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1ª Edição |Fevereiro| 2014 Impressão em São Paulo/SP Dificuldades de aprendizagem e suas patologias Carla Virgínia Diegues Gomes Marquart e Luiz Carlos Ferro Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 Coordenação Geral Nelson Boni Professor Responsável Carla Virgínia Diegues Gomes Marquart e Luiz Carlos Ferro Coordenação de Projetos Leandro Lousada Revisão Ortográfica Célia Ferreira Pinto Projeto Gráfico, Dia- gramação e Capa Ana Flávia Marcheti 1º Edição: Fevereiro de 2014 Impressão em São Paulo/SP Dificuldades de aprendizagem e suas patologias Sumário Unidade 1 1.1. Apresentação do presente estudo 1.1.1. Por que se justifica esse esforço de viabilizar-se a experi- ência da aprendizagem? 1.1.2. Quais são os elementos que estão presentes nesse pro- cesso de aprendizagem? 1.1.3. Dentro dessa complexidade, qual é nosso grande desafio como psicopedagogos? 1.1.4. Segundo Morin, o que seriam esses paradigmas? 1.1.5. Quais são os pré-requisitos necessários para se quebrar os paradigmas? 1.1.6. Qual é a importância de se fazer essa transformação? 1.1.7. Como conduziremos este estudo para tornar a compre- ensão mais acessível? 1.1.8 Quais serão nossas fundamentações teórias? 1.2. Psicopedagogia : Uma ciência nova 1.2.1. Como se constrói essa ciência nova? 1.2.2. Como a Psicopedagogia começou no Brasil? 1.2.3. Como a Psicopedagogia vê o ser humano? 1.2.4. Como a comunicação e a aprendizagem estão relacionadas? 1.2.5. O que é esse fenômeno da aprendizagem humana? 1.2.6. A que se propõe a Psicopedagogia? 1.2.7. Por que acontecem essas dificuldades e os bloqueios de aprendizagem? ´ 19 1.2.8. O que são “forças do meio” e como o ser humano inte- rage com elas? 1.2.9. A Psicopedagogia traz que contribuições como uma ci- ência nova? 1.2.10. O psicopedagogo se depara com que desafios, e como vencê-los? 1.2.11. Qual a importância da parceria família e escola no tra- balho psicopedagógico? 1.2.12. A Psicopedagogia sempre busca identificar nas crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem um diagnóstico e uma forma de tratamento? 1.2.13. Como o psicopedagogo pode lidar com tantas variáveis em sua avaliação/abordagem terapêutica? 1.2.14. O que é preciso observar em relação às escolas? 1.3. O homem visto como ser cognoscente 1.3.1. Em que dimensões o ser cognoscente pode ser definido e analisado? 1.3.2. Qual é função do eu cognoscente e como seu processo de construção pode ser afetado? 1.3.3. Como a Psicopedagogia pode contribuir para restabelecer o equilíbrio desse processo de construção do ser cognoscente? Questões Unidade 2 2.1. O Pensamento complexo e a psicopedagogia 2.1.1. Como a sociedade retroage sobre os indivíduos? 47 69 2.2. Um pouco do pensamento de Edgar Morin 2.2.1. A noção de sujeito 2.2.2. Epistemologia da complexidade 2.2.3. O que significa esta complexidade humana proposta por Morin? 2.2.4. Qual é a importância da cultura nessa visão da comple- xidade humana? 2.2.5. A partir de qual momento a cultura passa a ter importân- cia na vida humana? 2.3. A busca da reintegração segundo Morin 2.3.1. Ainda que inseridos e manipulados pelo contexto cultu- ral, de que maneira os indivíduos podem conseguir construir sua autonomia? 2.3.2. Nesse aspecto, que contribuições podemos ter a partir de uma abordagem interdisciplinar? 2.3.3. Por que entender os seres humanos, os povos, as cultu- ras na sua diversidade é um caminho para a Educação na pós- -modernidade? 2.3.4. Qual pode ser a contribuição da educação do futuro para compreensão da complexidade humana? Questões Unidade 3 3.1. O aprender e o processo de escolarização: as bases biológicas da compreensão 3.1.1. O que Maturana apresenta-nos como perspectiva do de- senvolvimento humano? 3.1.2. Dentro dessa perspectiva, a plenitude da condição huma- na advém apenas do nascimento? 3.1.3. Qual é a importância, então, de diagnosticar-se o não-aprender? 3.1.4. Considerando-se que os jovens vivem maior parte do tempo dentro das escolas, qual é a missão dessa instituição? 3.1.5. Quais são as causas mais frequentes para as dificuldades de aprendizagem e problemas escolares? 3.1.6. Como se processa o desenvolvimento da aprendizagem escolar numa criança com DA? 3.1.7. O que se entende por escola? 3.2. Teoria da psicologia cognitiva com base em Plaget*, ampliada para abordagem psicopedagógica 3.2.1. Como se deu a Teoria de Piaget? 3.2.2. Como se dá o ato de assimilação? 3.2.3. E os processos de acomodação como são definidos por Piaget? 3.2.4. Qual a definição dada por Jean Piaget à noção de conservação? 3.2.5. Qual a importância do egocentrismo no processo de de- senvolvimento da criança? 3.2.6. O que é, e como ocorre a reversibilidade? 3.2.7. Como Piaget vê a vida afetiva no contexto cognitivo e pessoal- emocional? 3.3. Quadros das fases do desenvolvimento, segundo plaget 3.4. Roteiros de aplicação das provas operatórias 3.4.1. Provas de conservação (antecipação e reversibilidade) 3.4.2. Provas de ordenação (prever o que vem depois) 3.4.3. Provas de classificação 3.4.4. Descrição das Provas: Conservação 3.4.4.a Quantidade descontínua – pequenos conjuntos de ele- mentos (6/7 anos) 3.4.4.b Quantidade contínua - quantidade de matéria (6/7 anos) 3.4.4.c Quantidade contínua - quantidade de líquido (7/8 anos) 3.4.4.d Peso (8/9 anos) 3.4.4.e Comprimento (8/9 anos) 3.4.4.f Descrição das Provas: Ordenação 3.4.4.g Provas de Classificação 3.5. Um olhar ampliado para a teoria de plaget 3.5.1. Escutar e olhar 3.5.2. Deter-se nas fraturas do discurso e relacioná-las com o que aconteceu depois 3.5.3. Descobrir o “esquema de ação subjacente” 3.5.4. Buscar os esquemas de repetição de ação 3.5.5. Interpretar a operação, mais do que o conteúdo 3.6. Neurociência e o desenvolvimento cognitivo 3.6.1 Nesse sentido, qual é a importância de se entender o fun- cionamento do sistema nervoso de uma pessoa? 3.6.2. Quais são as principais funções do sistema nervoso? 3.6.3. Como a emoção interfere no processo de aprendizagem? 3.6.4. Por que precisamos de motivação para aprender? 3.6.5. Qual é a importância da atenção para que a aprendiza- gem ocorra? 3.6.6. Como favorecer a fixação de novos conhecimentos na memória dos alunos? 3.6.7. O que é plasticidade cerebral? Questões Unidade 4 4.1. Transtorno de défict de atenção e hiperatividade 4.1.1. Quais são suas principais manifestações? 4.1.2. Como essas características se apresentam? 4.1.3. Por que o TDAH é um dos transtornos mais estudados na atualidade? 4.1.4. Existem características positivas no TDAH? 4.1.5. Que estratégias positivas de intervenção podem ser ado- tadas pelos professores em sala de aula? 4.1.6. Que intervenções podem ser adotadas para auxiliá-los no cumprimento dos deveres de casa? 4.1.7. Que abordagens de tratamento podem ou devem ser adotadas para tratamento do TDAH? 4.2. Transtorno de aprendizagem : Processamento audi- tivo central (PAC) 4.2.1. Como o PAC interfere nesse conjunto de habilidades ne- cessárias para analisar e interpretar os padrões sonoros? 4.2.2. Quais são as principais manifestações que podem ser per- cebidas no comportamento escolar das crianças portadoras? 4.2.3. RETOMANDO: Quais são as principais consequências e manifestações relacionadas ao PAC, nas crianças dentro do ambiente escolar? 4.2.4. Como lidar com crianças com PAC e minimizar seus im- pactos no processo de aprendizagem? 4.2.5. O que é o Processamento Auditivo Central? 4.2.6. Quais são as habilidades auditivas centrais? 4.2.7. O que são transtornos auditivos? 113 4.2.8. Quando cabe avaliar o processamento auditivo central? 4.2.9. Quais são os pré-requisitos para avaliação do PAC? 4.2.10. Como é a avaliação do processamento auditivo central? 4.2.11. Qual é o principal objetivo da avaliação do PAC? 4.2.12. O que fazer nas alterações de processamento auditivo? 4.2.13. O quedevemos considerar quando lidamos com distúr- bios da comunicação humana? 4.3. Transtorno de aprendizagem : Dislexaia 4.3.1. Quais são as habilidades básicas das crianças disléxicas? 4.3.2. Em síntese, qual é a principal dificuldade apresentada? 4.3.3. Como o professor pode auxiliar essas crianças a minimi- zar os impactos indesejáveis da Dislexia e acompanhar a aula? 4.3.4. Que intervenções o professor pode fazer para favorecer o aprendizado dessas crianças? 4.4. Discalculia e acalculia 4.4.1. O que é a Discalculia? 4.4.2. Qual é a diferença entre Acalculia e Discalculia? 4.4.3. Quais são os subtipos de Discalculias? 4.4.4. Quais são as falhas e sintomas relacionados à Discalculia? 4.4.5. Como esses transtornos aparecem nos processos cognitivos? 4.4.6. Quais são os aspectos neuropsicológicos? 4.4.7. Como a Discalculia afeta os aspectos acadêmicos? 4.4.8. Qual é o comprometimento do desenvolvimento escolar de forma global? 4.5. Sugestões para a estimulação dos processos cognitivos 4.5.1. Peso, Espessura, Comprimento, Largura, Muito-pouco, Grande-pequeno etc 4.5.2. Exercícios de maturação para a noção de Quantidade, Comparação, Classificação, Categorização. 4.5.3. Exercícios pré-operatórios de maturação gráfica-sequên- cia de grafismos Questões Gabarito Referências 147 161 12 13 Apresentação dos autores Carla Virgínia Diegues Gomes Marquart Nasci em 1966. Tenho formação inicial em Comunicação (Pu- blicidade e Propaganda), Pedagogia, com pós-graduação em Psicopedagogia pela PUC de São Paulo, e Arteterapia no Ins- tituto Sedes Sapientie. Trabalho com Educação desde 1985. Inicialmente, como pro- fessora de Educação Infantil; diretora escolar e, atualmente, como Orientadora Educacional de Apoio à Aprendizagem (psicopedagoga) no Colégio Rio Branco. Ministro aulas como professora convidada no curso de Psicopedagogia da PUC de Barueri, e atendo como arteterapeuta e psicopedagoga em consultório particular também em Barueri. (carlamarquart@ uol.com.br) Luiz Carlos Ferro Nasci em 1961.Tenho formação inicial em Letras (Português e Inglês) e trabalho como professor desde 1982. Nessa linha, fiz Mestrado em Psicopedagogia Institucional (stricto sensu) pela UNISA, em 2002, passando a trabalhar como Orientador Educacional e Pedagógico do Colégio Rio Branco, de onde sou idealizador e organizador da Jornada Anual de Profissões, desde 2003. ~~ Tenho especialização em “Compreensão Psicodinâmica da Adolescência” (2005) e “Problema Escolar da Criança e do Adolescente na Visão Sistêmica” (2008) pelo Instituto Sedes Sapientiae; “Prevenção ao Uso Indevido de Drogas”, pela Uni- versidade Federal de Santa Catarina, 2010. Dou palestras sobre temas relacionados à Educação, orientação para o trabalho e ética. (soluferro@uol.com.br). INTRODUÇÃO Procuramos apresentar o estudo sobre o tema: “Dificuldades de Aprendizagem e suas Patologias”, buscando dar um embasamento teórico à nossa abordagem, enfocando as características e necessi- dades de aprendizagem dos alunos, apresentando a criança e o adolescente como seres cognoscentes, em pleno processo de formação e de construção, enquanto pessoas humanas. Nessa nossa busca por uma educação de qua- lidade apoiada em um trabalho diferenciado, com foco no objetivo de atender a dimensão da indivi- dualidade de cada aluno, sabemos que é necessário que os profissionais da área da Educação e a escola repensem seu papel e, consequentemente, assumam a responsabilidade que lhes cabe, tanto pela aprendi- zagem, quanto pela não aprendizagem. Com objetivo de facilitar ao leitor a compreen- são do presente estudo, organizamos este livro em quatro unidades e, em cada uma delas, elaboramos os subtópicos na forma de questões, que sintetizam os temas tratados, encadeadas por textos curtos, co- locados em forma de respostas. Ao término de cada uma dessas quatro unida- des, o leitor encontrará cinco perguntas dissertativas que deve responder como exercício de compreensão ~~ e fixação. Ainda, colocamos um gabarito para ser- vir, não como uma resposta única para cada questão, mas sim, como referência de possibilidade de res- posta. Convém consultá-lo, só depois de pesquisar e responder cada questão. Então, vamos começar a estudar a primeira unidade. Os autores Unidade 1 Nesta primeira unidade, temos os seguintes tópicos: 1.1. Apresentação do presente estudo 1.2. Psicopedagogia: uma ciência nova 1.3. O homem visto como ser cognoscente 1.1. Apresentação do presente estudo 1.1.1. Por que se justifica esse esforço de viabili- zar-se a experiência da aprendizagem? Todo esforço em tornar possível a experiência da aprendizagem, sempre se justifica porque é por meio dela que nós humanos nos tornamos humanos! O filhote humano faz-se humano através da apren- dizagem. Esse, portanto, é o nosso primeiro desafio: caminhar para humanizarmo-nos, pois, nesse trajeto, nós nos deparamos com caracteres antagônicos, em que nossa aparente condição de “fraqueza”, também é nossa “força” e potencial. Precisamos de outro hu- mano para ensinar-nos, que nos reconheça como seu semelhante, que acredite nessa realidade e queira aprender também. 1.1.2. Quais são os elementos que estão presentes nesse processo de aprendizagem? Todo apreender é complexo e inclui, no mí- nimo, intervenções advindas daquele que aprende, daquele que ensina e do contexto em que ambas as partes estão inseridas, interagindo uma sobre a outra continuamente, gerando e sofrendo transformações que são próprias e necessárias a esse processo de ~~ aprendizagem humana. Pensar na complexidade desse processo implica em não revelar, apenas, a ordem e a certeza, ou afastar- -se da ambiguidade, em busca apenas da diferenciação, da hierarquização e certezas, mas consiste em pensar e enfrentar a incerteza, a desordem e a contradição. Olhar, portanto, o ser humano na sua comple- xidade significa pensar o desenvolvimento humano associado ao desenvolvimento conjunto das autono- mias individuais, das participações comunitárias, das influências do ambiente, em que acontece esse pro- cesso contínuo de interações e, ainda, do sentimento de pertencer à espécie humana. 1.2.3. Dentro dessa complexidade, qual é nosso grande desafio como psicopedagogos? As questões, aqui, apresentadas permeiam um grande desafio, que é o trabalho com a diversidade e com as adversidades em que se incluem as difi- culdades de aprendizagem. Trabalhar a diversidade é respeitar a individualidade de cada aluno, na ten- tativa de compreendê-lo melhor e ajudá-lo no seu processo específico de aprendizagem. Desta forma, torna-se possível estabelecer um elo de relacionamento comprometido, que possibili- ta diferenciar o papel que cabe a cada um, com seus compromissos específicos. Para isso, é preciso considerar as forças atuantes no nível das ideias e da dinâmica social real. Morin1 ressalta que as forças do ideal e do social interagem- -se mutuamente. “O ideal e o social se invertem e se transmutam2 um no outro” (Morin, 1998, pág. 280). O autor ressalta que essas forças mobilizadoras estão presentes em todas as instâncias do aprender, do pensar e do viver. São paradigmas que atuam em 1 Morin nasceu em Paris, é pesquisador emérito do CNRS, formado em História, Geografia, Direito, Filosofia, Sociologia e Epistemologia e autor de muitas obras. 2 Transmutar é organizar-se por outro lado. (Ferreira, 1986, pág. 703) sinergia não apenas na sociedade, na cultura, mas também no nível individual e interpessoal. 1.1.4. Segundo Morin, o que seriam es- ses paradigmas? “Os indivíduos conhecem, pensam e agem con- forme os paradigmas neles inscritos culturalmente. Os sistemas de ideias são radicalmente organizados em virtude dos paradigmas... O paradigma desempe- nha um papel subterrâneo/soberano em toda teoria, doutrina ou ideologia. É o princípio da coesão/coe- rência do núcleo que estabelece os conceitos intrín-secos do sistema de ideias, fornece-lhes a articulação lógica, determina a relação do sistema com o mundo exterior. O paradigma produz a verdade do sistema, legitimando as regras de interferência, que garantem a demonstração ou a verdade de uma proposição” (Morin, 2002, pág. 261). 1.1.5. Quais são os pré-requisitos necessários para se quebrar os paradigmas? Diante dessas reflexões, percebe-se que, para conseguir uma mudança de comportamento, é ne- cessário que haja uma mudança de pensamento, que se conecta com emoções e crenças. Para um profes- sor buscar novas práticas educacionais que tornem sua aula mais produtiva, é preciso que acredite que a responsabilidade pela aprendizagem de seus alunos é, em grande parte sua, assim pode se capacitar e ter um olhar inclusivo para seus alunos com dificulda- des de aprendizagem, mas, para que tudo isso possa acontecer em sua sala de aula, é preciso que seja va- lor para o professor, que faça parte de suas crenças e que acredite na importância do seu protagonismo. Para mudar paradigmas, há necessidade de uma transformação do modo de pensar, “do mundo do pensamento e do mundo pensado” (Morin, 2002, pág. 283), que traz consigo uma forma de sentir e de acreditar. Uma mudança de paradigma não fica limitada, apenas, a ele mesmo, revoluciona outros paradigmas e afeta a dinâmica da organização da sociedade como um todo, da cultura e da civilização. Estas mudanças culturais e sociais profundas, que acontecem nas socie- dades geram caos momentâneo e, consequentemente, a busca de uma nova ordem, em que se apresentam novos valores e novos papéis. Isso requer viver mo- mentos de transição para um novo movimento. 1.1.6. Qual é a importância de se fazer essa transformação? Analisando este contexto, muitos pensadores falam sobre esse período em que vivemos, como de transição entre modernidade e o que irá suceder nes- te contexto: a pós-modernidade. Para Morin, os paradigmas individualistas da sociedade moderna afastaram-se das experiências de complementariedade e de parcerias. A dificuldade de parceria e suas consequências manifestam-se em dife- rentes contextos da nossa vida pessoal e institucional. Todas essas questões específicas da escola, que não alimenta o trabalho de ensino/aprendizagem em parceria com alunos e com suas famílias, dizem respeito a uma questão paradigmática, que remete a algo muito mais global da nossa cultura: a visão frag- mentada do mundo, o isolacionismo da própria es- cola, que impede a complementaridade (assunto que abrangeremos com mais profundidade na unidade II, a respeito de Morin). 1.1.7. Como conduziremos este estudo para tor- nar a compreensão mais acessível? O caminho que propomos, neste estudo, sobre as dificuldades de aprendizagem e suas patologias é de indagação e reflexão. Partimos de aspectos mais globais para particulares e vice-versa, indo desde questões de parceria, que conduziram às indagações mais amplas dos paradigmas culturais, fundamen- tando uma maior compreensão das questões mais locais da escola, relacionadas à fragmentação do sa- ber e isolamento dos próprios profissionais educa- dores, que, muitas vezes, não conseguem encontrar sozinhos o caminho para resolver esses dilemas, e precisam do apoio de um profissional com forma- ção psicopedagógica, para atuar de maneira eficiente e inclusiva. 1.1.8. Quais serão nossas fundamentações teóricas? Em busca de oferecer ao leitor a fundamentação teórica necessária, no primeiro momento, buscamos suporte em Edgar Morin, com o objetivo de focalizar as questões da fragmentação e dos paradigmas que geram as dissociações, separações e isolamentos. No segundo momento, vamos buscar o enten- dimento das reflexões feitas por Humberto Matura- na e Francisco J. Varela, buscando oferecer deles as bases biológicas da compreensão humana. Na sequência, trataremos a teoria da Psicologia Cognitiva de Jean Piaget3, que será ampliada para a Psicopedagogia por Eloísa Fagali, focalizando espe- cificamente a dinâmica na escola. 3 Jean Piaget Iremos tratar os transtornos de aprendizagem, mais especificamente do TDHA (Transtorno de Dé- ficit de Atenção e Hiperatividade), do PAC (Processa- mento Auditivo Central), da discalculia, da acalculia e da dislexia. Finalizaremos este estudo com o processo de aprendizagem na abordagem da neurociência. 1.2. PSICOPEDAGOGIA : UMA CIÊNCIA NOVA A Psicopedagogia, como toda e qualquer área da ciência, vive um processo contínuo de constru- ção, em que se somam as contribuições da Psicaná- lise, da Pedagogia, da Psicolinguística, da Neurolin- guística e da Biologia, entre outras disciplinas. A construção da Psicopedagogia é obra de um processo interdisciplinar, cujo resultado é uma ciên- cia nova, que tem, desde seu início, um objeto de estudo definido.4 “A Psicopedagogia surge no Brasil como uma das respostas ao grande problema do fracasso escolar e evolui de acordo com a natureza do seu objeto e dos seus objetivos.” 5 4 A Psicopedagogia ainda é vista apenas como uma área de estudo, contudo os es- tudiosos da Psicopedagogia querem vê-la transformada em ciência independente. 5 SILVA, Mª Cecília A.. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação te- órica, pág. 25. ^ A Associação Brasileira de Psicopedagogia (1990), assim, define: “A Psicopedagogia é um campo de atuação em Edu- cação e Saúde que lida com o processo de aprendi- zagem humana, seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio – família, escola e sociedade – no seu desenvolvimento, utilizando pro- cedimentos próprios do Psicopedagogo.” 6 Nessa óptica, o objeto de interesse não é apenas a dificuldade, mas a aprendizagem humana, vista como um atributo da saúde e objetivando sua melhoria. Essa definição destaca a importância do meio e, nesse ponto, há de considerar-se que, em contrassenso, é na própria escola e, muitas vezes, por responsabilidade dela que acontecem os problemas escolares: muitos alunos passam a achar matemática difícil; português “chato” etc. Assim, a Psicopedagogia tem também, como parte de sua missão, contribuir para a “cura” da própria escola, para tornar possível, a escola estimular cada vez mais a aprendizagem. Essas definições mostram a Psicopedagogia como uma área de execução prática do conhecimen- 6 In: SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar, pág. 08. to humano e de terapêutica, atuando no campo da aprendizagem e em suas dificuldades, estejam elas no meio ou no próprio ser cognoscente. 1.2.2. Como a Psicopedagogia começou no Brasil? Beatriz Scoz7 mostra o processo de evolução da associação de psicopedagogos do Brasil, denomina- da ao iniciar, em 1980, suas atividades como Asso- ciação de Psicopedagogos de São Paulo; e, em 1988, pela ampliação do número de núcleos associativos espalhados pelo Brasil, passou a denominar-se As- sociação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). O crescimento numérico e qualitativo dessa Associação, a organização de congressos relativos a temas psicopedagógicos que atraiam profissionais, tudo isso foi evidenciando a necessidade de um co- nhecimento multidisciplinar, que não ressalte essa ou aquela ciência, mas que, numa síntese de esforços e conquistas, una e alinhe esses conhecimentos na direção de seus objetivos específicos. 1.2.3. Como a Psicopedagogia vê o ser humano? Silva (1998) considera como definição do ob- 7 Opus cit. jeto da Psicopedagogia o próprio homem, como ser em processo de construção do conhecimento, ou seja, ser cognoscente. “Assim, a Psicopedagogia poderia considerar o ser hu- mano como uma unidade de complexidades, ou seja, como um ser pluridimensional com uma dimensão racional, uma dimensão afetiva/desiderativa e uma di- mensão relacional, esta última implicando um aspec- to contextual e um interpessoal. Este seria sujeito na construção do conhecimento e de sua própria autono- mia e, ao mesmo tempo, determinado pelas dimensões racional, desiderativae relacional que o constituem.” 8 1.2.4. Como a comunicação e a aprendizagem es- tão relacionadas? A vida é movimento e comunicação. O ser hu- mano se expressa e aprende o mundo pelo movimen- to, que são os gestos (linguagem não-verbal) e as pala- vras: meios através dos quais o indivíduo constrói na forma “interior” sua personalidade e na forma “exte- rior” as relações humanas, que constituem a cultura, a arte, a micro e a macrossociedade. Nas palavras de 8 SILVA, M.ª Cecília Almeida. Psicopedagogia: em busca de uma fun- damentação teórica, pág. 29 e 30. 9 POLITY, Elizabeth. Ensinando a ensinar, pág.04. Elizabeth Polity: “Ensinar é também comunicar. Aquilo que o homem tem de mais primitivo e característico é sua necessida- de de estar em permanente comunicação com outras pessoas. E o ensinar permite esta relação particular, vinculando os sujeitos nela envolvidos.” 9 1.2.5. O que é esse fenômeno da aprendiza- gem humana? Maturana (1996) nos fala que o fenômeno de aprender é “mudar com o mundo”. É um processo dinâmico e aberto em que ocorrem mútuas adap- tações entre os organismos vivos e o meio, entre sujeitos e ambientes. Essa concepção de aprender implica em um conceito de transformações nas tro- cas recíprocas entre sistemas-indivíduos - e ambien- te, em que entra em jogo, tanto a conservação das receptivas identidades dos organismos e do meio, quanto às suas alterações. É um processo de transformação em que o sujei- to aprendiz organiza-se com a cultura. Neste processo, as forças do meio não determinam as condutas deste sujeito, mas exercem suas influências nas suas criações, fechando ou abrindo possibilidades de construções. 1.2.6. A que se propõe a Psicopedagogia? Todos os dias, milhões de jovens vão às escolas para assistir às aulas, porém o melhor momento para os alunos é o intervalo, é quando a vida acontece. Para os professores não é muito diferente, pois (quem é, ou já foi do meio sabe) boa parte das conversas na sala dos professores, durante o intervalo gira em tor- no dos problemas de sala de aula. A Psicopedagogia é um meio para se buscar solucionar esses problemas que afligem, igualmente, alunos, professores e familiares. Considerando-se que o natural do ser humano, seja a aprendizagem, com- preender por que acontecem esses bloqueios e difi- culdades na vida escolar e auxiliar a resolvê-los, é a missão da Psicopedagogia. 1.2.7. Por que acontecem essas dificuldades e os bloqueios de aprendizagem? Uma primeira resposta poderia ser que as difi- culdades acontecem porque aprender ou ensinar dá trabalho, mas tudo dá trabalho, comer, respirar, assim como estudar. Só que o trabalho de estudar, ao que tudo indica, não é algo tão motivador para a maioria dos jovens. Se os bloqueios estão nos próprios alunos, que espécie de bloqueios são esses? Se as dificulda- des estão na convivência com os colegas, o que está acontecendo nesses relacionamentos humanos? Será, ainda, que a própria escola não está encontrando ou, pior ainda, não está procurando formas de trabalhar as aulas e torná-las mais interessantes? Essas são questões e aspectos que precisam ser observados para poderem ser respondidos. A Psico- pedagogia vem se constituindo num caminho para prevenção, tratamento e cura desse problema que, por suas mega proporção, não pode ser ignorada, pois a vítima disso é o ser cognoscente, ou seja, o próprio homem em processo de construção do conhecimen- to, onde se dá a gênese da aprendizagem. 1.2.8. O que são “forças do meio” e como o ser humano interage com elas? A concepção sobre “forças do meio” leva em conta uma visão dinâmica do ambiente, numa abor- dagem ecossistêmica. Essa dinâmica do aprender, portanto, deve ser olhada numa perspectiva de desen- volvimento humano, como um “processo pelo qual o sujeito em mudança amplia suas perspectivas do meio ambiente, tornando-se mais capaz de interagir no mesmo, de reestruturá-lo ou de transpor as suas próprias condições”. Diagnosticar o não aprender como sintoma con- siste em encontrar sua funcionalidade, isto é, sua arti- culação na situação integrada pelo aluno, considerado em suas características e necessidades individuais. Entre alguém que ensina e alguém que aprende, abre-se um espaço de imprevisibilidade, de surpresa, de questionamentos, de criação, de interação e trans- formação entre quem aprende, quem ensina e o pró- prio conhecimento, que, por sua vez, também passa por um processo de transformação. 1.2.9. A Psicopedagogia traz que contribuições como uma ciência nova? A Psicopedagogia, como uma ciência nova, es- tuda o processo humano de aprendizagem, seus pa- drões evolutivos normais e patológicos, bem como a influência da família, escola e sociedade no seu desen- volvimento, busca oferecer formas de lidar com os problemas de aprendizagem e minimizar seus impac- tos negativos na vida escolar das crianças e dos jovens. Há necessidade de buscar-se uma articulação en- tre o ser, o existir, o fazer e o conhecer. Olhar os prin- cípios que regem o processo de aprender e notar que eles não pertencem de forma exclusiva a nenhuma das áreas de conhecimento já estabelecidas, bem como a nenhuma ciência. São princípios que já se encontram na experiência do homem, na sua construção, em to- das as modalidades do seu viver e aprender. 1.2.10. O psicopedagogo depara-se com que de- safios, e como vencê-los? É de grande importância para o psicopedagogo dialogar com as polaridades, questionar as certezas e verdades absolutas, desapegar-se dos conteúdos psí- quicos que podem interferir e reproduzir posturas cristalizadas. Nesse sentido, para viabilizar o proces- so de aprendizagem, é preciso que psicopedagogos e demais profissionais que trabalham na área da edu- cação, ampliem seu campo de visão para abranger as diferenças entre as formas que cada criança e adolescente têm em aprender, para caber também as incertezas e conseguir lidar com o que é paradoxal. O êxito, portanto, do trabalho do psicopeda- gogo constrói-se em parceria e complementariedade com o dos demais profissionais da escola. Procura- mos buscar a compreensão das características e ne- cessidades de aprendizagem dos alunos, abrindo es- paço para que a escola viabilize recursos para atender a estas necessidades, repensando o papel da escola e assumindo a responsabilidade que lhes cabe tanto pela aprendizagem, como pela não aprendizagem, buscando uma educação de qualidade e um trabalho diferenciado, com foco principal na aprendizagem do aluno e menos nos conteúdos programáticos. 1.2.11. Qual a importância da parceria família e escola no trabalho psicopedagógico? Diante do enfraquecimento, por motivos vá- rios, das instituições na sociedade moderna, inclusi- ve da família, a escola tornou-se uma instituição, que cresceu de importância para elaborar as dificuldades individuais, familiares e sociais. Buscar uma sintonia entre essas instituições é um caminho que contribui para o desenvolvimento do aprendiz e gera mudan- ças saudáveis na própria cultura da família, da escola e do contexto maior em que essas instituições estão inseridas: a sociedade. Os paradigmas individualistas da sociedade moderna afastaram-se das experiências de com- plementariedade e de parcerias. As dificuldades de parceria manifestam-se em diferentes contextos da nossa vida pessoal e institucional, mas, ainda assim, esse é o caminho mais indicado para lidar com os problemas de aprendizagem de tantas crianças e jovens, para as quais a vida escolar é uma fonte de sofrimentos e de frustrações, que por sua vez impac- tam de forma imediata nas famílias e, por extensão, na sociedade em que esses atores estão inseridos. 1.2.12. A Psicopedagogia sempre busca identificar nas crianças e jovens com dificuldades de aprendi- zagem um diagnóstico e uma forma de tratamento? Não é correto estabelecer uma regra geral atribuindo todos os casos de DA – dificuldades de aprendizagem – a um mesmo diagnósticofocado de forma geral nos alunos. Muitas vezes, as tentativas de estabelecerem-se a qualquer custo diagnósticos para avaliar esses problemas, servem para encobrir possíveis incompetências pedagógicas, que aconte- cem por parte da escola, chamando de dificuldade de aprendizagem o que, na verdade, seriam proble- mas escolares. Outras vezes, não existem resultados clínicos que comprovem de forma incontestável as causas para DA. Infelizmente, é comum o diagnóstico pouco criterioso de "hiperatividade", "fobia escolar" etc, servir como “bode expiatório” para alguma incapa- cidade da escola em lidar com processos e métodos de eficazes de aprendizagem. Não é segredo que a maioria das escolas, notadamente as públicas, está longe de cumprir sua tarefa de instruir e educar, en- volvidas que estão por precariedades, ditames políti- co-demagógicos ou técnicos utilitaristas. Percebe-se, com certa facilidade, que algo está muito errado na Educação e que, nem sempre, o erro é exatamente das crianças. 1.2.13. Como o psicopedagogo pode lidar com tantas variáveis em sua avaliação/abordagem terapêutica? Esse contexto tão complexo aumenta a respon- sabilidade do psicopedagogo. Cada caso deve ser avaliado de forma individual e criteriosa, incluindo na avaliação da criança ou do adolescente o entor- no familiar e, lógico, escolar. Se essas questões de DA estão presentes no ambiente escolar e, por outro lado, ausentes nos outros lugares, o problema bem provavelmente deve estar no ambiente de aprendi- zado e não em algum "distúrbio neurológico" miste- rioso e não-detectável (Jan Hunt). O psicopedagogo deve observar se essas di- ficuldades acontecem só no ambiente escolar, se a criança aprende bem em outros ambientes, tais como: cursos de língua estrangeira, aulas de músi- ca etc. Pode observar, ainda, se a criança sabe ma- nipular aparelhos eletroeletrônicos com facilidade, tem boa performance em atividades lúdicas, enfim, quando ela mostra fora da escola que pode aprender como as demais. 1.2.14. O que é preciso observar em relação às escolas? Excluindo-se a imensa maioria da população brasileira que não pode escolher, e é obrigada a acei- tar a escola pública, em que seu filho deve obriga- toriamente estudar. Algumas outras famílias podem escolher a escola, motivadas por razões sociais, pelo renome (fama) da instituição de ensino, por ser mais próxima de sua residência, por ter uma mensalidade compatível com o orçamento familiar, enfim, nem sempre o critério é pedagógico. Diante disso, é preciso observar que, muitas vezes, as DA são reações compreensíveis de estu- dantes neurologicamente normais à obrigação de adequar-se a condições adversas a que são expos- tos, diariamente, em salas de aula. Podemos ver na clínica psicopedagógica, muitas crianças sensíveis e emocionalmente retraídas que passam a apresentar DA, depois de submetidas a alguma situação cons- trangedora vivida no grupo de colegas de classe, mas não percebida pelos professores e familiares. Quando o problema é da escola, de certo modo “contamina” a criança e pode favorecer um falso diagnóstico, se não houver um olhar atento. Se as aulas não são devidamente preparadas e carecem de atrativos pedagógicos, o diagnóstico pode ser de “Hiperatividade”, de “Déficit de Atenção"; se a criança é assediada, se sofre bullying, se apanha de grupos de “colegas” delinquentes, se é submetida a situações vexatórias frequentes, pode aparentar um diagnóstico de “Fobia Escolar”; e assim por diante. 1.3. O HOMEM VISTO COMO SER COGNOSCENTe Beatriz Scoz, em seu livro “Psicopedagogia e realidade escolar”, parte da definição da Psicopeda- gogia como uma área de interesse, voltada para o processo de aprendizagem humana, mostrando que esse processo de construção do conhecimento: “(...) está, de alguma forma, ancorado no sujeito, porque o trabalho do psicopedagogo não se dá entre o psicope- dagogo e o processo de construção do sujeito e, sim, en- tre o psicopedagogo e o ser em processo de construção do conhecimento, ou seja, o ser cognoscente.” 10 Colocando-se, dessa forma, o ser cognoscente como objeto de estudo da Psicopedagogia, identifica- -se na dimensão do sujeito uma relação dialética entre determinação e autonomia, em que se considera por autonomia a ação criadora do sujeito; enquanto a deter- minação está relacionada às dimensões constitutivas do ser cognoscente: a racional, a relacional e a desiderativa. 1.3.1. Em que dimensões o ser cognoscente pode ser definido e analisado? 10 In: SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar, pág. 28. “A determinação do ser cognoscente está relacionada com as dimensões que o constituem. Assim sendo, esse ser é determinado por sua dimensão racional, por sua dimensão desiderativa e por sua dimensão relacional. Essas dimensões na medida em que de- terminam o ser cognoscente são constituintes no processo de construção do conhecimento, de formas e intensidades diferentes, é bem verdade, mas todas: racional, relacional, desiderativa – são constitutivas no processo.” 11 Na dimensão relacional, o ser cognoscente é social, contextualizado, ou seja, determinado pelas condições materiais da sua existência em sociedade. O grupo em que está inserido, sua classe social, sua estrutura familiar etc. Na dimensão racional, o ser cognoscente cons- trói seu conhecimento a partir da ação. Segundo Pia- get (1964), cada etapa é gênese da seguinte. A crian- ça que aprende a engatinhar engatinhando; depois, a andar, caindo e levantando; até chegar com ela à habilidade de correr e jogar bola. O sujeito constrói o conhecimento pela ação e pela estruturação, que faz dessas ações nas contradições do fracasso ou nas 11 Apud SILVA, M.ª Cecília A.. Psicopedagogia: em busca de uma fun- damentação teórica, pág. 31. sínteses que representam os avanços. A dimensão desiderativa, não é meramente emocional, abarca um saber que o ser cognoscen- te, ainda, não conhece, que é, portanto, um saber na dimensão inconsciente. De acordo com Freud, o inconsciente é regido pelo princípio do desejo ou do prazer. É preciso observar que, esse mesmo prin- cípio, quando acionado às avessas, pode se trans- formar em aversão, afastando a criança do interesse pelo conhecimento. Essas dimensões estão relacionadas e intera- gem na constituição do ser cognoscente regidas pelo princípio de prazer ou pelo de realidade, na dialética da autonomia ou da determinação (heteronomia), num processo conflitivo e complementar. 1.3.2. Qual é a função do eu cognoscente e como seu processo de construção pode ser afetado? O eu cognoscente tem função organizadora do indivíduo, é intermediário entre desejo e razão, o res- ponsável pela síntese e pelas elaborações simbólicas. Por meio da linguagem, o eu cognoscente constrói- -se e mantém sua autonomia, enquanto sujeito. No sentido de compreender como se proces- sam essas dificuldades, podem ser observadas as dimensões humanas relacionadas à aprendizagem. Uma má articulação entre essas dimensões do eu cognoscente, que é o núcleo organizador, levaria a uma falsa organização. Segundo Silva: “(...) os obstáculos à construção do eu cognos- cente surgem como sintomas, que por sua vez, emergem da forma como se articulam entre si as diferentes dimensões do ser, mas também da interação que elas, como um todo dinâmico, es- tabelecem com o objeto, e do prolongamento da inter-relação no eu cognoscente.”12 1.3.3. Como a Psicopedagogia pode contri- buir para restabelecer o equilíbrio desse pro- cesso de construção do ser cognoscente? 12 In: SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar, pág. 33. O processo terapêutico psicopedagógico busca, portanto, a reconstrução da capacidade de síntese do eu cognoscente, a cura dos sintomas de dificuldade de articulação das dimensões do entre si, bem como a arti- culação do conjunto delas e o objeto de aprendizagem. A terapia psicopedagógica dá-se pela ação diri-gida, através de situações que permitem desmontar os sintomas das dificuldades de aprendizagem e pela regressão, permitindo que o sujeito se ressignifique como, capaz, autônomo e criativo, no processo de aprendizagem. 1. Como trabalhar com a diversidade e respeitar as individualidades de cada aluno? 2. Quais os paradigmas da escola em relação às difi- culdades de aprendizagem? 3. Como uma ciência formada a partir da soma de sa- beres pode se constituir num caminho para auxiliar os alunos a superarem seus problemas de aprendizagem? 4. Que espécie de visão conduz aos paradigmas da sociedade moderna? 5. Em que contribui para uma abordagem psicope- dagógica a visão da criança e do jovem, como seres cognoscentes? Questões ~ Unidade 2 Nesta segunda unidade, temos a busca do embasamen- to teórico em Edgar Morin, com os seguintes tópicos: 2.1. O pensamento complexo e a Psicopedagogia 2.2. Um pouco do pensamento de Edgar Morin 2.3. A busca da reintegração segundo Morin 2.1. O PENSAMENTO COMPLEXO E A PSICOPEDAGOGIA As leis e as fórmulas simples são cada vez mais insuficientes, estamos defrontando-nos cada vez mais com o desafio da complexidade. Pascal disse há três séculos: “Todas as coisas são ajudadas e ajudantes, todas as coisas são mediadas e imediatas, todas estão ligadas entre si por um laço que conecta uma às outras, in- clusive as mais distanciadas. Nestas condições, con- sidero impossível conhecer o todo se não conheço as partes.” (In MORIN, Edgar. Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade, pág. 274 e 275) Morin acrescenta, ainda: “Tudo está em tudo, reciprocamente” (5). Assim, não só o todo está nas partes, mas também a parte está no todo, cada parte conserva a sua singularidade, porém contém o todo. O pensamento tradicional é disjuntivo e redu- tor, buscamos a explicação do todo através da consti- tuição de suas partes. Quer-se, desse modo, eliminar o problema da complexidade. Observando a forma como a Educação está organizada desde o início do ensino fundamental, podemos notar que esse pen- samento reducionista predomina em todo processo de formação escolar, construindo um mundo de ex- perts e especialistas, que deixa fora dele todo aluno que não se adequa a seus rígidos padrões. “Hegel dizia que o verdadeiro pensamento enfrenta a morte, olha de frente para a morte. O verdadeiro pensamento é o que olha de frente, enfrenta a de- sordem e a incerteza. Nessa linha, enfrentando o problema da complexidade, nascem novas ciências, diferentes das disciplinas clássicas (...)” (MORIN, Edgar. Novos Paradigmas, Cultura e Sub- jetividade, pág.277) Assim, nasce a Psicopedagogia como uma soma de saberes necessários para contemplar-se a comple- xidade e contribuir para superação das dificuldades de aprendizagem. 2.1.1. Como a sociedade retroage sobre os indivíduos? A sociedade é um todo, cujas qualidades retroa- gem sobre os indivíduos dando-lhes uma linguagem, cultura e educação. O todo, portanto, é mais que a soma das partes. Mas, é ao mesmo tempo menos que a soma das partes, pois a organização de um todo impõe constrições e inibições às partes que o for- mam, que já não tem tal liberdade. Na realidade, a organização é o que liga um sistema, que é um todo constituído de partes dife- rentes, porém encaixadas e articuladas. A ideia que destrói toda tentativa reducionista de explicação é que o todo tem quantidade de propriedades e qua- lidades que não têm as partes, quando estão sepa- radas. Assim, podemos obter, através da integração de estudantes em torno da realização de uma pro- posta de trabalho, a desinibição, o desenvolvimento da habilidade de trabalhar em grupo, de descobrir soluções, de ler, interpretar, entender, gostar de ler, de aprender, vivenciar a aprendizagem e ter o que lembrar depois. 2.2. UM POUCO DO PENSAMENTO DE EDGAR MORIN 13 2.2.1. A noção de sujeito Palavras-chave: sujeito, autonomia e dependên- cia, o mundo científico e o intuitivo, disjunção e conjunção. Neste caso, estamos diante de uma das primei- ras questões paradigmáticas. Por isso, para refletir sobre elas, Morin diz que o séc.XXI deverá abando- nar a visão unilateral que define o ser humano, pois este é complexo e traz em si, de modo bipolarizado, caracteres antagônicos. Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo. Por isso, a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura... Nas cidades, a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. (Alberto Caeiro, in: "O Guardador de Rebanhos - Po- ema VII"- Heterônimo de Fernando Pessoa) A noção de sujeito é extremamente controver- tida, é evidente e não-evidente, trata-se de uma evi- dência óbvia, pois em quase todas as línguas, existe uma primeira pessoa do singular; por outro lado não é evidente: onde se encontra o sujeito? O que ele é? Em que se baseia? Em muitas filosofias e metafísicas, o sujeito 13 MORIN, Edgar. “Epistemologia da Complexidade”. In: SCHNIT- MAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artmed, 1996. confunde-se com a alma com a parte divina, em que se fixa o juízo, a liberdade, a vontade, a moral etc. Uma disjunção na cultura ocidental é considerar- mo-nos sujeito e vermos o outro como sujeito. Pelo paradigma de Descartes, há dois mundos: um relevan- te ao conhecimento científico, que é o mundo dos ob- jetos expressos pela técnica, pelas ciências e pela ma- temática; e outro, intuitivo, reflexivo, que é o mundo dos sujeitos, expresso pela filosofia e pela literatura. Uma maneira de ver as coisas é considerar que a espécie não existe, visto que nunca vemos a espécie, o que vemos é o indivíduo; porém no campo concei- tual, é o indivíduo que desaparece, e o que conside- ramos é a espécie. No ciclo rotativo da vida, somos produtos e produtores. A sociedade é produto de in- terações entre os indivíduos. Essas interações criam organizações que passam a ter vida própria: quali- dade, linguagem e cultura. Os indivíduos produzem a sociedade que, por sua vez, produz os indivíduos. Assim, contrariando a teoria determinista, podemos reconhecer a autonomia do indivíduo, mas, sendo essa, ao mesmo tempo, relativa e complexa. A noção de sujeito implica, ao mesmo tempo, em autonomia e dependência, mas não se esgota nisso. Um computador, por exemplo, é um compu- tante, ocupa-se de signo, dados e índices. Uma bac- téria também computa (elos entre proteínas DNA e RNA, e a autorreprodução dos organismos unice- lulares), porém computa por conta própria, por si mesma e para si mesma, ou seja, está animada por autofinalidade. A bactéria poderia dizer “computo ergo sum”, “computo, logo existo”, pois se deixa de computar, deixa de existir. Somam-se à noção de sujeito, o computo, o egocentrismo e a autoconstituição de sua identida- de. Remetendo a si mesmo, que é a entidade corpo- ral. A autorreferência é a auto-exo-referência, para referir-se a si mesmo, é preciso referir-se ao mundo externo, esse processo é constitutivo da identidade subjetiva, distinguindo, entre o si e o não-si, entre o eu e os outros “eus”. Nosso sistema imunológico, conforme descoberta do final dos anos sessenta, re- conhece e ataca em si, todo não-si. Por meio do processo de transformação da criança em adulto, nós nos transformamos. O eu ocupa um lugar central, estabelecendo a permanên- cia da identidade. Temos a ilusão de ter uma identi- dade estável, apesar de todas as diferenças, segundo nossos humores e paixões. O eu realiza a unidade, esse é um segundo princípio de identidade. Há dois princípios associados: a inclusão e a ex- clusão. A inclusão faz com que possamos integrar em nossa subjetividade outros diferentes de nós, in- tegrando-a a uma subjetividade mais coletiva, o nós. O sujeito humano pode oscilar entre o egocentrismo absoluto, ou seja, o predomínio do princípio de ex- clusão, e a abnegação,o sacrifício pessoal, a inclusão. O terceiro princípio é o da intercomunicação com o semelhante, esse deriva do princípio da in- clusão. O que torna mais complexo o problema da comunicação humana, é que podemos comunicar nossa incomunicabilidade. Como o indivíduo vive num universo em que existe o acaso, a incerteza, o perigo e a morte, o su- jeito tem, inevitavelmente, um caráter existencial. Nos mamíferos, a afetividade desenvolve-se ao mesmo tempo em que o sistema cerebral, tem um papel, para muitos, preponderante na constituição do sujeito. O indivíduo-sujeito pode tomar consci- ência de si mesmo, através da linguagem, nesse pro- cesso de autorreferência e de reflexividade. A liberdade é a possibilidade de escolha entre diversas alternativas. A liberdade supõe duas condi- ções, a condição interna para considerar uma situ- ação e suas escolhas, suas apostas, e as condições externas, nas quais essas escolhas são possíveis. Quando falo, ao mesmo tempo em que eu falo, falamos “nós”; no eu falo também está o “se fala”. Por “nós” pode se entender a comunidade cálida, da qual fazemos parte e, por “se fala”, indica-se a co- letividade fria. Pois, então, o eu não está puro e não está só, nem é o único. Se não existisse o “se” e se não existisse o “nós”, o eu não poderia falar. Assim, sempre temos incertezas: em que medida o que fala “sou eu”. Na frase de Freud: “onde está o ele, o eu deve devir”. O que não significa que o ele deva desa- parecer, mas que o eu deve emergir. Pelo princípio do egocentrismo, o eu está no centro do mundo, mas objetivamente, não é nada no universo, é efêmero, sendo para si mesmo tudo, e para o mundo, nada, resulta-se o princípio da incerteza. Na visão de Mony Elkaïm: “devemos lutar con- tra a disjunção e a favor da conjunção”, ou seja, es- tabelecer ligações, entre coisas que estão separadas, criando macroconceitos como, por exemplo, a auto- -geno-feno-ego-eco-re-organização. E ainda, o pro- blema do sujeito é o problema da identificação com seus valores, sendo a tomada de consciência um ato de iluminação ética. 2.2.2. Epistemologia da complexidade Palavras-chave: globalização, sociedade da infor- mação, incerteza, cultura, identidade cultural. As leis e as fórmulas simples são cada vez mais insuficientes. Estamos defrontando cada vez mais com o desafio da complexidade. Pascal disse há três séculos: “Todas as coisas são ajudadas e ajudantes, todas as coisas são mediadas e imediatas, todas estão ligadas entre si por um laço que conecta uma às outras, inclusive as mais distanciadas. Nestas condições, considero impossível conhecer o todo se não conheço as partes” e, ainda, “Tudo está em tudo reciprocamente”. Assim, não só o todo está nas partes, mas também, a parte está no todo, cada parte conserva a sua singularidade, porém contém o todo. O pensamento tradicional é disjuntivo e re- dutor, buscamos a explicação do todo através da constituição de suas partes. Quer-se, desse modo, eliminar o problema da complexidade. Essa forma de pensamento predomina em todo processo de for- mação escolar, construindo um mundo dos experts e dos especialistas. Hegel dizia que o verdadeiro pensamento en- frenta a morte, olha de frente para a morte. O verda- deiro pensamento é o que olha de frente, enfrenta a desordem e a incerteza. Nessa linha, enfrentando o problema da complexidade, nascem novas ciências, diferentes das disciplinas clássicas. Em realidade, a organização é o que liga um sistema, que é um todo constituído de partes dife- rentes, porém encaixadas e articuladas. A ideia que destrói toda tentativa reducionista de explicação é que o todo tem quantidade de propriedades e quali- dades que não têm as partes quando estão separadas. A sociedade é um todo cujas qualidades retroagem sobre os indivíduos dando-lhes uma linguagem, cul- tura e educação. O todo, portanto, é mais que a soma das partes. Mas, é ao mesmo tempo menos que a soma das partes, pois a organização de um todo im- põe constrições e inibições às partes que o formam, que já não tem tal liberdade. Em cada organização, devemos observar suas vantagens e as constrições, posto que essa reflexão evite que se glorifiquem or- ganizações mais amplas, visto que essas limitam mais do que as menores. Uma diferença fundamental entre a máquina viva e a artificial, é que a artificial não tolera desordem, en- quanto que a máquina viva pode tolerar uma quanti- dade razoável de desordem. Nas sociedades humanas, essa desordem é o que chamamos de liberdade. O que chamamos de realidade, percebemos através de nossas estruturas mentais, sendo todo conhecimento uma tradução e uma reconstrução. Construímos nossa percepção de mundo com uma considerável ajuda de sua parte. É surpreendente que nosso cérebro está totalmente fechado em sua caixa craniana, que não se comunica diretamente com o mundo exterior, do qual recebe apenas estímulos que são transformados em mensagens, que se transfor- mam em informações e, por sua vez, em percepções. Os seguidores da Escola de Copenhague pensavam que o que conhecemos não é o mundo em si, é o mundo com nosso conhecimento. Não podemos se- parar o mundo que conhecemos das estruturas com o qual o conhecemos. Assim, há uma aderência inse- parável entre o mundo e nosso espírito. É difícil estabelecer uma clara fronteira entre o que é sensato e o que é loucura. Cada ser humano carrega em si um verdadeiro cosmo. Não só por que a profusão de interações em seu cérebro seja maior do que todas as interações no cosmos, mas também porque leva em si um mundo fabuloso e desconheci- do dele mesmo. A singularidade, o concreto, a carne, o sofrimento, tudo isso é o que faz a força da novela. Assim, os grandes novelistas já ensinaram o cami- nho da complexidade. A política vem mostrando o caminho da comple- xidade à medida que governar implica na necessidade de outros conhecimentos, por exemplo o sociológico, o ecológico. Consequentemente, a política vem tor- nando-se, cada vez mais, tecnocrática e econocrática. A era planetária faz-se quanto mais se produzem in- terconexões entre os diferentes segmentos do planeta. A política deve enfrentar essa complexidade. Conclui-se colocando que o pensamento com- plexo não pretende se considerar completo, mas le- var em conta que sempre há a incerteza, aprender a lidar com ela, reconhecendo que o problema ver- dadeiro consiste em privilegiar a estratégia e não o programa. Hoje se inicia a construção desse novo paradigma: o pensamento complexo. 2.2.3. O que significa esta complexidade huma- na proposta por Morin? A citação, abaixo, tenta explicar melhor a visão de ser humano, pois segundo Morin: “O ser humano não é somente um ser racional, pois, também é irracional; o homem da racionalidade é também o da afetividade; do mito e do delírio. O homem do empírico é também do imaginário. O homem de economia é também do consumismo. O homem prosaico é também da poesia, isto é, do fer- vor, da participação, do amor, do êxtase.” (Morin, 2004, pág. 58). Vive-se, atualmente, uma época de transição, de tomada de consciência, de mudanças paradigmáti- cas, na qual o homem atua de modo individualista e sente euforicamente a sensação de liberdade, de au- tonomia e responsabilidades. Mas, este sentimento não foi suficiente para aquietá-lo e preenchê-lo. Este modo individualista de viver não trouxe paz interior, ao contrário disto, trouxe solidão e angústia. “Desde o seu nascimento o ser humano conhece não só por si só, para si, em função de si, mas, também, pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas.” (Morin, 2002, pág. 21). 2.2.4. Qual é a importância da cultura, nessa visão da complexidade humana? Este pensamento traz a ideia de homem como um ser biológico, cultural e social e torna-os inse- paráveis, pois, sem o homem, não existiria cultura e o homem não teria capacidade de pensamento e consciência sem cultura.“É a cultura e a sociedade que garantem as realiza- ções dos indivíduos, e são estas interações que per- mitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade”. (Morin, 2002, pág. 54) Olhar o ser humano na sua complexidade signi- fica pensar o desenvolvimento humano associado ao desenvolvimento conjunto das autonomias individu- ais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana 2.2.5. A partir de qual momento a cultura passa a ter importância na vida humana? Todo conhecimento é adquirido por nós, desde o ventre materno, antes do nascimento com as influ- ências do meio ambiente, sons, músicas e alimentos. Percebe-se, então, que se a cultura está presente e influencia-nos desde o período embrionário. Ela é “coprodutora da realidade que cada um percebe e concebe”. (Morin, 2002, pág. 25). A esta realidade chamamos conhecimento. 2.3. A BUSCA DA REINTEGRAÇÃO SEGUNDO MORIN Refletindo sobre as condições do homem e do conhecimento, é necessário abandonar a ilusão de que somos hiperconscientes14 e pensar no fato de que na mesma medida que manipulamos o conheci- mento, somos manipulados por nossos paradigmas, pois, segundo Morin: “Os indivíduos conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas neles inscritos culturalmente e que o nosso maior desafio é conseguir olhar para nós mes- mos e nos confrontarmos interiormente, pois o que é paradigmático está profundamente inscrito também na organização cognitiva, psíquica, intelectual e cultu- ral, em que nascem teorias e raciocínios no ser huma- no”. (Morin, 2002, pág. 261) 14 Hiperconsciente. Posição superior, além, excesso da consciência. (Ferreira, 1986, pág.1897). ~~ Embora a sociedade imponha regras e limita- ções aos indivíduos, e estes se submetam e obede- çam na maior parte do tempo, isto não ocorre de maneira totalizadora. 2.3.1. Ainda que inseridos e manipulados pelo contexto cultural, de que maneira os indivíduos podem conseguir construir sua autonomia? Nós somos indivíduos com capacidade e auto- nomia para pensar, criar, modificar, desviar, inovar, e possuímos ideias que podem se projetar acima da cultura. Entender isto é mais uma proposta de mu- dança paradigmática a ser pensada por nós, pois so- mos corresponsáveis pelas mudanças e revoluções e não vítimas deste sistema. Ao falar em mudanças, não se trata de abando- nar um conhecimento em detrimento do outro, mas sim conjugá-los. Poder criticar sem querer dissolver, possibilitar a comunicação, o diálogo, não para criar uma verdade ou razão, mas para permitir duvidar, criar incertezas, enfrentar imprevistos e apreender a lidar com o inesperado. 2.3.2. Nesse aspecto, que contribuições podemos ter a partir de uma abordagem interdisciplinar? “Entendemos que o homem é um ser físico e bioló- gico, individual, cultural e social, mas não estabele- cemos ligações entre os pontos de vista de cada um deles”. (Morin, 2002, pág. 288). Na Educação, este conceito de ser humano pode desintegrar-se por meio das disciplinas frag- mentadas, impedindo o estabelecimento de vínculos entre as partes e a totalidade. Morin propõe uma Educação dirigida: “à totali- dade aberta” do indivíduo, uma restauração no senti- do de ser humano “de modo que cada um tome co- nhecimento e consciência, ao mesmo tempo de sua identidade complexa e de sua identidade comum a to- dos os outros seres humanos”. (Morin, 1999, pág. 15) 2.3.3. Por que entender os seres humanos, os povos, as culturas na sua diversidade é um ca- minho para a Educação na pós-modernidade? O trabalho com a diversidade será o ponto de partida rumo a uma revolução paradigmática, de uma nova geração de teorias abertas, críticas, refle- xivas, feitas com parcerias, em redes que se reverbe- rem a todos os seres humanos, como “cidadãos da terra”. (Morin, 2002, pág. 61) 2.3.4. Mas, o que significa o pensamento em rede que se reverbera tornando-nos cidadãos da Terra? Para responder esta questão, Morin propõe um pensamento a partir da tríade: indivíduo, sociedade e espécie humana. “Os indivíduos são produto do processo reprodutor da espécie humana, mas este processo deve ser ele próprio realizado por dois indivíduos. As interações entre indivíduos produzem a sociedade, que testemu- nha o surgimento da cultura, e que retroage sobre os indivíduos pela cultura.” (Morin, 2004, pág. 54) A partir desse pensamento complexo, percebe- mos que a sociedade vive para o indivíduo, este por sua vez, vive para a sociedade e ambos vivem para a espécie humana, que vive tanto para o indivíduo como para a sociedade, tornando-se, assim, meio e fim. É a partir desta relação triádica – indivíduo/ espécie/sociedade - que Morin propõe um pensa- mento em rede, em que a complexidade humana não poderia ser compreendida se reduzida a uma visão tradicional e, portanto, dissociada dos elementos que a constituem. Cabe à Educação do futuro: “cuidar para que a ideia de unidade da espécie humana não apague a ideia da diversidade, e que a da sua diversidade não apague a da unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade humana.” (Morin, 2002, pág. 55). Vê-se, nessa perspectiva do pensamento “mul- tifacetado do humano”15 (Morin, 2002, pág. 61), que o ser humano é situado no universo e não separado dele, nessa relação. Daí decorre a necessidade deste pensamento multifacetado à Educação do futuro, servindo como eixo, e ao mesmo tempo, como caminhos que se abrem a todos que pensam, pesquisam, fazem edu- cação e preocupam-se com o futuro da humanidade. 15 Multifacetada. Possui muitas facetas que se aplicam a vários assun- tos. (Ferreira, 1986, pág. 1169). 1. Compare pensamento tradicional e pensamen- to complexo? 2. Qual desses pensamentos identifica-se com a abordagem psicopedagógica dos problemas de aprendizagem? Por quê? 3. O que é o pensamento em rede? 4. A Educação do futuro baseia-se em que paradigmas? 5. Explique por que não somos hiperconscientes? Questões ~ Unidade 3 Nesta terceira unidade, estudaremos o processo de aprendizagem sobre quatro aspectos: 3.1. O aprender e o processo de escolarização: as bases biológicas da compreensão humana 3.2. Teoria da Psicologia Cognitiva com base em Piaget, ampliada para a abordagem psicopedagógica 3.3. Quadros das fases do desenvolvimento segundo Piaget 3.4. Roteiros de aplicação das provas operatórias 3.5. Um olhar ampliado para a Teoria de Piaget 3.6. Neurociência e o desenvolvimento cognitivo 3.1. O APRENDER E O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO : AS BASES BIOLÓGICAS DA COMPREENSÃO HUMANA O fenômeno de aprender é “mudar com o mundo”. Trata-se de um processo dinâmico e aber- to, de mútuas adaptações entre organismos vivos e meio, sujeitos e ambientes. Essa concepção de aprender implica em trans- formações nas trocas recíprocas entre sistemas-indi- víduos - e ambiente - em que entra em jogo tanto a conservação das receptivas identidades dos organis- mos e do meio, quanto às suas alterações. É um processo de transformação em que o su- jeito aprendiz organiza-se com a cultura. Neste pro- cesso, as forças dos ambientes não determinam as condutas deste sujeito, mas exercem suas influências nas suas criações, fechando ou abrindo possibilida- des de construções. 3.1.1. O que Maturana nos apresenta como pers- pectiva do desenvolvimento humano? “Processo pelo qual o sujeito em mudança, amplia suas perspectivas do meio ambiente, tornando-se mais capaz de interagir no mesmo, de reestruturá-lo ou de transpor as suas próprias condições.” Maturana (1996) ~~ ~ A concepção sobre “forças do meio”, leva em conta uma visão dinâmica do ambiente, numa abordagem ecossistêmica, em que o ato de ensinar e de aprender não são dois momentos recíprocos, como o dar e o receber, ou o educar e educar-se. Há, porém, coisas que não se podem ser ensinadas, mas, não obstante a essa impossibilidade, podem ser aprendidas. Temos, como alguns exemplos disso, ha- bilidades como jogar, pensar,sentir e humorizar. Entre alguém que ensina e alguém que aprende, abre-se um espaço de imprevisibilidade, de surpre- sa, de criação, de transformação e de construção de conhecimentos, porque os saberes, assim como os indivíduos, vivem um processo contínuo de cons- trução, numa sociedade que ainda não está pronta. 3.1.2. Dentro dessa perspectiva, a plenitude da condição humana advém apenas do nascimento? É por meio da aprendizagem, que nós humanos nos tornamos humanos. O filhote de ser humano se faz humano através da aprendizagem humana e este, portanto, sendo um dos nossos atributos fundamen- tais, constitui-se em nosso primeiro desafio. 3.1.3. Qual é a importância, então, de diagnosti- car-se o não-aprender? Até a terceira década da vida, os jovens passam mais tempo na escola do que em qualquer outra institui- ção, na presença de professores, colegas de aula. Nossa missão torna-se determinante rumo a um trabalho de cidadania ativa e de apoio à construção da autonomia. Nesse sentido, diagnosticar o fenômeno do não aprender como sintoma, consiste em encontrar sua funcionalidade, sua articulação na situação integrada pelo aluno. 3.1.4. Considerando-se que os jovens vivem maior parte do tempo dentro das escolas, qual é a missão dessa instituição? Consideremos que o papel da escola deveria ser o de desenvolver o potencial de cada um, respeitan- do as características individuais do aluno e sua forma de aprender, procurando reforçar os pontos fortes e auxiliando na superação dos pontos fracos. Evitaríamos, dessa forma, que as mais diversas mo- dalidades de dificuldades que as crianças apresentam em sua vida escolar, tornassem-nas excluídas no processo de aprendizagem, fazendo-as rotuladas e discriminadas. É preciso compreender que cada indivíduo cog- noscente tem um tempo e uma forma de aprender própria, mas, sem sombras de dúvida, chega-se à con- clusão que, independentemente, da via neurológica utilizada, o sucesso escolar de crianças com distúrbios de aprendizagem possa ser uma associação de fatores positivos que envolvam ambiente de estudo adequado + estímulo + motivação + organismo, possibilitando que o professor, na sua árdua tarefa de lidar com as mais diferentes adversidades, saiba que, antes de tudo, é necessário saber avaliar, distinguir e, principalmen- te, querer mudar suas estratégias de aula e adequá-las, respeitando cada criança e jovem estudante, em seu estado específico de desenvolvimento. 3.1.5. Quais são as causas mais frequentes para as di- ficuldades de aprendizagem e problemas escolares? 1. Escola 2. Fatores intelectuais ou cognitivos 3. Déficits físicos e ou sensoriais 4. Desenvolvimento da linguagem 5. Fatores afetivo-emocionais 6. Fatores ambientais (nutrição e saúde) 7. Diferenças culturais e ou sociais 8. Dislexia 9. Deficiência não verbal. 3.1.6. Como se processa o desenvolvimento da aprendizagem escolar numa criança com DA (Dificuldade de Aprendizagem)? Numa criança com DA, o desenvolvimento se processa mais lentamente do que em outra criança da mesma faixa etária e livre dessa condição dife- renciada, especialmente, na área da atenção seletiva. Não se deve, porém, considerar essas crianças de- feituosas, deficientes ou permanentemente inaptas. Elas podem aprender! É preciso que o educador procure uma forma de ensino adequada a atender sua necessidade específica, e não procure ou aceite o caminho mais fácil: apontar algo que esteja errado na criança. É provável que seu método de ensino e a forma de aprendizagem da criança estejam em defasagem ou desencontro. Nem a criança, nem o professor de- vem ser responsabilizados por isso, mas o professor pode ser responsável se ele não tentar implementar uma estratégia, que ajude a contornar o impasse. 3.1.7. O que se entende por escola? Além da instituição escola, estão incluídos, nes- te item, os fatores intraescolares como inadequação de currículos, de programas, de sistemas de ava- liação, de métodos de ensino e de relacionamento professor-aluno. Vale salientar a necessidade de dife- renciar, com uma especial atenção, as crianças com dificuldades de aprendizagem das demais crianças com dificuldades escolares, que revelam a incompe- tência da instituição educacional, no desempenho de seu papel social. As dificuldades escolares, para serem solucio- nadas, não podem ser consideradas como problemas dos alunos. É comum vermos professores usando material de ensino desestimulante, desatualizado, totalmente desprovido de significado para muitas crianças, sem levar em consideração suas diferenças individuais. O aluno não se envolve no processo de ensino-aprendizagem e fica mais difícil a assimilação de conhecimentos. 3.2. TEORIA DA PSICOLOGIA COGNITIVA COM BASE EM PIAGETs, AMPLIADA PARA A ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA Jean Piaget* (1896-1980) foi biólogo, psicólogo, filósofo, suíço, conhecido pelo seu trabalho pio- neiro no campo da inteligência infantil e uma das figuras mais notáveis no campo das ciências contemporânea do comportamento. Realizou pesquisas sobre o pensamento infantil. Uma de suas grandes preocupações era relacionada ao funcionamento das estruturas do pensamento lógico, intelectual da criança, em seu aspecto dinâmico e nos processos do conhecimento que a criança põe em ação. Para isto, desenvolveu um método clínico. Piaget queria evitar os inconvenientes da apli- cação de testes assim como as puras observações. Assim, emprega um método novo, clínico de con- versação livre com a criança, sobre um tema dirigido pelo interrogador que segue suas respostas pedindo que justifique, explique, diga por que, enfim, fazen- do com que a criança fale mais livremente. Para dominar este método, é necessário reu- nir algumas qualidades fundamentais: saber obser- var, deixar que a criança fale sem interrompê-la e ao mesmo tempo ter em mente alguma hipótese de trabalho. No decurso da utilização do método, foi construindo-se novas perspectivas, uma nova to- mada de consciência que culmina na verificação de sua inadequação e, gradativamente, passa-se de um método inicialmente verbal para um material cons- tituído de experiências com intervenções para justi- ficar as ações concretas efetuadas; da lógica infantil da linguagem para a lógica infantil na ação, sem que a linguagem seja excluída. Assim, foi se construindo o método clínico. 3.2.1. Como se deu a Teoria de Piaget? Na Teoria de Piaget, a compreensão de um ob- jeto de conhecimento aparece estreitamente ligada à capacidade de o sujeito reconstruir este objeto, por ter compreendido suas leis de composição. Piaget fala de uma compreensão ligada à transformação do objeto. No processo de construção do pensamento, o funcionamento intelectual, em seu aspecto dinâmico, caracteriza-se também pelos processos invariantes de assimilação e acomodação cognitiva, onde como duas faces da mesma moeda um completa o outro, gerando novas adaptações do indivíduo, no seu processo de construção de pensamento. Para Piaget “a cognição, assim como a digestão, é organizada. Todo ato inteligente pressupõe algum tipo de estrutura intelectual, algum tipo de organiza- ção dentro da qual ocorre. A apreensão da realida- de sempre envolve relações múltiplas entre as ações cognitivas, os conceitos e os significados que as expri- mem”. (Flavell John; A Psicologia de desenvolvimen- to de Jean Piaget, pág. 46) 3.2.2. Como se dá o ato de assimilação? “O ato de assimilação é o fato primeiro, que engloba toda a necessidade funcional, a repetição, e esta a coordenação entre o sujeito e o objeto que anuncia a implicação e o julgamento”. (O nascimen- to da inteligência da criança, pág. 44. in Batro A., Dicionário terminológico de Jean Piaget) “Assimilar, tanto psicologicamente, como biolo- gicamente é reproduzir-se a si mesmo por intermédio do mundo exterior, é, portanto, transformar as per- cepções até torná-las idênticas ao próprio pensamen- to, isto é, aosesquemas anteriores. O julgamento e o raciocínio da criança 14246 in Batro A., Dicionário terminológico de Jean Piaget, a assimilação explica o fato primitivo, geralmente admitido como o mais ele- mentar da vida psíquica: a repetição.” (O nascimento da inteligência da criança, pág. 44, in Batro A., Dicio- nário terminológico de Jean Piaget) O conceito de esquema para Piaget pressupõe algum tipo de organização ou sistema estrutural no organismo. Um objeto quando assimilado a alguma coisa e acomodado, possui uma estrutura cognitiva de ações sequenciadas que acabam por constituir. Estes esquemas são rotulados por Piaget de acordo com a sequência de ação a que se referem, quan- do a criança o executa. No decorrer deste exercício, repetido, da ação, os esquemas transformam-se se modificando, continuadamente, ampliando, assim, o modo de assimilação dos objetos diferentes. 3.2.3. E os processos de acomodação, como são definidos por Piaget? A acomodação: “... refere-se a uma atividade: ainda que a modificação do esquema seja imposta pelas resistências do objeto, ela não é ditada apenas pelo objeto, mas antes pela reação do sujeito que tende a compor a resistência (seja pela reação ime- diata, ensaio e erro). Mas, em segundo lugar, se aco- modação é uma atividade em que consiste diferen- ciar um esquema de assimilação, com relação a está não é, senão uma atividade derivada ou secundária. As pressões das coisas tendem sempre, não a uma submissão passiva, mas a uma simples modificação da ação exercida sobre elas”. (A psicologia da inte- ligência pág. 14. In Batro, Dicionário terminológico, Jean Piaget, 1978) Os estudos de Jean Piaget, sobre os proces- sos cognitivos e o desenvolvimento da criança, têm como ponto de partida a noção de conservação, re- versibilidade e antecipação. 3.2.4. Qual a definição dada por Jean Piaget à noção de conservação? Para Piaget, a noção de conservação significa uma condição necessária para toda a atividade racio- nal, que implica na apreensão do que se mantém cons- tante ou não na compreensão de qualquer fenômeno. Para que um conhecimento possa ser elaborado faz-se necessário que seja captado e compreendido, segundo os aspectos que se mantêm constantes e os que não se mantêm. Isto é identificar na transforma- ção o que não se altera (a constância) e ou resgatar o todo, sem deixar de aprender, simultaneamente, as partes articuladas a esse todo. Esta noção de conservação está implícita na formação de conceitos, buscando a compreensão sobre o objeto e o mundo, no desenvolvimento da noção de quantidade e de número e das relações afe- tivas, quando o indivíduo supera o egocentrismo. 3.2.5. Qual a importância do egocentrismo no processo de desenvolvimento da criança? Egocentrismo é o aspecto central do pensa- mento infantil, que consiste em reduzir tudo a si, ao passo que chamamos de egocentrismo a indiferen- ciação entre o próprio ponto de vista e o dos outros. Um fenômeno inconsciente de perspectiva. Segundo o psicólogo, todas as crianças são ego- cêntricas, uma vez que as suas habilidades mentais não lhes permitem compreender que as restantes pessoas podem ter critérios e crenças diferentes dos delas, pois têm extrema dificuldade em colocar-se no lugar do outro, fato que as impede de estabelecer relações de reciprocidade. Tal pensamento, como in- dica seu nome, está “centrado no eu”. Uma criança começa a superar o egocentrismo, por volta dos 2, 3 anos aos 7, 8 anos. Para isso, é ne- cessário captar as variações e, simultaneamente, a per- manência, de um fenômeno e, assim, caracteriza-se a noção de conservação. A conservação desenvolve-se em função da reversibilidade e vice-versa. A noção de conservação garante o pensamento reversível e a re- versibilidade gera maior consistência à conservação. 3.2.6. O que é como ocorre a reversibilidade? Chamamos de reversibilidade a capacidade de executar uma mesma ação em dois sentidos, mas ten- do consciência de que se trata de uma, apenas. A reversibilidade ocorre quando a criança percebe o inverso, o contrário, o oposto e, simul- taneamente, as suas identidades no mesmo todo. A reversibilidade permite olhar e perceber a comple- mentaridade e identidade do todo, caracterizando o pensamento relativo. A partir desta evolução do pensamento lógico com a noção da conservação e da reversibilidade me- rece atenção, nesse processo, a noção de antecipação, que acontece quando a pessoa que tem noção de con- servação, consegue a partir de um dado, objeto, ação ou fenômeno, prever o que veio antes, e o que vem depois, utilizando o raciocínio dedutivo, antecipando assim, as sensações ou sentimentos e evoluindo para previsões imaginárias, que podem culminar para de- duções de causa e efeito. A criança, à medida que evolui vai-se ajustando à realidade circundante, e superando de modo cada vez mais eficaz, as múltiplas situações com que se con- fronta, desde o nascimento até a maturidade. Em resumo, vemos que o objeto vai se cons- truindo aos poucos, e a criança necessita de estímu- los e motivação para superar o seu desenvolvimento, e desta forma, torna-se necessário que experiencie e tenha tempo suficiente para interiorizar a experiên- cia antes de prosseguir para o estágio seguinte, assim como uma estreita relação entre o afeto e a aprendiza- gem, que embora não tenha sido a principal preocu- pação de Piaget, não nega sua importância. 3.2.7. Como Piaget vê a vida afetiva no contexto cognitivo e pessoal- emocional? Piaget vê as reações cognitivas e pessoais/emo- cionais como interdependentes em seu funcionamen- to. A vida afetiva, assim, como a vida intelectual, é uma adaptação contínua, uma vez que “os sentimen- tos expressam o interesse e o valor atribuídos às ações que têm sua estrutura proporcionada pela inteligên- cia”. (Flavell, John; A psicologia do desenvolvimento de Piaget; pág. 80). Como evolui o desenvolvimento do pensamento lógico, intelectual, desde o nascimento até a maturida- de, segundo estudos de Piaget? 3.3. QUADROS DAS FASES DO DESENVOLVIMENTO, SEGUNDO PIAGET Os quadros, abaixo, dão uma ideia das fases do desenvolvimento, segundo estudos de Piaget, com uma descrição do desenvolvimento intelectual, desde o nascimento até a maturidade. Apresentaremos, inicialmente, as características mais gerais e fundamentais dos primeiros anos de vida com as evoluções mais especializadas da fase sen- sória- motora, que termina com a descrição do pen- samento pré-operacional. Continuamos, abrangendo a construção das operações concretas nos anos inter- mediários da infância, até, finalmente, chegarmos à descrição das operações formais da adolescência. Sensório–motor Sensorial e fisiológico ocorre através dos reflexos e dos esquemas como, por exemplo, sugar, sugar os mamilos, realizar o reconhecimento de vozes, figuras familiares, a percepção de objetos que desaparecem etc. Pré-Operatório Surgimento da função simbólica que é a condição básica para o desenvolvimento da linguagem, consegue perceber algumas propriedades básicas das classes, mas não são capazes de concentrar a atenção em mais de uma dimensão, pois a percepção é centrada em um dos aspectos ou em uma comparação com os pares, e existe uma generalização do objeto como, por exemplo, tudo que tem rabo é gato! Ainda, não percebe o que permanece. Operações formais O adolescente é capaz de chegar a conclusões hipotéticas com possibilidades de explicar um fenômeno, algo abstrato e com alternativas saindo das limitações da experimentação. Os múltiplos aspectos de um fenômeno são tratados simul- taneamente, distinguindo o real do que é possível na resolução de um problema, o que exige muita flexibilidade, ao lidar com o todo e com as partes. Tanto as crianças como os adolescentes vivem no presente, mas ao contrário da criança, está cheio de ideias que transcendem a situação imediata, com planos para o futuro. Operaçõesconcretas Aqui, a criança já consegue realizar a descentração do objeto, indo além do foco isolado das propriedades perceptivas, assim como a reversibilidade parcial e as relações que irão culminar nas noções de conservação. Ocorrem às relações para classificação e seriação concretas. No campo afetivo, consegue superar egocentrismo com o olhar para si e para o outro, mantendo um diálogo complementar como, por exemplo: uma massa de modelar, eu transformo em bola ou cobra, e a quantidade permanece constante ou em duas fileiras de moedas, uma mais afastada que a outra (não se ilude), olha para a quantidade de moedas. A reversibilidade completa ocorre na fase seguinte. 3.4. ROTEIROS DE APLICAÇÃO DAS PROVAS OPERATÓRIAS A seguir, apresentaremos os roteiros de apli- cação das Provas Operatórias de Piaget, organiza- dos pelas professoras e psicopedagogas Anita Lilian Zuppo Abed e Eloisa Q. Fagali. Essas provas pos- sibilitam que se conheçam o funcionamento e o de- senvolvimento das funções lógicas do sujeito. Este material dá suporte para o trabalho psicopedagógico na investigação do nível cognitivo, que a criança se encontra, e se existe alguma defasagem que possa justificar uma dificuldade de aprendizagem. Deve ser aplicado com um olhar ampliado pelo psicopeda- gogo que possua conhecimento e prática do mesmo, ~~ ´ para que seja garantida sua eficácia. 3.4.1. Provas de conservação (antecipação e reversibilidade) A- Quantidade descontínua – pequenos conjuntos de elementos (6/7 anos). B- Quantidade contínua- quantidade de matéria (6/7 anos). C- Quantidade contínua- quantidade líquida (7/8 anos). D- Peso (8/9 anos). E- Comprimento (8/9 anos). 3.4.2. Provas de ordenação (prever o que vem depois) A- Seriação (6/7 anos). B- Co-seriação (7/8 anos). 3.4.3. Provas de classificação A- Mudança de critério (7 anos). B- Inclusão de classes (7/8 anos). C- Intersecção de classes (10/11 anos). 3.4.4. Descrição das Provas: Conservação 3.4.4.a - Quantidade descontínua – pequenos conjuntos de elementos (6/7 anos). Material: sete fichas vermelhas e sete fichas azuis. Atividade: • Fazer uma fileira com sete fichas azuis e sete fichas vermelhas paralelas. Perguntas: O que você pode-me dizer sobre estas fichas? Escolha uma cor que você gosta mais? Existe a mesma quantidade de fichas nas duas fileiras? • Escolher uma das fileiras e espaçá-las. Perguntas: E agora, existe a mesma quantidade de fichas? Eu tenho mais, menos ou a mesma quantidade de fichas que você? Você pode me explicar a sua resposta? Se esta linha é mais comprida, será que a quantidade de fichas é maior? • Retomar o pareamento das duas fileiras de fichas. Perguntas: E, agora, você acha que temos a mesma quantidade ou uma tem mais ou menos? Como você sabe? Outra garota da sua idade disse-me que uma das filei- ras tinha menos quantidade. Será que ela está certa? 3.4.4.b - Quantidade contínua - quantidade de matéria (6/7 anos) Material: duas massinhas de modelar de co- res diferentes. Atividade: • Fazer duas bolinhas iguais. Perguntas: O que você pode-me dizer sobre este material? Escolha uma cor que você gosta mais? As duas são do mesmo tamanho? Você acha que as duas têm a mesma quantidade de massa? • Transformar uma delas achatando-a. O que você pode-me dizer sobre este material? Escolha uma cor que você gosta mais? As duas são do mesmo tamanho? Você acha que as duas têm a mesma quantidade de massa? • Transformar a massa alargando-a. O que você pode-me dizer sobre este material? Escolha uma cor que você gosta mais? As duas são do mesmo tamanho? Você acha que as duas têm a mesma quantidade de massa? Outra garota da sua idade disse-me que uma das filei- ras tinha menos quantidade. Será que ela está certa? • Transformar uma delas partindo-a em pedaços. O que você pode-me dizer sobre este material? Escolha uma cor que você gosta mais? As duas são do mesmo tamanho? Você acha que as duas têm a mesma quantidade de massa? Outra garota da sua idade disse-me que uma das filei- ras tinha menos quantidade. Será que ela está certa? 3.4.4.c - Quantidade contínua – quantidade de líquido (7/8 anos) Material: 2 frascos idênticos. 1 frasco fino e alto. 1 frasco baixo e largo. 4 frascos menores. líquido (pode ser colorido). 2 frascos com líquido, de três diferentes. Atividade: • Colocar o líquido nos frascos iguais. Perguntas: O que você pode-me dizer sobre este material? Qual destas cores você gosta? Todos os frascos são do mesmo tamanho? Você acha que todos os frascos têm a mesma quan- tidade de líquido? E agora? O que você pode-me dizer sobre este material? Você acha que algo mudou? O quê? Todos os frascos são do mesmo tamanho? Como você sabe? Você acha que todos os frascos têm a mesma quan- tidade de líquido? Como você sabe? Outra garota da sua idade disse-me que um dos fras- cos tinha menos quantidade de líquido. Será que ela está certa? 3.4.4.d - Peso (8/9 anos) Material: Pode-se utilizar uma pequena balança. Uma pequena quantidade de massa de modelar. Atividade: • Fazer duas bolinhas iguais e colocá-las na balança. Perguntas: O que você pode-me dizer sobre este material? Escolha uma cor que você gosta mais? As duas são do mesmo tamanho? Você acha que as duas têm a mesma quantidade de massa? As duas bolinhas têm o mesmo peso? Os dois são do mesmo tamanho? Se este material fosse uma estrada e você estivesse de carro passeando, qual dos dois caminhos você esco- lheria para percorrer? Qual caminho você acha que chegaria mais rápido? Como você sabe? Outra garota da sua idade disse-me o contrário. Será que ela está certa? 3.4.4.f - Descrição das Provas: Ordenação • Seriação (6/7 anos). Material: 10 bastões de madeira de tamanhos diferentes. Atividade: Coloque na ordem do maior para o menor, ou do menor para o maior. Observação da Atividade: Observe como a criança monta a série, se utiliza o pa- reamento (um a um), ou relacionam-se as partes com o todo, se utiliza uma base, suporte ou eixo de simetria. • Co-seriação (7/8 anos). Material: flores ou vasos de diferentes tamanhos seriados simultaneamente. Atividade: Seriar dois conjuntos simultaneamente, colocando na or- dem do maior para o menor, ou do menor para o maior. Observação da Atividade: Observe como a criança monta a série: se utiliza o pa- reamento (um a um), ou relacionam-se as partes com o todo, se utiliza uma base, suporte ou eixo de simetria. Atividade: - Reúna em grupos o que pode ficar junto. - Coloque junto o que combina. - Arrume de outra maneira. - Faça o menor número possível de grupos. Perguntas: Por que estão juntos? Que nome você daria a cada grupo? • Inclusão de classes (7/8 anos). Material: um ramalhete com 10 margaridas ou rosas, por exemplo. Atividade: Reunir as margaridas e as rosas em um ramalhete. Segurá-las nas mãos. Perguntas: Neste ramalhete, há mais margaridas ou mais flores? Como você sabe? • Intersecção de classes (10/11 anos). Material: Uma base com dois círculos entrelaçados. 5 fichas redondas vermelhas. 5 fichas redondas azuis. 5 fichas quadradas azuis. Atividade: Montar as fichas nos círculos de modo que fiquem as azuis de um lado do círculo, as vermelhas do ou- tro, e algumas azuis na intersecção dos dois círculos. Perguntas: Quero que você nomeie as fichas e fale-me as suas características? Porque você acha que pusemos essas fichas no meio? Há mais fichas azuis ou vermelhas? Há mais fichas quadradas ou redondas? Como você sabe? Mostre-me? 3.5. UM OLHAR AMPLIADO PARA A TEORIA DE PIAGET A Psicopedagogia parte dos estudos de Piaget, fazendo uma releitura do pensamento lógico para uma visão pluralista sobre as diferentes formas de pensar, o que possibilita o profissional psicopedago- go compreender as dificuldades de aprendizagem de forma ampla: com dimensões no sentido biológico, cognitivo, social e emocional, formando, portanto, um pensamento holográfico e não linear, que amplia a visão de mundo e deser humano. Em trabalhos que ampliam as pesquisas feitas por Piaget, como os de Sara Paín* e Alícia Fernan- dez**, percebemos que as fases do desenvolvimento da criança, sensório-motora à fase operacional, estão intimamente ligadas com as experiências de aprendi- zagem, nessa visão holográfica. Sara Paín*, nascida em Buenos Aires, Argenti- na, em 1931, é psicóloga, doutora em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e em Psico- logia pelo Instituto de Epistemologia Genética de Genebra. Alicia Fernández** é psicopedagoga formada pela Faculdade de Psicopedagogia da Universi- dad del Salvador, Buenos Aires, Argentina. Tem desempenhado fundamental papel no desen- volvimento e formação de psicopedagogos em toda a América Latina e em Portugal. Diagnosticar o não aprender como sintoma, se- gundo Sara Paín, consiste: “em encontrar sua funcio- nalidade, isto é, sua articulação na situação integrada pelo paciente”. É para este aspecto fundamental que o profissional psicopedagogo encontra-se preparado, pois conta com recursos pedagógicos, didáticos e com um trabalho em equipe multidisciplinar, por meio do qual busca recursos qualificados para o diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Sob o olhar e escuta psicopedagógica nasce o saber psicopedagógico, que se constrói permitindo uma apropriação dos conhecimentos e do aprender. Alícia Fernández propõe um guia para a escuta, que consideramos importante para o nosso conhecimento. 3.5.1. Escutar e olhar A palavra escutar aparece, aqui, não como si- nônimo de ficar calado, mas como uma escuta que recebe, aceita, interessa-se e impregna-se. A ação de olhar colocada em um entendimento muito maior do que apenas manter os olhos abertos, mas seguir, procurar, incluir e acompanhar. Assim, as ações de escutar e olhar não são passivas, permi- tem ao paciente falar e ser reconhecido, e ao terapeu- ta compreender a mensagem. 3.5.2. Deter-se nas fraturas do discurso e re- lacioná-las com o que aconteceu depois. Pensar no discurso, além do que é oralmente verbalizado, mas também é corporal, metafórico, ex- pressa mais a cena do que o relato verbal. 3.5.3. Descobrir o “esquema de ação subjacente” Aqui, utilizamos o termo esquema de ação, de origem piagetiana como estudado anteriormente, porém não necessariamente nos deteremos no seu conteúdo, mas, sim no processo e mecanismos utili- zados pelo paciente. 3.5.4. Buscar os esquemas de repetição de ação. O terapeuta deve observar a insistência da apa- rição dos esquemas de ação de repetição no com- portamento do paciente, procurando a entrada em outras situações e com outros conteúdos, em que se repete a ação. 3.5.5. Interpretar a operação, mais do que o conteúdo Os esquemas de ação constituem como redes, e essa trama de ideias reverberam no aprender, consti- tuindo os sintomas de aprendizagem. “Não queremos deter-nos na manipulação do in- divíduo com o objetivo de consertar sua máquina pensante de maneira que possa adequar-se à cadeia, mas promover nele, ao mesmo tempo, que um má- ximo de independência e autovalorização, a realida- de de uma sociedade, na qual seu problema não seja possível.” (Sara Paín) 3.6. NEUROCIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO A neurociência busca uma integração entre a prática pedagógica e o entendimento da neurologia da aprendizagem. Para contornar as dificuldades de aprendizagem e ensinar uma criança, é necessária uma investigação de como ela aprende e de como aprendeu a aprender. Também é preciso ter em mente que, nesse processo, cada um participa a seu modo, tanto aque- le que ensina como o que aprende. Cabe, porém, a quem ensina a responsabilidade de buscar os recur- sos necessários, para que o processo de aprendiza- gem efetivamente aconteça. Para se ter êxito na construção desse novo ca- minho, é preciso, sim, que quem ensina observe a forma de aprender das crianças e jovens com quem lida, mas também precisamos conhecer o funciona- ^ mento do cérebro humano para poder atuar, pois esse órgão representa um fator determinante da ca- pacidade de aprendizagem de uma criança. 3.6.1. Nesse sentido, qual é a importância de en- tender-se o funcionamento do sistema nervoso de uma pessoa? O que chamamos de sistema nervoso é um conjunto de órgãos altamente especializados, res- ponsáveis pela vida mental, emocional e relacional do indivíduo, bem como pelo controle do funciona- mento de diversos outros órgãos. A atividade nervosa é fundamental para o ani- mal viver em equilíbrio com o meio externo. Basta haver uma relação de ação e reação para que se con- figure uma atividade nervosa. O conhecimento das bases neuropsicológicas que possibilitam aquisição das competências cogniti- vas fará o educador aumentar a qualidade e eficiência de sua função. Muito mais que esse conhecimento advindo da neurociência permite diminuir o impacto negativo das dificuldades de aprendizagem em crian- ças e jovens. 3.6.2. Quais são as principais funções do siste- ma nervoso? Suas funções principais são cognitivas, de mo- tricidade e equilíbrio, sentidos e sensibilidade, bem como o controle do meio interno na respiração, cir- culação, batimento cardíaco e articulação. Para entender o alcance de suas funções, é im- prescindível entender como a cognição e a consciên- cia humanas nascem da atividade do cérebro, assim como dominar a sequência, pela qual ocorrem os eventos da criança, no seu processo de aprendizagem. Abaixo, encontramos alguns pré-requisitos para que a aprendizagem ocorra baseada nos estudos de Piaget e na Psicologia Cognitiva que, hoje, são fru- tos de investigações neurológicas recentes, sobre o funcionamento cerebral. Estes estudos permitem en- tender o desenvolvimento da criança de forma mais abrangente. Vale ressaltar que, até meados do século passado, apenas se intuía como o cérebro funcionava. Pretendemos refletir um pouco sobre esses es- tudos e descobertas neurocientíficas e levá-las para a sala de aula, pois é o pedagogo responsável pela tur- ma, que irá fornecer o complemento deste trabalho com estratégias de ensino. 3.6.3. Como a emoção interfere no processo de aprendizagem? Por meio de um tomógrafo, foi observada a re- lação entre a ativação da amídala (parte importante do sistema nervoso do cérebro) e o processo de for- mação da memória. “Quanto mais emoção contenha determinado fenômeno, mais ele será gravado pelo cérebro,“ diz Iván Izquierdo, médico, neurologista e coordenado do Centro de Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O psicólogo Jean Piaget, em seus estudos, já va- lorizava o termo afetividade como influência positi- va ou negativa nesse processo, podendo acelerar ou atrasar a aprendizagem, como vimos anteriormente. Os professores, quando adotam uma postura de escuta e de acolhimento, ao observar as emoções dos alunos, podem perceber como o meio, a escola está afetando o dia a dia de seus alunos, e terão opor- tunidade de reverter um prognóstico negativo, que não favoreça a aprendizagem. 3.6.4. Por que precisamos de motivação para aprender? Dopamina no comportamento: procurando a recompensa do prazer A Dopamina é o produto químico que ne- gocia o prazer no cérebro. É liberada du- rante situações agradáveis e estimula um procurar a atividade ou a ocupação agradá- vel. Isto significa que o alimento, o sexo, e diversas drogas de abuso são, igualmen- te, estimulantes da liberação da dopamina no cérebro, particularmente nas áreas tais como, os accumbens do núcleo e o córtice pré-frontal. (www.news-medical.net) Estudos comprovam que no cérebro exis- te um sistema dedicado à motivação e à recom- pensa. Quando o aluno é afetado de forma po- sitiva por algum fenômeno, a região responsá- vel pelos centros de prazer produz uma subs- tância chamada dopamina* que gera sensação de bem–estar e mobiliza a atenção reforçando seu comportamento em relação ao objeto que a afetou. Por outro lado, tarefas muito difíceisou muito fáceis podem desmotivar e frustrar o cérebro, que não se mobiliza plenamente para execução desse tipo de atividade, por não obter prazer do sistema de recompensa. Para Piaget, motivação: “é a procura das respostas quando a pessoa esta diante de uma situação que ainda não consegue resolver”. A escola deve ser um espaço que motive e não se ocupe somente de transmitir conteúdos. As ativi- dades devem ser preparadas para despertar a criati- vidade e o interesse dos alunos, para isso precisam ser condizentes com suas condições, com sua faixa etária etc.. Só, dessa forma, serão capazes de lhes despertar a curiosidade e, consequentemente, movê- -los a realizá-las, a ir além, enfrentando desafios, fa- zendo perguntas e procurando respostas. 3.6.5. Qual é a importância da atenção para que a aprendizagem ocorra? Diversas pesquisas ligadas à neurociência mos- tram que o sistema nervoso central só processa aquilo para que esteja atento. Quando, por falta de interesse e motivação, o desvio de atenção é signi- ficativo, a aquisição de habilidades e a memorização dos conteúdos sofrem prejuízos. Para Piaget, prestamos atenção desde que o que nos está sendo apresentado, tenha um significado para nós e represente uma novidade. Em síntese, se há um desafio e se for possível estabelecer alguma relação entre o elemento novo e o que já se sabe, a atenção é despertada. Os educadores podem conquistar melhores re- sultados nas atividades escolares, na medida em que conseguem ter uma visão autocrítica de seu trabalho pedagógico, ou seja, conseguem desvincular a falta de atenção de seus alunos, com o rótulo de desinteresse, ou como sinônimo de indisciplina. A falta de atenção comumente pode ser decorrência de um ambiente de- sestimulante e inadequado. A indisciplina escolar pode estar relacionada diretamente a propostas de atividades completamente desprovidas de desafio e significado. 3.6.6. Como favorecer a fixação de novos co- nhecimentos na memória dos alunos? A fixação de um novo conhecimento na me- mória ocorre mais efetiva e naturalmente, quando a nova informação é associada a um conhecimento prévio. Nesse sentido, é fundamental perceber e va- lorizar o meio cultural dos alunos e sua experiência. A ativação de circuitos neurais se dá parte por sequência de associações: uma rede é ativada por outra e, assim, sucessivamente. Quanto mais fre- quentemente isso acontece, mais estáveis e fortes tornam-se as conexões sinápticas, tornando mais fácil a recuperação das informações pela memória. Todo esse movimento cerebral dá-se por repetição da informação ou, pela associação do novo dado a conhecimentos, já adquiridos. Aprender não é só memorizar informações, é se apropriar delas. Fazer com que as informações se tornem suas. Para isso, é preciso saber relacio- nar uma informação nova com uma já conhecida, adaptá-las, ressignificá-las e refletir sobre elas. Cien- te, dessa forma, do funcionamento do cérebro, o professor na sua prática pedagógica pode conquistar bons resultados, encorajando seus alunos e dando- -lhes condições para que possam construir para si um sentido sobre o tema a ser aprendido. 3.6.7. O que é plasticidade cerebral? O cérebro modifica-se com o meio durante toda a vida, chamamos isso de plasticidade cerebral. A interferência do meio, no sistema nervoso, causa mudanças anatômicas e funcionais no cérebro, desenhando e redesenhando uma complexa rede conectiva. Assim, a quantidade de neurônios e as conexões entre eles, as chamadas sinapses, mudam incessantemente ao longo da vida de acordo com as experiências pelas quais a pessoa passa. Em seus estudos, Piaget mostra que a influência do meio tem importância, na medida em que “para um estímulo provocar certa resposta, é necessário que o indivíduo e seu organismo sejam capazes de fornecê-la, não basta ter um meio que provoque, se a pessoa não participar dele e interagir”. “Causar emoções, controlar a temperatura do nosso corpo, a pressão arterial, a respiração. Receber e ge- renciar milhares de informações vindas das emoções, dos sentidos, do sistema imunológico. Controlar o andar, o correr, o falar, o dançar, o raciocinar, o so- nhar, o imaginar. Registrar memórias e usá-las para planejar o futuro. Todas essas tarefas e muitas outras mais são tarefas controladas pelo cérebro.” (Neuroci- ência na Educação, direção Carlos Cavalheiro Filho – Cedic – 2010) Na escola, os alunos devem ter papel ativo no seu processo de aprendizagem. Para isso, cabe aos professores a tarefa desafiadora de orientar e forne- cer condições para que as crianças e jovens exerçam e desenvolvam suas potencialidades. 1. Quais são as contribuições da Neurociência para a aprendizagem? 2. Explique a afirmação: “Para que o conhecimento possa ser elaborado, é necessário que seja compre- endido nos aspectos que variam, e nos aspectos que se mantêm constantes”. 3. Cite exemplos que já vivenciou/observou para cada fase do desenvolvimento estudado por Piaget. 4. Segundo Piaget, quando o sujeito tem noção de conservação? Exemplifique. 5. Que dificuldades pode apresentar na escola uma criança de 6 a 7 anos com dificuldades para reali- zar provas de conservação (quantidade descontínua com pequenos conjuntos)? Questões ~ Unidade 4 Esta quarta unidade trata, precisamente, dos trans- tornos de aprendizagem. 4.1. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperativi- dade (TDAH) 4.2. Transtorno de Aprendizagem: Processamento Auditivo Central (PAC) 4.3. Transtorno de Aprendizagem: Dislexia 4.4. Discalculia e Acalculia 4.5. Sugestões para estimulação dos processos cognitivos 114 4.1. TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE . TDAH º É uma alteração do desenvolvimento da atenção, da impulsividade e da conduta governada por re- gras (obediência, autocontrole e resolução de pro- blemas), que se iniciam logo nos primeiros anos do desenvolvimento da criança. º Esse transtorno é significativamente crônico e não pode ser atribuído a atraso mental, surdez, cegueira ou algum outro déficit neurológico maior ou a alte- rações mais emocionais. (Barkley, 1982) 4.1.1. Quais são suas principais manifestações: Desatenção º Dificuldade em selecionar as informações relevan- tes e ignorar estímulos irrelevantes. º Dificuldade em manter a atenção numa mesma ativida- de durante o tempo necessário para realizá-la totalmente. Impulsividade º Dificuldade no processo de inibição dos impulsos, ~~ 115 necessário para conseguir esperar, saber, por exem- plo, aguardar sua vez na fila, terminar de escutar a pergunta para responder etc. º Agir de maneira pouco reflexiva: deixar escapar co- mentários inapropriados, fazer coisas que não gosta- ria de ter feito etc. Hiperatividade (“crianças elétricas”) º Excesso de atividade em relação à idade e às exi- gências do entorno. º A atividade excessiva não está dirigida à realização de um fim, ou seja, não visa alcançar a realização de seus objetivos. 4.1.2. Como essas características apresentam-se na vida escolar? º A criança esquece compromissos, perde material das tarefas e negligencia seus próprios interesses. º Os deveres escolares ficam comprometidos: cader- nos incompletos, anotações desorganizadas, tarefas “mal feitas” etc. 116 º Ao tentar fazer os deveres, logo após chegar da escola, apresenta fadiga excessiva. 4.1.3. Por que o TDAH é um dos transtornos mais estudados na atualidade? O Transtorno de Déficit de Atenção e Hipera- tividade (TDAH) é um dos principais fatores psico- neurológicos que comprometem a atenção. Crianças e adolescentes portadores de TDAH, na escola, são frequentemente rotulados de desinteressados, pro- blemáticos, desmotivados, avoados, malcriados, in- disciplinados, irresponsáveis e, igualmente de forma equivocada, considerados pouco inteligentes. Por causar um estigma tão pesado, o Transtor- no do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é considerado, atualmente, um dos transtornospsí- quicos infantis mais estudados. Sua sintomatologia principal é desatenção, hiperatividade e impulsivida- de, com prevalência entre 3% e 5% em crianças em idade escolar, sendo mais comum em meninos do que em meninas. Em adolescentes de 12 a 14 anos, pode ser encontrado numa prevalência de 5,8%. O Transtorno de Déficit de Atenção e Hipe- ratividade apresenta um padrão persistente de desa- tenção, hiperatividade e alguns sintomas hiperativo- -impulsivos, que não causam problemas aos seus portadores, apenas, no âmbito da vida escolar, mas 117 também na interação familiar, social e ocupacional. As crianças podem não prestar muita atenção a deta- lhes e, consequentemente, cometer erros grosseiros por falta de cuidado nos trabalhos escolares ou em qualquer outra tarefa. Esses adolescentes e crianças, com frequência, têm dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas, e consideram difícil persistir nas mesmas tarefas até a conclusão. Normalmente, dão impressão de estarem com a mente em outro local, ou de não estarem escutando o que está sendo dito. É comum iniciarem uma tarefa e pularem para outra antes do término, sem dar conta de qualquer incum- bência, principalmente das mais demoradas, de ma- neira satisfatória. 4.1.4. Existem características positivas no TDAH? º Esses alunos costumam ser mais criativos e têm habilidades verbais muito desenvolvidas. º 18% desses jovens, na idade adulta, tornam-se do- nos do próprio negócio. 4.1.5. Que estratégias positivas de intervenção po- dem ser adotadas pelos professores em sala de aula? º O professor pode proporcionar a esses alunos, es- 118 trutura, organização e constância, tais como, sempre manter a mesma arrumação das cadeiras ou carteiras na sala, cumprir uma programação diária na aula, ter regras claramente definidas etc. º Uma estratégica bem básica é colocar o aluno perto de colegas que não o provoquem, perto da mesa do professor. º Considerando que esses alunos desanimam fa- cilmente, o professor pode ser afetuoso com eles e encorajá-los com frequência, elogiar suas conquistas, mesmo que sejam pequenas. Dar-lhes responsabilida- des que eles possam cumprir, fazendo com que se sin- tam necessários e valorizados. Começar com tarefas simples e, gradualmente, mudar para mais complexas. º É fundamental propiciar um ambiente acolhedor e, se possível, fazer os colegas adotarem a mesma atitude. Nunca provocar constrangimento ou me- nosprezar o aluno. º Grande parte dos alunos com TDAH consegue melhores resultados acadêmicos, comportamentais e sociais, quando estão inseridos no meio de grupos pequenos. Favorece seu desenvolvimento e sua inte- gração proporcionar trabalho de aprendizagem em grupos pequenos. 119 º Convém favorecer-lhes oportunidades para movi- mentos monitorados, tais como uma ida à secretaria para entregar alguma coisa, levantar para apontar o lápis, levar um bilhete para o professor. º Auxilia em sua contenção de impulsos colocarem- -lhes limites claros e objetivos, ter uma atitude disci- plinar equilibrada e proporcionar-lhes, por meio do diálogo, avaliação frequente, com sugestões concre- tas que os ajudem a desenvolver um comportamento cada vez mais adequado. º É preciso assegurar que as instruções sejam sempre claras, simples e dadas uma de cada vez, evitando que haja o mínimo de distrações. º O professor precisa reparar se o aluno isola-se du- rante situações recreativas barulhentas. Isso pode ser um sinal de dificuldades de coordenação ou auditi- vas, que podem exigir uma intervenção adicional. º Para ser bem sucedido ao ensinar uma criança com TDAH, convém desenvolver métodos variados uti- lizando apelos sensoriais diferentes (audição: sons, músicas/ visão: imagens, desenhos, cores / tato: trabalho com massa, artes). No entanto, quando as novas experiências envolvem uma miríade de sensa- ções misturadas (sons múltiplos, movimentos, emo- 120 ções ou cores), esse aluno, provavelmente, irá preci- sar de tempo extra para completar sua tarefa. 4.1.6. Que intervenções podem ser adotadas para auxiliá-los no cumprimento dos deveres de casa? º O professor pode estabelecer um tempo diferen- ciado, que pode ser de 3 a 4 vezes maior que o atri- buído aos alunos sem o transtorno. º Por vezes, o aluno não realiza a tarefa porque não anotou em aula o que era para casa, por isso convém certificar-se que o aluno copiou a tarefa corretamen- te e guardou o material necessário. º As exigências precisam ser adequadas para que a quantidade de trabalho não exceda o limite da possi- bilidade de realização do aluno. 4.1.7. Que abordagens de tratamento podem ou de- vem ser adotadas para tratamento do TDAH? º Orientação à escola º Psicoterapia (TCC) º Tratamento fonoaudiológico º Acompanhamento psicopedagógico º Treino de técnicas de reabilitação da atenção 121 4.2. TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM : PAC (ALTERAÇÃO NO PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL) O PAC é um transtorno de aprendizagem que afeta de alguma maneira e em algum grau o conjunto de operações, que o sistema auditivo da criança rea- liza, tais como: receber, selecionar, detectar, atender, reconhecer, associar e integrar os estímulos acústi- cos para posteriormente programar uma resposta. 4.2.1. Como o PAC interfere nesse conjunto de habilidades necessárias para analisar e interpre- tar os padrões sonoros? º O PAC gera alterações na audição, causando um impedimento ou dificuldade na habilidade de anali- ~~ 122 sar e/ou interpretar padrões sonoros. º Esse transtorno, por afetar de modo direto a cap- tação das mensagens sonoras, pode ser associado a diversas dificuldades de aprendizagem. 4.2.2. Quais são as principais manifestações que podem ser percebidas no comportamento esco- lar das crianças portadoras? º O PAC gera diversas alterações na comunicação oral, que também podem ser observadas nas construções das frases, quanto ao emprego das regras gramaticais. º A criança, por não conseguir acompanhar o anda- mento da aula, costuma ter comportamento agitado. º Observa-se oscilação do comportamento do aluno entre hiperatividade e apatia. º A memória auditiva (informações transmitidas através da comunicação oral) fica prejudicada. º O aluno com PAC tem notável dificuldade em com- preender as mensagens sonoras em ambientes ruido- sos, por não conseguir distingui-las dos demais sons. 4.2.3. RETOMANDO: Quais são as principais consequências e manifestações relacionadas ao 123 PAC, nas crianças dentro do ambiente escolar? º As crianças apresentam dificuldade em manter a atenção em ambientes ruidosos. º Diante disso, apresentam costumeira agitação excessiva. º A criança parece não escutar, e, ao mesmo tempo, mostra-se sensível a todos os sons do ambiente, até aos mais insignificantes, como o ruído de uma sim- ples caneta caindo no chão. º Por ter prejuízo na memória auditiva, a criança de- monstra confusão ao relatar um fato ou uma história. º No plano da escrita, observam-se inversões de letras. º Naturalmente, como resultado de todas essas di- ficuldades no contexto da sala de aula, onde a co- municação sonora tem importância predominante, ocorre prejuízo no aproveitamento escolar. Aliás, essa é uma consequência que acompanha esse trans- torno de aprendizagem, à semelhança do que acon- tece com os demais. 4.2.4. Como lidar com crianças com PAC e minimi- zar seus impactos no processo de aprendizagem? 124 º É fundamental reduzir o barulho em aula durante atividades que requeiram concentração. º Uma medida simples, mas costumeiramente eficaz é posicionar o aluno na sala de aula numa carteira colocada próximo ao professor, numa posição cen- tral da sala. º Se o professor, ao transmitir uma orientação ou explicação, falar em tom alto e de modo bem articu- lado, o aluno poderá captar melhor. º Auxilia a memória auditiva se, ao explicar um as- sunto, o professor usar frases curtas, com entonação e ritmo lento. º Fica mais clara a explicação, se o professorenfati- zar sempre a sequência das ideias: o começo, o meio e o fim. º Quando o professor fala e mostra na lousa, facilita o acompanhamento do aluno. 4.2.5. O que é o Processamento Auditivo Central? O que chamamos de processamento auditi- vo refere-se aos diversos processos envolvidos na detecção, na análise e na interpretação de eventos 125 sonoros. Estes processos acontecem no sistema au- ditivo periférico e no sistema auditivo central, come- çando a ser desenvolvidos logo nos primeiros meses de vida da criança. É, portanto, a partir da experien- ciação do mundo sonoro que aprendemos a ouvir. 4.2.6. Quais são as habilidades auditivas centrais? º Localização sonora: habilidade de localizar auditi- vamente a fonte sonora; º Síntese binaural: habilidade para integrar estímu- los incompletos apresentados simultaneamente ou alternados para orelhas opostas; º Figura-fundo: identificar mensagem primária na presença de sons competitivos. º Separação binaural: habilidade para escutar com uma orelha e ignorar a orelha oposta; º Memória: habilidade de estocar e recuperar estímulos; º Discriminação: habilidade para determinar se dois estímulos são iguais ou diferentes; º Fechamento: habilidade para perceber o todo quando partes são omitidas; 126 º Atenção: habilidade para persistir em escutar sobre um período de tempo; º Associação: habilidade para estabelecer correspon- dência entre um som não linguístico e sua fonte. 4.2.7. O que são transtornos auditivos? Acredita-se que o transtorno de audição pode envolver dois aspectos. A perda auditiva, que é um impedimento da capacidade de detectar energia so- nora, podendo ser classificada quanto ao grau e ao tipo. A alteração de processamento auditivo que se refere a um transtorno auditivo em que há um im- pedimento da habilidade de analisar e/ou interpretar padrões sonoros. 4.2.8. Quando cabe avaliar o Processamento Au- ditivo Central? Ao perceber-se os seguintes sintomas, cabe ava- liar-se o funcionamento do PAC: º Atenção prejudicada; º Dificuldade em escutar em ambiente ruidoso; º Dificuldade de compreender em ambiente ruidoso; 127 º Agitados, hiperativos ou muito quietos; º Fala muito “ãh?”, “o quê?”; º Prejuízo de memória sequencial auditiva e localiza- ção sonora; º Problemas de fala com trocas fonéticas: /l/ e /r/, /s/ e /ch/; º Alterações de escrita e leitura; º Dificuldades na percepção auditiva. 4.2.9. Quais são os pré-requisitos para avaliação do processamento auditivo central? Fazer na criança uma avaliação audiológica básica: º Audiometria tonal liminar e vocal; º Imitanciometria. A avaliação do processamento auditivo cen- tral deve ser feita após avaliação audiológica básica. Esta avaliação inicial fornecerá dados sobre as con- dições de detecção do som através da audiometria tonal liminar, condições de mobilidade do sistema tímpano-ossicular por meio das medidas de imitân- 128 cia acústica. 4.2.10. Como é a avaliação do processamento auditivo central? Para avaliar o processamento auditivo central por meio de testes especiais e comportamentais, utilizam-se estímulos verbais (sílabas, palavras e fra- ses) e não verbais especialmente gravados em mídias eletrônicas, de modo a permitir a apresentação de sons com as distorções necessárias. Estes estímulos sonoros são enviados ao indivíduo que será avaliado, através dos fones de um audiômetro de dois canais acoplado a um equipamento de som, utilizando iso- lamento em uma cabina acústica. 4.2.11. Qual é o principal objetivo da avaliação do processamento auditivo central? O objetivo da avaliação do processamento au- ditivo central é medir a capacidade do indivíduo em reconhecer sons verbais e não verbais em condição de escuta difícil. Desta forma, pode-se inferir sobre a capacidade do indivíduo de acompanhar a conver- sação em ambientes desfavoráveis; determinar as inabilidades auditivas, ter um parâmetro de medida quantitativo da qualidade da audição e contribuir 129 para o diagnóstico e tratamento de diversos trans- tornos recorrentes na comunicação oral e escrita. 4.2.12. O que fazer nas alterações de processa- mento auditivo? Nas alterações de processamento auditivo, a conduta principal é a fonoterapia. O desenvolvimen- to auditivo verbal envolvendo as habilidades auditi- vas de atenção seletiva; discriminação dos padrões temporais e de frequência dos sons da fala; localiza- ção; memória; fala e linguagem deve fazer parte do plano de terapia fonoaudiológica. O fonoaudiólogo, ao preparar um plano de terapia para as alterações de PAC, deve ter como objetivo principal criar con- dições para que o indivíduo possa se reorganizar, quanto aos aspectos envolvidos na comunicação no que se refere à utilização dos fonemas, da prosódia e das regras da língua. Para cada tipo de alteração, pode se organizar uma proposta de fonoterapia en- fatizando alguns aspectos que deverão ser predomi- nantemente treinados. 4.2.13. O que devemos considerar quando lida- mos com distúrbios da comunicação humana? Quando lidamos com os distúrbios da comunica- ção humana devemos considerar sempre as questões 130 A Dislexia é um transtorno genético e heredi- tário com impacto na área da linguagem. Tendo ori- gem neurobiológica e caracteriza-se pela dificuldade em decodificar o estímulo escrito. A Dislexia compromete, diretamente, a capaci- dade de aprender a ler e escrever com fluência, bem como a própria compreensão do texto. Esse impac- to torna-se perceptível também na compreensão e na construção de textos, bem como no estudo de auditivas em dois aspectos: quantitativo e qualitativo. 4.3. TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM: DISLEXIA 131 línguas, especialmente no caso de língua estrangeira. Conforme a própria palavra dislexia mostra (dis = dificuldade + lexia = leitura), as crianças disléxicas têm dificuldade em estabelecer correspondência en- tre os sinais escritos e os sons. O indivíduo é incapaz de ler corretamente, apesar de sua percepção visual ser perfeita, e de poder soletrar as palavras ou mes- mo escrevê-las. 4.3.1. Quais são as habilidades básicas das crianças disléxicas? º As crianças disléxicas são capazes de utilizar seu dom mental para alterar ou criar percepções. º São crianças extremamente curiosas. º Apresentam uma forma diferenciada de pensar, en- quanto a maioria delas constrói o pensamento por meio das palavras; as disléxicas pensam em forma de imagens. º De acordo com essas peculiaridades, os disléxicos podem vivenciar o pensamento de uma forma mais intensa, como uma realidade. º A criança disléxica pensa e percebe a realidade ao seu entorno de forma multidimensional. 132 4.3.2. Em síntese, qual é a principal dificul- dade apresentada? É notável a dificuldade que as crianças disléxi- cas têm em conseguir estabelecer correspondência entre os sinais escritos e os sons. 4.3.3. Como o professor pode auxiliar essas crianças a minimizar os impactos indesejáveis da Dislexia e acompanhar a aula? º A utilização do acesso semântico para a leitura de textos facilitará a compreensão do que é lido. º A compreensão do texto lido não se baseia em monólogos internos. No caso da dislexia, portanto, não se ouve o que se lê, a menos que se leia em voz alta. Ao invés disso, compõe- se uma imagem mental acrescentando-lhe o significado. Desse modo, as pa- lavras que descrevem coisas reais não causam mui- to embaraço; ver a imagem é o mesmo que ver seu significado, por exemplo, o animal que chamamos de elefante é o significado literal da palavra elefante. º É natural e fácil buscar a atenção - o mais difícil é se concentrar. Precisamos perceber a diferença das duas habilidades: quando estamos prestando aten- ção, a consciência está espalhada e abrange tudo o 133 que está em volta, mantendo o interesse e a curio- sidade presentes e propiciando uma compreensão. º Quando estamos concentrados, a maior parte da atenção está fixada num foco. Em outras palavras, uma concentraçãointensa produz uma aprendi- zagem mecânica e de memorização, mas não uma compreensão plena da experiência. º A observação de procedimentos mentais e a com- preensão entre o objeto percebido e a evocação são fundamentais para compreensão. º A compreensão não é um “dom dos céus” reserva- do, apenas, aos leitores. Ela pode ser uma habilidade ensinada e apreendida, respeitando a dinâmica do funcionamento mental de cada um. º Propiciar à criança disléxica formas de compreen- der os textos, buscando como recurso não somente sons, sílabas e palavras, mas também suas emoções (prazer e interesse), esse é o nosso maior desafio. º Obviamente, ignorar as características e dificulda- des próprias das crianças disléxicas pode criar nelas uma verdadeira frustração, bem como uma situação de ambiguidade e instabilidade, que dificultará cada vez mais o aprendizado. 134 4.3.4. Que intervenções o professor pode fazer para favorecer o aprendizado dessas crianças? º Um recurso básico, mas funcional, é o professor trazer para perto de si essas crianças que apresen- tam dificuldades de aprendizagem e acompanhá-las de perto, ou seja, colocando-as, preferencialmente, sentadas numa carteira próxima a sua mesa. º Outro recurso é propiciar a elas oportunidade de ouvir o falante em nível de intensidade bem acima dos possíveis ruídos de fundo. º As orientações devem ser repetidas pelo professor, que deverá encorajar o aluno a repetir a orientação ouvida. º Usar frases simples, falar claramente e simplificar a mensagem, principalmente quando a informação for nova. º Quando houver necessidade de repreensão, a pior política é fazê-la em público, em voz alta, com forte carga emocional; funciona melhor fazer em particular, logo em seguida à transgressão e de for- ma breve, sem carga emocional. º Não tome como ataque pessoal alguma observação inoportuna – isso ajuda a evitar um erro de poder, 135 diminui o seu estresse e o do aluno. º Subdividir tarefas a serem realizadas, em longo pra- zo, em tarefas menores com prazos menores, com passos sequenciais pré-estabelecidos, monitorando o avanço a cada dia. º Convém o professor buscar formas diversificadas de apresentar os conteúdos a serem trabalhados em aula (músicas, filmes, ilustrações, encenações, vídeos, montagens de peças etc.) º O professor deve sempre se lembrar de que, para o disléxico, “uma imagem vale mais do que mil palavras.” 4.4. DISCALCULIA E ACALCULIA A Discalculia é um dos transtornos de apren- dizagem que causa dificuldade no raciocínio ma- temático. Este transtorno, contudo, não é causado por déficits intelectuais da criança ou do jovem; nem tampouco por fatores ligados à percepção visual ou auditiva; da mesma forma, não está relacionada à má escolarização. Por isso, para chegar-se a esse diagnóstico, é importante não confundir a discalculia com esses fatores. 4.4.1. O que é a Discalculia? 136 º Discalculia é o distúrbio neuropsicológico carac- terizado pela dificuldade no processo de aprendi- zagem do cálculo, que se observa geralmente, em indivíduos de inteligência normal, que apresentam inabilidades na realização das operações matemáti- cas e falhas no raciocínio lógico-matemático. º É um transtorno que se apresenta como uma ima- turidade das funções neurológicas ou uma disfunção sem lesão. º Trata-se de um transtorno estrutural da maturação das habilidades matemáticas, referente, sobretudo, a crianças e que se manifesta por erros variados na compreensão dos números, habilidades de conta- gem, habilidades computacionais e solução de pro- blemas verbais. 4.4.2. Qual é a diferença entre Acalculia e Discalculia? A Acalculia ocorre quando o indivíduo, após sofrer qualquer espécie de lesão cerebral, como um acidente vascular cerebral ou um traumatismo crâ- nio-encefálico, perde as habilidades matemáticas já adquiridas. A perda ocorre em níveis variados para realização de cálculos matemáticos. 4.4.3. Quais são os subtipos de Discalculias? 137 García Kocs (1998) classificou a discalulia em seis subtipos, podendo ocorrer em combinações dife- rentes e, ainda, acompanhada de outros tipos de transtornos de aprendizagem: i) Discalculia verbal: dificuldades em nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações. ii) Discalculia practognóstica: dificuldades para enu- merar, comparar, manipular objetos reais ou ima- gens, matematicamente. iii) Discalculia léxica: dificuldades na leitura de sím- bolos matemáticos. iv) Discalculia gráfica: dificuldades na escrita de sím- bolos matemáticos. v) Discalculia ideognóstica: dificuldades de fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos. vi) Discalculia operacional: dificuldades na execução de operações e cálculos numéricos. 4.4.4. Quais são as falhas e sintomas relaciona- dos à Discalculia? 138 Os transtornos mais comuns são dificuldades em: º visualizar conjuntos de objetos dentro de um con- junto maior; º conservar e relacionar quantidade: a criança não compreende que 1 quilograma é igual a quatro paco- tes de 250 gramas; º sequenciar números a partir do conceito de núme- ro antecessor e de número sucessor; º classificar números; º compreender os sinais matemáticos usados nas operações ( +, - , ÷, ×); º montar operações matemáticas e entender os algoritmos; º entender os princípios de medida; º lembrar as sequências dos passos para realizar as ope- rações matemáticas (pula os passos e erra as operações); º estabelecer correspondência um a um entre dois conjuntos de elementos: por exemplo: não relaciona o número de alunos de uma sala à quantidade de carteiras nela existente; 139 º contar por meio dos numerais cardinais e ordinais; º compreender o enunciado de problemas e sua re- lação com a pergunta do problema, falhas no meca- nismo operacional; º realizar cálculos mentais; º falhas no raciocínio matemático. 4.4.5. Como esses transtornos aparecem nos processos cognitivos? Os transtornos advindos da Discalculia apare- cem nos processos cognitivos da criança na forma de: º falhas na memória auditiva; º dificuldades na reorganização auditiva: a criança é ca- paz de reconhecer o número quando ouve, mas, depois, tem dificuldade de lembrar do número com rapidez; º dificuldades na memória visual: a criança é capaz de reconhecer o número quando vê, mas, depois, tem dificuldade de lembrar do número com rapidez; º falhas na memória com relação a tarefas não-verbais; 140 º lapsos na memória de trabalho, quando a resolução do problema implica em contagens; º dificuldades nas habilidades visuais e espaciais; º dificuldades geradas por distúrbios de percepção visual; º dificuldades nas habilidades psicomotoras; º dificuldades por distúrbios de escrita: crianças com disgrafia têm dificuldade de escrever letras e núme- ros; º distúrbios de leitura*: apresentam dificuldade em ler o enunciado do problema. *Observação: para diferenciar a Discalculia da Dislexia, no que se refere à leitura de problema, deve-se observar que Indivíduos com distúrbios de leitura (como os disléxicos) podem ter mais facilidade para resolver o problema, quando o enunciado do problema é lido em voz alta, po- dem apresentar dificuldade na leitura do proble- ma, mas não na interpretação. 141 4.4.6. Quais são os aspectos neuropsicológicos? As áreas do cérebro afetadas são: º áreas terciárias do hemisfério esquerdo que dificul- ta a leitura e compreensão dos problemas verbais, compreensão de conceitos matemáticos; º lobos frontais dificultando a realização de cálculos mentais rápidos, habilidade de solução de problemas e conceitualização abstrata. º áreas secundárias occípito-parietais esquerdos di- ficultando a discriminação visual de símbolos mate- máticos escritos. º lobo temporal esquerdo dificultando memória de séries, realizações matemáticas básicas. 4.4.7. Como a Discalculia afeta os aspec- tos acadêmicos? O aluno discalcúlico(não tratado) pode apre- sentar problema de comportamento tais como: º inatividade: torna-se preguiçoso, não faz as tarefas, introvertido, triste, muito quieto, má vontade para ir para escola; 142 º indisciplinado: atrapalha o andamento da aula; º irritável: torna-se nervoso, questiona autoridade de forma inadequada; º impulsivo: age primeiro e pensa depois; º baixa autoestima: devido a críticas e punições de pais, professores e colegas; º inseguro: sente medo de novas situações; º no caso de adulto com discalculia: dificuldade em utilizar a matemática no seu cotidiano. 4.4.8. Qual é o comprometimento do desenvol- vimento escolar de forma global? Aos transtornos do cálculo acrescentam-se as di- ficuldades de aprendizagem da leitura e escrita, apre- sentando características que se veem no disléxico. 4.5. SUGESTÕES PARA ESTIMULAÇÃO DOS PROCESSOS COGNITIVOS Atividades que visam à maturação das funções executivas: Memória e Percepção Auditivas e Visuais ~ ~ 143 Ritmo e Seriação Abstração Noção do esquema corporal Noção de direita-esquerda Orientação espacial Noção de tempo-espaço 4.5.1. Exercícios de: Atenção Psicomotores Maturação Pré-numérica: com peso, espessura, com- primento, largura, muito-pouco, grande-pequeno etc. Exercícios de maturação para a noção de: quan- tidade, comparação, classificação, categorização. 4.5.2. Exercícios pré-operatórios de maturação gráfica-sequência de grafismos. 4.5.3. Exercícios específicos para a correção dos transtornos de Discalculia • Número/Numeral/Numeração; • Seriação Numérica/ Escalas Ascendentes e Des- cendentes; • Operações/ Cálculo Mental; • Problemas. 144 4.5.1. Exercícios de: Atenção Psicomotores Maturação Pré-numérica: com peso, espessura, comprimento, largura, muito-pouco, grande-peque- no etc. Exercícios de maturação para a noção de: quan- tidade, comparação, classificação, categorização. 4.5.2. Exercícios pré-operatórios de matura- ção gráfica-sequência de grafismos. 4.5.3. Exercícios específicos para a correção dos transtornos de Discalculia • Número/Numeral/Numeração; • Seriação Numérica/ Escalas Ascendentes e Descendentes; • Operações/ Cálculo Mental; • Problemas. 145 1. O que é o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade)? 2. Como o PAC afeta a aprendizagem e como mini- mizar seus impactos? 3. Como identificar a Dislexia e auxiliar o processo de aprendizagem das crianças que são portadoras desse transtorno? 4. Como diferenciar a Discalculia de um simples de- sinteresse pela área de Matemática? 5. Os transtornos de aprendizagem têm só aspectos negativos? Justifique. Questões ~ Gabarito 148 149 Unidade 1 1. Como trabalhar com a diversidade e respeitar as individualidades de cada aluno? Essa questão traz um ponto básico a ser observa- do por todo profissional da área de educação e, em especial pelo psicopedagogo: não existe uma forma única de se ensinar ou de se aprender. É preciso ob- servar os alunos com necessidades especiais e elabo- rar estratégias que lhes facilite a aprendizagem. 2. Quais os paradigmas da escola em relação às difi- culdades de aprendizagem? Por uma série de questões, inclusive de ordem so- cial, as escolas dos filhos não são escolhidas pelos pais, de acordo com a adequação de seus métodos e estrutura à forma de aprender das crianças e dos jovens. Como agravante, a maioria das escolas, prin- cipalmente as públicas, estão em condições extre- mamente precárias, não dando conta nem sequer de cumprir seus serviços básicos. Por outro lado, a escola foca, apenas, nos alunos que dão conta de acompanhar suas aulas. 3. Como uma ciência, formada a partir da soma de 150 saberes, pode se constituir num caminho para auxi- liar os alunos a superarem seus problemas de apren- dizagem? A Psicopedagogia é essa ciência nova, for- mada a partir da soma de saberes advindos de ou- tras ciências, tais como: a psicologia, a psicanálise, a fonoaudiologia, neurociência etc., a serviço de diag- nosticar e tratar, numa abordagem multidisciplinar, as dificuldades de aprendizagem dos alunos. 4. Que espécie de visão conduz aos paradigmas da sociedade moderna? Na análise de Morin, os paradigmas individualistas da sociedade moderna afastaram-se das experiências de complementaridade e de parcerias. A dificuldade de parceria e suas consequências manifestam-se em diferentes contextos da nossa vida pessoal e institu- cional, remetendo a uma visão fragmentada do mun- do. Como exemplo disso, temos o isolacionismo da própria escola, que lhe dificulta levar avante uma abordagem de complementaridade, em que família, escola e demais profissionais ligados direta ou indi- retamente à Educação busquem estratégias, que au- xiliem os alunos em seu processo de superação das dificuldades de aprendizagem. 151 5. Em que contribui para uma abordagem psicopedagógi- ca a visão da criança e do jovem como seres cognoscentes? Esse grande diferencial da abordagem psicopedagó- gica, ao apresentar a criança e o jovem como seres cognoscentes, abre perspectiva de transformação em que nenhuma dificuldade de aprendizagem dos alunos é algo definitivo, mas sim, um aspecto a ser tratado de maneira específica e pontual. Unidade 3 1. Compare pensamento tradicional e pensamento complexo? O pensamento tradicional apresenta o ser humano como indivíduo ou coletivo, como ser biológico ou ser cultural, permitindo uma abordagem unilateral e, portanto, reducionista. O pensamento complexo, por outro lado, traz a ideia do ser humano em uma dimensão simultaneamente biológica, cultural e so- cial, pois... “É a cultura e a sociedade que garantem as realiza- ções dos indivíduos, e são estas interações que per- mitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade.” (Morin, 2002, pág. 54) 2. Qual desses pensamentos identifica-se com a 152 abordagem psicopedagógica dos problemas de aprendizagem? Por quê? A abordagem da psicopedagogia identifica-se com o pensamento complexo, pois essa nova ciência nasce da soma dos saberes de outras ciências (biológicas, humanas e sociais) e volta-se para compreender o ser humano em sua complexidade, numa perspectiva só compreensível pelo pensamento multifacetado. 3. O que é o pensamento em rede? Morin propõe um pensamento em rede, a partir desta relação triádica – indivíduo/espécie/sociedade - em que a complexidade humana não poderia ser compre- endida, se reduzida a uma visão tradicional e, portan- to, dissociada dos elementos que a constituem. 4. A Educação do futuro baseia-se em que paradigmas? O trecho, a seguir, apresenta dois paradigmas do que cabe à Educação do futuro: “cuidar para que a ideia de unidade da espécie humana não apague a ideia da diversidade e que a da sua diversidade, não apague a da unidade. Há uma unidade humana. Há uma diver- sidade humana.” (Morin, 2002, p.55). 5. Explique por que não somos hiperconscientes? 153 O ser humano não é hiperconsciente porque, na mes- ma medida que produz conhecimentos, é influencia- do por esses conhecimentos, que são paradigmas, que lhe servem como referência e lhe influenciam a maneira de agir e de pensar, pois, segundo Morin: “Os indivíduos conhecem, pensam e agem confor- me os paradigmas neles inscritos culturalmente, e que o nosso maior desafio é conseguir olhar para nós mesmos e nos confrontarmos interiormente, pois o que é paradigmático está profundamente ins- crito também na organização cognitiva, psíquica, in- telectual e cultural, em que nascem teorias e raciocí- nios no ser humano.” (Morin, 2002, pág. 261) Unidade 3 1. Quais são as contribuições da Neurociência para a aprendizagem? A neurociência busca uma integração entre a prá- tica pedagógica e o entendimento da neurologia da aprendizagem. Para contornar as dificuldades de aprendizagem e ensinar uma criança, é necessária uma investigação de como ela aprende e de como aprendeu a aprender. O cérebro humano representa um fator determinan- te da capacidadede aprendizagem. O conhecimento 154 das bases neuropsicológicas que possibilitam aqui- sição das competências cognitivas fará o educador aumentar a eficiência de sua função. Esse conheci- mento permite diminuir o impacto negativo das difi- culdades de aprendizagem. 2. Explique a afirmação: “Para que o conhecimento possa ser elaborado, é necessário que seja compreen- dido nos aspectos que variam e nos aspectos que se mantêm constantes”. Para que um conhecimento seja elaborado e com- preendido nos aspectos que se variam e se mantêm, é necessário que se consiga identificar, na transfor- mação do fenômeno ou do objeto, o que não se al- tera (a constância) e/ou resgatar o todo sem deixar de aprender simultaneamente as partes articuladas a esse todo. 3. Cite exemplos que já vivenciou/observou para cada fase do desenvolvimento do estudo de Piaget. • Fase sensório-motora: é possível e identificar a voz da mãe em relação a outros sons diferentes. • Pré-Operatório: Todos que cuidam da criança (avó, avô, mãe, pai) são “mamãe”. • Operações concretas- Possível entender que a mãe, quando sai do campo de visão da criança, não desa- 155 parece definitivamente, ou seja, ela vai retornar. • Operações formais: Na adolescência, elaboram- -se estratégias mentalmente para conquistar o que se quer. 4. Segundo Piaget, quando o sujeito tem noção de conservação? Exemplifique. Para Piaget, o sujeito tem noção de conservação quando, ao entrar em contato com qualquer fenô- meno, apreende o que se mantém nas transforma- ções apesar das alterações. Exemplo: • Fase sensório-motora: percepção de objetos, sons e cores. • Pré-operatória: percepção de algumas proprieda- des básicas das classes: tudo que tem rabo é gato. • Operações concretas: relações para classificação e seriação concretas. Exemplo: eu transformo uma massa de modelar em bola ou cobra, e a quantidade permanece constante. No campo afetivo, consegue superar o egocentrismo, com o olhar para si e para o outro, mantendo um diálogo complementar. • Operações formais: chega a conclusões hipotéti- cas, explica um fenômeno, algo abstrato e com al- ternativas saindo das limitações da experimentação. 5. Que dificuldades pode apresentar na escola uma criança de 6 a 7 anos com dificuldades para reali- 156 zar provas de conservação (quantidade descontínua com pequenos conjuntos)? Esta criança possivelmente encontra dificuldades rela- cionadas à formação de conceitos abstratos, como se dissermos: pense em um objeto que é quadrado. Ela consegue representar mentalmente a figura de um qua- drado, mas encontrará maior dificuldade em articular as variáveis, como a figura de uma mesa quadrada. Unidade 4 1. O que é o TDAH (Transtorno do Déficit de Aten- ção e Hiperatividade)? Consultar item 4.1. e sintetizar os principais pontos. 2. Como o PAC afeta a aprendizagem e como mini- mizar seus impactos? Em síntese, o PAC é um transtorno de aprendiza- gem que afeta de alguma maneira e em algum grau o conjunto de operações, que o sistema auditivo da criança realiza, tais como receber, selecionar, detec- tar, atender, reconhecer, associar e integrar os es- tímulos acústicos para posteriormente programar uma resposta. Consultar item 4.2.4., que explica como minimizar 157 os impactos negativos do PAC, na aprendizagem em sala de aula. 3. Como identificar a Dislexia e auxiliar o processo de aprendizagem das crianças que são portadoras desse transtorno? A criança disléxica apresenta comprometimento da capacidade de aprender a ler e escrever com fluên- cia. Outro sinal é a dificuldade na compreensão e na construção de textos, bem como no estudo de línguas, especialmente no caso de língua estrangeira. As crianças disléxicas têm dificuldade em estabelecer correspondência entre os sinais escritos e os sons. O indivíduo é incapaz de ler corretamente, apesar de sua percepção visual ser perfeita, e de poder soletrar as palavras ou mesmo escrevê-las. Consultar item 4.3.3., que explica como minimizar os impactos negativos da Dislexia. 4. Como diferenciar a Discalculia de um simples de- sinteresse pela área de Matemática? É natural que uma das consequências da Discalculia seja o desinteresse pela área de Matemática, mas para se diferenciar esse distúrbio do simples desinteresse, que, muitas vezes, ocorre até pela forma como essa disciplina é trabalhada em sala de aula, é preciso ob- 158 servar os aspectos descritos nos itens 4.4.4. e 4.4.5. 5. Os transtornos de aprendizagem têm, só, aspectos negativos? Justifique. Retomar o item 4.3.1. 159 Referencias ^ 162 163 BATRO, Antônio M. Dicionário terminológico de Jean Piaget. Ed. Pioneira. São São Paulo 1974. CIASCA, S.M. & ROSSINI, S.D.R.: Distúrbio de aprendizagem: mudanças ou não? Correla- ção de uma década de atendimento. Temas so- bre desenvolvimento, artigos 8 (48): 11-16, 2000. DAVIS, Ronald. O Dom da Dislexia. Editora: Rocco. São Paulo, 2004. DOLLE, Marie Jean. Para compreender Jean Piaget. Uma iniciação à Psicologia Genética Piagetiana. 4.ª edição. Guanabara. Koogan 1974. FRIED, Dora. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artmed, 1996. FAGALI, Eloísa Q. Múltiplas faces do apreen- der. Novos paradigmas da pós-modernidade. São Paulo: Unidas Ltda, 2001. FERNANDEZ, Alícia, a Inteligência Aprisio- nada. Porto Alegre: Artmed, 1991. 164 FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2.ª ed. Porto Alegre: Artes Mé- dicas, 1995. FRIED, Dora. 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