dos seguintes perigos: 4.1. O ramo pode soltar-se; daí a admoestação: “Estai em mim”. O enxerto não somente é amarrado ao tronco, como também coberto, no ponto de junção, com cera ou algo semelhante, para excluir qualquer elemento estranho. Assim também na vida espiritual. Nada deverá perturbar a nossa firmeza em Cristo. 4.2. O segundo perigo é que o ramo pode voltar a ser um galho silvestre, correndo pelo chão na forma de cipó, que produz madeira e folhas sem fruto. Quem desconhece as videiras poderia considerar um desperdício a quantidade de sarmentos e folhas que se corta e lança fora em monturos. A poda, no entanto, leva a videira a ganhar muito mais do que perde porque é feita para aumentar o produto. Semelhantemente, os sofrimentos e a disciplina que os crentes precisam enfrentar geralmente têm efeito depurati- vo, como se fossem resultado da divina faca de poda, cortando os brotos da vida egoísta, a fim de que todas as energias da alma possam manifestar a vida de Jesus (cf. Fp 3.10; Hb 2.10; 12.5-12). 5. A perseverança dos santos. “Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara”. Existe a possibilidade de alguém ter conexão com Cristo e depois ser separado dEle. É a experiência religiosa abortiva, que não é verdadeira conversão. A culpa é do discípulo, e não do Mestre; o Mestre não abandona ninguém; seja qual for a nossa fraqueza, ou desvantagens naturais, Deus nos levará à vitória final, se nossa vontade for entregue a Ele. 6. “Sem mim... nada”. Havia um costume em Munique, Alemanha, de se levar a uma instituição de caridade qualquer criança achada na rua esmolando. Fazia-se um retrato da criança na condição em que foi achada e, uma vez completada a sua educação, era solta, com a condição de levar consigo, e guardar para sempre, o retrato daquilo que era antes de ser alvo da misericórdia. Aqui há uma lição para todo crente. Muitos crentes chegam a ter grande sucesso mediante a graça e poder de Cristo, e então começam a gloriar-se nas suas próprias realizações. Precisam lembrar- se de quem os transformou, voltando-se para Ele antes que as vitórias sejam transformadas em fracassos. 7. Condições para a oração respondida. Leia o versículo 7. A disposição de Deus quanto a responder às nossas orações é um convite a pedir. Sugerem-se as seguintes condições, para que a oração possa ser atendida por Deus: 7.1. A glória do Pai (Jo 14.13). Nenhuma oração tem possibilidade de chegar à fruição se não for inspirada pelo desejo de fazer com que o Pai seja conhecido, amado e adorado; Deus honra aos que o honram. 7.2. Em nome de Cristo (Jo 14.13). Nas Escrituras, o “nome” representa a “natureza”. Orar em nome de Cristo é orar conforme nos inspira nossa natureza cristã, e não nosso próprio-eu carnal. Orar em nome de Cristo é orar no Espírito de Cristo. 7.3. Permanecendo em Cristo (Jo 15.7). Quando permanecemos com Cristo em comunhão diária, a unção (“seiva”) do Espírito Santo, aprofundando nossa comunhão com o Senhor invisível, produzirá em nós desejos e petições semelhantes aos que Ele incessantemente apresenta ao Pai. Ele nunca poderá pedir coisas que não seriam apropriadas ao Pai conceder. 7.4. A conformidade com os ensinos de Cristo. “Se... as minhas palavras estiverem em vós”. Os ensinos de Cristo são como juízes, examinando cada petição antes que cheguem ao Mestre. Por exemplo, uma petição egoísta seria devolvida com o pronunciamento: “Mas buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça”. Uma oração manchada por sentimentos de má vontade pode ser retificada com a injunção: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. A oração em nome de Cristo deve conformar- se aos seus ensinos. 7.5. A oração deve relacionar-se com nosso serviço cristão (v. 16). A oração atinge o nível mais alto quando tem a finalidade de nos ajudar a servir aos outros na propagação do Reino de Deus. 8. A perseverança produz o gozo perfeito. “Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo”. Estas exigências quanto à vida frutífera visam transformar o júbilo de um recém-convertido no gozo estável, pleno e completo do espiritualmente maduro. A perfeita felicidade é para quem venceu a luta, para o ceifeiro depois de completa a colheita, para o atleta que ganhou o prêmio da força, da perícia e da velocidade. Perseverando em fazer o bem, ouviremos a voz do Senhor, dizendo: “Entra no gozo do teu Senhor”. 9. A perfeita amizade. Note como Jesus nos oferece todos os elementos da perfeita amizade. 9.1. Mantém a casa aberta para nós. Muitas casas têm o aviso: “Não se recebem mendigos ou vendedores”. Este Amigo, porém, avisa: “Pedi, e dar-se-vos-á”. 9.2. Jesus sempre olhava o lado melhor da conduta dos seus discípulos. Havia muitas ocasiões de fracasso entre os discípulos, como no Getsêmani, mas Jesus, em vez de acusá- los, reconheceu suas limitações: “O espírito está disposto, mas a carne é fraca”. 9.3. Jesus entende as alegrias e as tristezas dos seus amigos. Seu recado: “Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro” (Mc 16.7) mostra como entendeu os sentimentos do seu apóstolo desencorajado. 9.4. Jesus tem plena confiança nos seus amigos, e este é um teste importantíssimo de amizade. Disse o Senhor com respeito a Abraão, seu “amigo”: “Ocultarei a Abraão o que estou para fazer?” Os que entram no recôndito da sua presença sabem que o segredo do Senhor está com os que o temem. 9.5. Jesus é um Amigo que nunca abandona os que o amam. “Como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Podemos saber que, também neste ponto, Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre. 19 Jesus, o Intercessor Texto: João 17 Introdução Cristo acabara de tomar a Última Ceia com os discípulos, e, agora,prega sua última mensagem na terra. Chega o momento mais solene, em que os leva à presença de Deus, proferindo em prol deles sua última oração na terra. É verdadeiramente uma oração sacerdotal, em que ora, não somente por eles, como também por todos os membros futuros da sua Igreja. Já ouvimos, neste evangelho, Jesus falando ao povo, aos inimigos e aos discípulos; agora, o ouvimos falando ao Pai. Por certo, a oração foi pronunciada de modo audível (v. 13), e havia motivo para isto. Embora se tratasse de momentos de íntima comunhão entre o Filho e o Pai, era, ao mesmo tempo, uma lição solene que o Mestre ensinava aos discípulos. Na crise suprema da obra do Senhor, tinham licença de escutar o significado mais profundo da sua missão, e de ficar sabendo o papel que lhes era reservado. A oração revela, com naturalidade, três divisões: 1) a oração de Jesus por si mesmo (v. 1-5); 2) a oração de Jesus pelos seus discípulos (v. 6-19); 3) a oração de Jesus pela Igreja (v. 20-23). I - A Oração de Jesus por Si Mesmo (Jo 17.1-5) “Pai, é chegada a hora [da glorificação pela morte]; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifi- que a ti”. Cristo pede ao Pai que o glorifique por meio da aceitação do sacrifício representado pela sua morte e da sua ressurreição dentre os mortos. Feito isto, o Filho glo- rificará o Pai, mediante a conversão de pessoas de todas as nações. Deus glorificou a Cristo ao conceder-lhe autoridade para poder morrer em prol dos pecados do mundo e proclamar à humanidade a graciosa oferta de salvação da parte do Pai: “Assim como lhe deste poder sobre toda a carne [a humanidade em sua fraqueza e mortalidade], para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste”. Embora Cristo tenha recebido autoridade para salvar todos os homens, nem todos aceitam a salvação. “E a vida eterna é esta: que te conheçam [não intelectualmente, mas por experiência espiritual], a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. A vida física é resultado do contato vital com o ambiente físico; com o dano de algum órgão vital, rompe-se tal contato, e segue-se a morte. A vida eterna provém do contato com o ambiente espiritual. Noutras palavras, decorre da comunhão com Deus e com Cristo. A distinção entre a imortalidade e a vida eterna: a imortalidade refere-se ao corpo e significa “não estar sujeito à morte”; neste sentido, somos todos mortais; porém, na ressurreição, nossos corpos serão mudados e seremos imortais — não sujeitos à morte. A vida eterna diz respeito primariamente à alma, e passa a pertencer à pessoa do momento da conversão em diante. Agora mesmo, nós, que somos filhos de Deus, temos a vida eterna; na vinda do Senhor, teremos imortalidade. “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer”. Mediante uma vida de absoluta obediência, Jesus revelou o Pai, glorificando-o, portanto. No versículo 5, Jesus ora para que, tendo completado sua missão, o Pai o transporte de volta deste mundo de pecado e tristezas para o estado glorioso que deixou para trás quando se tornou homem (cf. Fp 2.5-11). II - Jesus Ora Pelos Discípulos (Jo 17.6-19) A oração pelos discípulos baseia-se na tríplice declaração do que eles eram em relação a Cristo (“Manifestei o teu nome aos homens”), em relação ao Pai (“eram teus”) e em relação a si mesmos (“eles têm guardado a tua palavra”) (v. 6). O versículo 9 não sugere que haja limitação quanto ao amor de Cristo; trata-se, simplesmente, de uma petição que somente pode ser aplicada aos discípulos — para o mundo, pode-se pedir a conversão; somente para os discípulos é que se pode rogar que sejam santificados e guardados. Note como Jesus exalta o caráter dos discípulos; testifica que eram homens piedosos, dados por Deus, com a chamada divina. “Eram teus, e tu mos deste”. Este caráter dá testemunho da sua perseverança na santidade e da sua obediência. E este elogio é feito apesar das suas muitas falhas. A petição diz respeito à sua santificação: primeiro, no sentido negativo de separação do mal (v. 11-16); segundo, no sentido positivo de dedicação ao serviço de Deus (v. 17-19). 1. A preservação do mal. Jesus, enquanto estava com os discípulos, exercia sobre eles uma influência santificadora. Agora, está para sair do mundo e entrar numa nova esfera, e pede que Deus os guarde do mal que há no mundo. Chama Deus de “Pai Santo”, porque é o Santificador dos homens; pede que Deus os conserve em seu nome, ou seja, na sua própria natureza e força (cf. Sl 79.9; Pv 18.10; Is 64.2; Jr 14.7,21; Ez 20.9,22; Mt 6.9). Um grupo de homens preservados assim pelo poder de Deus também participaria da natureza divina (cf. 2 Pe 1.4), atingindo assim a unidade de amor, vontade e experiência. Assim ora Jesus: “Que também eles sejam um em nós”. Assim como as Pessoas da Trindade são uma, apesar de distintas, assim deve ser a situação dos membros do Corpo de Cristo. Jesus conservara todos os apóstolos, menos um — Judas Iscariotes. Judas foi chamado para ser apóstolo, mas se tornou apóstata. Quanto aos demais discípulos, o Senhor sabia que teriam de enfrentar um mundo corrupto e hostil, mas não pediu que Deus os tirasse do mundo porque, caso contrário, perderiam a oportunidade de anunciar aos perdidos a salvação. O que pede é que Deus os guarde do mal que há no mundo (v. 14-16; cf. 1 Co 5.9-11). 2. Dedicação ao serviço. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade”. Apesar de sua sinceridade, os apóstolos ainda precisavam ser aperfeiçoados; assim sendo, Jesus orou para que fossem santificados na verdade, tendo em mente aqui não tanto o seu crescimento espiritual como crentes individuais, mas especialmente seu equipamento espiritual para a obra missionária, conforme se percebe nas palavras seguintes: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”. A santificação dos apóstolos é vinculada não somente à sua obra para Cristo, mas também àquilo que Cristo opera neles: “E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade”. Jesus descreve aqui sua missão como sendo um ato de total sacrifício de si mesmo, visando o bem eterno de outros. III – Jesus Ora pela Igreja (Jo 17.20-23) O Senhor parece ter uma visão das multidões de todas as eras históricas que chegariam a crer através do testemunho dos apóstolos. Faz duas petições em favor delas. 1. A união na terra. A natureza da unidade: “Que também eles sejam um em nós”. Os membros da Trindade têm um só propósito e desejo, visando, na sua obra, a salvação da raça humana; cada Pessoa da Trindade tem seu ofício distinto; porém, onde um opera, os demais colaboram também. É este o alto ideal colocado diante da Igreja — muitos membros vinculados pelo único Espírito e cooperando para a mesma finalidade. Note especialmente o propósito e o efeito práticos desta união: “Para que o mundo creia que tu me enviaste”. As divisões são empecilhos à obra de Cristo; a união a promove. 2. A união no Céu. Leia o versículo 24. Estas palavras têm dupla aplicação: 1) Descrevem a presença com Cristo, que é o destino dos crentes que partiram deste mundo (2 Co 5.8). 2) Descrevem a reunião final, na vinda de Cristo, quando toda a família dos crentes estará reunida no Céu (1 Ts 4.17). IV – Ensinamentos Práticos 1. A vida eterna. “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. Quando as Escrituras falam em vida como galardão da justiça, isto significa algo muito mais importante do que a continuada existência, porque até os ímpios existirão, mas no inferno. A vida verdadeira significa viver em comunhão com Deus, uma comunhão que a morte não poderá interromper ou destruir. Certo homem mundano disse a um pregador: “Por que vocês pregadores nunca têm mensagem para nós, os que tememos a imortalidade? O mero pensamento de nossa existência ter continuidade não consola ninguém; até nos horroriza. Não se trata de não crer na imortalidade e desejar crer; trata-se de quase crer na imortalidade e preferirnão crer”. Realmente, para muitas pessoas, a idéia de meramente existir para sempre é terrível. Realmente, viver para sempre, sem Deus, é a vida no inferno. Viver para sempre em comunhão com Deus, entretanto, é a bem-aventurança sem fim; é o Céu; é a vida eterna. A comunhão consciente com Deus, já aqui na terra, por si só é uma garantia e um antegozo da vida eterna: “E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá” (Jo 11.26). 2. “Eu glorifiquei-te na terra”. Aqui na terra, na Palestina, Jesus vivia em meio ao calor, pobreza, doença e egoísmo dos homens. Até os discípulos escolhidos revelavam muitas falhas e limitações. No seu ministério, enfrentava preconceitos, ódio e oposição. Verdadeiramente, eram longe de ser ideais as condições em que vivia; mesmo assim, no fim de seu ministério, tinha o direito de dizer: “Eu glo- rifiquei-te na terra”. Será bastante fácil glorificar a Deus no Céu. A questão importante é: sabemos glorificá-lo no ambiente em que nos encontramos agora? Estamos conseguindo glorificá-lo no lar, na loja, no escritório? 3. Refletindo a imagem do Mestre. “E nisso sou glori- ficado” (v. 10). Certo ministro piedoso disse a um grupo de pregadores: “Não é suficiente pregar sobre Jesus Cristo; é dever dos discípulos demonstrar o espírito do Mestre”. Certo missionário pregava numa vila da Índia, descrevendo a vida e o caráter de Cristo, seu amor e sua terna compaixão pelos sofredores. Alguns ouvintes alegavam conhecê-lo de um colégio cristão em outra cidade; é que certo servo de Deus estava vivendo tão bem a vida cristã que, para aqueles ouvintes que nada sabiam sobre a história de Cristo, era a mesma coisa que ter Cristo em pessoa entre eles. Será que o mundo pode ver Cristo em cada um de nós? 4. O ministério da intercessão. A descrição de Jesus intercedendo pelos discípulos nos faz lembrar quão grande é o privilégio e o poder da intercessão. Certo missionário veterano, voltando para a China depois de longa ausência, recebeu a visita de um chinês que fora convertido durante seu ministério. Este homem trouxe consigo seis novos convertidos, que levara a Cristo, tirando-os do lamaçal da degradação - eram viciados em ópio. “Que remédio você conseguiu dar a eles?” perguntou o velho missionário. A única resposta do chinês foi indicar, de modo significante, os seus próprios joelhos. A intercessão é um dos mais importantes recursos da Igreja. 5. Desapego do mundo. “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”. A idéia do monasticismo era que a fuga do mundo, entrando-se num mosteiro, seria o escape das tentações que talvez viessem a impedir que a pessoa recebesse a salvação. Cristo, no entanto, ensinou que o mundo em geral, com sua estranha mistura de bem e mal, é, afinal de contas, objeto do amor de Deus, e que a missão dos seus discípulos é ser sal da terra e luz do mundo. Isto exige contato com o mundo, e não temê-lo ou fugir dele. Cristo, portanto, não orou para que os discípulos fossem tirados do mundo, e sim preservados do mal que nele há (cf. 1 Jo 2.15-17). Enquanto o crente mantiver uma vida espiritual sadia, poderá vencer o espírito do mundanismo: “Maior é o que está em vós do que o que está no mundo” (1 Jo 4.4). 6. Santificação e serviço. “E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade” (v. 19). Jesus viveu toda a sua vida em obediência deliberada à vontade do seu Pai, e agora esta obediência coloca-o frente a frente com a morte. As palavras aqui citadas revelam o motivo que dominou o seu coração na hora da crise: “Por eles”. Quanto amor e dedicação! Foi a favor dos homens que Cristo viveu aqui na terra, e que finalmente foi para o Calvário. Não podemos usar esta expressão do mesmo modo que Jesus a empregou, mas, repetindo a sua atitude, pela sua graça, podemos dizer: “A favor do mundo, a favor dos meus irmãos, consagro-me a uma vida de retidão, utilidade e abnegação”. O General Booth, fundador do Exército de Salvação, disse que, quando se entregou a Deus para fazer aquela obra, visava a salvação dos outros, e não a sua própria. Semelhante é o caso do oculista que gostava muito de esportes pesados, mas, vendo que causariam a perda da delicada sensibilidade dos seus dedos, separou-se de tais atividades a fim de dedicar-se ao bom atendimento dos que sofriam da vista. A verdadeira abnegação não é autoflagelar-se; é ficar sempre em boas condições morais e espirituais para ser uma bênção espiritual a outras pessoas. A santificação é muito necessária para a eficácia de nosso serviço cristão; se queremos oferecer a nossa vida em dedicado serviço, surge a pergunta: “Que tipo de vida vais oferecer?” 7. A santidade e a verdade. Estas duas palavras se vinculam no versículo 17. Até certo ponto, é verdade que o Cristianismo é mais um modo de vida do que um credo; mas esta vida brota da verdade eterna. Deus nos deu uma revelação, e esta revelação nos é dada na Bíblia em forma de doutrinas. Nenhuma santidade será produzida em nós mediante a crença em mentiras piegas. As boas obras brotam da verdadeira fé, e a verdadeira fé é inspirada pela verdade de Deus (cf. Sl 119.11). Um pregador francês declarou: “A pureza do coração e da vida importa mais do que ter a opinião correta”, ao que respondeu outro pregador francês: “A cura é mais importante do que o remédio, mas, sem o remédio, não haveria a cura”. Certamente é mais importante viver a vida cristã do que conhecer as doutrinas cristãs, mas não haveria nenhuma experiência prática e espiritual sem a fé, em primeiro lugar, nas verdades do Cristianismo. 8. A unidade cristã. Jesus orou para que todos os seus discípulos fossem um. Referia-se a uma unidade espiritual produzida quando as pessoas participam da mesma experiência espiritual. Não bastaria levar a efeito uma amalgamação de igrejas. A unidade em Cristo vale mais do que a união e a uniformidade eclesiástica. Mesmo nos cemitérios há união, mas é a união da morte. A verdadeira unidade é uma coisa viva. 20 Texto: João 19.16-37 Introdução A crucificação pode ser encarada sob dois pontos de vista: o humano e o divino. Considerando-a pelo lado humano, podemos dizer que o Senhor Jesus foi condenado a sofrer e morrer por causa da lealdade à sua condição de Filho de Deus, o Messias. Já na idade de doze anos tinha consciência disso (Lc 2.49), e a narrativa do evangelho não deixa dúvidas quanto a Jesus saber que era o Filho de Deus e o Rei de Israel (cf. Mt 16.16,17). Quando o sumo sacerdote perguntou- lhe, sob juramento, se era o Filho de Deus, Jesus selou sua própria sorte, respondendo afirmativamente (Mt 26.63,64; Mc 14.61,62). Quando estava sendo interrogado por Pilatos, uma simples negação teria lhe assegurado a soltura, mas Ele não poderia negar aquilo de que tinha consciência: “Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci”, foi seu testemunho corajoso (Jo 18.33-37). “Cristo Jesus... diante de Pôncio Pilatos deu o testemunho de boa confissão” (1 Tm 6.13). No meio dos angustiosos detalhes dos interrogatórios e da crucificação, porém, não devemos perder de vista a verdade de que este evento fazia parte do plano de Deus para a redenção. Judas o traiu, Pedro o negou, os apóstolos abandonaram- no, o Sinédrio condenou-o, Pilatos pronunciou a sua sentença, os soldados romanos crucificaram-no, os líderes zombaram dele — mas Deus, que vê o fim desde o início, já providenciara todos estes detalhes, colocando- os no seu plano de redenção. Foi assim que Pedro explicou esta verdade aos seus compatriotas no Dia de Pentecostes: “A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o crucificastes e matastes pelas mãos de injustos” (At 2.23; cf. Gn 50.20). I – A Agonia de Cristo (Jo 19.16,17) O lugar da crucificação era a colina chamada Gólgota (“Calvário”), nome que significa “lugar do crânio”, por ser redonda e lisa. Situava-se fora dos limites da cidade (cf. Hb 13.11-13). Era o lugar regular para execuções, e este também pode ter sido o motivo do nome que recebeu. Quando Jesus ali chegou,certas senhoras benevolentes lhe ofereceram bebida com uma droga analgésica, para aliviar a dor da crucificação, mas ele não a aceitou; estava resoluto quanto a beber até às últimas escórias a taça do sofrimento humano. Seu último ato antes de ser pregado à cruz foi recusar meios de escapar à dor. Não se deve demorar muito tempo nos cruéis detalhes dos sofrimentos físicos da cruz, despertando compaixão meramente humana pelo Filho de Deus — e, afinal, seus maiores sofrimentos eram mentais e espirituais. II – A Humilhação de Cristo (Jo 19.18-24) 1. Os dois ladrões. “Onde o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio”. A posição de nosso Senhor — no meio — parece ter sido uma deliberada tentativa de humilhá-lo, mas, como outros aspectos humilhantes da crucificação, redundou em glória para Ele. A posição de nosso Senhor no meio dos pecadores é uma bela ilustração de seu ministério; enquanto vivia, era o “amigo dos pecadores”; na morte, estava lá, no meio deles. E ainda aproveitou para salvar um dos dois antes de morrer (Lc 23.39-43). Assim como uns o aceitaram, recebendo a vida, e outros o rejeitaram, condenando-se a si mesmos, também ocorreu o mesmo neste incidente: um ladrão reconheceu-o como Rei, e morreu para o pecado, enquanto o outro o repreendeu, e morreu em pecado — o destino de ambos sendo determinado pela sua atitude para com aquEle que morria em prol de pecadores. 2. A inscrição problemática. “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS”. Os judeus tinham razão em queixar-se de que esta era uma proclamação, e não uma acusação. Segundo eles, Pilatos deveria ter escrito: “Este é Jesus Nazareno, que alegou ser rei dos judeus”. Mesmo na hora da morte, Jesus foi proclamado Rei pelo governo! Pilatos respondeu, diante da queixa dos judeus: “O que escrevi, escrevi”, porque a lei romana proibia a alteração da inscrição de acusação, uma vez colocada. Tivesse Pilatos sabido o plano de Deus, poderia ter dito: “O que escrevi, Deus escreveu”. A cruz era, na realidade, o trono de Cristo. Ele tornou- se Rei dos homens ao morrer na cruz para salvá- los, e esta cruz se tornou o caminho de entrada aos corações de milhões de pessoas. 3. As vestes repartidas. “Tendo pois os soldados crucificado a Jesus, tomaram os seus vestidos, e fizeram quatro partes, para cada soldado uma parte”. Jesus submeteu-se ao extremo da humilhação, pendurado, sem roupas, na frente de uma multidão de zombadores. Já começara a dar a lição de humilde dedicação quando tirou a vestimenta de cima para lavar os pés aos discípulos (Jo 13.1-17), e agora despoja-se de tudo. Deus, porém, o vestiu com as vestimentas da glória eterna e celestial. “A túnica, porém, tecida toda de alto a baixo, não tinha costura. Disseram pois uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será”. Os soldados perceberam que a peça de roupa pouco valor teria se fosse cortada, e apelaram à “sorte” — sem a mínima idéia de que eles, cujos corações só conheciam crueldade e ganância naquele momento, estavam cumprindo mais uma profecia dentro do plano divino para a salvação da humanidade: “Repartem entre si os meus vestidos, e lançam sortes sobre a minha túnica” (Sl 22.18). III - A Compaixão de Cristo (Jo 19.25-27) “E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria de Cleofas, e Maria Madalena. Ora, Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava [João] estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho.” Maria já estava entendendo o que Simeão queria dizer quando profetizou: “Uma espada traspassa- rá também a tua própria alma” (Lc 2.35). Passando-se as horas, e o povo começando a dispersar-se, Maria e as outras mulheres conseguiram aproximar-se mais da cruz, e a espada da aflição lhe atravessava o coração enquanto ficava tão perto do filho crucificado, sem haver nada que pudesse fazer para aliviar os seus sofrimentos. Longe, porém, de o Sofredor desejar para si qualquer ajuda ou simpatia, Ele queria cuidar do bem-estar da sua mãe. Em meio a todas as agonias da crucificação, não se esqueceu da sua divina natureza e missão, e tomou o cuidado de praticar (e, portanto, de ensinar) um dos deveres primários: o cuidado para com os pais. Jesus já estava se despedindo do mundo, e só restou mais um detalhe: cuidar da mãe, agora viúva. Jesus, então, chama o apóstolo João, que entendera o seu amor melhor do que qualquer outro, e entrega-a aos cuidados deste. “Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa”. Por que não a entregou aos cuidados dos próprios filhos, irmãos de Jesus? Ainda não eram crentes, e sua incompreensão teria amargurado os dias finais de Maria. João tinha condições de oferecer-lhe um lar confortável e independente, e só ele saberia preencher a vaga deixada no coração dela, sendo quase um retrato de Jesus. IV - O Triunfo de Cristo (Jo 19.28-30) A morte de Cristo às vezes é substituída pela expressão “ser levantado” (Jo 3.14; 12.32), o que sugere que, mesmo na morte, Cristo é triunfante. Sua morte foi um triunfo sobre o pecado, a morte e o diabo. 1. O cumprimento das Escrituras. “Depois, sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede. Estava ali um vaso cheio de vinagre. E encheram de vinagre uma esponja, e, pondo-a num hissopo, lha chegaram à boca”. João ressalta esse fato do cumprimento de todas as profecias messiânicas no que diz respeito aos sofrimentos do Messias na sua primeira vinda, inclusive esta última profecia (Sl 69.21), que se cumpriu quando Ele disse: “Tenho sede”. Na chegada à cruz, o Senhor já recusara a bebida analgésica (Mt 27.34); não tinha o desejo de fugir do sofrimento físico, e não queria entrar na morte através do sono induzido por drogas. Pelo contrário, tinha de suportar tudo com a mente bem desperta, seus sentidos ativos, enfrentando a morte como vitorioso Conquistador e não como pobre vítima, sob efeito de drogas. O grito: “Tenho sede!” foi arrancado dele pelos sofrimentos, e recebeu um pouco do vinho azedo dos soldados, que satisfez a sua sede física e deixou lúcido o seu cérebro até o fim (cf. Jo 19.28; 7.37; Mt 27.42; 2 Co 8.9). 2. Cumpridos todos os sofrimentos. “E, quando Jesus tomou vinagre, disse: Está consumado”. Estava cumprida a obra de Jesus na terra, inclusive a redenção da humanidade. Isto significa: 1) que todas as profecias tinham recebido nEle o seu pleno cumprimento; 2) que estava completa a obra que Jesus veio realizar; sua primeira declaração, registrada nas Escrituras, foi: “Não sabíeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” (Lc 2.49); e sua última declaração foi: “Está consumado”. Bem-aventurado o homem que pode dizer, ao final da caminhada da vida: “Está consumado”; 3) que Jesus, na cruz, completou a revelação de Deus que veio oferecer ao mundo (Jo 3.16; 1Jo 3.16). Tudo fora feito para revelar Deus aos homens. “E, inclinando a cabeça, entregou o espírito”. A expressão empregada aqui sugere o fato de que sua morte foi por sua própria vontade. Jesus dissera: “Ninguém a tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou” (Jo 10.18). Ensinamentos Práticos 1. O dever não tem férias. Jesus, sofrendo a mais excruciante agonia, dando sua vida em prol dos pecados do mundo, ainda se dispunha a cumprir o dever simples e prático de cuidar da sua mãe, o que nos faz lembrar que, por mais importantes que sejam as nossas tarefas, nada nos desculpa de descuidar daqueles que dependem de nós. Enganam-se muito os que gastam longe da sua casa toda a sua bondade e doçura, ganhando uma reputação de piedade, tomando a liderança de alguma obra cristã, se em seu lar todos estão mal-humorados, irados ou indiferentes. Se Jesus, no meio da sua obra de salvar o mundo, achou tempo para cuidar da mãe, não há dever algum que seja tão importante que não permita a um homem mostrar consideração e cuidado no lar. 2. “Tenho sede”. Em certo sentido, o Salvador ainda tem sede — sede pela obediência e lealdade dos homens. “E quandoo Filho do homem vier em sua glória... Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo... porque... tive sede e me destes de beber” (Mt 25.31-35). Pensando na infidelidade e desobediência de muitos daqueles que professam ser seguidores de Cristo, podemos perguntar por que, quando Jesus tem sede, tantos lhe oferecem vinagre e fel, em vez de amor, obediência e dedicação. 3. O mistério da expiação. Muitos têm dificuldade em aceitar a doutrina da expiação, porque o seu raciocínio não consegue definir exatamente em que sentido Cristo poderia morrer em nosso lugar. Devemos reconhecer que quando o Deus onisciente e infinito entra em contato com o homem finito, haverá mistérios. Sem entender os detalhes da lei da gravidade, muitas pessoas evitam jogar-se de um precipício; obedecem à lei que não compreendem totalmente, e ficam em segurança. Embora a expiação contenha elementos além da nossa compreensão, podemos aceitá-la e receber a salvação. É estranho que os mesmos críticos que comem tantas coisas no jantar, sem antes procurar saber sua origem, querem passar fome espiritual por exigirem da fé cristã explicações que estão além da compreensão humana. 4. Cristo morreu pelos nossos pecados. O grande problema de muitas vidas é como ver-se livre de uma consciência sobrecarregada de pecados. Deus já providenciou os meios mediante os quais pode ser removida a culpa de uma consciência assim aflita: “[Cristo] levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça” (1 Pe 2.24). A verdade já existe — que, há muito tempo, Cristo carregou os pecados da humanidade; nós, porém, temos que fazer com que esta verdade seja nossa, mediante a fé neste fato e a confissão, nas palavras de Paulo: “Vivo- a na fé no Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2.20). 5. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira”. A cruz de Cristo ensina e demonstra, entre muitas outras verdades, o amor de Deus: “Nisto conhecemos o amor, em que Cristo deu a sua vida por nós, e devemos dar nossa vida pelos irmãos” (1 Jo 3.16). O amor de Deus, na Pessoa de Jesus Cristo, foi levado até o lugar onde impera o pecado, a grande desgraça da vida humana e a causa de todos os nossos males; enfrentou o maligno no território que ele conquistara, derramando o seu amor até às últimas conse- qüências; venceu, em nosso lugar, a morte e o pecado. 21 Jesus, o Ressurreto Texto: João 20.1-18 Introdução Aqui temos uma “reportagem” diretamente do túmulo vazio, feita pelo apóstolo João, testemunha ocular naquela primeira manhã de Páscoa. Enquanto lemos o seu relatório, os séculos parecem desvanecer-se, e é como se nós também estivéssemos presentes no túmulo. A intenção do apóstolo é dar-nos esta viva impressão porque seu evangelho foi escrito para inspirar e confirmar a fé em Jesus como Filho de Deus. I - O Túmulo Vazio (Jo 20.1-10) 1. Maria no sepulcro. A ressurreição de Jesus realizou-se antes da aurora, talvez bem no meio da noite. AquEle que havia de dissipar as trevas da morte ressuscitou enquanto as trevas ainda cobriam a terra. O ato da ressurreição foi acompanhado pela descida de anjos e a remoção da pedra. “E no primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu a pedra tirada do sepulcro”. Parece que Maria chegara com um grupo de mulheres (note o plural no versículo 2) e, vendo o sepulcro vazio, foi correndo avisar a Pedro e João. “Correu, pois, e foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes: Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram”. Maria e as demais mulheres vieram ao túmulo para embalsamar o corpo de Jesus, o que, segundo o costume daqueles tempos, significava espalhar especiarias perfumadas no meio das roupas de sepultamento. Esta intenção demonstrou tanto a ignorância como a devoção destas mulheres. Os horrores da crucificação lhes tinham anuviado a fé, e não estavam realmente esperando a ressurreição. Parecia-lhes que a missão de Jesus fracassara. Mesmo assim, desejavam prestar-lhe as últimas homenagens. Estas mulheres foram fiéis até o fim. Tinha sido fácil seguir a Cristo nos dias da sua popularidade, mas agora elas estavam passando o profundo teste da verdadeira devoção. Note que Maria continua chamando Jesus de “Senhor”. Talvez pensasse que o sepulcro de José haveria de servir- lhe de abrigo temporário (v. 15; cf. Jo 19.42) e que alguém teria removido o corpo de Jesus para outro lugar. Certo é que a ausência do corpo não lhe parecia motivo de esperança, e sim de desespero. Quão freqüentemente nós também interpretamos erroneamente como sendo escuros e tristes determinados fatos que realmente brilham com luz celestial, cegamente atribuindo a causas desconhecidas as maravilhosas coisas que Jesus faz! 2. João e Pedro no sepulcro. Note a corrida entre o Zelo (representado por Pedro) e o Amor (representado por João)! Ambos começaram juntos; Amor chegou primeiro ao sepulcro, e parou; Zelo entrou no sepulcro e olhou para o que ali havia. Então Amor o seguiu. A reverência fez João hesitar na entrada; o amor prático e impulsivo levou Pedro a entrar. E assim, sua destemida ação o encorajou. João registra no seu evangelho: “E viu no chão os lençóis. E que o lenço, que tinha estado sobre a sua cabeça, não estava com os lençóis, mas enrolado num lugar à parte” e, quando João entrou para olhar mais de perto, “viu, e creu”. Por que João creu? Porque as mortalhas deixadas no túmulo convenceram-no de que Jesus não fora levado, como supunha Maria, nem roubado, como mais tarde diriam falsamente os principais sacerdotes (Mt 28.12,13). Pessoas que assim faziam não teriam perdido tempo em desembrulhar os lençóis, que eram como intermináveis ataduras do tipo que se vê nas múmias. João, portanto, chegou à conclusão de que Jesus milagrosamente passara pelas mortalhas, deixando-as intactas e vazias, caídas na forma em que tinham sido cuidadosamente embrulhadas ao redor do corpo de Jesus, sem a mínima perturbação ou desordem. Entendeu, portanto, que Jesus já assumira seu corpo glorificado, não sujeito a leis terrestres, e que Jesus ressuscitara para nunca mais morrer. Os discípulos deveriam ter deixado que o Salmo 22 os convencesse de que o Messias sofredor seria finalmente exaltado, e que o Cordeiro de Deus veria sua descendência e prolongaria os seus dias. Além disso, por certo, ficou na mente deles alguma lembrança das palavras de Jesus prenunciando a sua própria ressurreição. Somente depois de os discípulos terem visto de perto o sepulcro vazio foi que esses trechos bíblicos e as palavras de Jesus tomaram novo significado (v. 9). Embora fosse Pedro o primeiro a entrar no sepulcro, foi João o primeiro a realmente crer. Enquanto Pedro pensava sobre o que significaria aquilo, raiou em João a fé na ressurreição, assim como foi ele o primeiro a reconhecer o Cristo ressurreto na praia do mar da Galiléia. II - O Senhor Ressurreto (Jo 20.11-16) 1. O Cristo ausente. Enquanto os dois discípulos voltavam para casa, Maria permanecia junto à entrada do túmulo, demonstrando profunda tristeza e verdadeiro amor. Continua enlutada pela sua perda. Talvez sentisse remorsos por não ter ficado a noite inteira vigiando a entrada do sepulcro. Estava tão absorta em seus pensamentos que a presença de anjos lhe parecia um incidente de somenos importância, e a pergunta deles só fez com que ela desse vazão à tristeza que lhe magoava o coração. 2. O Cristo que se aproxima. “E, tendo dito isto, voltou-se para trás, e viu Jesus em pé, mas não sabia que era Jesus”. Seus olhos marejados de lágrimas só conseguiram ver, obscuramente, uma forma humana, que julgou ser o jardineiro. Como no caso dos dois discípulos que caminhavam para Emaús, “seus olhos estavam como que impedidos de o reconhecer”. O coração sobrecarregado com mágoa às vezes perde a consciência da presença de Cristo e serecusa a ser consolado, por não conseguir ver a Cristo no meio da tristeza. Note o oferecimento de Maria para levar embora o corpo de Jesus. Seus braços fracos não poderiam sustentar o peso, mas o amor não leva em conta o peso do fardo! 3. O Cristo que se revela. “Disse-lhe Jesus: Maria!” Pronunciou o nome familiar, com o mesmo tom de voz e ênfase já conhecidos a ela (cf. Jo 10.3,14). Ela respondeu na língua materna que ambos conheciam e amavam: “Rabboni!” — o mais alto dos títulos que os judeus davam a um mestre, significando “Meu grande Mestre”, e raríssimas vezes falado em público. A expressão no versículo 17 — “Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai” — tem sido entendida de várias maneiras: 1) Maria tinha sabido da promessa de Jesus quanto à sua partida e futura volta, e Jesus agora tinha de explicar que ainda haveria a ascensão antes da Segunda Vinda. 2) Jesus explicava que a antiga amizade não permaneceria na antiga base, e que Ele estava para voltar ao trono celestial. Então ela poderia sempre tocá-lo, não com o toque físico das mãos, e sim com o toque espiritual da fé viva. 3) Maria, empregando a antiga saudação, “Rabboni”, estava mantendo a antiga atitude para com Jesus, mas agora o Mestre só poderia aceitar a saudação: “Senhor meu, e Deus meu!” (Jo 20.28). Maria agora só poderia conhecê-lo como Senhor ressurreto e glorificado. III – Ensinamentos Práticos 1. Nossa necessidade atrai a graça de Cristo. Nenhum olho mortal testemunhou o ato da ressurreição. Para quem Cristo deveria aparecer primeiro a fim de fazer conhecidas as boas-novas? Deveria ir ao palácio do sumo sacerdote ou ao pretório de Pilatos para triunfar sobre os inimigos boquiabertos? Ou deveria primeiramente revelar-se a alguns de seus seguidores? Sua primeira aparição foi revelada a uma pobre mulher que nada poderia fazer para celebrar publicamente o triunfo dEle. Por que ela? Porque era a que mais sentia necessidade dEle, e esta sensação de dependência é o ponto magnético que atrai a sua presença até hoje. Buscar a Cristo é sentir como Maria sentia, reconhecer com clareza que Ele é o bem mais precioso que existe no Universo, e ter a convicção de que ser como Ele, pela sua graça, é a coisa mais importante da vida. 2. Lamentando a perda de uma bênção. Cristo apareceu a Maria enquanto ela estava ali, chorando a sua ausência. Nisto há uma lição importante. Repetidas vezes a raça humana tem permitido que Cristo desapareça da sua vida, ficando como se fosse uma vaga sombra distante. Graças a Deus, porém, sua presença pode ser restaurada como viva e visível influência no mundo, sempre que há pessoas cons cientes da sua ausência, e que oram com fé até ter a visão de Jesus na sua glória. Há nisto uma lição bem pessoal para cada um de nós. Às vezes descuidamos da nossa comunhão com o Senhor, e sentimos falta da sua presença. Quando, porém, reconhecemos e lamentamos que sua presença não está sendo para nós a vibrante realidade de antes, já estamos no caminho da restauração. Lamentar a sua ausência é o primeiro passo para a restauração porque serve como convite a Ele para que volte a nós, e este convite sempre será atendido pela sua presença. “Por que choras?” A pergunta dá a entender que Maria estava chorando por causa de uma perda existente apenas na sua imaginação. Imaginava que seu Senhor morrera, e que seu corpo tivesse sido removido, quando, na realidade, Ele já passara por uma gloriosíssima ressurreição. Foi assim que Jacó exclamou, ao ouvir o relatório trazido pelos seus filhos: “Tendes-me desfilhado; José já não existe, e Simeão não está aqui; agora levareis a Benjamim! Todas estas coisas vieram sobre mim” (Gn 42.36). Na realidade, porém, todas as coisas estavam concorrendo para o bem de Jacó. José, a quem ele considerava morto, estava com vida, preparando para ele, num país distante, uma morada feliz para o restante da sua vida. O Senhor não nos condena por causa das nossas lágrimas vertidas no meio das tristezas e decepções, tão comuns nesta vida. Somos humanos, afinal de contas, e é um alívio abrir as comportas para dar expressão à nossa mágoa. Há momentos, no entanto, em que erroneamente imaginamos o pior, e choramos na hora errada pelo motivo errado. É nesse momento, então, que Jesus pergunta: “Por que choras?” Mesmo quando temos motivos de sobra para chorar, devemos levar o assunto diretamente a Jesus, para evitar que a mágoa danifique a nossa espiritualidade, e para não dependermos das falsas e traiçoeiras consolações de pessoas que não amam a Cristo. 22 Jesus Dissipa as Dúvidas Texto: João 20.19-31 Introdução Ao examinarmos a narrativa da ressurreição, notamos quão marcantemente as aparições do Senhor atendiam às necessidades várias pessoas. Maria, com seu coração cheio de lealdade, recebeu consolação; Pedro, o arrependido, foi perdoado e restaurado; os dois pensadores no caminho de Emaús receberam a convicção; e os dez discípulos amedrontados receberam confiança e forças, enquanto Tomé foi transformado de duvidoso em crente firme. Para todas estas pessoas, a presença do Cristo vivo mostrou-se suficiente. I - Consolados os Discípulos Amedrontados (Jo 20.19,20) O dia da ressurreição tinha sido emocionante, com muitos rumores e crescentes emoções. Ao fim da tarde, reuniram-se os discípulos. Trancaram tudo, com medo dos judeus, pensando que a qualquer momento soldados romanos poderiam ser enviados contra eles, para levá-los presos como cúmplices de Jesus Nazareno. Certamente tais homens nunca teriam pregado a ressurreição, a não ser que tivessem absoluta certeza de que Jesus realmente ressuscitara. Jesus, de súbito, estava no meio deles, falando: “Paz seja convosco”. O Senhor já tinha um corpo espiritual, glorificado, e não estava sujeito a limitações naturais, tais como portas trancadas. As palavras “paz seja convosco” tinham mais força do que quando empregadas no cumprimento tradicional, pois realmente aquietaram os corações perturbados. Os discípulos sentiam medo antes da vinda de Jesus (cf. Lc 24.37), mas, agora, sua presença anunciava confiança e vitória. O aspecto de Cristo era o mesmo, e, ao mesmo tempo, diferente, de tal forma que o imediato reconhecimento da sua pessoa nem sempre acompanhava a sua manifestação. Era necessário alguma coisa a mais para completar a identificação: “E, dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado” (e os pés também — Lc 24.40). Estava completa a identificação. Era realmente o Crucificado, que voltara à vida. “De sorte que os discípulos se alegraram, vendo o Senhor”. Não pode haver maior alegria do que esta! No começo, a notícia parecia boa demais para ser verdadeira (Lc 24.41), e talvez os discípulos se sentissem como os que sonham (cf. Sl 126.1). A alegria da esperança despertada, no entanto, transformou-se em alegria da plena convicção. II - A Comissão Dada aos Discípulos Jubilosos (Jo 20.21-23) Uma vez dissipados os temores e dúvidas dos discípulos, estes estão em condições de receber instruções. A primeira “paz” foi para restaurar-lhes a confiança (v. 19); a segunda “paz” foi para o serviço (v. 21). Os discípulos foram: 1. Enviados. “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”. Foram enviados para cumprir o mesmo propósito, para completar a obra iniciada e ocupar o mesmo relacionamento que Ele assumira com o Pai. O livro de Atos registra como Jesus, mediante o Espírito Santo, continuou a sua obra nas pessoas dos discípulos. 2. Inspirados. “E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo.” O sopro divino é um ato criador (Gn 2.7; cf. 1 Co 15.45). Nessa ocasião, portanto, os discípulos receberam do Senhor da vida um tipo de vivificação espiritual. O “Dom da Páscoa” foi um toque da vida celestial do Cristo ressurreto, e o “Dom de Pentecostes” foi o revestimento de poder da parte do Senhor ressurreto. Na primeira instância, receberam a vida espiritual; na segunda, o poder espiritual. 3. Autorizados. “Àqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes lhessão retidos”. Os apóstolos nunca assumiram a autoridade de perdoar, no lugar de Deus, os pecados específicos de indivíduos. O próprio Pedro mandou Simão recorrer a Deus para pedir perdão (At 2.22). Estas palavras por certo referem-se a ofensas contra a disciplina da igreja, e não a pecados íntimos e pessoais contra Deus. Tal conclusão se obtém da seguinte maneira: João 20.23 e Mateus 18.18 tratam do mesmo assunto, e Mateus 18.17 indica que a questão em pauta não é a das ofensas pessoais, que podem ser solucionadas sem recurso ao ministro (Mt 18.15), e sim à recusa do crente em submeter-se à disciplina da igreja. Tal crente tem de ser expulso da igreja. Ao arrepender-se, é recebido de volta à igreja; seus pecados são “perdoados” (cf. 1 Co 5.5 e 2 Co 2.10). Não há base para a doutrina da “sucessão apostólica” aqui, nada que sugira terem passado os apóstolos esta autoridade a bispos que se seguiam a eles, e que os bispos pudessem passá-la a sacerdotes. Pelo contrário, entende-se que havia outras pessoas presentes quando esta comissão foi dada (cf. Lc 24.35), e que as palavras supra examinadas se aplicam à igreja como um todo. O “perdão” dado na terra só pode referir-se a transgressões contra a jurisdição e o aspecto administrativo da igreja. III - A Convicção Dada ao Apóstolo Duvidosos (Jo 20.24-29) 1. O desafio do duvidoso. “Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus.” Tomé, ou Dídimo (que significa “gêmeo”), era de temperamento sombrio e pessimista (Jo 11.8,16; 14.5). Deixou- se abalar com a tragédia do Calvário, e estava se ressentindo da perda. Por enquanto, sua fé estava em maré baixa, e sua esperança, morta. Mesmo assim, não abandonara a sua lealdade nem o convívio com os apóstolos. Ouvindo os testemunhos dos demais discípulos, disse enfaticamente: “Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos e não meter o dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei”. Exigiu a evidência mais positiva da visão e do tato. Queria crer, mas a tragédia do Calvário abalara a sua fé. Suas palavras indicam o quanto ainda estava a sua memória fixada nos terríveis acontecimentos da crucificação. Para ele, as chagas do Senhor ainda estão abertas e sangrando. Sente necessidade de evidências positivas de feridas tão mortais terem sido saradas pela Vida. Tomé, por mais que mereça nossa simpatia, não deixa também de merecer a nossa censura pela teimosa recusa em crer na palavra de dez testemunhas oculares de indubitável reputação e qualificação. Que Jesus considerou sinceras as dúvidas de Tomé se vê na maneira de encará- las: o Senhor ressurreto aparece novamente, para oferecer as provas pedidas pelo discípulo que estivera ausente na primeira ocasião. Quanto aos zom- badores, Jesus encarava-os de modo bem diferente (cf. Mt 16.4). Jesus aqui fala a um discípulo sincero, cuja fé era fraca, e não a alguém de coração descrente. 2. A resposta ao duvidoso. Note-se que, em ambas as ocasiões, Jesus apareceu no primeiro dia da semana, como se o dia em que ressurgiu dentre os mortos tivesse sido escolhido para ser honrado de modo especial. A expressão original traduzida como “dia do Senhor”, em Apocalipse 1.10, foi o nome que os primeiros cristãos deram ao domingo. Jesus, quase repetindo as palavras empregadas por Tomé para definir os termos do teste físico que pedia, oferece-se à inspeção do discípulo. Bastou um único vislumbre do amado Mestre para Tomé se prostrar em terra com a ardente confissão: “Senhor meu, e Deus meu!” Sua felicidade era por demais grande para que pensasse em fazer testes científicos! Suas dúvidas evaporaram diante da revelação da presença de Jesus, como se dissipam as névoas da madrugada ao raiar o sol. Note-se que a confissão de fé feita por Tomé é a mais avançada entre as de todos os outros apóstolos durante o seu convívio com Jesus. Pela graça de Deus, aquele que sentira mais dúvidas chega à crença mais completa e firme. “Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; Bem- aventurados os que não viram e creram.” Jesus não quer com isso louvar a falta de indagações e exame; isto seria a credulidade, e não a fé. O evangelho convida a um exame das suas verdades fundamentais, porque “isto não se fez em qualquer canto” (At 26.26). O que Jesus louva é a disposição de aceitar a fidedignidade da evidência dos discípulos que o conheciam, sem exigirmos a evidência dos nossos próprios sentidos. As palavras de Jesus a Tomé realmente se dirigem às pessoas de todas as eras, que não tiveram o privilégio de ver a Jesus. Ele quer que entendamos que nenhum motivo de inveja temos daqueles que tiveram a oportunidade de vê-lo, e que somente creram depois de terem visto. Ensinamentos Práticos 1. A missão de Cristo e a nossa. “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”. A quem foram ditas estas palavras? A homens que já tinham visto o Senhor, que haviam sentido o toque das suas mãos e experimentado a paz que excede todo o entendimento. Aquelas eram as qualificações para serem enviados em nome de Cristo, e também são as nossas, embora em nosso caso o contato com Cristo seja espiritual. Algumas igrejas consideram apenas os sacerdotes, pastores ou anciãos como representantes oficiais “enviados” por Cristo, conceito que é estranho ao ensino do Novo Testamento no que diz respeito ao serviço cristão. É indispensável um ministério de dedicação integral, mas, afinal, uma das suas funções principais é levar os crentes à maturidade espiritual, a fim de que possam ser preparados para o serviço. “Também eu vos envio a vós”, disse Jesus, e suas palavras referem-se a todos aqueles que tiveram uma visão do Senhor, se alegraram com a sua presença e receberam a sua bênção nos seus corações. Para que propósito somos enviados ao mundo? Para produzir em nossas vidas uma cópia fiel da atitude que Cristo revela para com Deus e o mundo. Certo homem piedoso declarou que era seu desejo supremo viver de tal modo que a sua própria vida provasse a veracidade do Evangelho. A atitude de Cristo demonstrada na vida diária do crente é um argumento irrefutável em prol do Cristianismo. 2. O Cristo vivo e as portas trancadas. Reflitamos primeiro sobre este fato: foram os amigos de Cristo, e não os seus inimigos, os primeiros a trancarem as portas para o Ressurreto. Não somente estavam trancados entre as quatro paredes de um quarto, como também nas cadeias do medo, da aflição e da decepção. Lemos, no entanto: “Cerradas as portas... chegou Jesus”. Repetidas vezes a Igreja, com zelo falso ou em ignorância do plano do Senhor, tem trancado as portas para Ele. Mediante avivamentos espirituais, porém, as portas de preconceitos têm sido arrombadas. “Cerradas as portas... chegou Jesus”. Certo negociante, que durante anos vivera como agnóstico, disse que sentiu o toque do Senhor exatamente como se alguém lhe tomasse a mão enquanto andava na rua, para falar intimamente a ele. Daquele momento em diante, sua vida foi completamente transformada. “Cerradas as portas... chegou Jesus”. Muitos entre nós, cedendo à depressão, excluem o Senhor sem se aperceber; Ele, porém, chega para nos elevar do nosso abatimento. E podemos testificar: “Então Jesus veio a mim, mesmo estando as portas trancadas”. 3. Poder espiritual para a obra espiritual. Quando Cristo soprou sobre os discípulos, estava querendo dizer: “Pessoas espiritualmente mortas não podem trazer a outros a vida espiritual. Assim sendo, eu vivifico vocês espiritualmente”. Todos os que se dedicam em ganhar almas para Cristo reconhecem a verdade das palavras do Senhor: “Sem mim nada podeis fazer”. Ninguém procurou honestamente transformar-se em tudo aquilo que Cristo quer que ele seja, sem ter chegado a gemer, quase desesperado: “Quem é suficiente para estas coisas?” Embora esta atitude faça mal ao orgulho próprio, é benéfica à nossa alma. É como clamar: “Senhor, o meu cântaro está vazio; por favor, encha-o para mim.” Sua resposta vem sem demora: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reinodos céus... Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos” (Mt 5.3,6). Jesus disse: “Recebei o Espírito Santo”. Como? Segundo as palavras de Isaías: “Os que esperam no Senhor renovarão as suas forças”. 4. Proclamando o perdão aos arrependidos. Um dos possíveis sentidos do versículo 23: é direito e também dever de todo cristão proclamar ao mundo que Cristo foi manifestado para tirar o pecado, que aquele que crê será salvo (“os pecados lhes são perdoados”), e que quem não crer será condenado (são “retidos” os pecados). Que pensamento solene — saber que temos autoridade para dizer ao pior dos pecadores: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”! 5. O faltoso. “Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus”. Que hora para faltar à reunião! Decerto Tomé nem imaginava quão maravilhoso haveria de ser o culto! Talvez pensasse que os demais discípulos falariam sobre o Cristo morto. Existem hoje, nas igrejas, pessoas para as quais Cristo não é uma realidade viva, e imaginam, portanto, não haver vida espiritual na igreja. Faltam, não por indiferença, nem por se sentirem satisfeitas espiritualmente, mas por falta de esperança. Contrariamente às expectativas de Tomé, no entanto, os discípulos tiveram uma reunião maravilhosa, porque Jesus estava ali. Tomé perdeu muita coisa: uma demonstração da certeza da vida futura, o gozo de grande enlevo espiritual, a dádiva da paz, a vocação ao ministério da pregação e o sopro do Espírito Santo. É triste para a igreja quando os crentes começam a faltar aos cultos. 6. Crer é ver. A incapacidade de ver pode ser explicada por um dos dois motivos seguintes: ou nossa visão é boa e o objeto a ser visto é obscuro; ou é claro o objeto, e inferior a nossa visão. Qual foi o caso de Tomé? A evidência era suficientemente clara porque tinha o testemunho unânime de dez homens que conhecia há anos, e isto não somente pelas palavras deles, como também pelos seus rostos transformados de júbilo espiritual. A dificuldade, portanto, não estava na evidência, e sim na atitude de Tomé. Jesus, portanto, disse: “Não sejas incrédulo, mas crente”. As pessoas talvez digam que não podem crer nisto ou naquilo, e talvez estejam sendo sinceras. A pergunta mais importante, em tal caso, é: “Você realmente quer saber se isto é verdade? E estaria disposto a conformar sua conduta com os fatos, uma vez averiguados?” O olho sadio verá a luz. O coração sadio perceberá a verdade. 7. Impondo condições a Deus. Tomé errou grandemente em querer estipular condições em que Cristo teria de vir a ele. “Se eu não... de maneira nenhuma crerei”. Definiu o caminho pelo qual Jesus teria de vir a ele, e não quis perceber a presença do Senhor, a não ser que fosse por aquele caminho. É certo que Cristo se adaptou às fraquezas do melancólico discípulo, mas nem por isso devemos repetir tal erro. Não podemos ditar ao Senhor os métodos que deverá empregar para tratar conosco. O papel da criatura é confiar no Criador, e não procurar limitar o Onipotente. 8. A vista nem sempre é a visão. Leia o versículo 29. Esta época materialista exige fatos concretos, mas, mesmo na vida cotidiana, há diferença entre ver e perceber. Muitas pessoas passam nas galerias de arte sem perceber nada de especial nas obras-primas, não reconhecendo nelas qualquer significado ou valor. Milhares de pessoas viram Jesus enquanto estava aqui na terra, mas nem todas perceberam ser Ele o Filho de Deus. Em contraste, milhares de pessoas hoje, que nunca viram a Jesus fisicamente, reconhecem-no pelos olhos da fé, de forma que Ele lhes é tão real como um amigo na terra “Não posso crer”, disse um jovem descrente a D. L. Moody. “Em quem você não pode crer?” perguntou o evangelista. Respondeu bem! O Cristianismo apresenta, em primeiro lugar, uma Pessoa que merece nossa confiança, e não tanto uma série de proposições abstratas a serem aceitas. Quando um amigo telefona dizendo que chegará a tal hora, vamos para a estação nos encontrar com ele. Cristo nos avisou que se encontrará conosco no local chamado Fé, e ali o acharemos. 23 Jesus Aparece a Sete Discípulos na Galiléia Texto: João 21.1-24 Introdução Nós, que pertencemos ao Jesus ressurreto, podemos ter certeza de que, enquanto labutamos nos mares desta vida, Ele está nos olhando da praia além, pronto a dar as instruções que nos garantirão o sucesso. Talvez não cheguemos a ver os resultados até o raiar da aurora final, quando mãos angelicais recolherão o fruto ao Celeiro eterno. Estêvão viu Jesus à mão direita de Deus, e Ele se revela a todos que buscam a sua face. Nosso Senhor, entronizado, dirige de lá a batalha cuja vitória final já é garantida; é a partir desta vitória que podemos proclamar o Evangelho: “Ora, o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e assentou-se à direita de Deus. E eles, tendo partido, pregaram por toda parte”. O mesmo Senhor vitorioso que está nas alturas, também está lutando ao lado dos seus fiéis, “cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com sinais que se seguiram” (Mc 16.19,20). Embora estejamos no meio do mar bravio, e Ele no Céu, há entre o Senhor e nós a plenitude da união e da comunhão, e receberemos da parte dEle ilimitados suprimentos de forças, graça e bênçãos, se reconhecermos a sua presença, confessarmos a nossa insuficiência, obedecermos a Ele e esperarmos a sua bênção. I - A Festa Inesperada (Jo 21.1-14) 1. Uma expedição infrutífera. Os apóstolos, obedecendo as ordens do Mestre, foram para a Galiléia, onde Ele prometera encontrá-los. Durante a espera, Pedro, sempre impaciente, falou, com característica impulsividade: “Vou pescar”. Se ele achava que, enquanto esperava o Mestre, deveria aproveitar o tempo para cuidar dos negócios, fazer um pouco de exercício e tomar o ar fresco do mar, então conseguiu bastante exercício e ar fresco, mas nenhum resultado no negócio da sua especialidade, a pesca: “Naquela noite nada apanharam”. Achamos que talvez o Senhor tivesse algo a ver com aquelas redes vazias; não queria que seus futuros missionários se dedicassem demais às antigas ocupações. 2. O alegre encontro. “Filhos [literalmente, ‘rapazes’], tendes alguma coisa de comer?” perguntou o desconhecido, em pé, na praia. Recebendo resposta negativa, fez a seguinte sugestão: “Lançai a rede para a banda direita do barco, e achareis”. De fato, fizeram uma pesca de cento e cinqüenta e três grandes peixes. João, com seu discernimento e sensibilidade espiritual, olhou bem para o desconhecido na praia e reconheceu-o, exclamando: “É o Senhor”! Pedro não parou para duvidar, debater ou investigar: impulsionado pelo seu amor ao Mestre, saiu do barco de um só salto para dentro da água, e logo chegou à praia. Não se importava mais com a pesca ou os peixes — queria Cristo! Muitas vezes, em nossas viagens pelo oceano da vida, nosso labor torna-se infrutífero; então, quando alguém nos dirige aos frutos, exclamamos com júbilo: “É o Senhor!” 3. O gracioso convite. Pedro, chegando à praia, viu que havia um fogo aceso (“umas brasas”) em que Jesus preparava uma refeição, bem diferente do fogo (“braseiro”) ao lado do qual Pedro queria se aquecer no pátio do sumo sacerdote. Aquela ocasião fora palco de tristeza, tentação e negação de Jesus; agora, havia glória, segurança e a restauração da comunhão com Cristo. Pedro sentia-se muito mais confortável aqui, à beira-mar, ao lado do milagre da condescendência divina. O eterno Filho de Deus, Criador do Universo, entende tão bem nossa fraca situação humana, prepara uma refeição e diz, sorridente: “Vinde, jantai”. O Senhor gostava de cuidar dos seus, segundo suas próprias palavras: “Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate por muitos”. Nosso Senhor, no Céu, continua com a mesma disposição em nos atender, conforme Ele mesmo declarou: “Bem-aventurados aqueles servos, os quais, quando o Senhor vier, achar vigiando! Em verdade vos digo que se cingirá, e os fará assentar-se à mesa, e,chegando-se, os servirá” (Lc 12.37). II - O Culto da Ordenação (Jo 21.15-17) A refeição que Pedro tomou ao lado de Cristo talvez simbolize aquela profunda e contínua comunhão que seria necessária ao seu futuro ministério. Nós também devemos aceitar o alimento que Cristo nos prepara se quisermos ter condições de alimentar as suas ovelhas. Estudaremos a restauração pública de Pedro no seu ofício, posição que ele mesmo considerava sacrificada pela sua tríplice negação de Cristo. A restauração em público era tão necessária como a que recebeu em particular (Lc 24.34), a fim de os demais apóstolos reconhecerem-no em sua posição de autoridade espiritual. 1. O interrogatório. A Bíblia contém perguntas bem diretas e profundas, como por exemplo: “Onde estás?” “Onde está Abel, teu irmão?” “Que fazes aqui, Elias?” Aqui temos o tríplice interrogatório, com Jesus perguntando três vezes: “Simão, filho de João, amas-me?” Esta pergunta era: 1.1. Uma lembrança. Jesus, deixando de lado o nome de Pedro (que representa a força espiritual que seria ao edificar-se firmemente na rocha, que é Cristo), que Ele mesmo lhe dera, voltou a empregar o nome de “Simão”, como que o lembrando das suas antigas fraquezas, e perguntando se está disposto a ser Pedro, a rocha — não pelas suas próprias forças, e sim mediante a firmeza que apenas Cristo lhe pode dar. As três reiterações da pergunta seriam a retratação da tríplice negação, e as palavras “amas-me mais do que estes?” serviriam de lembrança a Pedro, de que não devia jactar-se da sua própria lealdade: “Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei” (Mt 26.33). E: “Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu” (Mc 14.29). 1.2. Um teste Antes de Pedro ser enviado em nome de Jesus para cuidar das ovelhas, precisava ter certeza de estar em harmonia com o Sumo Pastor. O amor tem de ser o vínculo entre Cristo e seus obreiros. Amor, e não imaginação apenas. Amor, e não somente um rígido senso do dever. Amor, e não um sentimento romântico. Paulo descreve assim a essência do Cristianismo: “A fé que atua pelo amor” (Gl 5.6). O teste supremo da nossa experiência cristã é nosso real amor por Cristo. 2. O examinando. Jesus emprega a palavra amar, que tem, na língua original, vinculação com o amor divinal e puro, e Pedro, na sua resposta, emprega a palavra amar mais comum, que representa a amizade. Aquela terrível noite no pátio do sumo sacerdote, quando Pedro, aconchegando-se aos confortos dos inimigos de Cristo, negou-o quando menos o imaginava, já o havia curado da confiança em si mesmo. Na terceira pergunta, Jesus volta à palavra mais comum, como se para testar a autoconfiança de Pedro até no tocante à sua simples e leal amizade. Pedro ficou triste, mas respondeu apenas: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo”. Pedro já não depende da confiança que tem em si mesmo; fora de Cristo, ele nada pode; seu amor se alicerça no amor que Ele lhe deu, e seu caráter depende daquele aspecto melhor do seu íntimo que Cristo conhece, podendo ensiná-lo a amar devidamente. Aqui há consolação para nós: quando as pessoas criticam nossas atitudes, como se estivessem dizendo que não é assim que o servo de Cristo deve agir, é uma bênção podermos dizer, em oração: “Tu sabes que eu te amo”. 3. A obra. Pedro, recuperado quanto às suas forças espirituais, deve dedicá-las ao serviço da Igreja de Cristo. Antes da negação, Cristo admoestou-o: “Tu, quando te converteres, confirma os teus irmãos” (Lc 22.32); depois da negação, a admoestação é: “Apascenta as minhas ovelhas”. Pedro, lembrando-se das próprias fraquezas, cheio de gratidão pelo amor de Cristo, que o perdoou, e sentindo as necessidades dos seus companheiros mediante a compreensão de que suas próprias falhas lhe ensinaram a encará- las com simpatia, animado pelo amor de Cristo, teria agora de ser um herói, a fim de fortalecer os demais. Muitos anos mais tarde, Pedro transmitiu este mesmo recado, esta mesma incumbência, aos líderes das muitas igrejas que existiam: “Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles... Apascentai o rebanho de Deus, que há entre vós... E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória” (1 Pe 5.1-4). Há, nas três incumbências, certa progressão de pensamento: 1) “Apascenta as minhas ovelhas”. Isto refere-se especialmente a crentes jovens e imaturos, que devem ser guiados mansamente e alimentados com o genuíno leite espiritual, que é a Palavra (1 Pe 2.2). 2) “Apascenta as minhas ovelhas”. Guiar, dirigir, proteger de inimigos os discípulos mais maduros que saem a enfrentar o mundo, conservando também a disciplina do rebanho. 3) “Apascenta as minhas ovelhas”. Às vezes há crentes antigos que têm tantas fraquezas ou tentações, que exigem mais atenção pastoral que os próprios cordeirinhos. Ensinamentos Práticos 1. Trabalhando durante a noite. Os infrutíferos esforços dos discípulos durante a noite inteira lembram-nos que os obreiros cristãos mais bem-sucedidos têm muitas experiências de fracassos e decepções. Mesmo quando estamos lutando contra a maré, no meio das ondas e na noite escura, Jesus está nos olhando, e de um momento para o outro pode nos revelar sua presença e mostrar-nos que, enquanto perseveramos com paciência e esperança, nossa obra feita para o Senhor não é em vão. 2. A consideração de Cristo. Os Evangelhos trazem todos os sinais da veracidade: nenhuma imaginação piegas, nenhum inventor de lendas teria pensado em pintar um quadro do Senhor ressurreto preocupando-se com algo tão comum e insignificante como cozinhar peixe para seus seguidores. Não há, entretanto, nada de artificial, forçado ou desnaturado em nosso Senhor glorificado; o que é do nosso interesse, interessa a Ele. O que é suficientemente importante para ocupar a nossa séria reflexão é suficientemente importante para Ele. O Senhor tem compaixão das nossas enfermidades, dos nossos sentimentos, por mais triviais que pareçam ser. Isto nos incentiva a orar sobre todo e qualquer assunto — lançando sobre Ele os nossos fardos! 3. A necessidade humana — a oportunidade do Senhor. Quando Jesus perguntou: “Filhos, tendes alguma coisa de comer?”, já sabia que a resposta teria que ser negativa; sua pergunta visava despertar neles o reconhecimento do seu próprio fracasso. Muitas vezes, o Senhor tem que desferir um golpe mortal em nosso orgulho e autoconfiança, a fim de nos preparar para receber da parte dEle as suas forças. Quando nosso eu chega ao fim, Ele pode começar. Nosso limite é a oportunidade do Senhor. “Sendo tu pequeno aos teus olhos... o Senhor te ungiu” (1 Sm 15.17) 4. “Lançai a rede à destra do barco”. Se, após sofrer- mos algum fracasso, nos dispusermos a escutar a voz do Senhor, Ele nos mostrará o modo certo de servi- lo. Ele não quer repreender, denunciar, criticar; deseja, sobretudo, nos orientar. “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça- a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada” (Tg 1.5). Certa missionária descobriu que, a despeito do seu muito esforço na organização, pregação e ensino, seu ministério era um fracasso. Sentiu- se, então, levada a deixar de lado algumas atividades para dedicar algumas horas à oração. Houve, como resultado, uma revolução total no seu ministério. Fora levada a lançar a sua rede no lado certo! Quando surgem os fracassos, como às vezes acontece, devemos levá-los ao Senhor (cf. Mc 9.28,29). 5. Após a tempestade, a bonança. As incertezas do mar tempestuoso seguidas pela segurança da praia firme; a noite de labuta seguida pelo brilho da aurora; a ausência de Cristo seguida pela sua presença pessoal; a dolorosa fome seguida pela refeição que satisfaz — todos estes aspectos fazem com que a narrativa seja uma bela figura da nossa chegada ao Céu, após a tempestuosa viagem pela vida. 6. O amor, motivação suprema da vida cristã. “Simão, filho de Jonas, amas-me?” Jesus poderia ter perguntado: “Simão, já te arrependeste?”; ou: “Simão, finalmente te humilhaste?”; ou: “Simão,tens certeza de ter o conceito correto quanto à minha pessoa?”; ou: “Simão, prometes que nunca mais me negarás?”; ou: “Simão, sempre me obede cerás?” Ao contrário, simplesmente pergunta: “Simão, amas-me?” No entanto, aquela pergunta tão singela atinge o próprio coração da vida cristã. Cristo busca em primeiro lugar o nosso coração, a entrega de nossos afetos, pois, uma vez que assim acontece, seguir-se-ão naturalmente o arrependimento, a lealdade, a obediência e o serviço. Quantos deveres cristãos são deixados de lado quando se diminui a freqüência à igreja ou quando as ofertas vão escasseando. Podemos achar uma centena de desculpas para explicar o descuido. Muitas vezes, porém, a verdadeira razão pode ser definida nas seguintes palavras: “Deixaste o teu primeiro amor” (Ap 2.4). Mesmo assim, a consciência de nossa falta de amor não deve nos desencorajar a buscar o Senhor; temos plena consciência das nossas falhas passadas; hesitamos quanto a oferecer ao Senhor os nossos afetos tão minguados. Jesus Cristo, no entanto, aceita nossos minguados recursos de amor, porque Ele pode transformá- los em plenitude de abundância. 7. Reconhecendo o Senhor. Qual foi a demonstração concreta da verdade de ser o Senhor a pessoa que estava na praia? Resposta: “Chegou pois Jesus... e deu- lho”. Jesus é sobretudo o grande Doador. Neste mesmo evangelho, Ele diz com respeito ao seu Pai: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu”. Este é um sinal da divindade de Cristo, que “a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto”. Dá aos homens em suas necessidades; quando os sedentos estão desmaiando, Ele faz brotar as águas, mesmo no meio do deserto ou das duras rochas. Muitos cristãos, recebendo uma bênção espiritual inesperada ou uma expressão da divina providência na sua vida, podem exclamar: “É o Senhor”! Apêndice O Evangelho de Jesus Cristo segundo João é o mais conhecido, o mais amado livro do mundo. Essa obra tem induzido mais pessoas a seguirem a Cristo e inspirado mais crentes a servirem ao Senhor que qualquer outra, através dos séculos. Se se considera Lucas “a mais bela obra literária do mundo”, João é ainda mais elevada, mais sublime. Ao passo que suas histórias cativam as crianças, suas lições são insondáveis aos filósofos. João é o Evangelho Eterno, o Evangelho de Deus. O autor do quarto Evangelho O escritor deste livro foi o apóstolo João, que, com Pedro e Tiago, era um dos três valentes e mais ilustres do Filho de Davi (Mc 5.37; Mt 17.1; 26.37; ver 1 Cr 11.10-47). Seu pai, Zebedeu, um pescador no mar da Galiléia, parece homem abastado; possuía, talvez, casa em Betsaida e tinha servos (Mc 1.20). Salomé, a mãe de João (Mt 27.56; Mc 15.40; 16.1), foi uma das mulheres que acompanhavam a Cristo e seus discípulos e o serviam com suas fazendas (Lc 8.3; Mc 15.40,41). Foi esta mesma mulher, santa e querida, que, com outras, na manhã da ressurreição, levou aromas para embalsamar o corpo de Cristo (Mc 16.1). João era, sem dúvida, no início, um discípulo de João Batista. Depois foi escolhido para ser um dos 12 apóstolos (Mt 10.2). AquEle que conhece os corações dos homens, deu a João e seu irmão, Tiago, o nome de Filhos do trovão (Mc 3.17). Foram assim chamados,talvez, por causa do poder com que testificavam do Cristo, o Trovão entre os hebreus, dignificando a voz do Pai. João foi conhecido como aquele que Jesus amava (Jo 13.23; 19.26; 20.2; 21.7,20). Foi a ele que o Mestre confiou o cuidado de sua querida mãe antes de morrer (Jo 19.26,27). Foi um dos discípulos que perse- veravam unanimemente em Jerusalém em oração e súplicas (At 1. 13,14). Foi, com os outros, no dia de Pentecoste, batizado no Espírito Santo (At 2.4). Continuava na constante companhia de Pedro (At 3.4; 4.13; 8.14,17). A história da Igreja concorda em que João residia em Éfeso, de onde dirigia a obra das igrejas. Foi de lá banido à solitária ilha de Patmos, “por causa da palavra de Deus, e pelo testemunho de Jesus Cristo” (Ap 1.9). Sobreviveu a todos os outros apóstolos, por muitos anos, sendo o único deles que não morreu mártir. A data do livro de João João escreveu seu evangelho, provavelmente, nos anos 85 a 90 a.D., quando todo o Novo Testamento estava completo, a não ser a parte que ele mesmo escreveu. De maneira extraordinária, seu evangelho leva todos os quatro evangelhos ao maior grau de glória e de instrução prática. Sua primeira epístola é o ponto culminante das epístolas. O Apocalipse é o selo e o apogeu de toda a Bíblia. João, com meio século de experiência como pastor e evangelista, depois da crucificação, ficou melhor preparado para escrever sua obra acerca do Mestre. Suas palavras nos estimulam ainda mais, se nos lembramos do que ele tinha experimentado quando escrevia. Reclinara a cabeça no seio do Senhor e compartilhava intimamente os sentimentos de seu coração amoroso. Seguira o Senhor ao seu julgamento, quando todos os outros discípulos tinham fugido (Jo 18.15). Fora o único a ficar ao pé da cruz para receber a mensagem do Salvador, antes de Ele expirar. Presenciara a ascensão. Fora um dos 120 discípulos maravilhosamente batizados no Espírito Santo, no glorioso derramamento do Pentecoste. Acolhera a mãe do Senhor em casa, até ela morrer. Vira a dispensação judaica findar e a destruição da cidade santa. E, não muito depois de escrever seu evangelho, foram-lhe concedidas as visões vibrantes e preciosíssimas do Apocalipse. Verdadeiramente, se estudarmos, lembrando do que João tinha visto, do que sentia no coração quando escrevia, desfrutaremos muitas vezes mais das bênçãos e da alegria do Espírito Santo. O versículo-chave do livro Para se desfrutar das riquezas de qualquer livro da Bíblia é necessário possuir, primeiramente, a chave própria do livro. Às vezes a chave está na fechadura da porta, na frente, como no livro de Atos, esperando que abramos a porta para entrar. A chave do livro de João, contudo, está bem no fundo: “Estes porém, foram escritos para que creias que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31). Não é, todavia, somente no fim do livro de João que se encontra o propósito da obra. No primeiro capítulo está registrado que “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito que está no seio do Pai, esse o fez conhecer” (v. 18). O alvo, portanto, dos sublimes “retratos” do Filho unigênito que se encontram no livro de João, é que os homens conheçam o Pai do Filho unigênito, Deus. No Fragmento Muratoriano consta como o apóstolo João escreveu seu evangelho “solicitado pelos bispos e colaboradores” e somente depois de um tempo de jejum e oração. Não ambicionava lugar entre os literatos de renome, mas antes um lugar para Cristo no coração dos homens. Escrevia, não para divertir os homens, mas para levá-los à convicção, mesmo como Lucas escrevera para levá- los à confirmação (Lc 1.3,4). Queria que ficássemos convictos do ofício divino e da natureza divina de Jesus. Estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. A divisões do livro João, como Lucas, divide-se, naturalmente, em sete partes principais: I. Prólogo ou prefácio: Jesus, o Cristo, é o Verbo eterno feito em carne (Jo 1.1- 14). II. O testemunho de João Batista (Jo 1.15-34). III. O ministério público de Cristo (Jo 1.35-12.50). IV. O ministério oculto de Cristo entre os discípulos (Jo 13.1-17.26). V. O sacrifício de Cristo (Jo 18.1-19.42). VI. Cristo se manifesta ressuscitado (Jo 20.1-31). VII. O epílogo ou fecho do livro: Cristo se manifesta como o Mestre da vida e do serviço (Jo 21.1-25). João e os Sinóticos Sinótico quer dizer: O que dá uma vista geral de tudo, ou da parte principal. Os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) são assim chamados porque nos fornecem uma vista geral - ou resumo - da vida de Cristo. Esses três livros narram a vida de Cristo no mesmo esboço geral. Cada um dos três salienta seu ministério na Galiléia e conta resumidamente a sua obra na Judéia e na Peréia. O Evangelho de João, ao contrário, dá ênfase ao que Ele fez na Judéiae na Peréia, e abrevia seu relato do que fez na Galiléia. Os pontos de contraste principais entre João e os sinóticos são: Os Sinóticos Todos escritos antes de 70 a.D. Salientam biografia Relatam muitas parábolas Narram 23 milagres Enfatizam discursos públicos Contam o que Jesus fez Um panorama de Jesus, servindo João Escrito cerca de 90 a.D. Salienta doutrina Não relata nenhuma parábola Narra apenas 7 milagres Enfatiza entrevistas ocultas Conta por que o fez Uma radiografia da pessoa de Jesus Que é o livro de João para nós? Cremos realmente que Jesus Cristo é o Filho de Deus? Temos vida em seu nome? (Jo 20.31). Temos essa vida em abundância? (Jo 10.10). Transbordamos até produzir muito fruto? (Jo 15.2). O propósito de João é sobremaneira prático. Quer não somente produzir fé em nós, mas demonstrar a vida que essa fé deve produzir. Os sete ou oito milagres registrados são verdadeiros “sinais” (Jo 2.11). Ainda mais, são símbolos da vida transmitida por Cristo. O primeiro milagre foi feito nas bodas em Caná para enfatizar a alegria da vida cristã e como Cristo nos transforma. Temos essa alegria? Nossa vida está transformada? A cura do paralítico de Betesda (Jo 5) nos fala não somente do poder a nós concedido sobre a mais grave enfermidade, mas também do poder concedido aos caídos, para que se levantem e andem espiritualmente. Temos esse poder, sobre o físico e o espiritual? Ou ficamos paralisados espiritualmente, escravizados pelo temor, pelo desalento, pelo ódio? Que significam, para nós, os sublimes retratos do Filho de Deus, nesse livro? Formam apenas uma obra literária, de extraordinária fama? Ou são, para nós, um desafio a pôr em ação esse mesmo poder, tanto na parte física quanto na espiritual, em nosso serviço? O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em Cristo, isso fazei; e o Deus de paz será convosco. Cover Page João, o Evangelho do Filho de Deus 1. Jesus, Filho de Deus e Criador 2. Os Primeiros Discípulos 3. O Primeiro Milagre de Cristo 4. Jesus e Nicodemos 5. Jesus e a Mulher Samaritana 6. O Paralítico do Tanque de Betesda 7. Jesus, o Juiz que Há de Vir 8. Jesus, o Pão da Vida 9. Jesus na Festa dos Tabernáculos 10. Jesus, o Libertador 11. O Cego de Nascença 12. Jesus, o Bom Pastor 13. A Ressurreição de Lázaro 14. Jesus é Ungido por Maria 15. Jesus, o Rei dos Reis 16. Jesus, o Servo 17. Jesus nos Dá o Consolador 18. Jesus É a Videira 19. Jesus, o Intercessor 20. A Crucificação 21. Jesus, o Ressurreto 22. Jesus Dissipa as Dúvidas 23. Jesus Aparece a Sete Discípulos na Galiléia