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W BA 00 42 _V 3. 0 CONCEITOS PSICOPEDAGÓGICOS 2 Juliana Zantut Nutti São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2022 CONCEITOS PSICOPEDAGÓGICOS 1ª edição 3 2022 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Ana Carolina Gulelmo Staut Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Nancy Capretz Batista da Silva Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _____________________________________________________________________________ Nutti, Juliana Zantut Conceitos psicopedagógicos / Juliana Zantut Nutti. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2022. S.A., 2022. 32 p. ISBN 978-65-5356-301-8 1. Ética. 2. Intervenção. 3. Construção. I. Título. 3. Técnicas de speaking, listening e writing. I. Título. CDD 370 _____________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB: 010289/O N985c © 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. https://www.platosedu.com.br/ 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina __________________________________ 05 A construção da Psicopedagogia no mundo e no Brasil ______ 07 ABPp: regulamentação da profissão e ética profissional _____ 17 O objeto de estudo da Psicopedagogia: a aprendizagem e suas dificuldades _____________________________________________ 27 Intervenção psicopedagógica e interface com as Neurociências _____________________________________________ 38 CONCEITOS PSICOPEDAGÓGICOS 5 Apresentação da disciplina Seja bem-vindo à disciplina Conceitos psicopedagógicos! Durante nossas aulas, abordaremos temas de interesse para a formação na área de Psicopedagogia, como a contextualização histórica do campo de conhecimento psicopedagógico, a definição do papel profissional do psicopedagogo, seu objeto de estudo, os princípios do código de ética e a definição de sujeito e de campos de atuação. Analisaremos a práxis psicopedagógica diante do fenômeno do fracasso escolar e as interfaces com as neurociências. A disciplina pretende que você desenvolva as seguintes competências e habilidades: • Compreender a constituição histórica da psicopedagogia. • Refletir sobre a ética da profissão para atuar de acordo com seus princípios. • Compreender o papel da intervenção psicopedagógica no fracasso escolar e em outras esferas. Para isso, está dividida em quatro Temas: • O Tema 1 analisará a construção da psicopedagogia no mundo e no Brasil, desde seu surgimento aos dias atuais. • O Tema 2 é dedicado ao estudo das ações da Associação Brasileira de Psicopedagogia na regulamentação da profissão e na ética profissional. 6 • O Tema 3 é voltado para a compreensão do objeto de estudo da Psicopedagogia, que é a aprendizagem e suas dificuldades. • O Tema 4 tem como foco as possibilidades de intervenção psicopedagógica e a interface da Psicopedagogia com as Neurociências. Bons estudos! 7 A construção da Psicopedagogia no mundo e no Brasil Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Apresentar o histórico do desenvolvimento da Psicopedagogia, desde o seu surgimento na França até a sua introdução no Brasil. • Analisar as contribuições dos psicopedagogos argentinos para o desenvolvimento da Psicopedagogia no Brasil. • Identificar as duas áreas de atuação em Psicopedagogia: Clínica e Institucional. 8 1. Breve histórico do surgimento da Psicopedagogia no Brasil A Psicopedagogia apresenta antecedentes históricos que levaram ao desenvolvimento dessa área de pesquisa e atuação profissional. Seu objetivo é atender aos indivíduos com dificuldades para aprender e compreender o processo de aprendizagem humana. Entre o final do século XVIII e início do século XIX, na Europa, verificaram- se comprometimentos na área escolar relacionados a causas orgânicas, e, diante disso, buscou-se identificar no físico as causas determinantes das dificuldades do aprendiz. Essa linha diagnóstica faz parte do histórico de desenvolvimento da Educação Especial e da Psicopedagogia (MASINI et al., 1993). O surgimento da Psicopedagogia se deu de forma gradual, desde o início do século XX, quando os problemas de aprendizagem eram tratados na perspectiva médica e relacionados a problemas orgânicos. Nesse contexto inicial, ela apresentava um caráter orgânico, com a crença de que a dificuldade de aprendizagem estaria mais relacionada a causas orgânicas do que psicológicas e pedagógicas, concepção que perdura por muitos anos (e até mesmo atualmente) sobre o fracasso escolar. Segundo Masini et al. (1993) e Bossa (2000), o 1º Centro Psicopedagógico foi criado em 1946 por J. Boutonier e George Mauco, na cidade de Paris, França. O objetivo desse centro era o desenvolvimento de uma atuação interdisciplinar envolvendo a Psicologia, a Psicanálise e a Pedagogia, direcionada ao atendimento de crianças com dificuldades escolares e/ou de comportamentos, assim como de crianças acometidas com doenças crônicas, como diabetes e tuberculose, com problemas sensoriais (surdez e cegueira) e motores, em prol da melhora do estado de saúde. 9 Essa interrelação entre os conhecimentos advindos da Psicologia, da Psicanálise e da Pedagogia buscava o conhecimento da criança e do seu ambiente para o planejamento e a aplicação de ações reeducadoras e para diferenciar os indivíduos que aprendiam daqueles que apresentavam deficiência intelectual, física ou sensorial. Naquele período, a concepção de alguns profissionais era de que pessoas com deficiências não eram capazes de aprender. Assim, podemos afirmar que a Psicopedagogia inicia a sua trajetória com um caráter médico- pedagógico. A Psicopedagogia francesa influenciou significativamente o desenvolvimento da Psicopedagogia na Argentina, onde, de acordo com Bossa (2000), surgiu no período entre 1950 e 1960 em Buenos Aires, primeira cidade a oferecer um curso de graduação na área. Na década de 1970, surgiram Centros de Saúde Mental, em Buenos Aires, compostos por psicopedagogos que realizavam diagnósticos e atividades de intervenção psicopedagógicas. Eles identificaram que, posteriormente ao tratamento, as pessoas atendidas haviam resolvido os problemas de aprendizagem, mas passaram a desenvolver distúrbios de personalidade. Isso os levou a incluir o olhar e a escuta da clínica psicanalítica, o que configura o perfil do psicopedagogo argentino (BOSSA, 2000). Assim, a atuação do psicopedagogo na Argentina tem caráter diferenciado da praticada no Brasil, pois alguns testes e intervenções não são permitidos aos psicopedagogos brasileiros por serem de uso exclusivo dos profissionais de Psicologia. Na Argentina, portanto, os instrumentos empregados são mais variados, recorrendo o psicopedagogo argentino, em geral, a provas de inteligência, provas de nível de pensamento; avaliação do nível pedagógico; avaliação perceptomotora; testes projetivos; testes psicomotores; hora do jogo psicopedagógico (BOSSA, 2000, p. 42). 10 A criação do primeiro curso de graduação em Psicopedagogia ocorreu na década de 1960, na Universidade de Buenos Aires. Entretanto,a atuação prática na área se iniciou anteriormente à criação desse curso e teve o objetivo de atender às crianças com problemas para aprender. A Psicopedagogia chegou ao Brasil na década de 1970, período em que as dificuldades de aprendizagem ainda eram relacionadas à existência da chamada Disfunção Cerebral Mínima (DCM). Aqui ela foi fundamentada no paradigma médico e na concepção de que os problemas de aprendizagem eram de natureza orgânica. A partir de 1970, surgiram os cursos de formação de especialistas em Psicopedagogia na Clínica Médico-Pedagógica de Porto Alegre, com duração de dois anos (BOSSA, 2000). Assim como na França, no Brasil os problemas de aprendizagem foram estudados e tratados por médicos, tanto que ainda hoje podemos perceber que a primeira atitude dos familiares nesses casos é buscar avaliação médica. Dessa forma, na prática do psicopedagogo, é costumeiro receber crianças já examinadas e encaminhadas por médicos e/ou pela escola ou família, devido às dificuldades e/ou ao baixo rendimento escolar (BOSSA, 2000). No início, a Psicopedagogia foi uma área subsidiada pelas concepções da Medicina e da Psicologia e, posteriormente, partiu em busca de uma identidade e de um conhecimento próprios, com a definição de um objeto de estudo específico e a utilização de recursos diagnósticos, de reabilitação e prevenção de sua competência (BOSSA, 2000). A partir dessa busca de um desenvolvimento independente e complementar, a Psicopedagogia brasileira recebeu as contribuições de psicopedagogos argentinos, como Jorge Visca, Sara Pain, Alicia Fernández, entre outros. A maior contribuição da chamada “linha argentina” é a ideia de que existem conflitos inconscientes que são projetados no relacionamento do sujeito/criança com o professor e na sua relação com o https://www.psicopedagogiabrasil.com.br/em-branco-cmlo 11 conhecimento, afetando o desejo de aprender. Segundo Visca (1987, p. 33): A psicopedagogia nasceu como uma ocupação empírica pela necessidade de atender as crianças com dificuldade de aprendizagem, cujas causas eram estudadas pela medicina e psicologia. Com o decorrer do tempo, o que inicialmente foi uma ação subsidiária destas disciplinas, perfilou-se como um conhecimento independente e complementar, possuidor de um objeto de estudo (o processo de aprendizagem) e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios. Jorge Visca foi o responsável pela implantação de Centros de Psicopedagogia em capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Curitiba, e anda ministrou aulas e cursos e estimulou a criação de outros cursos de Psicopedagogia. Assim, em 1979, em São Paulo, no Instituto Sedes Sapientiae, foi criado o primeiro curso regular de pós-graduação em Psicopedagogia. A partir da década de 1980, passaram a ser oferecidos cursos de especialização Lato Sensu em Psicopedagogia, a princípio em São Paulo e depois em outras instituições do Brasil. Devemos destacar que as pesquisas do Prof. Dr. Lino de Macedo da USP de São Paulo também contribuíram e ainda contribuem muito para o desenvolvimento da Psicopedagogia no Brasil (BOSSA, 2000). Os autores nacionais mais tradicionais da área são Edith Rubinstein, Laura Monte Serrat, Nádia Bossa, Beatriz Scoz, Neide Noffs, entre outros. De acordo com Bossa (2000), a Psicopedagogia no Brasil apresenta um campo vasto de atuação, mas caberá ao profissional construir seu conhecimento fundamentado em experiências e formações teórico-práticas, já que o compromisso e o discernimento são um diferencial para a construção da profissão. O psicopedagogo deve ser um profissional especializado em aprendizagem humana, com conhecimentos técnicos e científicos capazes de intervir e/ ou potencializar o processo de ensino-aprendizagem e intervir nas 12 dificuldades de aprendizagem, a partir de instrumentos específicos que tragam sucesso a suas ações. Atualmente, a Psicopedagogia passa de uma perspectiva puramente clínica e individual para uma compreensão mais integradora do processo de aprendizagem e para uma atuação mais preventiva. De modo geral, podemos dizer: Figura 1 – Psicopedagogia Fonte: elaborada pela autora. 2. A Psicopedagogia Clínica Como vimos, a Psicopedagogia é uma área de atuação e conhecimento que surgiu da necessidade de se oferecer atendimento às crianças com dificuldades de aprendizagem. Constatou-se que algumas dessas crianças eram consideradas inaptas no sistema formal de educação, o que era apontado como um dos motivos para o fracasso e a evasão escolares (BOSSA, 2000). 13 De acordo com Bossa (2000), a forma de abordar o objeto de estudo da Psicopedagogia pode assumir características específicas, dependendo da modalidade aplicada: clínica, preventiva ou teórica. A atuação na área clínica se dá na relação entre um sujeito com sua história pessoal e modalidade de aprendizagem e outro sujeito cujo sintoma é o não aprender. Dessa forma, deve-se conhecer a constituição do sujeito, como ele se transforma nas várias etapas de sua vida, os recursos de conhecimento de que dispõe e a forma como produz conhecimento e aprende. O objetivo da atuação clínica é, em primeiro lugar, possibilitar a retomada da capacidade de aprender e de se desenvolver cognitivamente, o que pode ser feito em consultórios, clínicas e ambulatórios de saúde. Ao se delimitar o campo de atuação do psicopedagogo, é necessário especificar as suas atividades. Para Bossa (2000), o psicopedagogo clínico tem por objetivo compreender o sujeito de forma global, de modo a entender todos os aspectos que interferem em sua vida, como sociais, cognitivos, emocionais e pedagógicos. A partir dessa compreensão, o profissional deve buscar formas de intervenção para melhorar o processo de aprendizagem, recuperar a autoestima, orientar e solucionar problemas e dificuldades. Desse modo, a área clínica desempenha o papel de investigar e realizar as intervenções adequadas para solucionar as dificuldades de aprendizagem. Vale salientar que o caminho é percorrido conjuntamente com o aprendente, ou seja, o profissional não escolhe o caminho por ele, e sim oferece caminhos possíveis para sanar as questões identificadas (BOSSA, 2000). O psicopedagogo é se destaca em sua função por estudar a gênese da aprendizagem, isto é, como o sujeito aprende, de forma a auxiliar nos problemas de aprendizagem, diferentemente do pedagogo, que tem a função de transmitir o conhecimento relacionado a um conteúdo escolar 14 específico, auxiliando no raciocínio, na criatividade etc. Vale salientar que um bom profissional clínico deve desenvolver habilidades essenciais para o bom desempenho de suas funções, como ter paciência, tolerância à frustração, capacidade para ouvir, capacidade para não julgar, respeito pelo sujeito que sofre, sensibilidade, vasto conhecimento teórico, além de tornar-se isento a preconceitos. Sua práxis exige a aplicação de entrevistas, anamnese, técnicas diagnósticas, contato com a escola, entrevistas devolutivas, encaminhamentos e intervenção psicopedagógica. 3. A Psicopedagogia Institucional Para Bossa (2000), a Psicopedagogia tem como objetivo principal a atuação na reabilitação da capacidade de aprendizagem, o que ultrapassa os limites da Psicologia e da Pedagogia. Assim, o Psicopedagogo deve se ocupar de compreender como o sujeito aprende, como ocorrem as variações da aprendizagem, como se produzem as alterações na aprendizagem e como identificá-las, tratá-las e preveni-las. As instituições, geralmente as escolares, são o objeto de estudo da Psicopedagogia Institucional. Avaliam-se os processos didático- metodológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de ensino e aprendizagem. Além das escolas, o psicopedagogo institucional pode atuar em empresas, hospitais, creches, abrigos de idosos, orfanatos, ONGs, sindicatos, comércios, ou seja, em instituições onde haja ensino e aprendizagem formal ou informal. Segundo Porto (2011),o trabalho do Psicopedagogo na instituição escolar apresenta duas naturezas. A primeira refere-se a uma Psicopedagogia voltada para um grupo de alunos que apresentam dificuldades na escola, e, desse modo, seu objetivo é reintegrar e readaptar o aluno à situação de sala de aula, de modo a respeitar seu processo de aprendizagem, de acordo com suas necessidades e seu ritmo. A meta é desenvolver as 15 funções cognitivas integradas ao afetivo, desbloqueando e canalizando o aluno com o objetivo de contribuir para uma maior aproximação dessa realidade que se faz presente, mas que aponta o fracasso escolar. Já a segunda natureza do trabalho se caracteriza pela detecção do sintoma escolar, definido como um entrave que sinaliza que a escola vai mal, a família sofre e a criança adoece, o que leva ao fracasso escolar. Entretanto, a detecção do sintoma escolar deve levar em conta as seguintes perspectivas: análise do sintoma de acordo com sua determinação cultural e análise do sintoma no contexto da singularidade individual, tendo por base a estrutura da personalidade (PORTO, 2011). A Psicopedagogia Institucional tem um papel relevante no contexto escolar, pois, assim como o Psicopedagogia Clínica, atua como um mediador entre o sujeito e sua história traumática, nas questões que propiciaram sua dificuldade de aprendizagem, de modo a intervir na vivência educacional do sujeito, propiciando formação e capacitação intelectual. O objetivo do trabalho do psicopedagogo institucional é ajudar a construir e manter uma dinâmica integradora na escola, voltada à criticidade e que busque envolver os sujeitos que dela fazem parte. Para isso, pode atuar nas questões didáticas com os docentes, na relação família-escola e no planejamento de estratégias que visem à superação das dificuldades encontradas, avaliando e assegurando a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, a revisão do currículo, a inserção de projetos pedagógicos, entre outros. A intervenção psicopedagógica requer a adaptação e a organização de programas específicos, a avaliação dos alunos quanto ao processo de desenvolvimento e aquisição da aprendizagem, a análise das estratégias didáticas e das competências profissionais docentes, da família e de suas atitudes perante a educação dos filhos e como o contexto escolar direciona o processo educativo. Realiza as adaptações curriculares necessárias, revendo objetivos, conteúdos, metodologias e instrumentos 16 de avaliação, além de propor programas e projetos que visem superar as dificuldades enfrentadas pela escola. O psicopedagogo institucional trabalha de acordo com algumas especificidades: • Amenizar as dificuldades de aprendizagem, analisando as práticas didático-metodológicas e orientando professores e pais. • Realizar diagnósticos na instituição a fim de encontrar um déficit escolar como causa para as dificuldades de aprendizagem. • Tratar as dificuldades encontradas elaborando, por exemplo, oficinas e projetos específicos. Ademais, a atuação do psicopedagogo na instituição escolar se dá: • Na formação e no acompanhamento de professores. • Na identificação de sintomas de dificuldades no processo de ensino- aprendizagem. • Na organização de projetos coletivos de prevenção. • Na mediação entre os subgrupos envolvidos na relação de ensino- aprendizagem: pais, professores, alunos e funcionários. Referências BOSSA, N, A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. MASINI, E. F. S. et al. (org.). Psicopedagogia na Escola: buscando condições para a aprendizagem significativa. São Paulo: Unimarco, 1993. PORTO, O. Psicopedagogia Hospitalar. Rio de Janeiro: Wak, 2011. VISCA, J. Clínica Psicopedagógica – Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 17 ABPp: regulamentação da profissão e ética profissional Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Analisar o papel da Associação Brasileira de Psicopedagogia no fortalecimento da formação e da atuação de psicopedagogos. • Apresentar as diretrizes da formação de psicopedagogos no Brasil. • Discutir o processo de regulamentação da atividade profissional em Psicopedagogia. 18 1. A ABPp e suas contribuições para o desenvolvimento da Psicopedagogia Neste Tema, iremos analisar a trajetória da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), suas contribuições para o desenvolvimento da Psicopedagogia como área de conhecimento, atuação e pesquisa no Brasil, e os esforços realizados para a regulamentação da profissão de psicopedagogo e o estabelecimento dos fundamentos éticos para o trabalho desses especialistas, tanto no contexto da clínica como nas instituições. A Associação Brasileira de Psicopedagogia foi criada em 12 de novembro de 1980. Tem caráter de direito privado, sem fins lucrativos, e trabalha para o fortalecimento da atuação e a busca dos direitos dos psicopedagogos brasileiros. Ela foi criada para atingir os seguintes objetivos: Figura 1 – Objetivos da ABPp Fonte: adaptada de ABPp (2020a). 19 A fim alcançar essas metas, a ABPp tem como foco a regulamentação do exercício da atividade de Psicopedagogia por meio de Projetos de Lei, processo iniciado em 1997 (ABPP, 2020a). Além disso, preocupa-se com os aspectos relativos à formação de psicopedagogos, mediante o oferecimento de sugestões e diretrizes para orientar as instituições formadoras (ABPP, 2020a). Ademais, promove formações de atualização, virtual ou presencialmente, para oferecer aos associados e/ou ao público em geral capacitações técnico-científicas de formação continuada. 2. A Regulamentação do Exercício da Atividade em Psicopedagogia A formação do psicopedagogo no Brasil ocorre desde a década de 1970, em instituições de nível superior, em todo o território nacional. A formação atende à Resolução n. 1, de 6 de abril de 2018, do MEC, que estabelece as diretrizes e as normas para as ofertas dos cursos de pós- graduação lato sensu, como os cursos de especialização, no sistema federal de educação superior. A previsão da matriz curricular traz a carga horária mínima de formação de 360 horas, mas os estudos da Comissão de Formação e Regulamentação do Conselho Nacional da ABPp indicam que a maioria dos cursos é ministrada a partir de 600 horas ou mais, conforme as Diretrizes de Formação de Psicopedagogos no Brasil (ABPP, 2013). A expansão da formação e da atuação prevê o funcionamento de cursos de graduação e de pós-graduação em Psicopedagogia, assim como estabelece o Projeto de Lei n. 31/10, o qual regulamenta a atividade de Psicopedagogia para os diplomados em: (...) Psicologia, Pedagogia, Fonoaudiologia e/ou cursos de licenciatura que concluíram o curso de especialização em Psicopedagogia, com a carga horaria mínima de 600 horas e carga horaria de 80% na especialidade (BRASIL, 2010, p. 1). 20 O Projeto assegura ainda: (...) os portadores de diploma de curso superior que já venham exercendo ou tenham exercido, comprovadamente, atividades profissionais de Psicopedagogia em entidade pública ou privada, até a data de publicação desta Lei (BRASIL, 2010, p. 1). Em seu art. 3º, o Projeto de Lei assegura aos atuais ocupantes de cargos ou funções em Psicopedagogia em órgãos ou instituições públicas o direito de manterem o exercício das atividades, desde que devidamente credenciados pelos órgãos competentes (BRASIL, 2010). Os cursos de formação devem ser compostos por profissionais que conheçam o os processos de ensino-aprendizagem e capacitar a intervenção dos psicopedagogos na área clínica e/ou institucional (escola, hospital ou empresas), assim como o desenvolvimento de pesquisas. Sabemos que a Psicopedagogia tem como objeto de estudo os processos de ensino-aprendizagem que levem à formação e à atuação profissional. Há forte caráter interdisciplinar que se dá através da articulação entre áreas de conhecimentos, como Pedagogia, Psicologia, Fonoaudiologiae Medicina. Assim, a partir da integração das esferas acadêmica e legal, deve-se possibilitar a regulamentação do exercício da atividade em Psicopedagogia, formalizando-se o que já se encontra legitimado no contexto social. 3. A formação de psicopedagogos no Brasil A formação em Psicopedagogia tem sido realizada, há mais de três décadas, no nível da pós-graduação lato sensu. Apenas em 2006 o Ministério da Educação reconheceu os primeiros cursos de graduação em Psicopedagogia (SANTOS et al., 2012). 21 Em 2003, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/ RS) iniciou o curso de graduação em Psicopedagogia (bacharelado), reconhecido pelo Ministério da Educação em 2007 e extinto em 2009. Nesse mesmo ano, a Universidade Feevale, na cidade de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, também colocou em funcionamento o curso de graduação em Psicopedagogia (bacharelado), posteriormente reconhecido pelo Ministério da Educação, com extinção em 2011. Em 2005, o Centro Universitário Lasalle, na cidade de Canoas, Rio Grande do Sul, iniciou o curso de graduação em Psicopedagogia (bacharelado), atualmente reconhecido pelo Ministério da Educação. Em São Paulo, o Centro Universitário FIEO (UniFIEO) iniciou o curso de graduação em Psicopedagogia (bacharelado) em 2006, tendo obtido reconhecimento em 2008. Finalmente, em 2010, a Universidade Federal da Paraíba implantou o curso de graduação em Psicopedagogia (bacharelado) e aguarda reconhecimento legal. Outro país a apresentar tradição em Psicopedagogia é a Argentina. Ao final de 1940, a Psicopedagogia inaugurou-se como uma disciplina na recém-criada Facultad de Psicologia de la Universidad del Salvador, Buenos Aires. Nesse país, em 1956, a Psicopedagogia constitui-se como um curso de graduação de três anos para formar docentes capazes de atuar na psicologia aplicada à educação, dedicada explicitamente ao aperfeiçoamento docente e ao âmbito educativo, na confluência da Psicologia e da Pedagogia. Essa atuação abarcava aspectos preventivos, assessoramento e orientação nas aprendizagens sistemáticas/ assistemáticas e terapêuticas, diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem (SANTOS et al., 2012). Na Espanha, em 1992, foi criado o curso de Licenciatura em Psicopedagogia, como parte integrante de Faculdades de Educação, que agrupa a formação de professores. No país, essa é uma titulação universitária de segundo ciclo, isto é, inicialmente o aluno cursa, em dois anos, as disciplinas comuns aos cursos de formação de professores e, posteriormente, outros dois anos da formação específica do 22 psicopedagogo. Assim, tem como finalidade a formação de profissionais com dois perfis: o orientador escolar, que realiza seu trabalho no contexto educativo-institucional, e o orientador educativo, que atua em contextos sociocomunitários (SANTOS et al., 2012). A Psicopedagogia é a área de conhecimento, atuação e pesquisa que estuda o processo de aprendizagem humana, visando ao apoio aos indivíduos e aos grupos envolvidos nesse processo na perspectiva da diversidade e da inclusão (ABPP, 2013). A (ABPp), como órgão representativo dos psicopedagogos, entende que o curso de Psicopedagogia deve formar profissionais para garantir a aprendizagem como um direito de todos os cidadãos (ABPP, 2013). Ela afirma que o psicopedagogo é o profissional habilitado para atuar com os processos de aprendizagem junto com os indivíduos, os grupos, as instituições e as comunidades. Desde 2002, pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Psicopedagogia foi inserida na Família Ocupacional 2394-25 dos Programadores, Avaliadores e Orientadores de Ensino. De acordo com a ABPp (2013), o psicopedagogo é o profissional que deve assegurar: a. A produção e a divulgação do conhecimento científico e tecnológico relacionado com a aprendizagem humana. b. Os compromissos éticos e políticos com a educação de qualidade para todos. c. A articulação com os demais profissionais da educação e da saúde para a construção de uma sociedade justa, respeitando a equidade e a diversidade, onde todos tenham o direito ao aprender. 3.1 Princípios norteadores da formação do psicopedagogo 23 Segundo a ABPp (2013), a formação do psicopedagogo deve orientar-se pelos seguintes princípios: Figura 2 – Princípios da formação de psicopedagogos Fonte: adaptada de ABPp (2013). A formação em Psicopedagogia deverá propiciar o desenvolvimento de habilidades e competências compatíveis com as demandas sociais, contemporâneas e/ou potenciais (ABPp, 2013). A atuação profissional requer uma formação específica que garanta a aquisição qualificada de conhecimentos específicos da área, permitindo a construção de habilidades e competências, sendo elas: a. Planejar, intervir e avaliar o processo de aprendizagem, nos variados contextos, mediante a utilização de instrumentos e técnicas próprios da Psicopedagogia. b. Utilizar métodos, técnicas e instrumentos que tenham por finalidade a pesquisa e a produção de conhecimento na área. 24 c. Participar na formulação e na implantação de políticas públicas e privadas em educação e saúde relacionadas à aprendizagem e à inclusão social. d. Articular a ação psicopedagógica com profissionais de áreas afins para atuar em diferentes ambientes de aprendizagem. e. Realizar consultoria e assessoria psicopedagógicas. f. Exercer orientação, coordenação, docência e supervisão em cursos de Psicopedagogia. g. Atuar na coordenação e na gestão de serviços de Psicopedagogia em estabelecimentos públicos e privados. Ainda, de acordo com a ABPp (2013), a formação do psicopedagogo ocorre em níveis de graduação e de pós-graduação lato sensu (especialização) e stricto sensu (mestrado profissional). A formação na Pós-graduação Lato Sensu (especialização) pauta-se nas exigências da Resolução CNE/CES n. 1, de 8 de junho de 2007, acrescidas das recomendações que emanam da especificidade da formação do psicopedagogo. As disciplinas que fundamentam essa formação (introdutórias, específicas, eletivas e de orientação) devem estar articuladas por meio da pesquisa e da atuação supervisionada, culminando na apresentação de uma monografia, um trabalho de conclusão de curso (opcional) ou um artigo científico. A formação em nível de graduação baseia-se na Resolução CNE/CP n. 28/2001, com acréscimo das recomendações que caracterizam a especificidade da formação do psicopedagogo. As disciplinas que fundamentam essa formação (introdutórias, específicas, eletivas e de orientação) devem estar articuladas por meio da pesquisa e da atuação supervisionada, culminando na apresentação de uma monografia ou um artigo científico. Os cursos de graduação ainda não são recomendados pela ABPp, pois a profissão de psicopedagogo não foi regulamentada e isso prejudica o reconhecimento do diploma de graduação. 25 Por sua vez, a formação na Pós-graduação Stricto Sensu (Mestrado Profissional) deve respeitar a Portaria Normativa n. 7, de 22 de junho de 2009 (CAPES). A formação do psicopedagogo na modalidade EaD é validada desde que se cumpram as exigências de carga horária e que se contemplem os conteúdos específicos da área de Psicopedagogia. Segundo o Decreto n. 9.057, de 25 de maio de 2017, que regulamenta o artigo 80 da LDB n. 9.394/96 em suas disposições gerais: Art. 1º. Caracteriza-se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. §1º. A educação a distância organiza-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares para as quais deve estar prevista a obrigatoriedade de momentos presenciais. A formação do psicopedagogo na modalidade EAD semipresencial é possível, desde que preservados os princípios desta formação.(BRASIL, 2017, p. 2) As instituições que se sentirem preparadas para se credenciar nessa modalidade deverão atender às exigências do Decreto n. 3.860/2001. Recomendamos o contato com a relatoria da Comissão Assessora para Educação Superior à Distância estabelecida na Portaria MEC n. 335, de 6 de fevereiro de 2002, e no Decreto n. 6.303, de 12 de dezembro de 2007. Com base em uma compreensão sustentada na ética e no rigor científico que essa área de atuação exige, há critérios primordiais para que se efetive uma atuação qualificada, tendo como referência a formação inicial. Recomenda-se que a organização dos cursos contemple a atuação supervisionada, que é uma atividade http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%209.057-2017?OpenDocument 26 intrinsecamente articulada com a prática e com as atividades de trabalho acadêmico. Nesse sentido, deve ser previsto um tempo suficiente para a realização das atividades de planejamento, avaliação e intervenção nos diferentes espaços de atuação do psicopedagogo. Assim, a atuação supervisionada deverá contar com o acompanhamento de um professor supervisor, com experiência comprovada na área da Psicopedagogia, responsável direto pelas atividades. A elaboração de registros próprios, de prontuários e de relatórios deve ser orientada por princípios éticos, fazendo parte da rotina do aluno. Referências ABPP. Associação Brasileira de Psicopedagogia. Diretrizes da Formação de Psicopedagogos no Brasil. ABPp, 2013. Disponível em: https://www.abppbrasilia. com/sobre-1-c5vg. Acesso em: 17 maio 2022. ABPP. Associação Brasileira de Psicopedagogia. Quem somos?. ABPp, 2020a. Disponível em: https://www.abpp.com.br/quem-somos/. Acesso em: 17 maio 2022. ABPP. Associação Brasileira de Psicopedagogia. Regulamentação. ABPp, 2020b. Disponível em: https://www.abpp.com.br/regulamentacao/. Acesso em: 17 maio 2022. BRASIL. Decreto n. 9.057, de 25 de maio de 2017. Regulamenta o artigo 80 da LDB 9.394/96. Brasília: Presidência da República, 2017. BRASIL. Projeto de Lei da Câmara n. 31, de 2010. Dispõe sobre a regulamentação da atividade de Psicopedagogia. Brasília: Senado Federal, 2010. SANTOS, J. N. et al. Estudo comparativo sobre a formação em psicopedagogia em três países: Argentina, Brasil e Espanha. Revista de Psicopedagogia, São Paulo, v. 29, n. 90, p. 313-319, 2012. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%209.057-2017?OpenDocument 27 O objeto de estudo da Psicopedagogia: a aprendizagem e suas dificuldades Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Apresentar o objeto de estudo da Psicopedagogia como área de conhecimento e atuação: a aprendizagem e suas dificuldades. • Analisar as teorias que fundamentam os estudos da Psicopedagogia sobre a aprendizagem humana e suas dificuldades. • Discutir as definições de conceitos relativos às alterações no processo de aprendizagem 28 1. Objeto de estudo da Psicopedagogia Neste Tema, estudaremos sobre o objeto de estudo da Psicopedagogia, que é a aprendizagem humana, e as dificuldades que surgem nesse processo. À primeira vista, a Psicopedagogia parece ser apenas uma área de conhecimento que une conteúdos da Psicologia com os da Pedagogia, ideia que advém da própria palavra, que é composta pela palavra grega psyké + o + pedagogia, significando literalmente “aplicação de conhecimento da psicologia às práticas educativas”. Assim, o nome Psicopedagogia nos leva a pensar que essa área é meramente uma junção da Psicologia com a Pedagogia, mas, quando a conhecemos melhor, percebemos que há um objeto próprio de estudo e um forte caráter interdisciplinar, agregando conhecimentos de várias outras disciplinas, como Psicanálise, Neurologia, Neuropsicologia, Linguística, Educação Especial, Sociologia da Educação, entre outras (BOSSA, 2000). É considerada uma área de estudo que se preocupa em compreender a maneira como o indivíduo constrói conhecimento, investigando o processo de aprendizagem humana. De forma sucinta, podemos dizer que tem como principal foco de estudo a aprendizagem humana, entendida como o processo que leva necessariamente a uma mudança de comportamentos obtida por meio da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais (BOSSA, 2000). A Psicopedagogia é, então, uma área de conhecimento e atuação voltada para os estudos sobre o processo de aprendizagem, investigando as causas das dificuldades que alguns indivíduos apresentam para aprender, os padrões evolutivos regulares e atípicos relacionados ao processo de aprendizagem, e como se dá a influência da família, da escola e da sociedade nesse processo. Ela nasceu da necessidade 29 de haver uma melhor compreensão da gênese e do processo de aprendizagem e do sujeito do conhecimento. Seu objeto de estudo deve ser entendido a partir dos enfoques preventivo e terapêutico. O enfoque preventivo da Psicopedagogia tem como objeto os processos de desenvolvimento e as alterações desses processos; não se restringe apenas à escola, mas inclui a família e a comunidade; e tem como objetivo esclarecer para pais, professores e gestores as diferentes etapas do desenvolvimento humano, o processo de aprendizagem e suas dificuldades. Já o enfoque terapêutico ou remediativo considera como objeto de estudo a identificação, a análise, o diagnóstico e o tratamento de dificuldades, de forma individualizada. As áreas de atuação e formação são a Psicopedagogia Clínica (enfoque terapêutico), que pode ser realizada em consultórios e clínicas multidisciplinares particulares, e a Psicopedagogia Institucional (enfoque preventivo), que pode ser realizada em escolas, hospitais, empresas e ONGs (BOSSA, 2000). O símbolo da Psicopedagogia no Brasil é a “Fita de Möbius”, a qual, segundo a ABPp, busca representar o olhar do psicopedagogo sobre a aprendizagem do indivíduo: o círculo central representa o indivíduo em processo para a aquisição de conhecimento, que chega ao final do processo com as mudanças perceptíveis (o círculo vermelho). Ele caracteriza a área de atuação, representando o psicopedagogo e a sua relação com o objeto de conhecimento, a aprendizagem (ABPP, 2020). 30 Figura 1 – Fita de Möbius: símbolo da Psicopedagogia Fonte: https://abppparananorte.com.br/noticia/SIMBOLO-DA-PSICOPEDAGOGIA/27. Acesso em: 23 ago. 2022. 2. A aprendizagem no âmbito da Psicopedagogia A Psicopedagogia é uma área relativamente nova no Brasil e seu objeto de estudo é a aprendizagem humana em seus padrões de evolução normais e atípicos. Seu foco específico é, portanto, a aprendizagem, o que é esperado no desenvolvimento normal e as dificuldades que podem ocorrer nesse processo, caso a construção de conhecimento não ocorra nos padrões evolutivos esperados (SILVA, 2013). Em poucas palavras, podemos dizer que aprender é o resultado da interação entre estruturas mentais do indivíduo e o meio ambiente e implica sempre uma mudança de comportamentos, atitudes, valores e crenças. A aprendizagem que a Psicopedagogia estuda é concebida como um processo contínuo de construção do conhecimento, presente desde o nascimento até a morte do indivíduo, contando com a influência da família, da escola e da sociedade em seu desenvolvimento do conhecimento. 31 Os estudos produzidos pelas pesquisas em Psicopedagogia contribuem para que professores, pais e outros profissionais entendam melhor como o indivíduo constrói o conhecimento, a fim de ajudar na prevenção e na reabilitação dos problemas e das dificuldades para aprender (SILVA, 2013). Nesse sentido, como a Psicopedagogia entende o desenvolvimento da aprendizagem e seus padrões evolutivos? Quais ideias fundamentam o estudo da aprendizagem humana e a elaboração das práticas do psicopedagogo? A Psicopedagogia se apoia em três pilares teóricos: a Epistemologia Genética de Jean Piaget; a Psicanálise de Freud; e a EpistemologiaConvergente de Jorge Visca. A Epistemologia Genética foi criada por Jean Piaget, que nasceu em Neuchâtel, na Suíça, em 9 de agosto de 1896. Ele estudou a evolução do pensamento do nascimento até a adolescência, procurando entender os processos mentais que o indivíduo utiliza para compreender a realidade. Investigou o processo de construção do conhecimento, tendo centrado nos últimos anos de sua vida seus estudos no pensamento lógico- matemático. Piaget estudou a relação entre o sujeito (aquele que aprende) e o objeto do conhecimento (o que está sendo aprendido), que se encontra no meio físico e social, afirmando que esses elementos possuem uma ampla relação entre si e que, a partir dessa relação, são construídos os conhecimentos. Ele aborda o conhecimento como uma construção que se processa no sujeito, durante toda a sua vida, mas que tem como etapa principal o desenvolvimento infantil. Piaget pesquisou o desenvolvimento da inteligência e percebeu que crianças com faixas etárias diferentes constroem o mesmo tipo de conhecimento e cometem os mesmos erros ao tentar explicar a realidade. A partir de suas investigações, estabeleceu que existem 32 quatro etapas ou estágios de desenvolvimento cognitivo, pelos quais são construídas as operações mentais (LEAL; NOGUEIRA, 2014). Figura 2 – Etapas do desenvolvimento cognitivo segundo Piaget Fonte: adaptada de Leal e Nogueira (2014). A Psicanálise, ou Teoria Psicanalítica, foi elaborada por Sigmund Freud, médico neurologista, no final do século XIX, em Viena, na Áustria. O principal conceito da teoria desenvolvida é de Inconsciente, que se define como uma parte do psiquismo humano em que ficariam guardadas e reprimidos lembranças, pensamentos e afetos relacionados a situações de nosso passado, geralmente as que nos trouxeram conflitos e sentimentos negativos, como ódio, raiva e tristeza. O ser humano somente teria a percepção e o controle dos processos que ocorrem na consciência, mas os conteúdos que permanecem inconscientes têm forte determinação no comportamento cotidiano. Em relação à educação, a Psicanálise considera o novo olhar sobre o desenvolvimento humano trazido por Freud, que criticava a educação modeladora tradicional que treinava e transmitia valores sem o devido respeito ao desejo do aluno. Então, sugere um modelo de educação 33 não repressiva, que considere o desejo e a autonomia do aluno (LEAL; NOGUEIRA, 2014). Assim, o “aprender pela coerção” deveria ser substituído pelo “aprender pela satisfação”, de modo a tornar o processo ensino-aprendizagem mais prazeroso e, consequentemente, mais significativo. Para a Psicanálise, a dimensão afetiva e o desejo do aluno têm uma influência marcante na aprendizagem (LEAL; NOGUEIRA, 2014). A Epistemologia Convergente de Jorge Visca é uma teoria fundamentada especialmente para o trabalho psicopedagógico clínico. Da Epistemologia Genética de Jean Piaget, Visca aproveita a ideia de “sujeito epistêmico”, ou seja, aquele que constrói conhecimentos, e o modelo de investigação proposto por Piaget para o raciocínio lógico, chamado de método clínico (LEAL; NOGUEIRA, 2014). O método clínico se trata de uma espécie que busca um “diálogo” entre o experimentador e a criança, mediante o qual ela pode decidir a sua resposta em função da argumentação do experimentador. Esse diálogo é desenvolvido por meio de perguntas e respostas. Esse método possibilita que a criança expresse espontaneamente seu pensamento, levando o experimentador a se esforçar em compreender seu ponto de vista, mas sem deformá-lo. Na elaboração dessa investigação, as perguntas feitas às crianças possuem o mesmo formato das questões espontâneas formuladas por crianças e adolescentes, da mesma idade ou mais jovens, sobre aquele determinado assunto. Esse cuidado permite afastar o perigo de sugerir uma resposta pela própria formulação da pergunta (VISCA, 1991). Da Psicanálise, Visca utiliza a ideia de que há um significado oculto no que é manifestado no comportamento do sujeito, especialmente o não aprender e as relações afetivas inconscientes entre professor e aluno, que podem impedir ou dificultar o processo de aprendizagem. Um exemplo da influência das relações afetivas inconscientes ocorre, por exemplo, quando gostamos muito de um professor e tendemos 34 inconscientemente a estudar mais a disciplina que ele ministra e vice- versa. Da Psicologia Social, Visca incorpora a ideia de que em meios socioculturais diferentes a aprendizagem também será diferente. Ele também retira o conceito de aprendizagem centrada na tarefa, o que fundamenta uma de suas técnicas, a chamada Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (E.O.C.A), da qual se extrai um sistema de hipóteses sobre as causas pelas quais o sujeito não está aprendendo como deveria (LEAL; NOGUEIRA, 2014). Portanto, o estudo da aprendizagem humana, que é o objeto de estudo da Psicopedagogia, precisa estar apoiado nessas bases para a sustentação das formas de pensar e de agir diante dos desafios teóricos e práticos que se apresentam ao psicopedagogo no seu cotidiano profissional. 3. Dificuldades, distúrbios e transtornos de aprendizagem Conhecer os conceitos de distúrbios e dificuldades de aprendizagem não é uma tarefa fácil para quem está iniciando os estudos na área de Psicopedagogia. Esses conceitos podem aparecer com significados diversos e nem sempre são coincidentes nas muitas obras relacionadas à temática, o que traz questionamentos e gera dúvidas. Iremos apresentar algumas dessas definições existentes na literatura e discutir sobre o que se denomina como distúrbios e dificuldades de aprendizagem. Os termos dificuldades, distúrbios e transtornos de aprendizagem são muito utilizados nos contextos clínico e educacional. Defini-los não é uma tarefa fácil para os que atuam no diagnóstico, na prevenção e 35 na reabilitação do processo de aprendizagem devido ao significativo número de obras relacionadas à temática, o que impede que se contemplem todas as definições e abordagens sobre os conceitos mencionados. Os distúrbios de aprendizagem se referem a um grupo diversificado de alterações referente à aquisição e ao uso da audição, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio lógico-matemático (NUTTI, 2016). A palavra distúrbio é composta pelo radical turbare e pelo prefixo dis, ou seja, dis + turbare. O radical turbare significa, literalmente, alteração violenta na ordem natural e pode ser identificado também nas palavras turbilhão, perturbar, conturbar, entre outras. O prefixo dis tem como significado alteração com sentido anormal e patológico, tendo assim uma conotação negativa. Esse prefixo é muito utilizado na terminologia médica, como nas palavras distensão, distrofia, disartria, dislexia etc. Portanto, distúrbio pode ser entendido etimologicamente como uma anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural de algum processo (COLLARES; MOYSES, 1993 apud NUTTI, 2016). Ainda, em uma perspectiva etimológica, a expressão distúrbios de aprendizagem tem o significado de uma anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural da aprendizagem, localizada somente no indivíduo que, supostamente, não aprende como deveria aprender. Ao se afirmar que as alterações causadas pelos distúrbios de aprendizagem são internas ao indivíduo, há o entendimento de que a causa do distúrbio deve ser encontrada na pessoa que é afetada, com forte relação com a existência de uma disfunção já conhecida ou presumida no Sistema Nervoso Central (COLLARES; MOYSES, 1993 apud NUTTI, 2016). Em geral, os distúrbios de aprendizagem são crônicos, ou seja, não desaparecem com o tempo, apesar de os sintomas poderem diminuir com o desenvolvimento do indivíduo e como resultado de acompanhamento psicopedagógico e multidisciplinar. 36 Outro conceito bastante semelhante ao de distúrbio de aprendizagem é o conceito de transtorno de aprendizagem. Segundo a Classificação de TranstornosMentais e de Comportamento da Classificação Internacional de Doenças – 11ª versão (CID-11), elaborada pela Organização Mundial da Saúde, esse termo é usado de forma a evitar problemas maiores inerentes ao uso de termos como “doença” ou “enfermidade” (OMS, 2022). Os comprometimentos causados pelos transtornos de aprendizagem podem diminuir à medida que a criança cresce, mas os déficits mais graves podem perdurar pela vida toda, tendo caráter crônico. Em geral, estão presentes desde tão cedo quanto possam ser detectados, sem nenhum período anterior de desenvolvimento normal (OMS, 2022). Ao lado do grupo de pessoas que podem apresentar distúrbios ou transtornos de aprendizagem, há ainda um grupo muito maior que apresenta baixo rendimento escolar devido à existência das chamadas dificuldades de aprendizagem, mas que não apresentam alterações no Sistema Nervoso Central. Essas pessoas podem apresentar atrasos no desempenho escolar devido, geralmente, à falta de interesse nos estudos, a perturbações emocionais, a inadequações metodológicas do processo de ensino-aprendizagem e à baixa qualidade de ensino ou mudanças nos padrões de exigência da escola. As dificuldades de aprendizagem manifestam-se como a incapacidade de agir adequadamente diante de situações novas, como acontece quando a criança ingressa no primeiro ano do ensino fundamental e tem que lidar com vários desafios. Tendem a ser o resultado de outros insucessos sociais, políticos, culturais, educacionais, pedagógicos, entre outros. Portanto, as dificuldades de aprendizagem são causadas por fatores externos ao indivíduo, ou seja, não são de origem orgânica. Não são 37 crônicas, como ocorre nos distúrbios e transtornos, podendo ser pontuais (OMS, 2022). É extremamente comum que situações de conflito familiar, mudança de escola, moradia ou padrão de vida, perda de ente querido, entre outras questões, afetem a pessoa com dificuldade de aprendizagem; porém, se esses problemas forem resolvidos ou amenizados, a dificuldade pode desaparecer ou diminuir. As dificuldades de aprendizagem atingem meninos e meninas com a mesma incidência e tendem a ser mais frequentes nas classes sociais mais desfavorecidas socioeconomicamente, devido ao seu caráter ambiental. As condições para aprender que eram consideradas anteriormente como alterações normais do desenvolvimento da aprendizagem passam a ser consideradas alterações patológicas dentro do contexto educacional (NUTTI, 2016). Referências ABPP. Associação Brasileira de Psicopedagogia. Símbolo da psicopedagogia. ABPp, 2020. Disponível em: https://abppparananorte.com.br/noticia/SIMBOLO-DA- PSICOPEDAGOGIA/27. Acesso em: 23 ago. 2022. BOSSA, N. A. A Psicopedagogia no Brasil. Contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. LEAL, D.; NOGUEIRA, M. O. G. Psicopedagogia Clínica: caminhos teóricos e práticos. São Paulo: Intersaberes, 2014. NUTTI, J. Z. Distúrbios, transtornos, dificuldades e problemas de aprendizagem: algumas definições e teorias explicativas provisórias. São Carlos: UNICEP, 2016. OMS. Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-11: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. WHO, 2022. Disponível em: https://icd.who.int/en. Acesso em: 24 maio 2022. SILVA, K. C. Introdução à psicopedagogia. São Paulo: Intersaberes, 2013. VISCA, J. Psicopedagogia: Novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. 38 Intervenção psicopedagógica e interface com as Neurociências Autoria: Juliana Zantut Nutti Leitura crítica: Nancy Capretz Batista da Silva Objetivos • Apresentar as possibilidades de intervenção psicopedagógica no contexto institucional, como a escola e o hospital. • Analisar as propostas de intervenção no campo da Psicopedagogia Clínica, especialmente as que envolvem atividades lúdicas, como o uso de jogos de regras. • Discutir as interfaces da Psicopedagogia com as Neurociências Cognitivas e os estudos sobre as funções executivas e a aprendizagem. 39 1. Intervenções psicopedagógicas na área institucional Neste aula, estudaremos mais sobre a intervenção psicopedagógica nos contextos clínico e institucional. No campo da Psicopedagogia Institucional, o planejamento de atividades de intervenção deve ser sempre pautado nos resultados obtidos através do processo de avaliação. É por meio da caracterização da instituição, seja qual for, que se dá o passo inicial para que qualquer projeto de intervenção institucional possa ser realizado. Assim, não há como iniciar procedimentos de intervenção se não houver o conhecimento de como é e como funciona determinada instituição. Segundo Porto (2011), a Psicopedagogia na escola tem como objetivo desenvolver projetos pedagógicos e enriquecer os procedimentos em sala de aula, as avaliações e o planejamentos na educação sistemática e assistemática. Também poderá auxiliar na elaboração do projeto pedagógico; orientar os professores sobre a forma de ajudar o aluno com dificuldades de aprendizagem; realizar um diagnóstico institucional para averiguar possíveis problemas pedagógicos que possam estar prejudicando o processo de ensino-aprendizagem; encaminhar alunos para a avaliação de profissionais clínicos (psicopedagogo clínico, psicólogo, fonoaudiólogo); orientar os pais de alunos com dificuldades de aprendizagem; entre outras atividades. O psicopedagogo institucional escolar pode, ainda, promover orientações metodológicas, de acordo com as características e particularidades dos alunos e professores e participar da elaboração dos planos teóricos e projetos educacionais, auxiliando professores, diretores e coordenadores a repensar a função da instituição em relação ao ensino e à aprendizagem (BOSSA, 2000). A Psicopedagogia Institucional desenvolvida em organizações não governamentais (ONGs) está fundamentada, em grande parte, nos 40 princípios da Educação não Formal, a qual, segundo Gohn (2006), é um dos núcleos básicos da Pedagogia Social, que, por sua vez, é uma área científica que fornece ferramentas teóricas para a Educação Social, que é uma práxis. A Psicopedagogia na Educação não Formal designa um processo com várias dimensões, como as apresentada na Figura 1. Figura 1 – Dimensões de atuação da Educação não Formal Fonte: adaptada de Gohn (2006). Na atuação psicopedagógica voltada aos idosos, a Psicopedagogia poderá prevenir e minimizar os efeitos do declínio de capacidades cognitivas, melhorando a condição de aprendizagem do ser em envelhecimento, fortalecendo a crença na capacidade de aprendizagem e ajudando o idoso em sua boa autoestima. O psicopedagogo poderá atuar nos ajustes a serem feitos para que o idoso seja capaz de recuperar a sua capacidade produtiva e criadora, como em jogos de regras, palavras cruzadas, recordação de fatos do cotidiano e na aprendizagem de habilidades como a informática, pintura e música. 41 Na Psicopedagogia Hospitalar, Maluf (2007) afirma que o psicopedagogo poderá atuar com intervenções no contexto de saúde, considerando o processo de aprendizagem, o desenvolvimento e o uso de competências físicas, mentais e emocionais. Ele deve levar em conta atividades diferenciadas, como as apresentadas na Figura 2. Figura 2 – Intervenções em Psicopedagogia Hospitalar Fonte: adaptada de Maluf (2007). Sobre as contribuições da Psicopedagogia Hospitalar, Maluf (2007) afirma que, em qualquer âmbito em que seja aplicada, a Psicopedagogia trabalha com questões ligadas à ansiedade, à baixa autoestima e a depressões, minimizando os prejuízos no processo de aprendizagem, facilitando o desenvolvimento de uma relação mais saudável do indivíduo com o seu meio e o preparando para aprender inclusive sobre a sua maneira de ser, seus limites e potencialidades. 42 2. Intervenções psicopedagógicas na área clínica Segundo Fagali e Vale (2001), a Psicopedagogia Clínica tem um enfoque terapêutico ou curativo em relação às pessoas com distúrbios e dificuldadesde aprendizagem. Considera como o objeto de estudo da Psicopedagogia a identificação, a análise, o diagnóstico e o tratamento de distúrbios e dificuldades de aprendizagem. A atuação em Psicopedagogia Clínica tem como objetivo possibilitar que o indivíduo em atendimento retome a capacidade de aprender e de se desenvolver cognitivamente. Para tanto, é essencial que ocorra o estabelecimento de uma boa relação terapêutica entre o psicopedagogo e o indivíduo em atendimento, cujo sintoma é o não aprender. A atuação clínica ocorre, na maioria das vezes, em consultórios ou clínicas multidisciplinares particulares. De acordo com Bossa (2000, p. 85): O trabalho psicopedagógico [...] implica compreender a situação de aprendizagem do aprendente, individualmente ou em grupo, dentro do seu próprio contexto. Tal compreensão requer uma modalidade particular de atuação para a situação em estudo, o que significa que não há procedimentos predeterminados. Defino esta característica como configuração clínica da prática psicopedagógica. A metodologia do trabalho, ou seja, a abordagem e tratamento, enfim a forma de atuação se vai tecendo em cada caso, na medida em que a problemática aparece. Cada situação é única e requer do profissional atitudes específicas em relação àquela situação. Bossa (2000) ainda afirma que, no trabalho clínico, a postura do psicopedagogo é a de compreender o “porquê” de o aprendente não estar aprendendo e “como” ele poderia ou deveria estar aprendendo. A busca de respostas para essas indagações inicia-se no diagnóstico 43 clínico, que é o momento de leitura da realidade do aprendente, para posteriormente se iniciar o planejamento de intervenções. A avaliação diagnóstica em Psicopedagogia Clínica envolve a realização de procedimentos como: a. Análise da queixa com a família: com os pais e/ou responsáveis pela criança/aprendente, a fim de observar o motivo do encaminhamento e a dinâmica familiar diante da problemática do aluno. b. Análise da queixa com o professor do indivíduo: para obter os motivos do encaminhamento e investigar a dinâmica do processo de aprendizagem do aluno. c. Análise da queixa com o indivíduo: visa escutar e analisar a queixa a partir da ótica do aprendente, estabelecendo um vínculo acolhedor e respeitoso e informando a ele sobre os objetivos dos encontros psicopedagógicos. d. Aplicação de anamnese: conjunto de questões que permitem investigar a história de desenvolvimento do aprendente, da gestação aos dias atuais, especialmente se houve problemas eventuais durante o percurso de desenvolvimento intrauterino, no pré-natal, no parto, no desmame, no controle dos esfíncteres, na aquisição da linguagem, entre outros aspectos. e. Aplicação de provas projetivas: as provas projetivas são divididas em provas de vínculos escolares, provas de vínculos familiares e provas de vínculos consigo mesmo. Um exemplo de prova projetiva é a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA), que foi criada pelo psicopedagogo argentino Jorge Visca e é um instrumento de uso simples que avalia a aprendizagem em uma só entrevista. f. Aplicação de provas operatórias: para avaliar o desenvolvimento cognitivo no diagnóstico das dificuldades de aprendizagem, a instrumentação clássica é a aplicação das chamadas provas 44 operatórias ou provas piagetianas, as quais permitem analisar o nível de estruturação cognitivo-global do sujeito. Figura 3 – Alguns itens que compõem a Caixa Piagetiana Fonte: acervo da autora. As intervenções psicopedagógicas no contexto clínico serão elaboradas de acordo com os dados encontrados no processo de avaliação diagnóstica do aprendente e envolvem, de forma geral, o uso de atividades lúdicas, como jogos de regras e brincadeiras, e de recursos que permitam a reabilitação da capacidade de aprender do sujeito. O elemento lúdico é essencial para o desenvolvimento da aprendizagem. Em especial, o uso de jogos de regras estimula o raciocínio lógico, o planejamento de estratégias e a resolução de problemas, entre outros benefícios. O jogo favorece o desenvolvimento das ações que o sujeito exerce sobre o mundo, como ressalta Piaget em seus estudos sobre os jogos de exercício, no período sensório-motor; os simbólicos, no período pré-operatório; e os de regras, no período operatório e formal (esses períodos seriam estágios de desenvolvimento). Dessa forma, torna-se fundamental ressaltar que os jogos e as brincadeiras são aliados permanentes e possibilitam às crianças o desenvolvimento de suas habilidades intelectuais, sociais e 45 físicas, de forma prazerosa e participativa, com grande contribuição para a intervenção psicopedagógica em relação às dificuldades para aprender. Iremos apresentar uma proposta de intervenção que pode ser usada para estimular a atenção e a concentração com alunos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) no contexto clínico, desenvolvida por Lima (2014). Essa proposta envolve um recorte de procedimentos e aspectos que podem ser considerados em intervenções análogas a essa e sugere a indicação de alguns recursos, mas não se constitui a intervenção total. Os alunos com TDAH, em sua grande maioria, possuem intensa dificuldade na atenção e concentração e dificilmente se interessam por atividades pedagógicas tradicionais, as quais exigem que fiquem parados por muito tempo. O objetivo geral da atividade é reduzir as dificuldades de aprendizagem provenientes do transtorno, intensificando as condições para o desenvolvimento de atenção, concentração, autocontrole e respeito às regras com atividades lúdicas que necessitem da atenção e concentração, como jogos de regras físicos e/ou virtuais. Voltados ao desenvolvimento do raciocínio-lógico, os jogos exigem o raciocínio sobre diversas situações e têm como objetivo desenvolver a atenção e a concentração e ampliar a percepção, o cálculo mental, as relações espaciais, a resolução de problemas e a memória. Os jogos cognitivos a serem utilizados podem ser Dominó, Trilha, Jogo de Damas, Jogo de Memória e Quebra-Cabeça. 3. Psicopedagogia e sua interface com as Neurociências Para compreender o complexo humano, nenhuma ciência basta por si só, e, por isso, é necessária a interdisciplinaridade da Psicopedagogia com as Neurociências, especialmente as Neurociências Cognitivas (KRISTENSEN; ALMEIDA; GOMES, 2001). 46 As Neurociências Cognitivas abordam temas relacionados às alterações na: memória, atenção, linguagem, emoção, motivação, consciência, plasticidade cerebral, cognição, entre outras. A Psicopedagogia aproximou- se desses estudos e criou uma nova área chamada de Neuropedagogia, a qual tenta responder como o cérebro humano aprende e como utiliza esse aprendizado. Para responder a essa questão, estuda o cérebro como propulsor do aprendizado, considerando metodologias que interferem no aprender significativo. Outro tema que traz grande interface com a Psicopedagogia são as funções executivas do cérebro, também chamadas de funções cognitivas. As funções cerebrais executivas nos ajudam a “executar” as atividades de aprendizagem, auxiliando no planejamento e no monitoramento dos processos acadêmicos. As funções executivas são um conjunto de habilidades cognitivas que permitem ao sujeito engajar-se em comportamentos orientados a objetivos, realizando ações voluntárias, independentes, auto-organizadas e direcionadas a objetivos. Essas habilidades são importantes para a ação diante de situações novas ou em circunstâncias que exigem adaptação ou flexibilidade de ideias e comportamento. São funções fundamentais para o direcionamento e a regulação das habilidades intelectuais, emocionais e sociais. As funções executivas são um conjunto de processos responsáveis por iniciar e desenvolver uma atividade com direção a um objetivo determinado. São consideradas responsáveis pela utilização de recursos cognitivos, de atenção e memória que auxiliam no planejamento, no controle e naautoavaliação do comportamento, inclusive o comportamento de aprendizagem. Por sua vez, os distúrbios de aprendizagem têm sido o foco de estudos na perspectiva neuropsicológica, que enfatiza a relação entre as funções cerebrais executivas e o processo de aprendizagem. A literatura sobre os distúrbios de aprendizagem, especialmente na área da Neuropsicologia, 47 destaca o papel das funções cerebrais executivas no processo de aprendizagem e, consequentemente, o déficit dessas funções nos quadros de dificuldade de aprendizagem. Para realizar a atividade escolar, o aluno precisa de planejamento e controle das etapas realizadas a fim de alcançar os objetivos de forma eficiente, e isso exige a atuação das funções cerebrais executivas. Diante do conteúdo escolar, espera-se que o aluno seja capaz de selecionar, organizar, elaborar, reter e transformar a informação relevante a todo o momento, devendo até mesmo na pré-escola as capacidades cerebrais executivas estarem presentes para que a aprendizagem ocorra de forma satisfatória. Pesquisas verificaram um desempenho significativamente inferior nas funções cerebrais executivas entre crianças com dificuldades específicas na compreensão da leitura de textos, a qual é garantida por recursos de atenção, memória, estratégias de organização e realização de raciocínios, entre outros aspectos. Dessa forma, a capacidade de compreensão da leitura (ou compreensão leitora) é um momento perfeito para observar as relações entre as habilidades relacionadas às funções executivas e a aprendizagem. A chamada síndrome disexecutiva pode levar a dificuldades como seleção de informação, distrabilidade, dificuldades na tomada de decisão, problemas de organização, comportamento estereotipado, dificuldade para estabelecer novos repertórios comportamentais e dificuldades para antecipar as consequências do comportamento (DIAS; MENEZES; SEABRA, 2010). Se o comprometimento no funcionamento das habilidades executivas for considerado uma das possíveis causas dos distúrbios e das dificuldades de aprendizagem, indica-se a avaliação do funcionamento das funções cerebrais executivas na avaliação psicológica, neuropsicológica e psicopedagógica das dificuldades de aprendizagem (DIAS; MENEZES. SEABRA, 2010). 48 Porém, a questão que se coloca atualmente é que a avaliação das funções cerebrais executivas em crianças e adolescente ainda é emergente, pois na avaliação neuropsicológica pediátrica a maioria dos instrumentos são adaptações ou aplicações de medidas inicialmente desenvolvidas para adultos. Compreender essas alterações é importante e traz consequências diretas à prática psicopedagógica. Por exemplo, se em uma sala de aula há um aluno com diagnóstico de distúrbio de aprendizagem por síndrome disexecutiva que afeta especificamente a memória de trabalho, o professor poderá exigir menos atividades com necessidade de muita memorização de informações, propondo atividades mais estruturadas, com instruções breves e objetivas, retomando com maior frequência os objetivos a serem atingidos (DIAS; MENEZES; SEABRA, 2010). Referências BOSSA, N. A. A Psicopedagogia no Brasil: Contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. DIAS, N. M.; MENEZES, A.; SEABRA, A. G. Alterações das funções executivas em crianças e adolescentes. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 1, n. 1, p. 80-95, 2010. FAGALI, E. Q.; VALE, Z. R. Psicopedagogia institucional aplicada: a aprendizagem escolar dinâmica e construção na sala de aula. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. GOHN, M. G. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: Aval. Pol. Públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-38, jan./mar. 2006. KRISTENSEN, C. H.; ALMEIDA, R. M. M.; GOMES, W. B. Desenvolvimento Histórico e Fundamentos Metodológicos da Neuropsicologia Cognitiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, [s.l.], v. 14, n. 2, p. 259-274, 2001. LIMA, R. S. Propostas Metodológicas para Trabalhar as Dificuldades dos Alunos com Transtornos Funcionais Específicos. Curitiba: SEED, 2014. v. 2. MALUF, M. I. Psicopedagogia hospitalar: por que e para quem? Construção Psicopedagógica, São Paulo, v. 15, n. 12, p. 7-26, dez. 2007. PORTO, O. Psicopedagogia Institucional: teoria, prática e assessoramento psicopedagógico. Rio de Janeiro: WAK, 2011. 49 BONS ESTUDOS! Sumário Apresentação da disciplina A construção da Psicopedagogia no mundo e no Brasil Objetivos 1. Breve histórico do surgimento da Psicopedagogia no Brasil 2. A Psicopedagogia Clínica 3. A Psicopedagogia Institucional Referências ABPp: regulamentação da profissão e ética profissional Objetivos 1. A ABPp e suas contribuições para o desenvolvimento da Psicopedagogia 2. A Regulamentação do Exercício da Atividade em Psicopedagogia 3. A formação de psicopedagogos no Brasil Referências O objeto de estudo da Psicopedagogia: a aprendizagem e suas dificuldades Objetivos 1. Objeto de estudo da Psicopedagogia 2. A aprendizagem no âmbito da Psicopedagogia 3. Dificuldades, distúrbios e transtornos de aprendizagem Referências Atuação da equipe de enfermagem na atenção ao paciente submetido à hemodiálise e sua família Objetivos _1v2mu5bxcwp5 _xgn36qg57hn4