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Gestão participativa e ambiente Nadja Janke S egundo Libâneo (2003), cada vez mais percebemos a necessidade de um grande investimento na preparação para a vida social, comunitária, já que as novas possibilidades de vivência humana es- tão fortemente localizadas em movimentos comunitários, no engajamento em pequenos grupos, comunidades tradicionais, associações civis, ONGs, entre outros. A própria questão da sustentabilidade é discutida, em grande parte, sob o ponto de vista da participação. Isso fica claro funcionalmente, uma vez que as políticas públicas voltadas para a gestão ambiental devem contar com a participação comunitária para que sejam implementadas. Para Leff (2004), a sustentabilidade põe em voga, novamente, a questão da luta de classes, in- corporando-a ao cenário social. Porém, não mais pela apropriação dos meios de produção industrial, como acostumamos ouvir. Agora, a luta está voltada para a reapropriação da natureza, não apenas por meio de elementos tecnológicos, mas na busca por alternativas para o uso de recursos baseados tanto em tecnologia como em elementos ecológicos, culturais, sociais. Diante do esbulho e marginalização de grupos majoritários da população, da ineficácia do Estado e da lógica do mer- cado para prover os bens e serviços básicos, a sociedade se levanta reclamando seu direito de participar na tomada de decisões das políticas públicas e na autogestão dos recursos produtivos que afetam suas condições de existência. (LEFF, 2001, p. 79) Nesse sentido, a reivindicação é por uma autonomia local e regional, entendida como o direito ao controle compartilhado na autogestão dos processos de acesso e aproveitamento dos recursos. Para os ambientes naturais, esse processo determina novas formas de sustentabilidade, relacionadas não mais aos interesses de grandes empresas e multinacionais, mas sim às potencialidades e necessidades do próprio ambiente e da comunidade residente. Isso ressignifica o lugar da cultura no âmbito da rela- ção entre o homem e o ambiente, dando maior autonomia aos grupos populares de gerirem, por força de suas tradições, de seus conceitos, de suas experiências e de maneira sustentável, seus próprios recursos. Sustentabilidade: conciliando participação social e cuidado com o ambiente Observemos outro trecho de Leff (2004, p. 57): A gestão ambiental do desenvolvimento sustentável exige novos conhecimentos interdisciplinares e o plane- jamento intersetorial do desenvolvimento; mas é sobretudo um convite à ação dos cidadãos para participar na produção de suas condições de existência e em seus projetos de vida. O desenvolvimento sustentável é um projeto social e político que aponta para o ordenamento ecológico e a descentralização territorial da produção, assim como para a diversificação dos tipos de desenvolvimento e dos modos de vida das populações que habitam o planeta. Nesse sentido, oferece novos princípios aos processos de democratização da sociedade que induzem à participação direta das comunidades na apropriação e transformação de seus recursos ambientais. 161 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br É claro que esse tipo de participação social não é de fácil instituição. Para que seja definitivamente efetivado, ainda vai um longo caminho. A participação é compromisso importante não somente na manutenção dos recursos naturais mas também em todos os âmbitos da experiência comunitária, como nas cidades, nas paisagens rurais, nas aldeias, por meio da busca por um ambiente mais saudável e com mais qualidade de vida. Em geral, o discurso da participação se mostra muito conveniente, e por isso se tornou um instrumento muito usado, ideologicamente. Mas devemos entender o real propósito desse discurso, pois, como nos diria Loureiro (2004), não pode- mos inocentemente acreditar que o sentido de participação que sugere o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial seja o mesmo promovido pelo MST ou pelo Fórum Social Mundial. Segundo esse autor, muitos dos discursos partici- pativos têm como pano de fundo a cooptação, o assistencialismo e o paternalismo como formas de manter a dominação política. A participação pensada sob o ponto de vista da emancipação política é um ato de conquista, e por isso a dificuldade de implantação. Devemos entender que a par- ticipação legítima se faz como processo, a ser conquistado com o outro, infinitamen- te, sempre se fazendo (DEMO, 2001). Sob a participação, Demo defende a ideia de que o desenvolvimento comunitário, sendo essencial para a política social de forma geral e também para as políticas públicas, tem na identificação cultural a motivação para a participação. No caso das questões ambientais, a participação tem como mo- tivador cultural essencial a ligação do sujeito com o seu ambiente, com o seu espaço, com o que conhece dele e nele produz. A cultura que o torna pertencente ao meio capacita-o para estar naquele ambiente. Demo (2001) identifica então a participação como um ato de fé na potencialidade do outro e ainda na capacidade criativa e de autogestão de um grupo social. Além disso, a participação sugere a possibilidade do encontro com a realidade da qual o próprio sujeito é o agente, colocando-o em posição de assumir sua responsabilidade e sua própria luta em favor da participação e, por consequência, das melhorias ambientais. Para esse autor, a participação é, portanto a promoção da autonomia, do reconhecimento da cidadania, das regras democráticas, do controle do poder, da burocracia e do entendimento do papel de negociação. Assim, participação não se ganha, mas se constrói, conquista-se: A participação possui característica de ser meio e fim, porquanto é instrumento de autopro- moção, mas é igualmente a própria autopromoção. Prevalece, porém, a conotação instrumen- tal, no sentido de que é vista como caminho para se alcançarem objetivos [...] Se usássemos outra linguagem, diríamos que participação é metodologia. (DEMO, 2001, p. 66) Na questão da sustentabilidade, esse reconhecimento é fundamental. Em primeiro lugar, quanto à questão da participação como método, a busca por uma qualidade ambiental como principal objetivo orienta a ação por uma gestão ou um planejamento participativos, na abertura de um diálogo para a problematização e o enfrentamento dos problemas. Toda a comunidade, nesse momento, deve conquis- tar seu direito participante, de forma individual e coletiva, no levantamento dos problemas ambientais, no estudo e na escolha por melhores formas de atuação. Gestão participativa e ambiente 162 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A socialização do direito à participação não significa, no entanto, que exista ausência, superação ou eliminação do poder: apenas outra forma de poder. Ou seja, o discurso é o da negociação, do debate aberto, criando novas possibilida- des políticas de descentralização desse poder, que não fica mais retido na figura do Estado, mas sim em instâncias menores de deliberação, que contam com os próprios agentes comunitários, ou mesmo intelectuais orgânicos. Isso determina que as decisões não são obtidas de maneira hierárquica, e nem devem ser aceitas como uma imposição, que muitas vezes está completamente alheia às necessi- dades sustentáveis da própria comunidade ou às suas características ambientais. As deliberações, nesse caso, refletem inevitavelmente aquilo que se observa na prática desse ambiente. O planejamento participativo não impede, por exemplo, que se busque convencer a comu- nidade da necessidade de determinada ação, desde que o processo de convencimento se faça dentro de um espaço conquistado de participação, ou seja, partindo-se dos interesses da comunidade, levando em conta sua contribuição e sua potencialidade, deixando-se também convencer do contrário. (DEMO, 2001, p. 21) Nesse caso, sendo o papel das comunidades lutar por sua participação e reivindicarmelhores condições ambientais, o papel do Estado está na implemen- tação de políticas públicas que garantam o acesso dessas pessoas às condições necessárias para o manejo ambiental. Nesse sentido, fica claro que, possivelmente, a reivindicação popular e o dever do Estado vão além do direito de participar. Muitas vezes, para assumir uma postura sustentável frente ao ambiente, as comu- nidades têm que lutar também por incentivos financeiros, técnicos, sociais, uma vez que nem todos os grupos estão capacitados para trabalhar pela manutenção do seu ambiente. Aí se configura, portanto, o papel do Estado, das universidades, de instituições não governamentais etc. O melhor caminho para a sustentabilidade está em aliar os conhecimentos tradi- cionais, culturalmente adquiridos, aos novos conhecimentos tecnocientíficos produzi- dos. A complexidade das formas de atuação aumenta muito quando da possibilidade de gestão ambiental baseada na incorporação de todas as formas de saberes. Essa aliança traz à tona um novo conhecimento, contextualizado, fruto da experiência e do conhecimento locais e da inserção de novas e modernas tecnologias. Um caminho para esse encontro está na criação de grupos multidisciplina- res de estudo, dispostos a criar um conhecimento transdisciplinar sobre o ambien- te em que pesem todos os saberes nessa contextualização. Esse talvez fosse um primeiro passo para a capacitação desses sujeitos comunitários na valorização de seus próprios conhecimentos e na incorporação de novos saberes, pela busca de ações efetivas em prol da sustentabilidade. Brandão (2004, p. 117) sinaliza essa possibilidade ao analisar que, num trabalho coletivo, todo grupo [...] cria, possui, elabora e transforma um saber múltiplo e diferenciado. Todos ou quase todos os seus integrantes de um modo ou de outro contribuem para criar o saber do grupo. E cada um dos seus integrantes, interagindo com este saber, integra em si o seu modo pessoal de saber com/através do grupo. Gestão participativa e ambiente 163 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br É nesse sentido que a participação comunitária se torna imprescindível para o caráter de sustentabilidade de qualquer projeto relacionado ao ambiente. Não bas- ta criar áreas de manejo sustentável e impor um tipo de atuação para a comunidade associada: é preciso criar, com essas pessoas, as diretrizes da sustentabilidade como a melhor forma, tanto de capacitá-los para o agir como para criar uma consciência de dever, de responsabilidade, mas também de desejo, de direito, pelo cuidado com o ambiente, com as gerações futuras e com as demais formas de vida. Agenda 21: uma proposta de gestão A Agenda 21 é um programa de ação baseado num documento de 40 capítu- los que discute em escala planetária um novo padrão de desenvolvimento, conci- liando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Trata-se de um documento consensual para o qual contribuíram governos e instituições da sociedade civil de 179 países, num processo preparatório que durou dois anos e culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), em 1992, no Rio de Janeiro, também conhecida como Eco-92. Sobre a gestão ambiental, a Agenda 21 traduz o conceito de sustentabi- lidade em um plano de ações que devem ser entendidas como diretrizes, para a tomada de decisões governamentais, institucionais e da sociedade civil. Esse documento tem como objetivo estabelecer princípios para a construção das Agendas 21 dos países, regiões, estados, cidades, de modo que a adoção da sustentabilidade por todos os cidadãos do mundo possa facilitar mudanças no tipo de crescimento econômico global, ambientalmente predatório e socialmen- te excludente. Dessa maneira, apontam-se as condições para uma nova ordem mundial, pela viabilização da sustentabilidade. Para Gadotti (2000), a Agenda 21 possibilitou a promoção de um tipo de desenvolvimento que alia proteção ambiental à equidade social e à eficiência econômica. O tom do discurso da Agenda não é compulsório, mas facultativo. Ou seja: não obriga os países signatários a colocarem em prática seus princípios e diretri- zes, tratando-se, portanto, de um acordo político sem obrigação jurídica e de um compromisso ético, de vontade política dos governantes. Em suas características processuais, a Agenda 21 coloca de forma clara a ques- tão da participação como sendo fundamental à possibilidade de caminhar rumo a so- ciedades sustentáveis. Esse documento é, acima de tudo, um convite ao planejamento participativo, engajando toda a sociedade na discussão sobre o futuro do seu patri- mônio ambiental e a possibilidade de maior justiça social: “Criar ou melhorar me- canismos que facilitem a participação, em todos os níveis do processo de tomada de decisões, dos indivíduos, grupos e organizações interessados” (Agenda 21, cap. 8). Ainda sobre os objetivos da Agenda 21 para o desenvolvimento sustentável, podemos observar a abrangência das metas a serem alcançadas por meio do pla- nejamento participativo, como enunciado no site do Ministério do Meio Ambiente (MMA, Agenda 21): Gestão participativa e ambiente 164 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O enfoque desse processo de planejamento apresentado com o nome de Agenda 21 não é restrito às questões ligadas à preservação e conservação da natureza, mas sim a uma proposta que rompe com o desenvolvimento dominante, onde predomina o econômico, dando lugar à sustentabilidade ampliada, que une a Agenda ambiental e a Agenda social, ao enunciar a indissociabilidade entre os fatores sociais e ambientais e a necessidade de que a degradação do meio ambiente seja enfrentada juntamente com o problema mundial da pobreza. Enfim, a Agenda 21 considera, entre outras, questões estratégicas ligadas à geração de emprego e renda, à diminuição das disparidades regionais e interpessoais de renda, às mudanças nos padrões de produção e consumo, à construção de cidades susten- táveis e à adoção de novos modelos e instrumentos de gestão. Portanto, a Agenda 21 não pode ser considerada apenas um documento ambiental, mas sim uma agenda para a sustentabilidade, tendo como objetivos, nesse sentido, promover padrões de consumo e produção que reduzam as pressões ambientais e aten- dam às necessidades básicas da humanidade; desenvolver uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de se imple- mentar padrões de consumo mais sustentáveis. A ideia que se consagrou foi “pensar globalmente e agir localmente” (Agenda 21, cap. 4). Segundo Sato (2003), o procedimento pautado pela Agenda não é o de es- colher entre desenvolvimento e conservação, entre tecnologia e ambiente natural, mas sim encontrar um equilíbrio em prol de um desenvolvimento “sensível” em relação ao ambiente natural, levando em consideração as questões locais em sua dimensão ambiental e cultural. Enfim, sob o ponto de vista teórico, a Agenda 21 propõe a sustentabilidade baseada na participação social e em políticas públicas locais para a superação da crise ambiental. Gestão de unidades de conservação: o papel dos atores sociais A questão primeira que se coloca, quando pensada a possibilidade de cria- ção de uma área ou unidade de conservação, é quanto à permanência ou não da população local nesse ambiente. Ou seja, se essas unidades devem contar com um sistema de planejamento sustentável ou se devem ter características de áreas de preservação integral. De qualquer forma, na maioria das vezes as unidades de conservação en- contram-se muito afastadas dos grandes centros de decisão e carecem de uma boa fiscalização para a manutenção desses ambientes. O envolvimento das comunida- des locais torna-se elemento crucial no manejo dos recursos, facilitando a criação dessas áreas. Além disso, o incentivo à inclusão da comunidade pode trazer paraesses indivíduos novos valores, novas condutas cidadãs, encadeados pelo proces- so participativo, ajudando a transformar essas áreas em símbolo de orgulho e, portanto, aumentando o envolvimento na conservação do ambiente. Aliás, no que diz respeito a populações tradicionais, retirá-las da região po- deria representar uma perda de etnodiversidade, pois muitas dessas comunidades possuem relações intrínsecas com o ambiente em que vivem. Tais comunidades, Gestão participativa e ambiente 165 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br como os índios, caiçaras, pantaneiros, entre outros, resumem séculos de vivência, de cultura e conhecimento sobre esses ambientes naturais. Nesse caso, a natureza e o homem são fruto de uma coevolução (FOSTER, 2005), ou seja, as característi- cas ambientais, ecológicas, culturais e sociais são resultado da própria relação do homem com a natureza. Tais conhecimentos podem ser representados, por exem- plo, pela utilização da biodiversidade para a elaboração de remédios e produtos naturais, uso sustentável do ecossistema, do solo, da água, entre outros, atitudes que muitas vezes ajudam na manutenção da própria biodiversidade do ambiente. Tudo isso seria perdido, e uma grande diversidade cultural e biológica poderia ser extinta, caso essas populações fossem impedidas de habitar em seu lugar de origem. Até mesmo em termos de sustentabilidade, ideias tradicionais de manejo, eficientes em seus ambientes, poderiam ser perdidas. Segundo Ferreira (2004), para alguns estudiosos do assunto essa linha de pensamento enfrenta oposições que garantem que essa abordagem, de certa for- ma, naturaliza o sujeito e não contabiliza suas características sociais, políticas. Acredita-se ainda que essa abordagem pode restringir as áreas a grupos preesta- belecidos, numa situação politicamente excludente. Em suma, em primeiro lugar seria preciso saber se essas populações real- mente possuem características culturais que as capacitem a trabalhar em favor do manejo sustentável. Interessante também seria saber se essas populações têm interesse de participar de um plano de gestão ambiental. Para Ferreira (2004), o problema maior a ser debatido e compreendido no escopo dessas discussões seria justamente saber se esses grupos se qualificam ou se poderiam ser responsabili- zados por essa atuação. É claro que é preciso retomar a questão da participação e entender que, caso permanecessem no local, essas populações precisariam receber incentivos e ter suas necessidades mínimas, inclusive territoriais, atendidas pelo Estado. Além disso, teriam que ser capacitadas, com a introdução de novos saberes tecnológicos ambientais, para assim se tornarem responsáveis também pela implantação e fis- calização em uma unidade de conservação. Nas diretrizes da Agenda 21, em vários capítulos, encontramos ressaltada a importância da participação das comunidades tradicionais no manejo de ambien- tes naturais. Em todos os casos, o que o documento enfatiza é que essas comuni- dades devem ser mantidas no ambiente de origem, com seus direitos assegurados. Mas em qualquer caso, com ou sem a intervenção humana, o papel do Estado é garantir a manutenção da biodiversidade (MMA, Agenda 21, 2005): A despeito dos esforços crescentes envidados ao longo dos últimos 20 anos, a perda da diversidade biológica no mundo – decorrente sobretudo da destruição de habitats, da colheita excessiva, da poluição e da introdução inadequada de plantas e animais exógenos – prosseguiu. Os recursos biológicos constituem um capital com grande potencial de pro- dução de benefícios sustentáveis. Urge que se adotem medidas decisivas para conservar e manter os genes, as espécies e os ecossistemas, com vistas ao manejo e uso sustentável dos recursos biológicos. A capacidade de aferir, estudar e observar sistematicamente e avaliar a diversidade biológica precisa ser reforçada no plano nacional e no plano internacional. É preciso que se adotem ações nacionais eficazes e que se estabeleça a cooperação inter- nacional para a proteção in situ dos ecossistemas, para a conservação ex situ dos recursos biológicos e genéticos e para a melhoria das funções dos ecossistemas. A participação e o Gestão participativa e ambiente 166 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br apoio das comunidades locais são elementos essenciais para o sucesso de tal abordagem. Os progressos realizados recentemente no campo da biotecnologia apontam o provável potencial do material genético contido nas plantas, nos animais e nos micro-organismos para a agricultura, a saúde, o bem-estar e para fins ambientais. Ao mesmo tempo, é parti- cularmente importante nesse contexto sublinhar que os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos biológicos de acordo com suas políticas ambientais, bem como a responsabilidade de conservar sua diversidade biológica, de usar seus recursos biológicos de forma sustentável e de assegurar que as atividades empreendidas no âmbito de sua jurisdição ou controle não causem dano à diversidade biológica de outros Estados ou de áreas além dos limites de jurisdição nacional. De qualquer forma, embora a Agenda 21 seja um documento universal, os limites e possibilidades de sua implantação estão relacionados às realidades lo- cais. Esse e outros documentos oficiais internacionais veem a questão sob um ponto de vista único, homogeneizado. O contexto do “pensar globalmente, agir localmente” também deve ser complementado por seu corolário – “pensar local- mente, agir globalmente” – porque neste exercício as particularidades de cada nação, em todas as suas diferenças culturais, serão levadas em consideração. Por esse motivo, cada nação, cada Estado deve encontrar sua própria maneira de lidar com esses confrontos. O fato é que a participação popular – seja das comunidades tradicionais, seja da população local – não deve ser esquecida nem negligenciada. Ela deve ser permanentemente discutida, implementada, pois nada que se refira à questão ambiental pode ser feito de forma isolada. Para isso, as políticas públicas locais devem auxiliar e favorecer a participação do cidadão no processo. E a pro- moção da Educação Ambiental é um bom caminho para essa implementação. Planejamento participativo (DEMO, 2001) Poderá se estranhar que consideremos o planejamento como instrumento de participação. Entretanto, assim o cremos, não somente no sentido de pelo menos não estorvar processos parti- cipativos mas igualmente no sentido de colaborar em sua participação. A possível estranheza tem muita razão de ser. O planejamento, sobretudo quando entendido como função do Estado, possui tendência clássica de impor-se à população, principalmente em sua face tecnocrática. Possui natural propensão tecnocrática, sistêmica e impositiva. A propensão tecnocrática manifesta-se na posição do poder do técnico, às vezes maior, às vezes menor, no sentido de influenciar fluxos de recursos, construções de planos e programas, formas de avaliação e acompanhamento, em nome de um Estado que pode ser mais ou menos autoritário. Ao mesmo tempo, o planejamento estereotipa um modo próprio de conceber e realizar políticas sociais, tendo prevalecido de longe configurações ligadas ao assistencialismo, ao residu- alismo, ao controle social, e assim por diante. A tendência tecnocrática se prende, ademais, à distinção entre os trabalhos intelectual e ma- nual. Este é marcado pela execução braçal, de gosto servil. Aquele é nobre, e se restringe a super- Gestão participativa e ambiente 167 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br visionar e a avaliar, coordenar, programar etc. Para fazer isso, é mister hoje pelo menos formação – dita não por acaso – superior, quando não o domínio sofisticado de técnicas quantitativas de teor sumamente formal e acadêmico.O que virou em nossa sociedade uma fonte de poder, ainda que de um poder bem menos forte que o poder oriundo da posse dos grandes meios de produção ou do comando político estatal. A própria sofisticação de linguagem faz parte do rito desta corte, com vistas a obter certa reverência a partir da ignorância popular. No mínimo, conseguiu-se entronizar no Estado a função quase intocável do planejamento, por mais que a finalidade primeira de um plano não seja resolver problemas sociais, mas justificar uma gestão. Aqui temos um exemplo claro de que saber é poder, sobretudo numa sociedade ainda impregnada de analfabetos e semi- analfabetos. A propensão sistêmica significa a tendência natural de o planejamento não supor a superação do sistema em questão. Sequer é necessariamente um defeito, porque nenhum governo planejaria sua própria superação. Mesmo na maior crise, qualquer sistema imagina encontrar uma saída e luta para sobreviver. Propõem-se mudanças dentro do sistema, mas não do sistema. A tendência reformista será mais característica, no sentido de buscar superar conflitos in- ternos, sem conduzir à transformação do sistema. A busca de transformação do sistema, se for o caso, não poderá ser colocado dentro de um planejamento comprometido com determinado sistema e será quase sempre uma farsa imaginar-se revolucionário no planejamento governamen- tal. Nem por isso precisa ser reacionário, como se sua sina fosse somente colaborar na ruína dos marginalizados. Trata-se de divergências ideológicas que é preferível enfrentar a camuflar. Uma ideologia re- formista pode ser justificada, seja porque não haveria outra opção mais viável para o momento, ou porque uma opção mais forte provavelmente produziria efeito contrário, ou porque se prefere um acúmulo de reformas capazes de conduzir ao amadurecimento histórico da situação, ou porque se assume abertamente a postura pequeno-burguesa, e assim por diante. Não deve, porém, ser ven- dida como se fora revolucionária, nem deve desconhecer as chances de se tornar mera justificação do poder, oportunismo e conivência. No espaço de um governo que nunca é monolítico, há lugar para iniciativas reais de partici- pação, como é, por exemplo, a luta pela universalização do Primeiro Grau: embora seja proposta sistêmica, é absolutamente descente e dignifica qualquer planejador. Enfim, é uma espécie de prática, entre outras práticas. Tem seus méritos, seus defeitos, seus riscos. A propensão impositiva aparece naturalmente na vontade de fazer acontecer. “Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer.” Precisamente acredita-se que a história pode ser feita sob influência planejada, lançando mão de expedientes ditos racionais, a começar pela contribuição científica. Assim, planejar sempre significa intervenção na realidade, traduzindo a expectativa de que a po- demos manipular em nosso favor. Não pode o planejamento participativo significar a desistência de intervenção na realidade, mas certamente outro modo de intervenção, que esperamos seja alternativo. Esta colocação inicial tem por finalidade preparar o terreno crítico para não fazermos do planejamento participativo apenas a próxima farsa do poder. Não vale a pena camuflar essa reali- dade. Antes, é mister partir dela. Somente pode ser participativo o planejador que tenha coragem autocrítica de perceber que sua tendência é a contrária. Nem isso deve ser o problema, mas sempre o ponto de partida, crítico e realista. Ademais, não há porque fugirmos da condição de participantes de determinado governo ou instituição. Qualquer poder não aprecia ser contestado. Mesmo o planejamento participativo pode Gestão participativa e ambiente 168 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br tornar-se mera legitimação do poder, à medida que reproduzir apenas uma farsa participativa. Pode-se até aventar que a maioria das propostas de planejamento participativo é feita como ex- pediente esperto para se evitar a participação efetiva das bases, no sentido de uma estratégia de desmobilização. O planejamento participativo busca ser uma forma de antiplanejamento, pois aposta em mu- danças, mesmo que reformistas. Entretanto, é mister entender ainda que a participação não signi- fica mecanicamente vontade de transformar. Em si, o conservador não precisa participar menos, quando se envolve de corpo e alma em prol do sistema que imagina dever preservar. Dentro dos partidos esta realidade é bem visível, até porque predomina a tendência a planejar como não mu- dar. Na verdade, sabemos muito melhor como não mudar do que como mudar. Em nosso contexto, aqui interessa ressaltar a característica de antiplanejamento em busca de mudanças favoráveis aos desiguais. Mesmo que as ações preconizadas sejam, em si, reformistas, procura-se sustentar um processo histórico de amadurecimento do sistema, já que nenhum sistema se transforma sem amadurecer. Qualquer instituição reage à participação, se esta colocar em risco a or- dem vigente, o que revela a marca típica sistêmica. Não é, pois, uma questão exclusiva do Estado. Isso leva pelo menos à conclusão de que vale a pena suspeitar de todo projeto participativo institucional. Três são os componentes básicos do planejamento participativo. O processo inicial de formação de consciência crítica e autocrítica na comunidade, atra- vés do qual se elabora o conhecimento adequado dos problemas que afetam o grupo, mas sobretudo a visão de que pobreza é injustiça. Trata-se de saber interpretar, entender, pos- tar diante de si e diante do mundo; muitos chamam esta fase de autodiagnóstico, através do qual a comunidade formula, com seu saber, e em consórcio com o saber técnico, um posicionamento crítico diante da realidade. O saber de fora, por vezes sofisticado, não é secundário, mas só se torna parte deste tipo de planejamento se conseguir transformar-se em autodiagnóstico, desfazendo a relação comum entre sujeito e objeto. Tendo tomado consciência crítica e autocrítica, segue a necessidade de formulação de uma estratégia concreta de enfrentamento dos problemas, que saiba destacar prioridades, caminhos alternativos, propostas de negociação etc. Quer dizer, do nível do reconheci- mento teórico, parte-se para a ação, dentro de um contexto planejado. Consumando o terceiro ponto, aparece a necessidade de se organizar, como estratégia fundamental para os dois passos anteriores. A competência se demonstra sobretudo na capacidade de organização, que é um teste fundamental dos compromisso democráti- cos do grupo, aliado ao desafio de fazer acontecer. O desigual sozinho não pode nada, mas organizado é capaz de emergir, de ocupar a cena, de influenciar e, a partir daí, de revestir-se da capacidade de mudar em seu favor. Assim concebido, o planejamento participativo pode conter elementos alternativos reais e mesmo produzir iniciativas radicais a nível localizado. Mas, para tanto, é mister olhar com cuida- do a problemática tanto do lado do técnico, quanto do lado da comunidade. Da parte do técnico pode provir de fato uma proposta alternativa de política social, mais crí- tica e autocrítica, comprometida com a redistribuição da renda e do poder, avessa a assistencialis- mos e a manipulações, desde que ele consiga elaborar suficiente consciência crítica e autocrítica, o que não é um fenômeno simples. De modo geral, terá mais chances de manipular do que de ser manipulado, valendo isso também para professores, pesquisadores, intelectuais etc. Participação não funciona por atacado, nem por decreto. É ao mesmo tempo marca e problema o fato de que Gestão participativa e ambiente 169 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br processos participativos qualitativos tendem a ser tópicos, localizados, federativos. Quantidade não é signo, porque é no âmago processo, não produto. É preciso discutir acuradamente o trajeto de formação acadêmica, marcada pela qualidadeformal apenas, que prima por métodos, instrumento e quantidades. De modo geral, coloca-se muito mal a dimensão da qualidade, definida apenas por exclusão e tratada de modo amador. Na própria formação dita científica embute-se a resistência à qualidade política, dedicada aos fins, às práticas, aos compromissos ideológicos, inevitáveis para quem quer fazer acontecer. Como tem mostrado o esforço de metodologias alternativas, o tratamento do fenômeno participativo, por ser o próprio cerne do que chamamos qualidade na realidade social, exige revisão acerba em plano teórico e metodológico, em muitos sentidos: supressão da relação verticalizada entre sujeito e objeto; união dialética entre teoria e prática; pelo menos convivência com o fenômeno participa- tivo, ou, melhor ainda, vivência, e, no estágio mais alto, identificação ideológica prática; atitude equilibrada diante dos métodos clássicos, que também são importantes, embora restritos a uma face da realidade, buscando impulsionar os avanços na dimensão qualitativa com profissionalismo e seriedade ainda maiores. Ademais, é mister superar alienações naturais do técnico. Partindo do fato de que não é pobre, de que é formado na universidade, tendo pois educação dita superior, de que trabalha no governo, de que é pequeno-burguês etc. Conclui-se cristalinamente que é um ser tendencialmente alienado, frente aos interessados na política social. Tudo isso, no entanto, não é obstáculo cabal. Porque é antes o ponto de partida. São nossas formas normais de alienação. Se não as levarmos em conta, teremos os efeitos negativos conhecidos: não sabemos aprender da comunidade; não acredi- tamos em suas potencialidades; planejamos em nossos gabinetes e dispensamos o teste da prática que não pode ser apenas teste, mas parte integrante, nem maior, nem menor, do processo; descon- fiamos da capacidade comunitária de assumir seu destino; pelo menos em parte; refletimos nas propostas muito mais nossas inquietações, como se fossem dos interessados, e assim por diante. Querer ser condutor das políticas, enquanto deveria assumir a posição de agente motivador, mobilizador, assessor. Requer isto dose de modéstia, que incomoda a muitos técnicos acostuma- dos a pontificar sobre as necessidades alheias. Entretanto, não há, por outra, nenhuma necessidade de negar sua identidade. Para trabalhar com comunidades é mister identificar-se com elas, ideolo- gicamente, na prática, mas não faz sentido comer do lixo, morar debaixo da ponte, ou andar sujo. Identificar-se ideologicamente na prática não é fantasiar-se de proletário. Na postura da comunidade pode ser alternativa a coparticipação nas propostas de política social, desde a concepção até a execução, em graus e modos muito diversos, dependendo das circunstâncias históricas, e sobretudo do teor organizativo dela. Muda-se a postura de recebi- mento de favores para aquela de reivindicação de direitos e de soluções próprias dos problemas. Não é certamente alternativa a postura que apenas vê direitos, porque esconde outra forma de assistencialismo. Mas é alternativa a postura que se apresenta como parte integrante das soluções possíveis, incluindo a cooperação através dos mais variados recursos. Existem também as formas próprias de alienação comunitária, porque a comunidade está ex- posta – por vezes com extrema violência – aos efeitos-demonstração, aos meios de comunicação, à manipulação das ideologias etc. Não é, assim, que sua palavra seja bíblica, ao contrário, poderá ser mais da novela que passa na televisão em horário nobre do que uma real necessidade básica. Mas vale a máxima: quem mais sabe das necessidades é o necessitado. A postura alternativa estaria, sobretudo na mudança de população-objeto, de alvo, de cliente, de paciente, para sujeito principal das políticas, como autênticos interessados. Porquanto, não é concebível tratar da pobreza sem o pobre. Gestão participativa e ambiente 170 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br É mister fugir de purismos e de populismos. De purismos, no sentido de colocar condições esotéri- cas de contato com a comunidade, como se o técnico fosse algo sujo, por definição impositivo e manipu- lador. De populismos, no sentido de não superestimar o saber popular e a própria condição comunitária, como se passasse de repente a ser o centro do universo. Cada lado tem seu espaço próprio, sem imitações e reducionismos. Assim, o técnico pode questionar uma proposta comunitária como também pode ser questionado pela comunidade. Alienação não é privilégio exclusivo de um outro ou de outro lado. O técnico não deve camuflar que, por mais que se identifique com a comunidade, pratique uma forma de intervenção, ainda que considerada alternativa. Sua função pode ser importante, em muitos sentidos, a começar pela postura certamente gasta e muitas vezes farsante do intelectual orgânico. A autocrítica não deve levar a apagar-se. Ao contrário, deve levar a ocupar seu lugar adequado no processo, que é nos bastidores, não no centro da cena. Ao lado disso, é importante ressaltar a tentação das promessas excessivas que o planejamen- to facilmente dissemina. Não há quem resolva todos os problemas. Nenhuma instituição pode apresentar-se como capaz de atacar todos os problemas da comunidade. Além de ser uma postura demagógica, invade o terreno de outras instituições, podendo armar outra farsa: desmobilizar a comunidade no sentido de que lhe basta confiar no tutor. Planejamento participativo é possível. Nenhum estado é tão monolítico que a participação seja de todo inevitável. Uma visão tão monolítica não é histórica, porque é facílimo mostrar que todos pereceram, sobretudo aqueles que se queriam perenes. Ao mesmo tempo, é uma postura contraditória defender a impossibilidade total de participação dentro do Estado, porque retira o próprio tapete do crítico, se um dia chegar ao poder. Uma vez no poder, terá de reconhecer, ade- mais, que nem todo processo participativo é necessariamente revolucionário. O fenômeno, em si, admite qualquer coloração ideológica, porque o reacionário atuante não precisa “participar” menos. A insistência obsessiva sobre processos participativos absolutamente avessos ao poder do Estado recai quase sempre na banalização típica de se imaginar um poder que não seja poder. Para todo o grupo: existe um plano de Agenda 21 em sua cidade? DEMO, Pedro. Política social e participação. In: ______. Participação É Conquista. São Paulo: Cortez, 2001. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Pergunta a Várias Mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003. 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