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ACÚSTICA MUSICAL AULA 1 Prof. Alysson Siqueira 2 CONVERSA INICIAL A produção artística em sua totalidade demanda uma base material tangível para sua produção. Apesar de sua gênese repousar no reino das concepções, mentes e sensibilidades variadas, a manifestação artística apenas adquire expressão por meio de um substrato perceptível ao público, que pode ser apreendido por, no mínimo, um dos sentidos. Nesse contexto, o material que viabiliza essa produção artística no âmbito da música é o som. Similarmente à necessidade de um pintor em adquirir familiaridade com as propriedades da tinta que manipula – seus efeitos sobre a tela, tempo de secagem, meios de obtenção de tonalidades desejadas –, o músico deve possuir um entendimento profundo do som. Essa compreensão é justamente o propósito da área de acústica musical. Nesse capítulo, lançaremos os fundamentos desta empreitada, abordando os princípios basilares do fenômeno sonoro. Nossa abordagem inaugural envolverá a definição do conceito de som e a exploração dos parâmetros físicos que permitirão a percepção dos variados matizes sonoros que permeiam nosso vasto cenário acústico. Partiremos das delineações de frequência, intensidade e duração. Aprofundaremos, em seguida, a conceituação de timbre, o que irá nos direcionar a uma compreensão necessária dos movimentos harmônicos e, consequentemente, da série harmônica. A apreensão do conceito de envelope de onda se revelará imperativa para discernir o comportamento temporal do som. Ao final, voltaremos nossa atenção aos ruídos – suas categorizações, atributos distintivos e contrastes em relação aos sons musicais. TEMA 1 – SOM: A MATÉRIA PRIMA DA MÚSICA Todos nós reconhecemos música e somos capazes de produzi-la. No nosso cotidiano, não precisamos defini-la e, por essa razão, é provável que não tenhamos uma definição pronta para ela. Talvez, possamos nos apropriar do título de um dos capítulos do livro How Musical is Men? de John Blacking: “Som Organizado Humanamente” (Blacking, 1973, p.3), ainda assim, Schafer acrescentaria a intenção de ser ouvida como música (1990). 3 Independentemente de qual definição de música você irá formular ou adotar, dificilmente ela deixará de mencionar a palavra som. Isso porque ele é a matéria-prima da música. Como praticantes e educadores musicais, precisamos entender com profundidade o fenômeno sonoro e, para nos auxiliar nesta missão, nos valemos da Acústica, que integra o ramo de Movimentos Ondulatórios da disciplina de Física. Embora tenha estreita relação com as Ciências Exatas, traremos sempre o aspecto perceptivo sonoro para compreendermos os fenômenos físicos de maneira musical. 1.1 O que é o som? Vivemos numa espécie de redoma repleta de ar, que chamamos de atmosfera. Qualquer movimento que um objeto venha a fazer dentro dela produzirá um deslocamento de ar. Essa massa de ar irá se deslocar comprimindo o ar da atmosfera. Porém, por ter um comportamento elástico, o ar irá voltar para o espaço que o ocupava anteriormente, o que podemos chamar de situação de repouso. Esse processo acontecerá diversas vezes até que a energia se dissipe totalmente. Em outras palavras, aquele movimento inicial provocou ciclos de compressão e rarefação do ar que, para os nossos ouvidos, pode ser percebido como som. O fenômeno descrito no parágrafo anterior pode ser reproduzido, em escala reduzida, com o auxílio de uma seringa. Utilize uma seringa transparente, sem agulha, puxe o êmbolo para fora e tampe o orifício onde se conecta agulha com um dedo. Você reservou um volume determinado de ar na seringa. Em seguida, empurre o êmbolo, percebendo que a dificuldade em mover o êmbolo aumenta progressivamente, indicando que as partículas estão se aproximando, tornando a massa de ar mais compacta e resistente. Por último, solte o êmbolo e ele voltará à posição inicial. Portanto, a definição que iremos adotar será: “Som é a interpretação, pelo cérebro, da vibração produzida pelo movimento de um corpo e transmitida por um meio elástico” (Siqueira, 2020). Entenda-se por meio elástico todo e qualquer corpo que tende a voltar a sua configuração inicial após sofrer deformação, sendo que o ar é apenas um desses meios, mas o mais recorrente quando se fala em som. 4 1.2 Elementos para a produção de som Da definição formulada na seção anterior, podemos extrair que, para haver som, são necessários três elementos: um que produza o movimento inicial, chamado de fonte emissora; um meio elástico, pelo qual essas oscilações se propaguem; e, por fim, um receptor, dentro do qual os ciclos de compressão e rarefação do meio elástico são interpretados como som. Figura 1 – Elementos da produção sonora Fonte: Alysson Siqueira. No caso da música, a fonte emissora, ou o emissor, seria o instrumento musical ou a voz. O meio elástico de propagação principal seria o ar e o receptor é o público que frui da obra musical. O silêncio absoluto, portanto, só é possível na ausência de um desses três elementos. Se não houver uma fonte emissora, não haverá oscilações no meio elástico. Se não existir um meio elástico, caso do vácuo, não há propagação do som. Se não houver um ser vivo que possa receber as vibrações e interpretá-las como som, o fenômeno não se concretiza. Os surdos, embora não sejam capazes de traduzir as vibrações do ar em sons da mesma maneira que os ouvintes, podem percebê-las pelo tato e, consequentemente, relacionar- se com a música. O movimento provocado no ar, que resulta em som, é chamado pela Física de Movimento Harmônico, sobre o qual iremos falar a seguir. TEMA 2 – MOVIMENTOS HARMÔNICOS SIMPLES E COMPOSTO O movimento cíclico produzido no meio elástico pelo fenômeno sonoro, tem comportamento similar ao de um pêndulo. Fonte emissora Meio elástico Receptor 5 Figura 2 – Movimento harmônico em um pêndulo Fonte: Siqueira, 2020, p. 19. Seguindo a ordem sequencial dos quadros da figura, percebemos que uma força externa deslocou o pêndulo até a extremidade direita (2). Depois de solto ele tende a voltar ao ponto de repouso, porém, devido à aceleração gravidade, ele passa pela sua situação inicial com a velocidade máxima (3), e segue em movimento, agora desacelerando, até a extremidade esquerda (4). Esse movimento é cíclico e segue até a energia se dissipe e o pêndulo repouse na posição inicial (9). Esse movimento que se repete em intervalos regulares, em Física, é chamado de movimento periódico ou movimento harmônico (Halliday; Resnick; Walker, 2013, p. 88). 2.1 Movimento harmônico simples O movimento do pêndulo descrito pela figura 1.2 apresenta um padrão que se repete regularmente ao longo do tempo, que acelera até atingir a velocidade máxima e desacelera até atingir a velocidade máxima, repetindo a mesma sequência até atingir seu ponto de partida. Esse movimento, em Física, 6 recebe o nome de Movimento Harmônico Simples (MHS) e pode ser representado segundo uma senoide1. Figura 3 – Senoide: representação gráfica do movimento harmônico simples Fonte: Alysson Siqueira. Tratando-se do fenômeno sonoro, podemos representá-lo por este mesmo gráfico entendendo que, após o impulso inicial, a produção do som, a velocidade de compressão do ar decresce até parar, em seguida a massa de ar tende a ocupar o espaço anterior, acelerada por suas propriedades elásticas, mas ela atinge seu estado inicial na velocidade máxima e segue se rarefazendo, agora desacelerando até parar novamente. A Figura 1.4 nos fornece uma compreensão visual do fenômeno: Figura 4 – Representação do ciclo de compressão e expansão do ar Fonte: Alysson Siqueira. 1 O termo senoide se refere ao gráfico que representa a função seno da trigonometria, ramo da matemática. 7 A Figura 4 nos mostraque o ciclo do movimento sonoro inicia com velocidade igual a zero, portanto, a senoide representaria melhor o comportamento de compressão e rarefação do ar: Figura 5 – Representação gráfica da onda sonora Fonte: Alysson Siqueira. Já mencionamos que, no tipo de movimento que estamos estudando, ocorre diversas vezes até que energia se dissipe. Quando relacionamos a quantidade de ciclos com um determinado intervalo de tempo, falamos de uma grandeza chamada frequência (f). Tratando-se de som, esse intervalo de tempo é 1 segundo. A unidade de frequência nesse caso, quando nos referimos o número de ciclos por segundo, é o hertz (Hz). Auditivamente, relacionamos a frequência com a altura do som. Uma frequência baixa é percebida como um som grave, enquanto os valores mais altos são percebidos como sons agudos. A frequência mais grave que o ser humano é capaz de ouvir é 20 Hz, ou seja, 20 ciclos de compressão e rarefação do ar por segundo. Sons abaixo dessa frequência são classificados como infrassom. Já a frequência mais aguada audível pelo ser humano é de 20.000 Hz, e os sons acima delas são chamados de ultrassom. O tempo que um ciclo leva para se realizar é chamado de período (T). Matematicamente, podemos deduzir que o período é o inverso da frequência: Outra grandeza importante para a caracterização do MHS é a amplitude, que nada mais é do que os extremos do movimento. No caso do pêndulo, pode 𝑭𝒓𝒆𝒒𝒖ê𝒏𝒄𝒊𝒂 (𝒇) = 𝒏. 𝒅𝒆 𝒄𝒊𝒄𝒍𝒐𝒔 𝒔𝒆𝒈𝒖𝒏𝒅𝒐 (𝒔) (𝑯𝒛) 𝑻 = 𝟏 𝒇 8 ser entendida como a distância entre o ponto de repouso até o ponto em que tem seu deslocamento máximo, tanto para a esquerda quanto para a direita. Tratando-se de som, a amplitude pode ser entendida como a diferença de concentração das partículas entre a compressão ou a rarefação máximas do ar e seu estado de repouso. Sonoramente, percebemos a amplitude como intensidade, ou seja, sons fracos têm baixa amplitude e sons fortes têm altos valores de amplitude. A unidade de medida da intensidade sonora é o decibel (dB). Somos capazes de perceber sons a partir de de 0 dB, e o limiar da dor é considerado 120 dB, acima do qual o som se torna insuportável. Um Movimento Harmônico Simples apresenta uma única frequência. Veremos, no decurso de nossos estudos sobre acústica, que essa é uma situação teórica, tratando-se de som. O que observamos, na prática, é que os sons em nosso meio são formados por diferentes frequências que soam ao mesmo tempo. Vejamos como isso ocorre. 2.2 Movimento harmônico composto Como o próprio nome diz, o Movimento Harmônico Composto (MHC) é fruto da superposição de diversos MHS. Mas para ocorrer sua percepção, é necessário que os parâmetros entre os Movimentos Simples, que compõem o Movimento Complexo, sejam diferentes em algum aspecto. Eles precisam ter diferentes amplitudes, frequências e/ou fases. A diferença de fase, muito importante para a acústica, ocorre quando as oscilações iniciam em diferentes momentos da linha do tempo, causando desencontros entre compressões e rarefações do ar, como podemos observar na representação a seguir. Figura 6 – Representação gráfica da diferença de fase Fonte: Alysson Siqueira. 9 Retomaremos este conceito de forma aplicada mais adiante. Por hora, tratando-se das bases da acústica aplicada à música, nos interessa os MHC obtidos por meio da superposição de oscilações de diferentes frequências. Nesse caso, a representação gráfica do fenômeno é a seguinte: Figura 7 – Superposição de oscilações de frequências diferentes Fonte: Alysson Siqueira. Pensando novamente no fenômeno sonoro, essas frequências não são percebidas separadamente. Por essa razão, faz todo sentido analisarmos em cada instante do tempo o quanto os dois MHS deslocam o ar em conjunto. Em outras palavras, é possível traçar um gráfico resultante, representado na figura 1.8 pela linha de maior espessura. Figura 8 – Resultante da superposição de oscilações de frequências diferentes Fonte: Alysson Siqueira. 10 Essa concepção do som enquanto um Movimento Harmônico Composto, obtido a partir da superposição de Movimentos Harmônicos Simples, é de fundamental importância para a compreensão acústica da música. 2.3 Ondas sonoras Um movimento oscilatório, como os que estudamos até aqui, que se propaga no tempo e no espaço, pode ser definido como onda. Isso não ocorre com o pêndulo que, preso à sua estrutura, oscila de um lado para outro, mas sem se deslocar linearmente no espaço. Já o som realiza os ciclos de compressão e rarefação do ar, deslocando-se por meio do espaço. Onda é uma perturbação em um meio capaz de transportar energia, e não transporta matéria. Existem dois tipos mais comuns de onda. As ondas mecânicas necessitam de um meio físico para se propagar. O som é uma onda mecânica que se propaga por meios elásticos, em especial o ar. As ondas eletromagnéticas não necessitam de meio físico e, ao contrário das mecânicas, elas podem se propagar no vácuo. A luz é o exemplo clássico de onda eletromagnética. Por se propagarem ao longo do tempo e do espaço, uma grandeza importante para sua caracterização é a velocidade de propagação. Enquanto a velocidade aproximada de propagação do som é de 340 metros por segundo (m/s), da luz é da ordem de 300 milhões de m/s. As ondas também podem ser classificadas de acordo com seu sentido de propagação. As ondas transversais se propagam em sentido transversal ao movimento que elas produzem no meio. O exemplo da figura 1.8 retrata esse tipo de onda. Figura 9 – Exemplo de onda transversal Fonte: Siqueira, 2020, p. 32. 11 As ondas longitudinais, ao contrário das transversais, se propagam no mesmo sentido do movimento que produzem no meio. É basicamente o que ocorre no exemplo que já comentamos da seringa. É o mesmo que acontece com o fenômeno sonoro, em que o meio elástico é comprimido no mesmo sentido da propagação da onda sonora. Portanto, podemos definir o som, do ponto de vista da Física, como uma onda mecânica longitudinal. Sua propagação pode ser representada de maneira esquemática dessa maneira: Figura 10 – Representação gráfica da propagação do som Fonte: Alysson Siqueira. Tratando-se do som que se propaga no ar, podemos entender como as cristas, os pontos onde a se verifica a maior concentração das moléculas, as regiões de máxima compressão do meio. Em contrapartida, os pontos onde há a menor concentração serão os vales. A distância entre duas cristas sucessivas é denominada comprimento de onda (λ). A velocidade de propagação da onda (v) tem relação direta com o comprimento de onda e com a frequência: Essa relação matemática é também principal fórmula para os cálculos que iremos realizar durante este estudo. É preciso atentar para as unidades de medida: velocidade (v) é dado em m/s, comprimento de onda(λ) em m (metros), e frequência em Hz. Para efeitos de cálculo, utiliza-se a velocidade do som de 340 m/s, mas na prática ela varia de acordo com o meio de propagação. Veja alguns exemplos: 𝒗 = 𝝀. 𝒇 12 Tabela 1 – Velocidade do som Meio Velocidade (m/s) Ar (0oC) 331 Ar (20oC) 343 Hélio 965 Hidrogênio 1284 Água (0oC) 1402 Água (20oC) 1482 Água salgada 1522 Alumínio 6420 Aço 5941 Granito 6000 Fonte: Halliday; Resnick; Walker, 2013, p. 152. Outras propriedades da propagação do som serão discutidas adiante. TEMA 3 – SÉRIE HARMÔNICA E ESPECTRO DE FREQUÊNCIAS Já sabemos que o caso concreto da onda sonora é tipificado como um Movimento Harmônico Composto. Sendo assim, quando ouvimos um som, ele naturalmente é resultado da superposição de diversas frequências sonoras. Essa complexidade do fenômeno pode ocorrer de duas maneiras que, perceptivamente, nos permite separar os sons entre aqueles possuem e os que não possuem altura definida.Neste momento iremos nos ater com aos sons com altura definida. 3.1 Série harmônica Quando se produz uma nota musical, seja por meio de um instrumento ou da voz, costumamos perceber o som relativo à frequência da nota que se desejou tocar. Porém, já sabemos que o som é uma onda composta por diversas frequências que soam concomitantemente. Se treinarmos nossa escuta, podemos aprender a ouvir esses diferentes sons que sucedem o som principal e que chamamos de harmônicos. À nota musical que origina esses outros sons, chamaremos de som fundamental, e sua frequência será representada por f0. Os harmônicos que o sucedem serão representados por f1, f2, f3, e assim por diante. Esse conjunto de harmônicos pertencentes a um som musical específico é denominado série harmônica. Um som com altura definida, embora composto por um conjunto de sons, é percebido prioritariamente pela frequência principal porque os harmônicos que 13 soam ao mesmo tempo possuem relações matemáticas exatas com o som fundamental. A frequência do primeiro harmônico será o dobro da frequência do som fundamental, do segundo harmônico será o triplo, do terceiro será o quádruplo, e assim por diante. Matematicamente podemos definir como uma progressão aritmética e, para calcular a frequência de um harmônico qualquer da série, utilizar a seguinte fórmula: A partir dessa fórmula e conhecendo a frequência de uma nota específica, por exemplo Dó3 (131 Hz), podemos obter as frequências da série harmônica: Figura 11 – Série Harmônica de Dó3 Fonte: Siqueira, 2020, p. 42. É necessário considerar que a amplitude, ou a intensidade de cada harmônico de uma série é variável. Iremos observar e discutir as implicações disso a partir de um gráfico chamado espectro de frequências. 3.2 Espectro de frequências Trata-se de um gráfico cujo eixo horizontal representa a frequência, em hertz, com escala logarítmica, fazendo com que valor da frequência dobre a cada linha vertical pontilhada da grade. O eixo vertical representa a intensidade, em dB. Como o gráfico é gerado por softwares de edição de áudio, é preciso salientar que nesses casos se considera o 0 dB como o limite a partir do qual o som irá apresentar distorções2. 0 dB é, portanto, o limite máximo para o tratamento de áudio e, consequentemente, as intensidades que trabalhamos, todas menores que esse limite, assumem valores negativas. 2 Estas distorções são chamadas de distorções harmônicas e provocam distorções na série harmônica, gerando ruídos indesejáveis, ou no chavão do áudio, estouros. 𝒇n = (𝒏 + 𝟏). 𝒇0 14 Figura 12 – Série Harmônica representada por um espectro de frequências Fonte: Siqueira, 2020, p. 42. A Figura 12 traz uma possibilidade de espectro de frequência. Nele, observamos a representação de um som musical, nota dó de um piano, em um instante específico. O primeiro pico do gráfico representa o som fundamental, e os subsequentes são seus harmônicos. Repare que a amplitude desses harmônicos é totalmente variável, e sem seguir um padrão evidente. Essa distribuição particular de amplitudes é uma das principais variáveis na percepção do timbre. Uma mesma nota musical, produzida por outra fonte sonora, teria os mesmos harmônicos, porém cada um deles com intensidades diferentes. Além da distribuição de harmônicos, o comportamento da onda sonora ao longo do tempo também contribui para a constituição do timbre. É o que iremos ver a seguir. TEMA 4 – ENVELOPE DE DINÂMICO O som, por se realizar ao longo do tempo, tem um início, um período em que ele existe e um fim. Dentro deste roteiro, os ciclos de compressão e rarefação do ar se sucedem, se intensificam e perdem energia. Em música, a alternância entre sons fracos e fortes, é definida como dinâmica. Assim, para cada fase desse comportamento padrão da onda sonora há um nome específico e uma representação gráfica, que resultarão no envelope dinâmico. O Envelope dinâmico nada mais é do que a representação gráfica do Movimento Harmônico Composto ao longo de todo tempo em que determinado som acontece. Dois ciclos de determinado som poderiam ser representados desta maneira: 15 Figura 13 – Dois ciclos de uma onda sonora complexa Fonte: Alysson Siqueira. Agora vamos diminuir o zoom e enxergar mais ciclos ao mesmo tempo: Figura 14 – Diversos ciclos de uma onda sonora complexa Fonte: Alysson Siqueira. Por fim, se seguirmos reduzindo o zoom até colocarmos todos os ciclos do início ao fim de uma onda sonora, obteremos o chamado envelope dinâmico: Figura 15 – Todos os ciclos de uma onda sonora – envelope dinâmico Fonte: Alysson Siqueira. Embora se pareça com uma figura sólida, o envelope de onda é linear. Seu aspecto geral nos fornece informações sobre o comportamento da onda sonora ao longo do tempo, que pode ser dividido em quatro partes, de acordo com a Figura 16. 16 Figura 16 – Partes do envelope dinâmico Fonte: Siqueira, 2020, p. 47. O som inicia com o ataque (attack, em inglês), compreendido entre sua produção e seu pico inicial de intensidade. Em seguida, há um decaimento (decay) natural na amplitude até o ponto em que ela se estabiliza. A região com relativa estabilização da intensidade é chamada de sustentação (sutain). Por fim, a energia se dissipa mais rapidamente até a extinção do som, região chamada de relaxamento (release). Devido a esses nomes, a representação também pode ser chamada de ADSR. Cada instrumento musical produz um envelope dinâmico próprio. O violino, por exemplo, pode produzir um ataque muito mais longo do que um piano. Da mesma forma, a sustentação do instrumento de corda friccionada pode ser muito mais longa e constante que o de corda percutida. Associando os conceitos da série harmônica com os de envelope dinâmico, é possível recriar sons de maneira artificial com relativa fidelidade. Este é o princípio da síntese sonora, que estudaremos adiante. TEMA 5 – SOM MUSICAL VERSUS RUÍDO Em linhas gerais, podemos classificar os sons sem altura definida como ruídos. Houve um tempo em que se falava em sons musicais e não musicais, mas na música que conhecemos, produzimos e fruímos na atualidade, ruídos são muito comuns, bem-vindos e, em alguns casos, até mesmo necessários. Ruído é um som composto por várias frequências distribuídas desordenadamente, de maneira diferente da série harmônica. 17 A seguir, utilizamos um espectro de frequências tridimensional3 para visualizar a diferença de um som com altura definida e um ruído. Figura 17 – Som musical versus ruído marrom Fonte: Captura de tela do software SpectraLayers Pro, Magix, 2018. No gráfico da esquerda da Figura 17, podemos observar frequências específicas em destaque. São os harmônicos de um som com altura definida. Já no gráfico da direita, temos um ruído e nele não observamos frequências proeminentes, ou seja, é “uma mancha em que não distinguimos frequência constante, uma oscilação que nos soa desordenada” (Wisnik, 1989, p.27). No mesmo gráfico, o que observamos é ruído marrom, cuja intensidade decresce gradualmente das frequências mais graves para as mais agudas. Existem ainda, pelo menos, mais dois tipos de ruídos capazes de serem produzidos artificialmente por softwares de áudio: o ruído branco e o ruído rosa. Figura 18 – Ruídos artificiais Fonte: Siqueira, 2020, p. 54. 3 Nesse tipo de gráfico, o eixo vertical representa a frequência e o horizontal representa o tempo. A intensidade é representada por uma escala de cores, sendo o branco igual ao limiar da dor (120 dB) e o preto igual a 0dB. 18 Por apresentar maior intensidade nas regiões baixas, o ruído marrom também é chamado de vermelho. Pelo mesmo motivo, soa mais grave do que o ruído braço e o rosa, além de ser associado ao som do mar, fato que o consagra nas terapias de relaxamentoque utilizam sons. O ruído branco é o som que contempla todas as frequências audíveis e na mesma intensidade. É o ruído que ouvimos quando a TV sai do ar, por exemplo. Uma de suas aplicações musicais é na síntese sonora, como veremos adiante. O ruído rosa é similar ao marrom, mas seus limites de intensidade estão distantes do mínimo audível e do limiar da dor, por esta razão ele é percebido como um ruído mais suave que o marrom. Uma de suas finalidades é calibrar os sistemas de áudio. Além desses ruídos produzidos artificialmente, existem os naturalmente produzidos, que podemos dividir em três grupos: os ruídos contínuos, que pouco variam a intensidade ao longo do tempo; os ruídos flutuantes, cujas variações de intensidade são perceptíveis; e os ruídos impulsivos ou de impacto, com alta intensidade em um curto intervalo de tempo. Nesse grupo temos explosões, raios, objetos se quebrando, passos e toda sorte de impactos, inclusive os produzidos em certos tipos de instrumentos de percussão sem altura definida. NA PRÁTICA Agora que você conhece os conceitos fundamentais da acústica, é necessário que você realize alguns experimentos práticos para começar a dominá-los. Faremos isso utilizando com o auxílio de um software gratuito, o Audacity, em três etapas: • 1a Etapa: baixe e instale o software Audacity em seu computador. O endereço é: <https://www.audacityteam.org/download/>. Acesso em site: 20 set 2023. • 2a Etapa: explore o recurso de criação de ondas senoidais. Acesse o menu Generate (ou gerar) e escolha a opção Tone (ou tom). Abrirá uma janela em que você pode determinar os parâmetros desse tom: frequência, amplitude e duração. Ouça esse som, crie outros e compare. Se quiser explorar mais, é possível inserir outra faixa de áudio que irá soar 19 simultaneamente à primeira. Assim, será possível misturar os sons e perceber os diferentes resultados. • 3a Etapa: crie diferentes tipos de ruído. Acesse o menu Generate (ou gerar) e escolha a opção Noise (ou ruído). Você poderá criar os três tipos de ruído que estudamos até aqui. Sinta-se à vontade para ir mais adiante nessa exploração. Compartilhe suas observações e conclusões. FINALIZANDO Considerando que durante a Educação Básica o conteúdo sobre ondas sonoras é previsto dentro da disciplina de Física, o início do estudo de acústica na graduação deveria parecer uma revisão daquilo que um dia já aprendemos, além de uma ligação entre aqueles conhecimentos teóricos e a nossa prática musical. Porém, por diversas razões, muitos de nós podemos ter a sensação de ter recebido o primeiro contado com estes conceitos acústicos. Não se preocupe. É comum esquecermos daquilo que não usamos. Porém, esses conceitos agora são trazidos agora a você na perspectiva de que sejam utilizados na prática, que no seu trabalho relacionado a música, o conhecimento profundo da matéria-prima que usamos faça toda diferença. 20 REFERÊNCIAS BLACKING, J. How Musical is Man? 5 ed. Seattle: University of Washingon Press, 1973. HALLIDAY, D.; RESNICK, R.; WALKER, J. Fundamentos de física: gravitação, ondas e termodinâmica. Tradução de Ronaldo Sérgio de Biasi. Rio de Janeiro: LTC, 2013. v. 2. SHAFER, M. O Ouvido Pensante. Trad. Marisa Trench de O. Fonterrada (e outros). São Paulo, SP: Unesp, 1990. SIQUEIRA, A. Acústica. 1. ed. Curitiba: InterSaberes, 2020. WISNIK, J. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.