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Diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais: aplicação SST Zolotar, Márcia Diferença entre direitos humanos e direitos fundamen- tais: aplicação / Márcia Zolotar Local: 2020 nº de p. : 10 Copyright © 2019. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais: aplicação 3 Apresentação De um modo não raro os direitos humanos e os direitos fundamentais podem ser confundidos. Os direitos humanos e os direitos fundamentais muitas vezes possuem o mesmo conteúdo, tratam-se de direitos que considerados inerentes a todos os seres humanos, mas não de forma idêntica, tanto por sua fonte quanto por sua positivação ou não nos ordenamentos jurídicos dos Estados nacionais. Neste capítulo, serão analisadas as principais diferenças entre direitos humanos e direitos fundamentais. Você poderá ver que o conteúdo deles pode ser bastante similar, porém verá também que as classificações doutrinárias de ambos são distintos. Os direitos humanos e os direitos fundamentais podem e devem conviver de forma pacífica e complementar Fonte: Plataforma Deduca (2018) 4 Direitos humanos e direitos fundamentais: conceitos Os direitos humanos e os direitos fundamentais possuem divergência quanto ao espaço onde os direitos humanos são reconhecidos e positivados. No primeiro caso, os direitos humanos pertenceriam ao Direito Internacional, tendo o ser humano como um objeto de direito. Nesse contexto, os direitos humanos passaram por um profundo processo de internacionalização e universalização. Hoje tais direitos contam com um Sistema Global e Sistemas Regionais de Proteção de Direitos Humanos e um sem número de Tratados, Convenção e Instrumentos para a implementação dos chamados direitos 1ª, 2ª, 3ª e 4ª geração. No segundo caso (direitos fundamentais), há uma vinculação a um ordenamento jurídico interno, constitucional. Vamos lembrar que, no caso da Constituição Federal de 1988, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil têm natureza de normas constitucionais. Assim, são duas ordens jurídicas diferentes, que se sobrepõem e que podem até conviver de forma pacífica e complementar. Uma outra questão que surge quando analisamos esses dois conceitos é o seu grau de efetividade no mundo real. Ou seja, dentro de cada âmbito de atuação – internacional e interno, qual dos direitos possuem mais eficácia, efetividade e poder? Ao analisar o Sistema Global e os Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, é possível constar que esses sistemas possuem órgãos de proteção e implementação aos direitos humanos. Ocorre, porém, que, na maioria dos casos, é necessário que os Estados aceitem a competência dos referidos órgãos e ratifiquem os instrumentos de proteção para se submeterem ao julgamento deles. Os direitos fundamentais são direitos positivados nas Constituições Federais, que são o instrumento normativo mais importante de um Estado. A partir da Constituição Federal, é que todas as demais leis (infraconstitucionais) são criadas e nela baseadas. 5 Os princípios fundamentais são ali criados. Não se fala em aceitação dos direitos determinados na Constituição ou ainda não se pode arguir desconhecimento dos direitos ali garantidos. A resposta é clara. Dos dois direitos em tela, os que gozam de mais eficácia, sem dúvida, são os direitos fundamentais. Os princípios e as garantias fundamentais encontram-se na Constituição e têm sua eficácia e implementação garantida no ordenamento interno Fonte: Plataforma Deduca (2018) Valerio Oliveira Mazzuolli (2018, p. 753) nos lembra que a Constituição de 1988 utiliza as expressões direitos humanos e direitos fundamentais em contextos diferentes. Segundo ele, há uma “absoluta precisão técnica” no uso delas, de modo a não confundir o significado ou o seu uso. Assim sendo, a Constituição quando se refere aos direitos ali previstos usa a expressão “direitos fundamentais”, por exemplo, no Art. 5º, § 1ª CF/88. Ao se referir aos direitos humanos protegidos por Tratados Internacionais, menciona a expressão direitos humanos, conforme Art. 5º, § 3º CF/88. Uma vez entendido o conceito e a atuação de cada um dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, vamos conhecer a sua classificação. Siga em frente! 6 Direitos humanos A classificação dos direitos humanos é baseada na chamada Teoria das gerações. Ela foi criada pelo jurista theco-francês Karel Vasak por meio de um texto publicado em 1977 e de uma palestra proferida em 1979. Essa teoria estabelece um paralelo entre os lemas da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade - e as dimensões ou gerações de direitos humanos, que se dividiriam, em um primeiro momento, em três gerações. São elas: a. Direitos de 1ª geração – são direitos surgidos no final do século XVIII, em de- corrência da Independência dos Estados Unidos e do advento da Constituição (1787) e da Revolução Francesa (1789). Nesse momento, procura-se limitar o poder do Estado e fortalecer os direitos dos indivíduos. São os direitos civis e políticos. b. Direitos de 2ª geração – o contexto histórico do surgimento dos direitos des- sa geração, paradoxalmente, é oposto ao dos direitos de 1ª geração. Procura- -se a maior intervenção do Estado com o objetivo de garantir direitos econô- micos, sociais e culturais. Exemplos de instrumentos constitucionais desse período são as Constituições do México, de 1917, de Weimar e a Constituição Brasileira de 1934. c. Direitos de 3ª geração – são também chamados de transindividuais. Refletem as mudanças ocorridas na comunidade internacional e na sociedade, com o surgimento de questões com impactos em escala mundial, tais como meio ambiente, direitos humanos, proteção aos consumidores, dentre outros. São direitos coletivos e pertencem a toda a humanidade. José Eliaci Nogueira Diógenes Júnior (20-?) menciona alguns autores, dentre os quais Paulo Bonavides, Norberto Bobbio e José Adércio Sampaio Leite, que entendem existir uma 4ª e uma 5ª geração de direitos: a. Direitos de 4ª geração – são os direitos relacionados à manipulação do patri- mônio genético. Muitos questionam a forma pela qual vem sendo feita essa manipulação e os respectivos riscos. b. Direitos de 5ª geração – segundo alguns doutrinadores, esses direitos esta- riam relacionados à evolução da cibernética e de tecnologias, como a realida- de virtual e a Internet. Outros, no entanto, os vinculam ao ideal da paz, como ideal supremo da humanidade. 7 Importante destacar que, embora essa classificação seja utilizada por grande parte da doutrina, inúmeras críticas apontam para falhas na relação das gerações de direitos e o processo histórico dos direitos humanos. Destacamos algumas delas: 1. As gerações de direitos humanos trazem uma ideia de sucessão de direitos, quando, na realidade, ocorre uma concomitância de direitos convivendo e pro- tegendo direitos de âmbitos diversos. À medida que surge a necessidade de proteção de no vos direitos, criam-se instrumentos normativos capazes de salvaguardar esses direitos. 2. Trata-se de uma cumulação de direitos que vão surgindo ao longo da história. Todos esses direitos se revestem das características de universalidade, indi- visibilidade, interdependência e inter-relacio-nariedade. Nas palavras de Mazzuolli (2018, p. 759): Deve ser afastada a visão fragmentária e hierarquizada das diversas categorias de direitos humanos, a fim de se buscar a “concepção contemporânea” desses mesmos direitos, tal como introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. A manipulação do patrimônio genético é objeto de preocupação de muitos cientistas e estudiosos do direito e da filosofia Fonte: Plataforma Deduca (2018) 8 Direitos fundamentais A Constituição Federal de 1988 tratou dos Direitos e Garantias Fundamentais no Título II, muito embora possamos encontrar alusões a essesprincípios no texto constitucional, de forma expressa ou implícita. Recordamos o mérito atribuído à Constituição ao inovar e determinar que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuíssem aplicabilidade imediata. Essas normas passaram a possuir um status jurídico diferenciado. Sarlet (2018, p.70) enfatiza o papel da Constituição de 1988 em sua obra: (...) sem medo de errar, que, a despeito da existência de pontos passíveis de crítica e ajustes, os direitos fundamentais estão vivenciando o seu melhor momento na história do constitucionalismo pátrio, ao menos no que diz respeito ao seu reconhecimento pela ordem jurídica positiva interna e pelo instrumentário que se colocou à disposição dos operadores de Direito, inclusive no que concerne às possibilidades sem precedentes no ordenamento nacional. De forma resumida, elencamos para você esses direitos: I. Direitos individuais e coletivos: estão relacionados ao ser humano e à perso- nalidade dele e protegem os direitos referentes à vida, igualdade, dignidade, segurança, honra, liberdade e propriedade. Encontram-se determinados no Ar- tigo 5º e seus incisos. II. Direitos sociais: procuram garantir as liberdades positivas, que se referem à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência social, ao lazer, à segurança, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados. Têm como objetivo melhorar as condições de vida dos menos favorecidos. Estão previstas a partir do Artigo 6º. III. Direitos de nacionalidade: garante ao nacional o vínculo jurídico político ao seu país e os respectivos direitos e obrigações daí decorrentes para ambas as partes. IV. Direitos políticos: por meio desses direitos, o indivíduo pode exercer sua cida- dania, como votar e ser votado. Pode participar do processo democrático no país. Encontram-se previstos no Artigo 14. V. Direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos: assegura a existência, autonomia e liberdade dos partidos políticos. Trata-se de um elemento fundamental em um Estado Democrático de Direito. Está determinado no Artigo 17. 9 Fechamento Nesta unidade, você pôde conhecer mais sobre os direitos humanos e os direitos fundamentais. Na primeira parte você pode conhecer a origem e fonte atribuída a cada um dos tipos de direitos, bem como as principais diferenças entre ambos no que diz respeito à positivação ou não deles. Na segunda, você pode conhecer algumas das classificações dos direitos dos direitos humanos que podem ser divididos em três ou mais dimensões, de acordo com o referencial teórico utilizado. Na terceira parte, você pôde conheceu algumas das classificações dos direitos fundamentais presentes na Constituição Federal que, como visto, são de natureza bastante diversa. 10 Referências BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/ CF88_Livro_EC91_2016.pdf Acesso em: 15 jun. 2018. ______. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Disponível em: . http://www.pcdlegal.com.br/convencaoonu/wp- content/themes/convencaoonu/downloads/ONU_Cartilha.pdf Acesso em: 25 jun. 2018. ______. Emenda Constitucional nº 45, De 30 De Dezembro De 2004. Disponível em: . http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm Acesso em: . 24 jun. 2018. DIÓGENES JUNIOR, J. E. N. Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais? [20- ?]. Disponível em: . http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29835/ geracoes-ou-dimensoes-dos-direitos-fundamentais Acesso em: 28 jun. 2018. MAZZUOLI, V. O. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2018. PIOVESAN, F. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015a. ______. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015b. SARLET, I. W. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf http://www.pcdlegal.com.br/convencaoonu/wp-content/themes/convencaoonu/downloads/ONU_Cartilha.pdf%20 http://www.pcdlegal.com.br/convencaoonu/wp-content/themes/convencaoonu/downloads/ONU_Cartilha.pdf%20 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29835/geracoes-ou-dimensoes-dos-direitos-fundamentais http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29835/geracoes-ou-dimensoes-dos-direitos-fundamentais Dos Direitos Humanos SST Vargas, Fábio Aristimunho Dos direitos humanos / Fábio Aristimunho Vargas Local: 2020 nº de p. : 14 Copyright © 2019. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Dos Direitos Humanos 3 Apresentação Os direitos humanos são constantemente invocados, além de serem muito discutidos nas mídias mundiais. Situações de conflitos e guerras internacionais geralmente suscitam essa discussão, pois não é raro que os direitos humanos sejam violados nessas situações extremas. Vamos conhecer mais sobre os direitos humanos. Primeiro, verá uma clássica divisão entre gerações ou dimensões de direitos humanos. Na segunda e terceira parte, você verá a aplicabilidade desses direitos no plano internacional, além de conhecer mais sobre as Cortes Internacionais que tem como principal objeto os direitos humanos. Geração de direitos humanos O conceito geral de Direitos Humanos é o direito conferido a todo e qualquer sujeito, e visa manter sua integridade como indivíduo e sua dignidade, a qual toda a sociedade política deve garantir. Os Direitos Humanos são reconhecidos pelo Estado e no plano da ordem jurídica internacional, o que o positiva e os enquadra junto aos direitos políticos, sociais, econômicos etc. Segundo Guerra (2014), a evolução dos Direitos Humanos, que foram sendo incrementados ao longo da história, faz com que esses direitos sejam classificados por ondas geracionais ou por dimensão. Essa divisão ocorre em três partes, que foram desenvolvidas e conquistadas no decorrer dos séculos: Direitos de primeira geração ou direitos civis: são expressos pela igualdade dos homens perante a lei e são resultantes da Declaração Francesa dos direitos do Homem e do Cidadão, durante a Revolução Francesa no século XVIII. Também a Constituição dos Estados Unidos da América em 1787 teve grande impacto na consolidação dos direitos civis e resguarda os direitos políticos e econômicos. Essa primeira geração marca a secularização do Estado, ou seja, o Estado independente dos laços com as instituições religiosas. 4 A primeira geração de direitos foi influenciada pelos iluministas que desenvolveram suas teorias na mesma época da Revolução Francesa e da Independência dos EUA e também teve a efetivação do contrato social, idealizada pelos contratualistas, que faziam parte do movimento Iluminista. Atenção Direitos de segunda geração ou direitos políticos: direitos ao trabalho, à saúde, à educação, dentre outros, cujo sujeito passivo é o Estado. Os direitos políticos são decorrentes da expansão do voto no sentido do sufrágio universal, o que implica na conscientização da população como sujeito de direito político e na sua liberdade frente ao Estado. A segunda geração ainda debate o direito a uma nacionalidade, à participação no governo, à soberania popular além do voto por sufrágio universal. Direitos de terceira geração ou direitos sociais: após a garantia dos direitos políticos, civis e econômicos, os direitos sociais englobam quatro principais formas de direito: i) o direito ao meio ambiente equilibrado; ii) direito ao desenvolvimento;iii) direito ao progresso e a paz; iv) direito ao respeito cultural e a autodeterminação dos povos. Desenvolveu-se no século XX com a expansão do Welfare State ou Estado de Bem Estar Social, ou seja, é por ora a mais recente geração de direitos. Alguns teóricos do DIP discutem as três gerações baseadas no lema da Revolução Francesa de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. A divisão dos direitos em gerações é muito parecida com os princípios da revolução iluminista da França. Curiosidade 5 Esses direitos são garantidos por diversas instituições, sendo os direitos civis guardados sob a instituição dos Tribunais de Justiça, com papel decisivo na promoção e no registro do novo direito conquistado. Os Parlamentos e as Câmaras locais são as instituições garantidoras dos direitos políticos e os direitos sociais se encontram atrelados aos sistemas educacionais, serviços sociais e políticas praticadas pelo Poder Executivo. O direito internacional dos Direitos Humanos Os Direitos Humanos são direitos especiais, que se relacionam com a dignidade e a integridade do ser humano, condenando atos de agressão, desrespeito cultural, descriminação, etc. Em decorrência disso, lhe é conferida uma autonomia de atuação em relação ao Direito Internacional. Uma das divisões dentro do Direito Internacional dos Direitos Humanos é o Direito Internacional Humanitário que diz respeito à limitação dos meios e métodos utilizados durante o conflito, ou seja, os tipos de armas usadas durante os confrontos e a maneira de utilizar tal arma. Os exemplos que tivemos, principalmente durante o período das grandes guerras no século XX, nos mostraram o quão desgastante é o conflito entre Estados. Segundo Guerra (2014), o Direito Internacional, por razão desses conflitos, determinou algumas diretrizes que proíbem o envolvimento de civis e de “métodos que possam causar sofrimento desnecessário”. O DIH tem por objetivo garantir a proteção da população civil, mesmo nos casos de conflitos com caráter internacional. Isso significa que o direito é aplicável igualmente entre as partes, não interessando quem iniciou as ofensivas. Em decorrência da aceitação desses direitos no plano internacional pelos Estados, a efetivação dos direitos se tornam imperativas – mesmo que nem sempre cumpridas - na comunidade internacional. Atenção 6 Os civis não podem ser objetos de retaliação nem alvos durante o conflito, pois o principal propósito dos DIH é preservar a dignidade da pessoa, por isso os alvos são apenas militares, como bases e campos de exército. Também é vetado o abuso de poder bélico, ou seja, deve-se revidar de forma proporcional à ofensiva recebida pela parte adversa. Além desses princípios gerais instaurados pelo Direito Internacional Humanitário o Movimento da Cruz Vermelha adota alguns princípios que norteiam suas ações. São elas: a humanidade, a neutralidade, a independência, o caráter voluntário, a universalidade e a unidade. Atenção Sendo o indivíduo passível de direitos humanos para manter sua integridade, entra em cena a humanidade como sujeito do direito internacional. Segundo Amaral Júnior (2013), a humanidade como um todo se torna gradualmente um sujeito, assim como os Estados e Organizações Internacionais, o que significa que ela possui direitos. Elevar o homem, individualmente, e a humanidade, coletivamente, são feitos que ainda estão em processo de desdobramento no mundo contemporâneo. O sistema Global Na história da inserção dos direitos humanos universais, encontramos alguns documentos que marcaram a trajetória dessa conquista. Esses documentos são a Carta das Nações Unidas (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Em especial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos impulsionou os avanços nesta área do Direito Internacional. A partir desses documentos básicos, vários documentos, tratados e pactos foram assinados e incorporados pelos Estados membros da ONU. 7 O Sistema Global da ONU é composto por instrumentos normativos gerais e especiais e também por organismos que têm como função a vigilância dos direitos humanos. Os instrumentos normativos gerais são aqueles que integram a Carta Internacional de Direitos Humanos, que é integrada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Além disso, também integram o conjunto normativo do Sistema Global, as Convenções Internacionais, que são os instrumentos especiais, voltados para a prevenção da discriminação ou à proteção de pessoas ou grupos vulneráveis. Curiosidade O Sistema Global possui uma série de organismos de auxílio na fiscalização dos direitos humanos. Existem os mecanismos extraconvencionais e convencionais. Um desses mecanismos é a Comissão de Direitos Humanos da ONU – CDH, que foi o principal órgão do Sistema Global criado em 1946. A partir dos anos 60, a Comissão iniciou a fase de implementação, com um caráter mais intervencionista nos direitos humanos. Após a criação desse mecanismo, em 2006 a Assembleia Geral aprovou a Resolução 60/251, para a criação do novo Conselho de Direitos Humanos. O objetivo era substituir a Comissão de Direitos Humanos. Isso se deu devido a um contexto de tentativa de reforma da ONU, em busca de retomar a sua credibilidade no cenário internacional. A causa disso foram os acontecimentos mundiais, como a invasão não autorizada do Iraque em 2003. A criação do novo Conselho de Direitos Humanos pretende tratar a temática na mesma importância que as questões da segurança e do desenvolvimento, debatidas no âmbito do Conselho de Segurança e do Conselho Econômico e Social (ECOSOC). Atenção 8 Você sabe o que é o sistema regional interamericano? A seguir, conheceremos sobre esse assunto. Vamos lá?! O sistema regional interamericano Como foi mencionado previamente, os acontecimentos do século XX fizeram com que os Estados repensassem como tratar o ser humano, e abriu os olhos das organizações e instituições internacionais. Dessa forma, em 1977 a Organização das Nações Unidas aprovou uma resolução que estimulou os países a firmar acordos sobre os direitos humanos nos locais em que ele ainda não tinha sido firmado. Amaral Júnior (2013) afirma que os acordos visam proteger os seres humanos por meio de novos direitos ou pelo reforço dos já existentes. A Assembleia Geral da ONU sugeriu que existissem cortes ou sistemas em cada região do planeta, para impedir que as violações aos direitos humanos permanecessem impunes. Assim, foram criadas Cortes Judiciais na Europa, na África e nas Américas. Embora a Ásia não seja mencionada, devido às peculiaridades culturais desta região, algumas medidas de proteção também são tomadas naquele continente. Para começar a estudar o sistema Interamericano, é necessário ter em mente que a Convenção Americana de Direitos Humanos está pautada no tratado estabelecido em São José na Costa Rica, em 1969, que foi ratificado e entrou em vigor em 1978. Esse primeiro acordo trata de direitos civis e políticos dos países membros. Atenção Para completar, em 1988 os americanos adotaram um novo acordo, através de um Protocolo adicional à Convenção, relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais do povo que estava sendo representado. Esse protocolo adicional foi chamado de Protocolo de San Salvador, que passou a vigorar em 1999. O Sistema Interamericano visa impedir que os casos de desaparecimentos, genocídios e outros crimes que violem os Direitos Humanos ocorram. O Sistema é dividido em dois órgãos: Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. 9 Comissão: é formada por sete membros com plenos saberes em matéria de direitos humanos, que devem ser nacionais de algum dos Estados Membros da Organizaçãodos Estados Americanos (OEA). A incumbência é promover o respeito e a proteção dos direitos humanos. Além dessa função, eles têm a obrigatoriedade de relatar quaisquer medidas inapropriadas praticada por algum dos governos ou grupos de indivíduos. Eles ainda acatam denúncias e as examinam para que sejam promovidas atitudes de solução, porém essa denúncia só pode ser feita depois que o Estado não tiver mais condições de manter a ordem internamente. Corte Internacional, ou Interamericana: possui duas funções: a função consultiva, que se resume a consultar e interpretar a Convenção Americana dos Direitos Humanos e os outros tratados; e a função jurisdicional, através da qual pode aplicar aos países as regras contidas na Convenção. Assim os Direitos Interamericanos são resolvidos primeiramente no âmbito nacional, e caso for necessário pode-se utilizar o Sistema Regional para evitar casos de violência e atentado aos direitos humanos. Veremos agora outra forma de organização para as causas humanitárias. O tribunal penal internacional dos Direitos Humanos O Tribunal Penal Internacional (TPI) surgiu com o objetivo de julgar os perpetradores de grandes crimes internacionais, que causam grande repercussão e horrorizam a humanidade. Trata-se dos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Segundo Piovesan (2013), o tribunal teve sua ideia realmente encabeçada por três tentativas de criação, relativas ao Tratado de Sèvres, ao Tratado de Versailles e à Convenção contra o Terrorismo, todas após a Primeira Grande Guerra. 10 A ideia de um Tribunal Penal Internacional não é recente. O primeiro tribunal internacional foi estabelecido provavelmente ainda em 1474, em Breisach, Alemanha, para julgar Peter Von Hagenbach, por haver permitido que suas tropas estuprassem e matassem civis, saqueando suas propriedades. Séculos depois, na década de 1860, um dos fundadores do movimento da Cruz Vermelha, Gustav Monnier, propunha a elaboração de um Estatuto para um Tribunal Penal Internacional, sem, contudo, encontrar grande receptividade. Curiosidade Motivado pelos acontecimentos do Holocausto Nazista, o Tribunal de Nuremberg teve o propósito de julgar os alemães que compactuaram com a ideologia racial e julgá-los em corte internacional. Uma grande contribuição foi a cláusula em que mesmo quando um direito é permitido no âmbito interno de um país, se esse direito violar o Direito Internacional, principalmente em casos da dignidade humana, é levado à punição internacional. Assim como o de Nuremberg, os Tribunais de Ruanda, para analisar o massacre entre duas etnias, e o da Iugoslávia também contribuíram para que a construção de um Tribunal geral fosse criado. O aprimoramento dessa ideia trouxe benefícios para a proteção à pessoa no âmbito internacional. Antecedido também por Tribunais Militares, Tribunais Regionais e Comissões de Direito Internacional, o Tribunal Penal foi criado após a Guerra Fria, apenas em 1994, advento de uma nova ordem mundial. Os princípios que podem ser julgados pelo TPI são casos como o extermínio de populações, o genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes de agressão, ou seja, é um tribunal judicial que tem a capacidade e a jurisdição para processar pessoas por violação de leis humanitárias. Com o Tribunal pretende-se preservar a paz e, sobretudo, proteger a dignidade da pessoa humana. Vamos listar alguns crimes que são identificados no TPI em três categorias, listadas a seguir: 11 Genocídio: utilizam-se todas as formas possíveis para que alguma religião específica, tribo, etnia, grupo nacional ou qualquer especificidade de um típico grupo pessoal, seja atingido. Assim, o TPI tem a grande missão de parar com essa destruição em massa, que pode ser total, desmando uma população ou parcial, onde grande parte sofre consequências. De acordo com Guerra (2014), existem alguns casos em que a destruição é “destinada a impedir nascimentos no seio do grupo; transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo” Crimes contra a Humanidade: têm como base filosófica a ideia de que certos ataques contra determinado grupo de pessoas, pela sua crueldade e pela gravidade dos seus danos, consistem em ataques a todos os seres humanos. Podemos trazer alguns exemplos. Ataques contra determinado grupo populacional, perseguição e desaparecimento de pessoas, crimes de apartheid, tortura, extermínio ou escravidão compõem a lista desse tipo de crime. Crimes de guerra: dizem respeito às barbaridades cometidas em campos de batalha, que extrapolam qualquer razoabilidade e violam normas internacionais. Por exemplo, homicídio doloso, tortura, imigração forçada, ataques a populações civis, cortes de recursos básicos de sobrevivência, como comida e água, ataques químicos, dentre outros, fazem parte desse rol de crimes. O Tribunal Internacional Penal para Direitos Humanos foi criado pelo Estatuto de Roma de 15 de junho a 17 de julho de 1998. Ele entrou em vigor em 2002 e hoje é o principal meio de combater e julgar os crimes internacionais. Sediada na Holanda, o TPI é considerado um ator internacional. A importância dos Direitos Humanos nas relações internacionais Vamos discorrer um pouco sobre a importância dos Direitos Humanos nas relações internacionais. Assim, poderemos compreender melhor a relação à importância de existirem cortes as organizações internacionais que se dedicam a tratar desse tema. 12 Direitos Humanos são os direitos base de todos os seres humanos. Eles podem ser direitos civis e políticos, como propriedade privada, liberdade de pensamento, de expressão, igualdade de todos perante a lei, direito à nacionalidade, de participar do governo do seu Estado, de votar e ser votado, dentre outros direitos liberais; Podem estar relacionados à direitos econômicos, sociais e culturais, como direitos ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência social, à moradia, à distribuição de renda, fundamentados no valor de igualdade de oportunidades, dentre outros direitos dessa natureza; Ou podem dizer respeito a direitos difusos e coletivos, como direito à paz, direito ao progresso, autodeterminação dos povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão digital, todos eles fundamentados no valor fraternidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas afirma que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” Por isso, a ideia é exatamente que esses direitos não aceitem discriminações. Vamos lembrar que a humanidade é marcada por tragédias que tem origem na intolerância. Holocausto, limpeza étnica, terrorismo, colonialismo – são termos que nos remetem às piores barbáries cometidas pelo ser humano. Para evitar a repetição desses acontecimentos, os Direitos Humanos não aceitam exceção: todos os homens, independente do que façam ou tenham feito, são dignos desses direitos. Curiosidade Assim, quando os direitos humanos são infringidos, tem-se por base recorrer a tribunais nacionais, ou mesmo internacionais. Por exemplo, o Tribunal Penal Internacional tem como função julgar os indivíduos que cometem crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e os crimes de agressão. Nas Américas por exemplo, a Corte, ou o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, exerce função parecida. No entanto, ao invés de julgar pessoas, ela julga os Estados que não respeitam Direitos Humanos. 13 Criada através do Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, a Corte Interamericana de Direitos humanos é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Brasil, particularmente, já sofreu processos na Corte por não respeitar alguns direitos. A Lei Maria da Penha, por exemplo, que criminaliza aviolência contra a mulher, surgiu a partir de uma condenação que o país sofreu neste Tribunal. Assim é que basicamente funcionam as instituições que têm por dever manter direitos de cidadania e integridade social, evitando crimes de guerra, crimes contra a humanidade e violações dos direitos humanos em geral. O nascimento de uma jurisdição permanentemente universal é um grande passo em direção da universalidade dos Direitos humanos e do respeito do direito internacional. As cortes internacionais, bem como os tribunais regionais, estão presentes em diversos lugares do mundo, causando grande influência tanto nas políticas públicas quanto na legislação de seus Estados associados. Fechamento Como visto, os direitos humanos são aqueles direitos considerados básicos e inerentes a todos os seres humanos. São direitos conquistados ou reconhecidos ao longo da história, ao longo de uma luta histórica pelo conhecimento da dignidade de todos os seres humanos e a concepção de que todos são titulares de direitos. No plano internacional, é possível verificar que muitos tratados e pactos objetivam manter viva a discussão sobre os direitos humanos, além de buscar a sua efetividade. Para a efetividade dos direitos humanos destaca-se o Tribunal Penal Internacional que processa e julga crimes contra a humanidade e de violação de direitos humanos, além de exercer outras atribuições correlatas. 14 Referências AMARAL JÚNIOR, A. do. Curso de Direito Internacional Público. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013. GUERRA, S. Curso de Direito Internacional Público. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/ por.pdf. Acesso em: out. 2020. PIOVESAN, F. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Direitos Autorais www.cenes.com.br | 1 DISCIPLINA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS - A ASCENSÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS Aula Neoconstitucionalismo A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Direitos Autorais www.cenes.com.br | 2 Direitos Autorais A Faculdade Focus se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Nem a instituição nem os autores assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra. É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Atualizações e erratas: este material é disponibilizado na forma como se apresenta na data de publicação. Atualizações são definidas a critério exclusivo da Faculdade Focus, sob análise da direção pedagógica e de revisão técnica, sendo as erratas disponibilizadas na área do aluno do site www.cenes.com.br. É missão desta instituição oferecer ao acadêmico uma obra sem a incidência de erros técnicos ou disparidades de conteúdo. 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Nesta aula, aprenderemos que a doutrina constitucionalista, a partir do século XX, passou a desenvolver uma nova perspectiva do constitucionalismo. Veremos que o chamado pós-positivismo busca, para além da ideia de limitação do poder estatal, a eficácia da Constituição; que o texto maior deixou de ter um caráter meramente teórico para ser mais efetivo, buscando diretamente a concretização dos direitos fundamentais. Perceberemos que a Constituição passará a ocupar a posição de dentro do ordenamento jurídico, sendo dotada de imperatividade e superioridade. Por fim, veremos que essa nova fase do constitucionalismo buscará, sobretudo, a proteção da proteção da dignidade humana. Sumário Direitos Autorais ------------------------------------------------------------------------------------------------- 2 Apresentação ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 3 Sumário ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 3 Construção histórica -------------------------------------------------------------------------------------------- 4 Neoconstitucionalismo ----------------------------------------------------------------------------------------- 6 Influências da Primeira e Segunda Guerra Mundial no Neoconstitucionalismo ---------------------------------- 8 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana -------------------------------------------------------------------------------- 10 Movimento neoconstitucionalista no Brasil ------------------------------------------------------------- 13 Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição ------------------------------------------- 14 Teoria Pura do Direito ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 14 Competência Legislativa -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 17 Nova interpretação da Constituição----------------------------------------------------------------------- 19 Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 21 Referências Bibliográficas ------------------------------------------------------------------------------------ 22 A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Construção histórica www.cenes.com.br | 4 Construção histórica Inicialmente, antes de direcionar nossos estudos no chamado “neoconstitucionalismo”, ou novo constitucionalismo, você precisa compreender as origens desse termo. A compreensão do constitucionalismo pode ser estabelecida a partir do momento histórico em que o movimento ocorreu, durante as revoluções liberais norte- americana e francesa, que ocorreram, respectivamente, em 1787 e 1791. No entanto, alguns doutrinadores defendem que a ideia do constitucionalismo como limitação do poder estatal tenha surgido muito antes desses movimentos, datando suas origens a partir da idade média. Conforme exemplifica Nathalia Masson (2020), existem quatro formas de constitucionalismo ao longo da história, o antigo, o medieval, o moderno e o contemporâneo (neoconstitucionalismo),além de uma previsão do constitucionalismo futuro. De forma sucinta, essas modalidades podem ser definidas da seguinte forma: a) Constitucionalismo antigo: o constitucionalismo antigo tem sua origem nos tempos primórdios, durante a sociedade Hebraica, onde o Estado era organizado de forma teocrática através da Torah ou do Pentateuco, de modo que o poder do monarca já era limitado pelos dogmas religiosos. Durante este período, a Grécia também teve muita influência no campo da democracia. b) Constitucionalismo medieval: durante a idade média, enquanto perdurava a ideia do feudalismo com os senhores feudais, o desenvolvimento do mercantismo através dos burgos e a implementação do absolutismo monárquico modificaram o cenário da época. A realeza passou a reivindicar uma certa liberdade perante as decisões imprevisíveis dos governantes absolutos. Assim, diante da pressão dos nobres e dos burgueses, o constitucionalismo medieval acabou ganhando força e, posteriormente, durante o reinado de João Sem-Terra na Inglaterra, originou-se a Magna Carta de 1215, a qual impunha certos limites ao monarca. Contudo, é válido mencionar que, embora represente um grande passo para o constitucionalismo, durante este período os privilégios conquistados através da Magna Carta ainda eram restritos à nobreza, deixando A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Construção histórica www.cenes.com.br | 5 o resto da população à margem do absolutismo; c) Constitucionalismo moderno: o termo constitucionalismo moderno surgiu durante as grandes revoluções liberais desencadeadas entre os séculos XVIII, XIX e XX, na França e nos EUA, que culminaram nas Constituições pós-guerra. Grande parte da doutrina considera que foi somente a partir desse momento que o constitucionalismo conhecido atualmente surgiu. Assim, as revoluções ocorridas na época acabaram por influenciar, mesmo que indiretamente, a instituição de um novo modelo de Estado, conhecido como liberal, através das novas Constituições escritas que, diferente da Magna Carta de 1215, limitaram o poder dos governantes e asseguraram alguns direitos políticos e individuais a todos os cidadãos. Como bem menciona Nathalia Masson (2020, p. 34) “o constitucionalismo do período, intitulado de liberal, ficou marcado pelo enaltecimento do indivíduo, pelo surgimento das primeiras constituições escritas e rígidas, pela consagração de direitos civis e políticos e pelo distanciamento do Estado que, numa postura nitidamente absenteísta, pouco atuava”. d) Constitucionalismo contemporâneo: o constitucionalismo contemporâneo, também conhecido como neoconstitucionalismo, surge depois da Segunda Grande Guerra e tem como princípio norteador a dignidade da pessoa humana. Embora represente um grande avanço para a sociedade, o neoconstitucionalismo só foi possível devido a todas as barbáries que ocorreram antes dele. À vista disso, junto com o movimento surgiram os direitos fundamentais de 3ª, 4ª e 5ª dimensão; e) Constitucionalismo do futuro: diferente dos outros movimentos, o constitucionalismo do futuro é uma projeção. Apesar de alguns doutrinadores já defenderem que a transição do constitucionalismo contemporâneo para o constitucionalismo vindouro ou do porvir já pode ser identificada. O constitucionalismo futuro deve estar relacionado com sete valores diferentes, A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo www.cenes.com.br | 6 quais sejam: • Verdade; • Solidariedade; • Consenso; • Continuidade; • Participação; • Integração; • Universalidade. Agora que você já tem uma noção dos aspectos iniciais e introdutórios a respeito do constitucionalismo, vamos dar continuidade ao nosso estudo, focando no objeto principal do material, o neoconstitucionalismo. Neoconstitucionalismo A denominação do movimento moderno constitucional do Neoconstitucionalismo gera discussão e controvérsia entre os estudiosos da matéria. Alguns doutrinadores brasileiros, a exemplo de Ferreira Filho (2011), fazem críticas a esse neologismo, entendendo que, o que se chama de Neoconstitucionalismo, na verdade, já se observava desde os primórdios do Constitucionalismo no século XVIII. A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo www.cenes.com.br | 7 No mesmo sentido, em sua obra sobre o Neoconstitucionalismo, Cunha Júnior (2012), assevera: O Neoconstitucionalismo representa o constitucionalismo atual, contemporâneo, que emergiu como uma reação às atrocidades cometidas na segunda guerra mundial, e tem ensejado um conjunto de transformações responsável pela definição de um novo direito constitucional, fundado na dignidade da pessoa humana. O Neoconstitucionalismo destaca-se, nesse contexto, como uma nova teoria jurídica a justificar a mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito, para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem da Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema, em face do reconhecimento da força normativa da Constituição, com eficácia jurídica vinculante e obrigatória dotada de supremacia material e intensa carga valorativa (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 29). Contudo, Luís Roberto Barroso (2018, p. 280) explica que o direito constitucional passou por muitas transformações ao longo dos anos, e “é possível reconstituir essa trajetória, objetivamente, levando em conta três marcos fundamentais: o histórico, o filosófico e o teórico. Neles estão contidas as ideias e as mudanças de paradigma que mobilizaram a doutrina e a jurisprudência nesse período, criando uma nova percepção da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica em geral”. Assim, podemos afirmar que o contemporâneo surge após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de garantir a dignidade da pessoa humana à população, que tanto sofreu com as atrocidades da época. À vista disso, os três marcos fundamentais do direito constitucional – histórico, filosófico e teórico –, suscitados por Barroso (2018), podem ser definidos, basicamente, como: • MARCO HISTÓRICO: no marco histórico devemos analisar os eventos que ocorriam na época e influenciaram o movimento. No século XX, após passar por diversas revoluções e duas Grandes Guerras, a Europa encontrava-se arrasada e buscava uma recuperação, principalmente a Alemanha e a Itália, que sofreram mais com o conflito. Por outro lado, no Brasil, o marco histórico do neoconstitucionalismo é a Constituição Federal de 1988, juntamente com o processo de redemocratização proporcionado por ela; A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo www.cenes.com.br | 8 • MARCO FILOSÓFICO: na questão filosófica, o ponto principal é o pós- positivismo, que apresenta a ideia de união entre o jusnaturalismo e o positivismo; • MARCO TEÓRICO: com relação ao marco teórico, podemos citar três eventos importantes que contribuíram para a ascensão do neoconstitucionalismo, quais sejam: a) a força normativa da Constituição Federal passa a ser reconhecida por todos; b) há um crescimento significativo da jurisdição constitucional; c) ocorre a evolução de um novo pensamento, e a Constituição é analisada por outra ótica. Influências da Primeira e Segunda Guerra Mundial no Neoconstitucionalismo O neoconstitucionalismo, assim como os outros movimentos, não surgiu do dia para a noite, é uma construção baseada em diversos acontecimentos históricos que culminaram na implementação de um novo pensamento. Portanto, considerando a perspectiva mundial, as duasGrandes Guerras foram peças fundamentais para essa evolução. A Primeira Guerra Mundial, desencadeada nos anos de 1914 a 1918, foi influenciada principalmente pelos processos de imperialismo e neocolonialismo. A batalha foi marcada pela disputa da Tríplice Aliança, composta pela Alemanha, Império Austro-Húngaro e Itália, contra a Tríplice Entente, inicialmente encabeçada pela França, Inglaterra e Rússia, com a posterior aliança dos EUA, presença decisiva para o fim do conflito, movidos pelo forte sentimento nacionalista e pelo desejo incessante de expansão de territórios. As batalhas travadas nesta época eram extremamente violentas e, diante do potencial bélico das superpotências, o armamento utilizado durante o conflito foi se aperfeiçoando, com o uso de tanques de guerra e aviões de combate, a vida de milhares de soldados foi ceifada. Além disso, a população não tinha praticamente nenhum amparo constitucional, uma vez que os direitos conquistados durante o constitucionalismo moderno protegiam, quase que exclusivamente, os nobres e os burgueses. A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo www.cenes.com.br | 9 O conflito encerrou-se com a assinatura do Tratado de Versalhes, consolidando a vitória da Tríplice Entente. Países saíram economicamente devastados do confronto, além de terem reduzido sua força militar a quase zero. O saldo de mortes, na época, foi de aproximadamente 8 milhões de soldados, dos quais 1.800.000 eram apenas alemães. Ainda, neste contexto, é importante ressaltar que a Alemanha, dentre os perdedores, foi a mais impactada, pois teve que arcar com os custos da guerra, sendo obrigada a ceder territórios já conquistados e a reorganizar sua economia para ressarcir os danos causados, principalmente à França. Esse fato é muito importante e teve grande influência na Segunda Grande Guerra. Passados 20 anos do primeiro conflito, uma nova batalha é travada pelos chamados Aliados (Reino Unido, França, EUA, URSS etc.) contra o Eixo (Itália, Alemanha, Japão etc.). A Segunda Guerra Mundial ocorreu entre os anos de 1939 a 1945 e foi motivada pela expansão dos regimes totalitários na Europa, pelo expansionismo germânico e, principalmente, pelo sentimento de humilhação que tomou conta da Alemanha depois da derrota da Primeira Grande Guerra, culminando em uma grande crise econômica que assolou o País por muito tempo. O período da Segunda Guerra foi marcado pela ascensão dos nazistas comandados por Adolf Hitler na Alemanha, que, através de um governo totalitário, buscavam reascender a economia do País, bem como o poder bélico e militar. Como era de se esperar, a segunda batalha foi muito mais violenta que a primeira, levando a vida de aproximadamente 60 milhões de pessoas, mortas na linha de frente e nos campos de concentração utilizados pelos nazistas. Além das bombas atômicas, lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, que concedeu às superpotências um altíssimo poder de destruição. A Segunda Guerra Mundial chegou ao fim em 1945, quando os Aliados invadiram o território Alemão, conquistando a capital Berlim. Depois da invasão, o líder do partido nazista, Adolf Hitler, cometeu suicídio, pondo fim à batalha. A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo www.cenes.com.br | 10 Após esse período obscuro da história, quando a população tomou conhecimento sobre o horror que era implementado nos campos de concentração, foi que o discurso sobre os Direitos Humanos começou a ganhar força no cenário internacional, junto com os direitos fundamentais de 3ª, 4ª e 5ª dimensão. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Superado esses aspectos iniciais a respeito do Neoconstitucionalismo, passamos à análise do princípio da dignidade da pessoa humana, preceito fundamental para esse movimento pós-guerras. De acordo com Luís Roberto Barroso (2018, p. 152) “o constitucionalismo democrático tem por fundamento e objetivo a dignidade da pessoa humana. Após a Segunda Grande Guerra, a dignidade tornou-se um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental, materializado em declarações de direitos, convenções internacionais e constituições”. Em consonância com José Afonso da Silva (2014, p. 107), a “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”, e desse valor decorrem outros princípios, os quais a ordem econômica deve preservar. Ainda, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 90) complementam dizendo que “a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como uma organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial”. Além disso, os autores defendem que o princípio pode ser analisado sob duas ópticas. “De um lado, apresenta-se como um direito de proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente aos demais indivíduos. De outro, constitui dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes”. Além disso, Luís Roberto Barroso (2014, p. 14) é categórico em afirmar que “a dignidade humana, como atualmente compreendida, se assenta sobre o pressuposto A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo www.cenes.com.br | 11 de que cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de uma posição especial no universo”. Dessa forma, podemos concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana é o elemento base da nossa sociedade, servindo como fonte do direito constitucional contemporâneo. Se você tem interesse em aprofundar seu conhecimento acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, recomendamos a leitura das obras “A Crítica da Razão Pura” e a “Crítica da Razão Prática” do estudioso Immanuel Kant. Outro estudioso que trata do assunto com maestria é Giovanni Pico della Mirandola, ambos os autores fizeram grandes contribuições a respeito do tema Dignidade da Pessoa Humana. Além disso, autores brasileiros, como o Min. Luís Roberto Barroso, na obra “A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo”, e Daniel Sarmento, no livro “Dignidade da Pessoa Humana - conteúdo, trajetória e metodologia”, falam sobre o princípio com maestria, relacionando os aspectos históricos com o cenário atual. No plano filosófico, valor intrínseco é o elemento ontológico da dignidade ligado à natureza do ser. Trata-se da afirmação da posição especial da pessoa humana no mundo que a distingue dos outros seres vivos e das coisas. As coisas têm preço, mas as pessoas têm dignidade, um valor que não tem preço (KANT, 1998). Além disso, o autor apresenta um valor social, visto que se preocupa com os impactos das escolhas individuais na sociedade. A inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação (pela palavra, pela arte, por gestos, pelo olhar ou por expressões fisionômicas) são atributos únicos que servem para lhes dar essa condição singular. No plano jurídico, o valor intrínseco está na origem de uma série de direitos fundamentais, que incluem: direito à vida, à igualdade, à integridade física, à integridade moral ou psíquica (BARROSO, 2017). A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo www.cenes.com.br | 12 Nesse sentido, sobre o referido princípio, Ferreira Filho (2011) assevera que: A dignidade é o fundamento dos direitos humanos. O problema é que essa dignidade é concebida de modo diferente pelas filosofias, religiões e culturas, o que põe em risco a objetividade da interpretação. Muitas vezes já tem servido abusivamente de “chave falsa” (perdoe-me a imagem)para que o intérprete arbitrariamente faça prevalecer a sua concepção ideológica contra legem ou praeterlegem. Isto “sem uma justificação política substantiva”, como reclama Sunstein. (FERREIRA FILHO, 2011, p. 231) Falando um pouco mais sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, para você que tem interesse nessa área, trazemos alguns aspectos relevantes sobre esse assunto. A D.U.D.H. é um documento adotado e proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, através da resolução 217 A III, no dia 10 de dezembro de 1948, que tem por objetivo assegurar a proteção universal dos direitos humanos. Assim, logo no seu 1º artigo, a Declaração firma um de seus princípios basilares: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Note que o pacto foi firmado três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, e os Países membros fizeram questão de mencionar no preâmbulo o seguinte: “considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum [...]”. A Declaração Universal dos Direitos do Homem surge como um reflexo às atrocidades cometidas durante as duas Grandes Guerras, servindo como base para a elaboração de diversas constituições. A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Movimento neoconstitucionalista no Brasil www.cenes.com.br | 13 Por fim, se a sua intenção é se aprofundar mais nessa área, indicamos alguns documentários que falam a respeito e podem ser úteis: → 20 anos da Conferência de Viena Link: https://www.youtube.com/watch?v=I4bTmVyAXDg → Para todos em todo lugar: o ‘making of’ da Declaração Universal dos Direitos Humanos Link: https://www.youtube.com/watch?v=D4p3aJvFq3A&feature=emb_title → 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 Link: https://www.youtube.com/watch?v=SJy1M4iYiMo Movimento neoconstitucionalista no Brasil No cenário brasileiro, o movimento neoconstitucionalista foi consolidado com a Constituição Federal de 1988, também conhecida como a Constituição Cidadã, que foi pautada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantiu aos brasileiros inúmeros direitos. De acordo com Luís Roberto Barroso (2018, p. 280), “a Constituição promoveu uma transição democrática bem-sucedida e assegurou ao país estabilidade institucional, mesmo em momentos de crise aguda. Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração”. Ainda, é importante ressaltar que, na opinião de José Afonso da Silva (2014, p. 90), assim como no cenário mundial, a luta pela democracia no Brasil se intensificou durante períodos de muita repressão, de modo que: A luta pela normalização democrática e pela conquista do Estado Democrático de Direito começara assim que se instalou o golpe de 1964 e especialmente após o AIS, que foi o instrumento mais autoritário da história política do Brasil. Tomara, porém, as ruas, a partir da eleição dos Governadores em 1982. Intensificara-se, quando, no início de 1984, as multidões acorreram entusiásticas e ordeiras aos comícios em prol da eleição direta do Presidente da República, interpretando o sentimento da Nação, em busca do reequilíbrio da vida nacional, A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição www.cenes.com.br | 14 que só poderia consubstanciar-se numa nova ordem constitucional que refizesse o pacto político-social (SILVA, 2014, p. 90). Dessa forma, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil finalmente consolidou sua transição democrática, elevando o indivíduo a um grau máximo de importância na sociedade. Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição Como bem destaca Luís Roberto Barroso (2018, p. 286), a principal característica do Constitucionalismo contemporâneo é “a centralidade da Constituição, que, além de reger o processo de produção das leis, impõe limites ao seu conteúdo e institui deveres de atuação para o Estado”. Assim, considerando que o marco inicial do neoconstitucionalismo na Europa foi com a reconstitucionalização da Alemanha e da Itália, ao final da década de 40, no território brasileiro não foi diferente, uma vez que o neoconstitucionalismo no Brasil foi marcado pela redemocratização que se operou sobre a Constituição de 1988, após a ditadura militar. Esse novo movimento constitucional que surgiu em meados do século XX na Europa visou reconhecer a supremacia material e axiológica da Constituição, cujo conteúdo passou a ser dotado de força normativa. No entanto, para compreendermos melhor esse aspecto, precisamos relembrar alguns conceitos básicos que veremos adiante. Teoria Pura do Direito Hans Kelsen foi um jurista e filósofo austríaco que fez grandes contribuições para o mundo do Direito, como quando fundou a teoria pura do direito, também conhecida como a pirâmide de Kelsen. De acordo com Nathalia Masson (2020, p. 39): A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição www.cenes.com.br | 15 Kelsen estruturou o ordenamento de forma estritamente jurídica, baseando-se na constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamente superior. Segundo o autor, no mundo das normas jurídicas uma norma só pode receber validade de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em normas superiores fundantes —que regulam a criação das normas inferiores — e normas inferiores fundadas — aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior (MASSON, 2020, p. 39). Observe, a seguir, a representação da teoria, na forma de pirâmide, apresentada pelo autor: Para tornar mais didática essa questão, podemos utilizar o exemplo da Lei 8.666/1993, lei federal que regulamenta os contratos administrativos e licitações no âmbito da administração pública. Por ser uma lei federal, todos deverão observar estes parâmetros, estando ela acima na “pirâmide das normas”. Além disso, é importante destacar que, até a Segunda Guerra Mundial, a teoria jurídica centrava-se na influência do Estado Legislativo de Direito, tendo por fonte única do Direito a lei. Dessa forma, uma norma jurídica tinha sua validade, eficácia e vigência vinculadas à autoridade que a editou, e não ao seu valor de justiça. Sob o fundamento A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição www.cenes.com.br | 16 de observância da lei, barbáries foram cometidas no mundo, a exemplo do genocídio cometido pelo governo nacional-socialista alemão quando judeus foram exterminados pelos nazistas no período de 1939 a 1945. Esse acontecimento fez o mundo repensar esse Estado Legislativo de Direito, formulando um sistema jurídico que tivesse seus fundamentos no respeito aos direitos fundamentais. Instalou- se, então, a constitucionalização do Direito, evidenciando, a supremacia da Carta Magna. Essa constitucionalização do Direito é um processo de transformação de um ordenamento jurídico, ao fim do qual a ordem jurídica em questão resulta totalmente impregnada pelas normas constitucionais, que passam a condicionar tanto a legislação como a jurisprudência, a doutrina, as ações dos atores políticos e as relações sociais(GUASTINI, 2009). No entanto, após esse período, a Constituição tornou-se o centro do sistema jurídico, devendo toda interpretação jurídica ser feita em consonância com os valores e princípios constitucionais. Além disso, a supremacia da Constituição impõe deveres negativos e positivos ao legislador quando da elaboração de leis, e impõe ao julgador, quando este decide casos resultantes de conflitos de interesses decorrentes da lei, respeitar e observar os fins estabelecidos pela Constituição. O processo de constitucionalização é uma característica essencial da própria jurisdição constitucional, que permite possibilidades interpretativas fundamentadas nessa supremacia, como o controle de constitucionalidade, possibilitando a revogação de leis inconstitucionais e a interpretação conforme a Constituição. Essa reconstitucionalização, observada após a Segunda Guerra Mundial, também fez surgir um patriotismo constitucional, o qual, segundo Habermas (1998): [...] produziu de forma reflexiva uma identidade política coletiva conciliada com uma perspectiva universalista comprometida com os princípios do Estado Democrático de Direito. Isto é, o patriotismo constitucional foi defendido como uma maneira de conformação de uma identidade coletiva baseada em compromissos com princípios constitucionais democráticos e liberais capazes de garantir a integração e assegurar a solidariedade, com o fim de superar o conhecido problema do nacionalismo étnico, que por muito tempo opôs culturas e povos (HABERMAS, 1998, p. 55). Por fim, é importante lembrar que, embora a teoria de Hans Kelsen tenha sido baseada A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição www.cenes.com.br | 17 na hierarquia das normas, quando elas estão no mesmo plano, esse critério não é considerado, pois não há hierarquia entre as leis federais ou estaduais, por exemplo. Dessa forma, além da teoria pura do direito, existem outras variáveis que devem ser consideradas diante de um eventual conflito de normas, como o critério da competência. Competência Legislativa Antes de falarmos especificamente sobre a competência legislativa, precisamos compreender alguns aspectos relativos à nossa Magna Carta. A Constituição Federal que conhecemos hoje foi promulgada no dia 05 de outubro de 1988 e instituída pelo chamado Poder Constituinte Originário, o qual, por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte, firmou as normas constitucionais originárias. No entanto, assim como a sociedade, o direito deve estar em constante evolução para que seja capaz de solucionar, de forma eficiente, os conflitos que lhe são apresentados. Dessa forma, quando o texto constitucional carece de mudanças, o Poder Constituinte Derivado, representado pelo Congresso Nacional, propõe sua alteração através de Emendas Constitucionais. Todavia, nesse ponto é importante lembrar que não existe hierarquia entre normas do mesmo plano. Assim, conforme explica Nathalia Masson (2020, p. 32) “se houver um conflito entre essas leis, a solução não será dada por critério hierárquico. Teremos que verificar qual ente da federação (União, Estados-membros ou Municípios) possui a competência para legislar sobre o tema. Se, por exemplo, a competência para legislar é dos Estados, a lei estadual vai prevalecer; se é dos Municípios, a lei municipal prevalecerá”. Assim, por mais que alguns doutrinadores organizem a estrutura do ordenamento jurídico em forma de pirâmide, de modo a situar as normas federais acima das estaduais, e estas acima das municipais, o pacto federativo pressupõe a autonomia de suas partes. Portanto, o mais correto seria dizer que todas as normas devem obedecer aos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal e, por menor que seja um município, apenas ele poderá legislar a respeito de alguns assuntos, sem qualquer A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Neoconstitucionalismo e a centralidade da Constituição www.cenes.com.br | 18 interferência ou usurpação de competência por parte dos outros entes. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (2018, p. 285-286) complementa dizendo que “nas democracias contemporâneas, as Constituições desempenham duas funções principais: a) a de veicular os consensos mínimos e essenciais da sociedade, que se expressam nos valores, instituições e direitos fundamentais; e b) assegurar o funcionamento adequado dos mecanismos democráticos, com a participação livre e igualitária dos cidadãos, o governo da maioria e a alternância do poder”. Assim, a Constituição determina a competência para legislar sobre determinados assuntos, se será privativa ou concorrente entre os entes federativos. Um exemplo que reflete essa situação é o art. 30 da CF, que fixa a competência legislativa dos municípios. Além disso, no que diz respeito à competência concorrente, o art. 24 da Constituição Federal reconhece a possibilidade de que a União, os Estados e o Distrito Federal - os municípios são contemplados, no que couber, pelo art. 30, II, CF - legislem a respeito de temas comuns, mas cada um exercerá essa atribuição em relação a um conteúdo ou especificidade própria, sem que haja uma sobreposição de normas. Imagine a seguinte situação: um dos assuntos que é de COMPETÊNCIA LEGISLATIVA concorrente entre os entes federativos é a saúde (art. 24, XII, CF). Recentemente (15/04/2020), no julgamento da medida cautelar na ADI 6341, o STF afirmou, uma vez mais, que NÃO É POSSÍVEL compreender que as normas federais a respeito da matéria prevalecem, por força hierárquica, em relação às normas dos Estados e Municípios, devendo-se atentar sempre às competências organizadas no âmbito do pacto federativo (art. 24, §1º ao 4º, CF). Veja que interessante, a Constituição Federal concede competência concorrente, ou seja, ambos podem legislar e, nesse sentido, os Estados e Municípios podem sim criar A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Nova interpretação da Constituição www.cenes.com.br | 19 suas normas sobre a saúde. Tudo porque é competência concorrente, e não privativa. Se na Constituição estivesse expresso como competência privativa da União, teríamos prevalência da lei federal, mas neste caso isso não ocorre. No mais, outro ponto que deve ser observado são os limites estabelecidos pela Magna Carta. A Constituição Federal permite que os Estados tenham Constituição própria, mas, para tanto, devem OBSERVAR ALGUNS PRECEITOS (cláusulas de simetria), que são previstos pela CF e que não podem ser modificados na organização dos Estados. De modo semelhante, os Municípios também podem ter as suas Leis Orgânicas, mas precisam observar os preceitos/princípios (limites e obrigações) previstos na Constituição Federal e Estadual. Esse é o entendimento manifestado no art. 29, CF: Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos. Sendo assim, devemos considerar a Constituição Federal como norma máxima e superior a todas as demais, uma vez que tem a função de estabelecer as diretrizes fundamentais que servirão como base para as normas inferiores. Entretanto, considerando que adotamos a forma federativa, dividindo o território brasileiro em União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devemos observar o critério da competência legislativa, pois em determinados casos, a hierarquia será colocada em segundo plano e a competência prevalecerá. Nova interpretação da Constituição Seguindo para o fim domaterial, faremos uma análise da nova interpretação da Constituição Federal, realizada através do constitucionalismo contemporâneo. Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2010), onde havia unidade, passou a existir uma A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Nova interpretação da Constituição www.cenes.com.br | 20 pluralidade. A recente interpretação incorporou um conjunto de novas categorias, destinadas a lidar com as situações mais complexas e plurais referidas anteriormente. Dentre elas, a normatividade dos princípios (como dignidade da pessoa humana, solidariedade e segurança jurídica), as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação jurídica. Além disso, Barroso (2010) comenta ainda que [Passa], por fim, a ideia de casos difíceis. Casos fáceis são aqueles para os quais existe uma solução pré-pronta no direito positivo. Por exemplo: a) a Constituição prevê que aos 70 anos o servidor público deve passar para a inatividade. Se um juiz, ao completar a idade limite, ajuizar uma ação pretendendo permanecer em atividade, a solução será dada de maneira relativamente singela: pela mera subsunção do fato relevante – implementação da idade – na norma expressa, que determina a aposentadoria; b) a Constituição estabelece que o Presidente da República somente possa se candidatar a uma reeleição. Se o Presidente Lula, por exemplo, tivesse pretendido concorrer a um terceiro mandato, a Justiça Eleitoral teria indeferido o registro de sua candidatura, por simples e singela aplicação de uma norma expressa. A verdade, porém, é que para bem e para mal, a vida nem sempre é fácil assim. Há muitas situações em que não existe uma solução pré-pronta no Direito. A solução terá de ser construída argumentativamente, à luz dos elementos do caso concreto, dos parâmetros fixados na norma e de elementos externos ao Direito (BARROSO, 2010, p. 13). Por outro lado, Lênio Streck (2011) tece algumas críticas a respeito do que chama positivismo normativista pós-kelseniano. Isto é, ao positivismo que admite discricionariedades (ou decisionismos e protagonismos judiciais). Para o jurista, esse ativismo possui uma origem solipsista; passando, dessa forma, a democracia e os avanços a dependerem de posições individuais da Suprema Corte. O autor considera que, no âmbito destas reflexões, está superado [...] o velho positivismo exegético. Ou seja, não é (mais) necessário dizer que o “juiz não é a boca da lei” etc.; enfim, podemos ser poupados, nessa quadra da história, dessas “descobertas polvolares”. Essa “descoberta” não pode implicar um império de decisões solipsistas, das quais são exemplos as posturas caudatárias da Jurisprudência dos Valores (que foi “importada” de forma equivocada da Alemanha), os diversos axiologismos, o realismo jurídico (que não passa de um “positivismo fático”), a ponderação de valores (pela qual o juiz literalmente escolhe um dos princípios que ele mesmo elege prima facie) etc. (STRECK, 2011, p. 31). A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Conclusão www.cenes.com.br | 21 Contudo, não restam dúvidas de que o Neoconstitucionalismo trouxe uma mudança de postura na elaboração das Constituições contemporâneas. Se no surgimento do movimento constitucionalista, no final do século XVIII, as Constituições limitavam-se a estabelecer regras atinentes à organização do Estado e do Poder, após a Segunda Guerra Mundial as Constituições inovaram com a inserção em seus textos de valores (dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais). Esse fenômeno aprofundou a forma de se realizar a interpretação constitucional, fundamental para soluções de casos jurídicos decorrentes da complexidade da vida contemporânea, especialmente os já mencionados casos difíceis (situações para as quais não há soluções pré-prontas no ordenamento jurídico, exigindo a atuação criativa de juízes e tribunais). Assim, conforme exemplifica Luís Roberto Barroso, embora o modelo do constitucionalismo democrático tenha chegado com um certo atraso ao território brasileiro, não é tarde demais. O autor comente que: “As últimas três décadas representam não a vitória de uma Constituição específica, concreta, mas de uma ideia, de uma atitude diante da vida. O Estado constitucional democrático, que se consolidou entre nós, traduz não apenas um modo de ver o Estado e o Direito, mas de desejar o mundo, em busca de um tempo de justiça, liberdade e igualdade ampla” (BARROSO, 2018, p.283). Portanto, percebe-se que o ativismo judicial tem se manifestado como forma para atender as questões sociais não enfrentadas pelo processo legislativo, sobretudo as que envolvem assuntos de forte impacto religioso e moral. Conclusão Nesta aula, compreendemos que o movimento constitucionalista pode ser dividido em várias etapas, de acordo com sua origem e fases, e que o chamado Neoconstitucionalismo é um movimento que tem origem na Europa, no contexto de pós-Segunda Guerra Mundial. A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Referências Bibliográficas www.cenes.com.br | 22 Além disso, vimos que esse movimento busca concretizar a supremacia material e formal da Constituição, a partir da observação do princípio da dignidade humana, e percebemos que, além do critério hierárquico, esse movimento estabelece a concretização material dos direitos fundamentais. Compreendemos também que uma parcela da doutrina constitucionalista faz críticas a essa nomenclatura – Neoconstitucionalismo –, afirmando que pode ser chamado, entre outros, de pós- positivismo. Para concluir, refletimos sobre a forma desregulada da utilização do princípio da dignidade humana para justificar a ampliação de direitos e o exercício de interpretação do judiciário. Referências Bibliográficas BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. _______. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. ______. O Constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto. [2017]. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/uploads/2013/05/O constitucionalismo-democratico-no-Brasil.pdf. Acesso em: 27 set. 2020. CUNHA JÚNIOR, D. Curso de direito positivo constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. FERREIRA FILHO, M. G. Aspectos de direito constitucional contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. GUASTINI, R. La “Constitucionalización”’ dei ordenamiento jurídico: el caso Italiano. In: CARBONEL, M. (Org.). Neoconstitucionalismo(s). 4.ed. Madrid: Trotta, 2009. HABERMAS, J. Identidades nacionalesy postnacionales. Madrid: Tecnos, 1998. KANT, I. Groundwork of the Metaphysics of Morals. Cambridge: Cambridge A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Referências Bibliográficas www.cenes.com.br | 23 University Press, 1998. MASSON, N.. Manual de direito constitucional. 8 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2020. PAULO, V.; ALEXANDRINO, M. Direito Constitucional Descomplicado. 16 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. SILVA, J. A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014. STRECK, L. L. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. A Proteção dos Direitos Humanos - a ascensão do direito internacional dos direitos humanos | Referências Bibliográficas www.cenes.com.br | 24 Contextualização histórica de Sistemas internacionais de proteção a Direitos Humanos SST Zolotar, M.; Contextualização históricade Sistemas internacionais de proteção a Direitos Humanos / Márcia Zolotar Ano: 2020 nº de p.: 11 páginas Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Contextualização histórica de Sistemas 3 Apresentação Passaremos a aprender, nesta unidade, quais foram os acontecimentos marcantes que deram ensejo à criação de um sistema, internacional e regional, de órgãos de proteção aos Direitos Humanos. Conheceremos quais são esses órgãos, como funcionam e suas principais funções dentro desses sistemas. Neste caminho, iremos entender onde e quando surgiram os primeiros passos dos Direitos Humanos e sua evolução histórica até chegarmos a estes sistemas mencionados. O início dos direitos humanos Acontecimentos marcantes deram ensejo à criação de um sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Fonte: Plataforma Deduca (2020) Ao longo dos períodos na história das sociedades, o poder dos Estados não encontrava limites impostos por uma ordem jurídica internacional. A soberania nacional era absoluta, não obstante a existência de violações a direitos fundamentais, dentre os quais se incluíam os direitos humanos. Eles eram tratados como uma questão doméstica não submetida ao escrutínio e à análise de um sistema internacional que até então inexistia. 4 Foi a partir da 1ª Guerra Mundial que esse panorama se modificou-se. Logo após o fim desta guerra, três acontecimentos simbolizaram o início da internacionalização dos direitos humanos: (i) o direito humanitário, (ii) a criação da Liga das Nações e (iii) a criação da Organização Internacional do Trabalho (“OIT”). A soberania, antes absoluta, passou a ser considerada relativa, e limites foram impostos à atuação do Estado, a fim de assegurar aos indivíduos, de forma eficiente, a proteção aos direitos humanos. Eles passaram a gozar de um status internacional de proteção e a ser sujeito de direitos, dentro do âmbito do Direito Nacional. Direito Humanitário O Direito Internacional Humanitário, ou Direito dos Conflitos Armados, ou Direito da Guerra, surgiu como parte do Direito Internacional Universal. Fábio Konder Comparato (2015) comenta que, em seus primórdios, o Direito Humanitário dividia- se em dois grupos: (i) normas que limitavam os usos de técnicas e armas de combate durante os conflitos armados e (ii) normas com objetivo de proteção às vítimas de conflitos bélicos. No final do século XX, tais distinções praticamente desapareceram. Flavia Piovesan detalha o conceito de Direito Humanitário (2015b, p. 189-190): É o direito que se aplica na hipótese de guerra, no intuito de fixar limites à atuação do Estado e assegurar a observância de direitos fundamentais. A proteção humanitária se destina, em caso de guerra, a militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros) e a populações civis. Conforme lembra Comparato (2015, p. 222), “Tais normas, pelo fato de terem sido adotadas em conferências internacionais patrocinadas pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, passaram a compor o Direito de Genebra”. O Direito de Genebra é composto pelos seguintes instrumentos: • Protocolo para a Proibição do Uso na Guerra de Gases Asfixiantes, veneno- sos ou outros, e de Métodos Bacteriológicos de Guerra - Protocolo de Gene- bra de 1925; • Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares da América Latina– 1968; 5 • Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas e à Base de Toxinas e sua Destruição –1972; • Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sobre a Destruição de Armas Químicas Existentes no Mundo, adotada no Âmbito das Nações Unidas –1993; • Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares –1996; • Convenção de Ottawa sobre a Proibição de Uso, Armazenagem, Produção e Transferência de Minas Antipessoais –1997. A proibição de atividades nucleares definida pelo direito humanitário. Fonte: Plataforma Deduca (2020) Liga das Nações A Liga das Nações foi uma organização criada em 10 de janeiro de 1919 em Genebra. Tinha como principal objetivo a manutenção da paz, a cooperação mundial e a independência política de seus membros, dentre outros. É importante lembrar que a Liga das Nações não possuía forças armadas próprias. Seu poder de coerção se baseava-se na aplicação de sanções econômicas e militares. Confira o organograma da estrutura da Liga das Nações. 6 Liga das Nações Secretaria Geral Permanente Assembleia Geral Liga das Nações Conselho Fonte: autor Flavia Piovesan detalha o conceito de Direito Humanitário (2015b, p. 189-190): É o direito que se aplica na hipótese de guerra, no intuito de fixar limites à atuação do Estado e assegurar a observância de direitos fundamentais. A proteção humanitária se destina, em caso de guerra, a militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros) e a populações civis. Conforme lembra Comparato (2015, p. 222):, “Tais normas, pelo fato de terem sido adotadas em conferências internacionais patrocinadas pelo Comitê Inter-nacional da Cruz Vermelha, passaram a compor o Direito de Genebra. A Assembleia Geral, mostrada na figura, se reúne uma vez por ano com representantes de todos os países membros da organização, cada qual com direito a um voto. O Conselho é o órgão político e decisório, cujos membros permanentes são: Grã- Bretanha, França, Itália, Japão e, posteriormente, Alemanha e União Soviética (atual Rússia). E os não permanentes são escolhidos pela Assembleia Geral. A existência de um órgão internacional, como a Liga das Nações, foi mais um passo decisório na limitação da soberania dos Estados. A proteção dos direitos humanos não poderia ficar restrita ao Estado. Não era mais considerada uma questão doméstica, conforme lembrado anteriormente. A importância da Liga das Nações é enfatizada por Piovesan (2015b, p.191): A Liga das Nações, de 1920, continha previsões genéricas relativas aos direitos humanos, destacando-se as voltadas a mandate system of the 7 League, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do direito ao trabalho – pelo qual os Estados se comprometiam a assegurar condições justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças. A Liga das Nações durou até 1946, quando foi desfeita para a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Organização Internacional do Trabalho (OIT) A OIT foi fundada em 1919 como parte do Tratado de Versalhes e tem como objetivo principal promover padrões internacionais de condições de trabalho dignas e bem- estar social. Como organização, ela foi ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 1969. Dentro dessa estrutura, a Conferência Internacional do Trabalho tem por tarefa definir as normas internacionais do trabalho e as políticas gerais da OIT. Seu encontro acontece todos os anos em Genebra. O Conselho de Administração é o Conselho Executivo da OIT. Ele se reúne três vezes ao ano no Escritório Internacional do Trabalho ano em Genebra. É responsável por tomar decisões sobre as políticas da OIT. Além disso, estabelece o programa e o orçamento que são submetidos à Conferência para adoção. O Escritório Internacional do Trabalho é secretariado permanente da OIT. É o ponto focal para todas as atividades gerais da OIT, preparadas sob o escrutínio do Conselho de Administração e sob a liderança do Diretor-Geral. A formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (Convenções e Recomendações) também são atribuições da OIT. Esses instrumentos, uma vez ratificados por decisão soberana de um determinado do Estado, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. Neste momento, vale a pena uma pausa, no sentido de resumir os acontecimentos explanados acima para passarmos a um segundo momento na história dos Direitos Humanos. 8 A reconstrução dos Direitos Humanos – O Pós 2ª Guerra Mundial Iniciamos uma nova fase na construção do sistema global de proteção dosDireitos Humanos. Chamaremos essa fase de Reconstrução dos Direitos Humanos. Ela se inicia com o fim da 2ª Guerra Mundial. Comecemos pelos números, citados por Fábio Konder Comparato (2015, p.225): Calcula-se que 60 milhões de pessoas foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial, a maior parte deles civis, ou seja, seis vezes mais do que o conflito no início do século, em que as vítimas, em sua quase totalidade, eram militares. Além disso, enquanto a guerra no início do século provocou o surgimento de cerca de 4 milhões de refugiados, com a cessação das hostilidades na Europa, em maio de 1945, contava-se mais de 40 milhões de pessoas deslocadas, de modo forçado ou voluntário, dos países onde viviam em meados de 1939. O sistema global de proteção dos direitos humanos inicia uma nova fase após a Segunda Guerra Mundial. Fonte: Plataforma Deduca (2020) Mais uma vez, a violação em massa, as atrocidades praticadas pelo nazismo, os milhões de pessoas mortas, submetidas à tortura e a condições degradantes deixaram clara a total ruptura do respeito aos direitos humanos. O sistema de proteção aos direitos humanos, criado após a 1ª Guerra, não foi efetivo face ao surgimento de Estados totalitários. Foi necessária uma efetiva delimitação da soberania estatal e a criação de um novo sistema de órgão e normas 9 no qual o indivíduo fosse sujeito de direito internacional e que houvesse uma responsabilização do Estado, face às violações sistemáticas de direitos humanos. Podemos afirmar que, neste momento, com a reconstrução dos direitos humanos, surgiu o movimento de internacionalização da proteção dos direitos humanos. Importante notar a diferença entre o papel da Liga das Nações e da futura Organização das Nações Unidas (ONU). A Organização das Nações Unidas (ONU) Conforme dito anteriormente, a Liga das Nações teve seu fim com o advento da criação das Organizações das Nações Unidas. Não podemos tratar da ONU sem mencionar a Carta do Atlântico. Considerada precursora das ideias con- sagradas pela Declaração de 1948 e pela ONU, tal documento resultou do en- contro do Presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, com o Primeiro Ministro britânicoBritânico, Winston Churchill, em agosto de 1941. A declaração das Nações Unidas foi assinada em 1º de janeiro de 1942. Fonte: Plataforma Deduca (2020) Dois importantes documentos merecem destaque. A Declaração das Nações Unidas foi assinada em 1º de janeiro de 1942 e refletia o desejo dos aliados em não firmar acordos de forma separada. A Carta das Nações Unidas, por sua vez, foi assinada em 26 de junho e entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano. Lembramos que 10 a Conferência de San Francisco foi a primeira assembleia internacional da história moderna que não transcorreu sob o domínio de nações europeias. A organização não se propôs a constituir um "superestado" ou um governo mundial, mas a criar um sistema de segurança coletiva pela cooperação voluntária de seus membros. A soberania dos Estados-membros é respeitada e a jurisdição interna dos estados é mantida. Confira o organograma da ONU na figura a seguir. Estrutura da ONU Assembleia Geral Conselho Econômico Social Conselho de Segurança Conselho de Tutela ONU Corte Internacional de Justiça Secretariado Fonte: autor Fechamento Nesta unidade, você, estudante, analisou o caminho percorrido pelos Direitos Humanos dentro da sociedade contemporânea, ou seja, sua função e importância na busca por proteger direitos e garantir a cidadaniade e a dignidade das pessoas. A soberania estatal é relativizada devido à construção de um sistema global e regional, onde estes passam a ser os atores sociais, na busca de garantia da dignidade humana e cidadania, onde a ONU compõe o sistema global de direitos humanos com esta finalidade. 11 Referências COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. PIOVESAN, F. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Direitos Humanos e a Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015a. ______. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015b. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. História da OIT. [2017]. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/hist%C3%B3ria/lang--pt/index.htm. Acesso em 15 jun. 2018. https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/hist%C3%B3ria/lang--pt/index.htm Dos tratados, princípios, atos e obrigações do Direito Internacional SST Vargas, Fábio Aristimunho Dos tratados, princípios, atos e obrigações do Direito Internacional / Fábio Aristimunho Vargas Local: 2020 nº de p. : 14 Copyright © 2019. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. Dos tratados, princípios, atos e obrigações do Direito Internacional 3 Apresentação Todos os ramos direitos possuem as suas fontes próprias, as fontes representam os processos de produção de normas jurídicas. Consideramos como fontes do Direito: leis, costumes, princípios gerais do direito, jurisprudência, ato negocial, analogia, equidade e, ainda, a doutrina. O Direito Internacional é dinâmico e possui diversas fontes que servem de material para a sua aplicação. Vamos estudar agora as fontes do Direito Internacional, os processos de produção de normas internacionais que vinculam os sujeitos de Direito Internacional. Fontes materiais e fontes formais e a corte internacional de justiça A doutrina costuma distinguir as fontes do Direito em fontes materiais e fontes formais, de acordo com a ênfase no conteúdo ou na forma. Essa classificação também se aplica ao Direito Internacional, ainda que com alguma ressalva. Consideramos fontes materiais os elementos sociais, históricos, econômicos, culturais e psicológicos, ou seja, os elementos que materializam as fontes formais. Fontes formais são os meios e as formas por meio dos quais as fontes materiais se exteriorizam, de acordo com Gomes e Montenegro (2006). Segundo Mazzuoli (2016), as fontes materiais não pertenceriam ao universo da Ciência Jurídica, mas sim à Política do Direito, visto que se referem ao exame do conjunto de fatores sociais, econômicos, culturais e psicológicos que condiciona a decisão do poder no ato de edição e formalização das fontes do Direito. Já as fontes formais seriam “os métodos ou processos de criação das normas jurídicas, as diversas técnicas que permitem considerar uma norma como pertencente ao mundo jurídico, vinculando os atores para os quais se destinam”. No plano internacional, onde não há subordinação entre os sujeitos de Direito Internacional, predomina, em vez disso, uma relação de coordenação entre eles, as normas não são produzidas tal como ocorre no Direito Interno. Não existe um mecanismo “constitucional” a 4 determinar um processo legislativo de produção das normas internacionais, logo, não parece adequado falar-se em fontes formais para o Direito Internacional. Você sabia que a Corte é integrada por quinze juízes eleitos com base em seu mérito individual, que representem os diversos sistemas jurídicos do mundo? Esses juízes permanecem em seus cargos por nove anos, podendo ser reeleitos. A eleição dos juízes é feita a cada três anos, quando é renovado um terço do tribunal em votação na Assembleia Geral da ONU. Por tradição, os países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU têm mantido nas últimas décadas sempre um representante de sua nacionalidade entre os juízes da CIJ. Curiosidade O artigo 38 do Estatuto da CIJ arrola o que se costuma designar por fontes do Direito Internacional Público, a serem aplicadas para a resolução das controvérsias submetidas àquele tribunal. Esse dispositivo não estabelece hierarquia entre as fontes. Dessa maneira, podem ocorrer situações em que o costume, a título de prática geral aceita como sendo o direito, venha a se sobrepor a um tratadointernacional, a despeito de este originar-se de uma expressa manifestação de vontade por parte do Estado enquanto aquele é não mais do que uma prática, um comportamento recorrente, uma práxis. A alínea d do art. 38.1 do Estatuto da CIJ chama de “meios auxiliares” a jurisprudência internacional e a doutrina. É um nome bastante apropriado, visto que tanto a doutrina, quanto a jurisprudência não são tecnicamente fontes do direito, pois delas não nascem quaisquer direitos. São apenas meios auxiliares para que se determine corretamente o direito alegado em questão. A doutrina inclui ainda no rol de fontes do DIP duas categorias que, por razões diversas, não mereceram referência no Estatuto da CIJ: os atos unilaterais e as decisões tomadas no âmbito das organizações internacionais. Desde 1945, a CIJ proferiu mais de cento e dez sentenças relativas a diversos âmbitos, como fronteiras terrestres e marítimas e questões de direito humanitário. Até o momento, apenas uma única sentença não foi acatada, quando os EUA 5 descumpriram as medidas cautelares emitidas pela Corte em favor de um condenado à morte mexicano, que veio a ser executado pelas autoridades do país. A chamada cláusula “Raul Fernandes” estabelece a adesão facultativa à jurisdição obrigatória da CIJ. Significa que os Estados podem ou não aceitar sua jurisdição obrigatória. Se um Estado a aceita, torna-se jurisdicionável ante a Corte e pode ter seus litígios por ela julgados, caso as demais partes na controvérsia também consintam. A cláusula é facultativa, mas, uma vez aceita, a jurisdição da Corte torna- se obrigatória. O Brasil não aceita a jurisdição da CIJ, embora o Estado brasileiro tenha indicado vários juízes à Corte. De acordo com o Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá, celebrado durante a IX Conferência Panamericana, em 1948, os Estados do continente se comprometem a submeter seus litígios à Corte Internacional de Justiça (CIJ) e a acatar suas resoluções. Assim, os patamares deverão ser cumpridos pelos signatários. Palácio da Paz, sede da Corte de Haia, nos Países Baixos Fonte: Plataforma Deduca (2020). Como podemos ver, a Corte de Haia é um tribunal internacional vocacionado a resolver conflitos internacionais entre Estados membros da ONU. Nos últimos 6 anos, questões territoriais e conflitos de fronteiras têm sido alguns dos temas mais frequentemente levados pelos países à sua jurisdição. Fontes de direito internacional público Com base no Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), abaixo serão analisadas as fontes de DIP, além de outras fontes apresentadas por estudiosos do tema. Tratado internacional Tratados internacionais constituem um assunto vasto e complexo. Neste tópico, apresentamos apenas algumas de suas características gerais, o suficiente para caracterizá-los como fonte do Direito Internacional. Podemos conceituar tratado internacional como um acordo decorrente da convergência das vontades de dois ou mais sujeitos dotados de personalidade jurídica internacional, formalizado em um texto escrito, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos no plano internacional. Atenção Segundo Motta (2010), tratado internacional “é um acordo ou pacto internacional firmado entre Estados/países, em forma escrita e regulado pelo direito internacional, consubstanciado em um único instrumento ou mais, qualquer que seja a sua designação específica”. Outras denominações para o instituto do tratado internacional: convenção, acordo, protocolo, carta, entre outros. Esses nomes tendem a ser adotados em certas situações particulares, embora não haja uma regra geral a respeito. Para se tornarem válidos e produzir efeitos jurídicos tanto no plano internacional quanto no plano interno, os tratados internacionais devem passar por diversas 7 etapas de celebração, tais como assinatura, ratificação e incorporação, gerando diferentes consequências após o cumprimento de cada uma delas. Costume internacional Costumes são práticas repetidas ao longo do tempo e aceitas como sendo o direito. O Direito Internacional também tem práticas que já se consolidaram no plano internacional, denominadas costume internacional. São exemplos o direito de asilo político, a forma antiga de demarcação do mar territorial, etc. O objetivo do costume internacional é preencher as lacunas do DIP, ao lado de suas demais fontes. Asilo político serve para a preservação da integridade do indivíduo, como imperativo humanitário; evitar que o próprio influencie politicamente em seus país de origem, o que poderia resultar em grave cisão política e social. Atenção São condições para a vigência do direito costumeiro: continuidade (a vigência do costume não pode ter sido interrompida), diuturnidade (o costume deve existir há um tempo considerável), moralidade (o costume deve estar em conformidade com a moral instituída na sociedade), uniformidade (a prática costumeira deve ser repetida de forma análoga ou idêntica), obrigatoriedade (a prática do ato costumeiro deve ser exigida, por toda a coletividade, de cada membro da sociedade). O costume não pode ser contra legem, quer dizer, contrário ao direito positivado. Norberto Bobbio (2006) lista as seguintes características: generalidade, uniformidade, continuidade, durabilidade. Princípios gerais do Direito Princípios gerais do Direito são diretrizes que emanam do ordenamento jurídico, servindo-lhe de alicerce. Não é necessário que estejam positivados em uma norma jurídica. Analise alguns princípios gerais do Direito Internacional no quadro abaixo: 8 Princípios do Direito Internacional • o princípio da não agressão; • o princípio da solução pacífica de controvérsias entre Estados; • o princípio da autodeterminação dos povos (um povo tem o direito de escolher seus próprios governantes e de se autogovernar); • o princípio da coexistência pacífica (dois Estados devem conviver pacificamente, mesmo que tenham divergências insolúveis); • o princípio da proibição da propaganda de guerra; Fonte: Elaborado pelo autor (2020). Em sua jurisprudência, a Corte Internacional de Justiça tem reconhecido princípios gerais do Direito como o pacta sunt servanda (o que foi acordado pelas partes deve ser cumprido) e res iudicata (coisa julgada, cujos efeitos não podem ser afetados pela nova lei). Pelo contexto histórico em que se elaborou o Estatuto da CIJ, tendo como pano de fundo a Guerra Fria, não foram prestigiados princípios como o do respeito aos direitos adquiridos e o da justa indenização por nacionalização de bens, devido à restrições impostas pelos países socialistas à época. Hoje, esses princípios já integram os princípios gerais do DIP. O DIP moderno depende cada vez menos dos princípios gerais, pois inúmeras normas deles derivadas já se encontram codificadas ou incorporadas aos costumes. Jurisprudência internacional Como fonte do Direito Internacional, a jurisprudência se caracteriza como o conjunto de decisões emanadas dos tribunais internacionais. Exemplo de tribunais internacionais são a Corte Internacional de Justiça (CIJ), a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Europeia de Direitos Humanos, o Tribunal Penal Internacional (TPI), o sistema de soluções controversas da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outros. 9 Um tribunal interno, como o STF, no Brasil, não pode criar jurisprudência internacional, ainda que o teor da matéria seja de natureza internacional. Decisões dos tribunais nacionais dos Estados, ao contrário das da CIJ e de outros tribunais internacionais, não constituem fontes do Direito Internacional. Atenção Doutrina Doutrina é o conjunto de ensinamentos e descrições explicativas elaboradas pelos mestres e pelos juristas e estudiosos. Como fonte do Direito Internacional, trata-se de obras especializadas na disciplina. As convenções internacionais que ainda não entraram em vigor também são consideradas como fonte doutrinária, visto que elaboradas por renomadosespecialistas. Equidade O Estatuto da CIJ, em seu art. 38.2, autoriza a Corte, se os Estados em litígio assim concordarem, a decidir uma questão ex aequo et bono, ou seja, por equidade. O Instituto Jurídico da Equidade, identificado como técnica hermenêutica ou um modo de aplicação do direito por alguns autores, consiste na adaptação de uma norma existente a um caso concreto, específico, observando-se os critérios de justiça e igualdade. É a adaptação de uma norma a um caso específico, deixando-a mais justa, levando em conta os valores sociais vigentes e os princípios gerais do Direito. Atenção 10 O Direito Internacional tem, assim, a equidade como uma de suas fontes. Ao decidir por equidade, os juízes da CIJ devem procurar adaptar a norma internacional existente a um caso específico, a fim de deixá-la mais justa, observando os critérios de justiça e igualdade e levando em conta os valores da comunidade internacional. Atos unilaterais Alguns atos praticados de modo unilateral pelos Estados podem gerar efeitos na ordem internacional, sendo considerados pela doutrina como fontes do DIP, embora o art. 38 do Estatuto da CIJ não inclua os atos unilaterais entre as fontes do DIP. Nas relações internacionais, são frequentes os atos unilaterais praticados pelos Estados, que produzem efeitos jurídicos concretos. Apesar de não constarem da lista do artigo 38 de seu Estatuto, os atos unilaterais têm sido considerados pela Corte de Haia na decisão de controvérsias que lhe são submetidas. Os atos unilaterais podem ser não normativos ou normativos. Atos unilaterais não normativos com repercussão internacional são, por exemplo, a notificação, a renúncia e o reconhecimento. Por exemplo, quando um Estado reconhece unilateralmente a existência de outro, sem entrar em acordo nem fazer negociações, ele o faz por iniciativa própria, normalmente por meio de uma declaração. Após mais de duas décadas de guerra civil no Sudão, na África, a região sul do país declarou-se independente em 9 de julho de 2011. Surgia, assim, o Sudão do Sul, país que, cinco dias depois, seria aceito pela ONU como seu 193º e mais novo membro. O governo brasileiro, por meio de nota emitida pelo Ministério das Relações Exteriores (conhecido como Itamaraty), reconheceu imediatamente o novo país. Curiosidade Já atos unilaterais normativos são as normas promulgadas no interior do ordenamento jurídico nacional, emanados de uma única vontade soberana. Se o seu objeto se voltar para fora, para o exterior, essa norma se qualifica como fonte do Direito Internacional. São exemplos de atos unilaterais normativos as leis com que um Estado determina a extensão de seu mar territorial, o regime dos portos e a 11 franquia das águas interiores à navegação estrangeira: a lei é criada para vigorar no interior do Estado, mas acaba gerando repercussão internacional e se transforma em fonte do DIP. Decisões das organizações internacionais Não figuram no rol do art. 38 do Estatuto da CIJ as decisões das organizações internacionais. Na época da fundação da Corte de Haia (1921), não era ainda expressiva a atuação das organizações internacionais. O dispositivo foi repelido em 1945, sem revisão. As resoluções, declarações e diretrizes emitidas por uma organização internacional têm efeitos diversos sobre os membros da entidade. As decisões meramente procedimentais quase sempre obrigam a totalidade dos membros da organização. Quando se trata de decisões importantes, no entanto, estas só obrigam a todos quando tomadas por unanimidade; se majoritários, obrigam apenas os integrantes da maioria vitoriosa. As decisões das organizações internacionais podem ser emitidas pela assembleia dos países membros, por um órgão ou por uma decisão personalíssima do secretariado geral. Em nenhum caso terão a natureza de “acordos formais”. Qualidades das atribuídas às normas internacionais: obrigações erga omnes, normas jus cogens e soft law Vamos tratar, neste tópico, não propriamente de fontes do Direito Internacional, mas de certas qualidades que podem ser atribuídas às normas internacionais. Consideram-se erga omnes as obrigações a todos impostas, sem possibilidade de objeção. São normas que atingem a todos os sujeitos, sem exceção. As normas de caráter costumeiro integram o núcleo das obrigações erga omnes. O chamado direito de passagem inocente, no qual um Estado ribeirinho deve respeitar o livre trânsito de embarcações mercantes procedentes de outros países por seu litoral, é um exemplo de obrigação erga omnes, com fonte na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982. 12 São jus cogens as normas internacionais que ocupam hierarquia superior às demais normas e se sobrepõem à autonomia da vontade dos Estados, não podendo ser revogadas. Segundo a Convenção de Viena de 1969, art. 53, considera-se nulo um tratado que esteja “em conflito com norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens)”. Mesmo a superveniência de uma norma jus cogens tem o condão tornar nulo qualquer tratado em conflito com ela, de acordo com o art. 64. São consideradas jus cogens: I. Certas normas costumeiras, como aquelas que protegem os fundamentos da própria ordem internacional. II. Certas normas convencionais, como a Carta das Nações Unidas, de 1945. III. O Direito Internacional Especial, a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. Note que o con- teúdo dessas normas se associa, não por acaso, aos Direi- tos Humanos. Atenção Soft law são textos deliberadamente desprovidos de caráter jurídico nas relações mútuas entre os responsáveis por sua redação. Segundo Mazzuoli (2016), integram uma “zona cinzenta” entre o universo do direito e do não direito. A flutuação da conjuntura econômica internacional, que impõe a necessidade de maior flexibilização e de acomodação de interesses, seria umas das razões para o desenvolvimento desse tipo de relação não normativa. Muitas vezes, tomam a forma de uma opinio juris acerca de determinado tema, a exemplo das declarações conjuntas proferidas ao final de conferências sobre temas como meio ambiente, aquecimento global e desigualdade social. Seus objetivos podem, não raro, visar aos comportamentos futuros dos Estados. 13 Fechamento Todos as normas de qualquer ramo do direito se pretendem efetivas, pois, se assim não fossem, o seu valor se resumiria ao histórico e não à aplicabilidade efetiva dessas normas. As normas dos diversos ramos do direito provêm de várias fontes, essa constante renovação e rediscussão das normas é capaz de manter o direito “vivo”. Reconhecemos neste estudo, as principais fontes do Direito Internacional. Como visto as fontes são variadas e muitas vezes decorrem da própria aplicação do direito, como é o caso da jurisprudência. Ao se conhecer as fontes é possível observar a dinamicidade desse ramo do direito, bem com as qualidades que as suas normas assumem. 14 Referências ________. Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá). Conclusão e assinatura: Bogotá – Colômbia, 30 de abril de 1948. Promulgação no Brasil: Decreto nº 57.785, de 11 de fevereiro de 1966.Disponível em: <https://www2.camara. leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-57785-11-fevereiro-1966-398647- publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: out. 2020. BRASIL. Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Promulgado no Brasil Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: out. 2020. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. COSTA RICA; ECUADOR. Convenio sobre delimitación de áreas marinas y submarinas entre las repúblicas de Costa Rica y Ecuador (Tratado Gutiérrez-Terán). Quito, 12 de marzo de 1985. Disponível em: <http://extwprlegs1.fao.org/docs/pdf/ bi-99237.pdf>Acesso em: out. 2020. GOMES, E. B.; MONTENEGRO, J. F. Introdução aos estudos de Direito Internacional.Curitiba: InterSaberes, 2006. MAZZUOLI, V. O. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. MOTTA, A. L. B. Curso introdutório de Direito Internacional do Comércio. Barueri: Manole, 2010. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-57785-11-fevereiro-1966-398647-publicacaooriginal-1-pe.html https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-57785-11-fevereiro-1966-398647-publicacaooriginal-1-pe.html https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-57785-11-fevereiro-1966-398647-publicacaooriginal-1-pe.html http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm http://extwprlegs1.fao.org/docs/pdf/bi-99237.pdf http://extwprlegs1.fao.org/docs/pdf/bi-99237.pdf Declarações e tratados Internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil SST Zolotar, Márcia Declarações e tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil / Márcia Zolotar Ano: 2020 nº de p.: 11 Copyright © 2020. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. 3 Declarações e tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil Apresentação Desde os tempos mais remotos, as nações foram se adaptando e criando estruturas de relacionamento, considerando as atividades executadas como comércio, estabelecimento de fronteiras, regras de conflitos, entre outras. As declarações e tratados internacionais são documentos importantes que buscam estabelecer um relacionamento equilibrado entre as nações, com o objetivo dessa relação ser sempre harmoniosa entre os interesses particulares de cada país. Dentro dessas relações, podem existir eventualmente conflitos de interesse, e as declarações e tratados costumam estabelecer as bases de relacionamento entre as nações que o assinam. Nesta unidade, vamos abordar os conceitos essenciais, seu funcionamento e apresentar quais são as declarações e tratados internacionais assinados pelo Brasil. Declarações e tratados internacionais no Brasil O Brasil, assim como os demais países da América Latina, vive um processo de democratização e de fortalecimento de suas instituições. Nesse sentido, a Constituição Federal (CF) de 1988 foi um marco importante ao consagrar os direitos humanos e a dignidade humana ao patamar de núcleo básico e formador do ordenamento jurídico brasileiro. Segundo o art. 1º da CF/88: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana […]. (BRASIL, 1988). 4 Mas como os tratados internacionais passaram a ser interpretados frente a essa nova Constituição? Comecemos pela leitura do art. 5, § 2º da CF/88: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988) Assim, a Constituição de 1988 conferiu aos direitos elencados em tratados internacionais a hierarquia de normas constitucionais. No caso dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, há uma outra peculiaridade. Eles possuem o que chamamos de natureza constitucional, ao passo que os demais tratados têm tão somente natureza infraconstitucional. Sobre isso, Flavia Piovesan (2013, p. 60) afirma: “[...] o Direito Brasileiro faz opção por um sistema misto, que combina regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e um outro aplicável aos tratados tradicionais”. Atenção Uma questão importante que se coloca diz respeito ao resultado, no ordenamento jurídico brasileiro, da ratificação de um tratado internacional. Três situações poderão surgir: 1. Compatibilização com o determinado na Constituição: Neste caso, não haveria problema, tendo em vista que a Constituição de 1988 prevê vários artigos cujo objeto é a proteção aos direitos humanos, tais como os arts. 5º, III e LVIII, dentre outros. 5 2. Complementação dos direitos previstos no texto constitu- cional: Nesta segunda situação, embora ainda não existentes no ordenamento jurídico nacional, os tratados internacionais servem exatamente para preencher essa lacuna e auxiliar na efetividade na proteção aos direitos humanos. 3. Colisão com o ordenamento jurídico interno: Aqui, há um difícil conflito. A solução é dada pela prática adotada pela jurisprudência dos órgãos de supervisão internacional de direitos humanos: “A escolha da norma mais benéfica ao indivíduo é tarefa que caberá fundamentalmente aos Tribunais nacionais e a outros órgãos aplicadores do direito, no sentido de assegurar a melhor proteção possível ao ser humano” (PIOVESAN, 2013, p. 73). Instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos no Brasil Abaixo, destacamos os mais importantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil (PIOVESAN, 2013, p. 55): 1. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura – 20 de julho de 1989. 2. Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis ou Degradantes – 28 de setembro de 1989. 3. Convenção sobre os Direitos da Criança – 24 de setembro de 1990. 4. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – 24 de janeiro de 1992. Citação 6 5. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – 24 de janeiro de 1992. 6. Convenção Americana de Direitos Humanos – 25 de setembro de 1992. 7. Convenção Americana para Punir, Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher – 27 de novembro de 1995. 8. Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte – 13 de agosto de 1996. 9. Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador – 21 de agosto de 1996. 10. Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiências – 15 de agosto de 2001. 11. Estatuto de Roma – Tribunal Penal Internacional – 20 de junho de 2002. 12. Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher – 28 de junho de 2002. 13. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças sobre o Envolvimento em Conflitos Armados – 27 de janeiro de 2004. 14. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças sobre Venda, Prostituição e Pornografia Infantis – 27 de janeiro de 2004. 15. Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura – 11 de janeiro de 2007. 16. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências e seu Protocolo Facultativo – 1º de agosto de 2008. 17. Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, bem como do Segundo Protocolo ao mesmo Pacto visando à Abolição da Pena de Morte em 25 de setembro de 2009. Citação 7 Sistema Europeu de Proteção dos Direitos Humanos Pode-se afirmar que o Sistema Europeu de Proteção dos Direitos Humanos é reconhecidamente o mais eficiente dentre os demais Sistemas Regionais de Proteção. Tal entendimento é defendido por Flavia Piovesan (2015, p. 114): Ressalte-se que, dos sistemas regionais, é o europeu o que traduz mais extraordinária experiência de justicialização de direitos humanos, por meio da atuação da Corte Europeia. Isto é, o sistema europeu não apenas elenca um catálogo de direitos, mas institui um sistema inédito que permite a proteção judicial dos direitos e liberdades neles previstos. O Sistema Europeu foi fruto de um esforçoconjunto para a promoção da unidade europeia, progresso econômico e proteção aos direitos humanos em uma Europa dizimada após a 2ª Guerra Mundial. O Conselho da Europa foi fundado em 1949 e é integrado por 47 Estados-Membros. Todos eles assinaram a Convenção Europeia de Direitos Humanos, cujo objetivo é a defesa dos direitos humanos no Continente Europeu. Confira, abaixo, o organograma do Conselho da Europa. Estrutura do Conselho da Europa Conselho da Europa Comitê de Ministros Assembleia Parlamentar Secretariado-Geral Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Congresso dos Poderes Locais e Regionais Fonte: Elaborada pela autora (2018). A Convenção Europeia dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais foi elaborada no âmbito do Conselho da Europa Ocidental, entrando em vigor no dia 3 de setembro de 1953. É importante destacar que, nesse documento, os Estados- partes aceitam a supervisão internacional quanto à proteção de direitos humanos e à adoção interna de parâmetros mínimos em matéria de proteção desses direitos. No entendimento de Comparato (2015, p. 282), a Convenção Europeia teve importância ímpar na proteção aos direitos humanos: 8 Mas a grande contribuição da Convenção Europeia para a proteção da pessoa humana foi, de um lado, a instituição de órgãos incumbidos de fiscalizar o respeito aos direitos nela declarados e julgar as suas eventuais violações pelos Estados signatários; de outro, o reconhecimento do indivíduo como sujeito do direito internacional, no que tange à proteção dos direitos humanos. Os direitos protegidos na Convenção Europeia são fundamentalmente os direitos civis e políticos que representavam à época os ideias liberais e individualistas. São os chamados direitos de 1ª geração. A proteção aos direitos de 2ª geração – direitos econômicos, sociais e culturais – foram objeto da Carta Social Europeia, que entrou em vigor em 26 de fevereiros de 1965. A Corte Europeia adotou quatro importantes princípios. Vamos conhecer agora cada um deles? 1. Princípio da interpretação teleológica: Segundo este princípio, a interpretação a ser dada aos direitos elencados na Convenção deve ser a mais apropriada possível, visando alcançar os fins e objetivos ali traçados. Devem ser evitadas quaisquer leituras interpretativas que limitem o alcance das obrigações assumidas pelos Estados-partes. 2. Princípio da interpretação efetiva: Este princípio fala por si. A Corte Europeia deve assegurar aos direitos previstos na Convenção efetividade, adequação e caráter satisfatório. 3. Princípio da interpretação dinâmica e evolutiva: A interpretação pela Corte deve se adaptar às mudanças ocorridas na sociedade, nos planos político, econômico e social. Os direitos humanos se caracterizam por serem um conceito histórico, em processo contínuo de evolução e desenvolvimento. 9 4. Princípio da Proporcionalidade: Este princípio determina uma razoabilidade entre os meios empregados e os fins a serem atingidos. Dessa forma, deve haver um equilíbrio entre o interesse geral da comunidade e as demandas individuais de proteção aos direitos humanos. A partir de 1º de novembro de 1988, surgiu um novo sistema que substituiu a Corte e a Comissão de Direitos Humanos por uma Corte permanente. Esse sistema foi aprovado pelo Protocolo nº 11. A nova Corte é regida por importantes princípios do direito: contraditório e da ampla defesa. A quantidade de seus membros deve ser a mesma do Conselho da Europa. Quando o Estado-Membro ratifica a Convenção, já está, implicitamente, aceitando a jurisdição da Corte Europeia. Possui, ainda, jurisdição contenciosa e consultiva. Os princípios do contraditório e da ampla defesa são indissociáveis e estão presentes no processo judicial e administrativo. Pelo contraditório, cada uma das partes tem direito a tomar conhecimento do que é alegado no processo e contestar. No caso da ampla defesa, as partes podem trazer ao processo quaisquer provas lícitas para provar a verdade, omitir-se ou calar-se, a fim de evitar autoincriminação Saiba mais O novo sistema, com a criação de uma Corte Europeia, trouxe importantes modificações, tais como: • indivíduos, grupos de indivíduos e organizações não governamentais (ONGs) têm acesso direto à Corte Europeia, mediante o direito de petição; • a Corte possui competência consultiva e contenciosa. No caso desta última, as decisões são vinculantes e têm natureza declaratória; • o número de juízes deverá ser igual ao número de Estados-partes; • as línguas oficiais são o inglês e o francês. 10 O Sistema Europeu enfrenta novos desafios diante da inclusão de países na Comunidade Europeia e da onda de refugiados que acometeu o continente. Sobre isso, comenta Piovesan (2015, p. 131): Atente-se, todavia, que a inclusão dos países do leste Europeu no sistema europeu, com sua agenda própria de violações, está a deflagrar a crescente abertura da Corte Europeia à jurisprudência interamericana relativa a graves violações de direitos perpetradas por regimes autoritários, envolvendo a prática de tortura, execução su- mária e desaparecimento forçado de pessoas. Conclusão O tema desta unidade é bastante amplo e, dependendo da questão analisada, por ser muito complexo. Isso porque, quando se trata de questões envolvendo interesses difusos, até se chegar a um consenso, as negociações podem demorar muitos anos, e analisar as variáveis presentes em um caso concreto levam em consideração as declarações e tratados internacionais. Por conta disso, trata-se de um tema muito relevante para os seus estudos, que pode ser o diferencial de conhecimento em um processo de seleção de um trabalho, por exemplo. Nesse ponto, é importante que seus conhecimentos sejam difundidos entre a sua comunidade, gerando oportunidades de discussões e aprendizado para todos. 11 Referências COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Saraiva, 2003. PIOVESAN, F. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europei, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva Educação, 2015. PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.